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i,” Malinowski Os PensadoréS Malinowski “Encontra-se a moderna etnologia em situagio tristemente cémica, para néo dizer trégica; no exato momento em que comega a colocar seus labora- térios em ordem, a forjar seus proprios instrumentos e a preparar.se para 2 ta- rela indicada, 0 objeto de seus estudos desaparece répida e irremediavelmen- le, Agora, numa época em que os mé- todos © objetivos da etnalogia cientifi- <@ parecem ter s¢ delineado; em que um pessoal adequadamente treinado para a pesquisa cientifica est’ come- Gando a empreender viagem 2s regides selvagens e a estudar seus habitantes, estes esto desaparecenda ante nossos olhgs.” MALINOWSKI: Argonautas do Pactii- co Ocidental. “E enorme a diferenca entre 0 re- lacionarse esporadicamente com os fativos € estar efetivamente em conta- te com eles, Que significa estar em sontaio? Para o etnégrafo significa que sua vida na aldeia, no comeco ume es tranha aventura por vezes desagrads- vel, por vezes interessantissima, logo assume um Caréter natural em plena harmonia com 0 ambiente que 0 o- deia.” MALINOWSKI: Argonautas do Paciii- um relate do empreendimento ¢ da aventura dos natives nos arquipélagos da Nova Guiné melané- 1 Bronislaw Malinowski ; preffcio de Sir James George Fra- zer ; tradugio de Anton P. Cam e Ligia Aparccida Cardieri Mendonca revista por Eunice Ribeiro Durham. — 3. ed, — So Paulo : brit Cul- tural, 1984, (Os pensadores) Inclui vida e obra de Malinowski. Bibliografia. Apindice: Hustracées ¢ mapas mencionados no texto, 1. Etnologis - Nova Guiné 2. Folclore - Nova Guiné 3. IIhas Tro- brian, Novi Guiné - Civilizagio 4. Magia-Nova Guiné 5. Malinowski, w Kusper, 188-1942 6. Troca (Comercio) - Nova Guiné 1. Titulo. CDD-572,995 -133,40995, -301.092 -380,10995 -398.0995 995.3 Indices para eatilogo sistemético: 1. Antropélogos : Bingrafia c obra 301 092 2. thas Trobriand: Nova Guiné : Civilizagio 995.3 3. Nova Guiné ; Etnologia 372,995 4. Nova Guing : Folelore 398.0995, 5, Nova Guiné : Magia 133.40995 6. Nova Guiné : ‘Trozas comerciais 380.10995 BRONISLAW MALINOWSKI ARGONAUTAS DO PACIFICO OCIDENTAL UM RELATO DO EMPREENDIMENTO E DA AVENTURA DOS NATIVOS NOS ARQUIPELAGOS DA NOVA GUINE MELANESIA Com Prefiicio de Sir James George Fruzer Tradugdo de Anton P. Carr (Cepitulos 1 - XV) ¢ Ligia Aparceida Cardieri Mendonga (Capitulos XVI - XXII}, revista por Eunice Ribeiro Durham. Sia “h) 1984 EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Titulo original: Argonauts of the Western Pecifie— An Account of Native Enterprise and ‘Adventure in the Archipelagoes of Melanesian New Guinea ® Copyright 1921, by Bronislaw Malinowski. © Copyright Abril S.A. Cultural, Séo Paulo, 1976. — 2tedigdo, 1978, — 3." edigao, 1984, ‘Texto publicado sob licenga de Jozef Malinowska Stuart, Nova York, Direitos exclusives sobre ‘a tradugio deste volume, Abril S.A. Cultural, Sio Paulo, Direitos exclusivos sobre "Malinowski — Vida e Obra’’, Abril S.A. Cultural, Sio Paulo, MALINOWSKI VIDA E OBRA Consultoria: Euniee Ribeiro Durham Cz a publicagao, em 1922, de Os Arganautas do Pacttico Ocidental, Malinowski nao realizou apenas uma adicao, em- bora substancial, & etnografia da Melanésia, mas procedeu a uma ver- dadeira revolugao na literatura antropoldgica. O carater inovador da obra de Malinowski, exemplificado nessa monografia @ nos trabalhos que a sucederam, ultrapassou de muito o Citculo resttito dos especialistas em antropologia. Talvez apenas Mor- gan (1818-1881), antes dele, e Lévi-Strauss (1908- —), depois, te- ham logrado uma repercussdo to ampla de seus trabalhos, inclusi ve entre o publica leigo. No caso de Malinowski, como no dos outros dois, a popularida- de da obra e seu signi‘icado inovador repousam na apresentacao de uma nova viséo do homem e na indicagao de uma nova maneira de Compreender © comportamento humano. Com os Argonautas, destaz- sé definitivamente a visdo das sociedades tribais come fdsseis vivos do pasado do homem, equivalentes humanos das pecas de museu, aglomerados de crengas @ costumes irracionais e desconexos. O$ cos- tumes as crengas de um povo exético adquirem agora plenitude de significado e 0 Comportamento nativo aparece como a¢ao coerente & integrada. A etnografia adquire a capacidade de reconstruir e transmi- tir uma experiéncia de vida diversa da nossa, mas nem por isso me- fos rica, ou menos humana. Essa inovacao no resulta simplesmente de uma intuigdo feliz, mas 6, sem ddvida alguma, © produto de uma reflexdo laboriosa, que arguitetou_novas tecnicas de investigagdo e novos métados de inter- pretacdo, tao candidamente expostos na Introdugdo de os Argomau- las. A singular mistura de objetividade cientifica e vivéncia pessoal, de humildade e jactincia que transparece nessa Introducéo, revela muito da personalidade de Bronislaw Kaspar Malinowski. Professor brilhante, conferencista. magnifico, polemicista apaixo- nado, Malinowski posstia simultaneamente a capacidade de simpatia © a intolerdncia que coexistem tio freqtientemente nas pessoas muito afetivas. Por isso mesmo, criou discipulos fervorosos e adversarios fer- renhos. © préprio carater palémico, complexo e muitas vezes contra- ditério de sua obra provoca a admiracéo sincera e a critica impiedosa que tém marcado todas as avaliagoes de sua contribuicao cientifica. A extraordindria vivacidade € penetracdo da andlise etnogratica colo- cam problemas tedricos da maior relevincia, que permanecem hoje tA atuais come no passado, Por outro lado, as tentativas de sistemati- zacdo tedrica, especialmente como aparecem nos poucos ensaios vill MALINOWSKI que publicou sobre o método funcionalista, dois dos quais péstumos, estéo eivadas de coniradicdes insoliveis e generalizacdes apressadas, que obscurecem o alcance € a importincia das questes levantadas nos trabalhos etnograficos. Por isso, a apreciacao do que existe de vi- Vo & provocante na sua obra $6 pode ser feita através da leitura de uma de suas monografias, como Argonautas do Pacifico Ocidental. As novas bases da antropologia Malinowski chegou a antropologia por caminhos transversos. Sua formagao inicial foi no campe das ciéncias exatas, tendo obtido em 1908 0 doutoramento em fisica e matemdtica pela Universidade de Cracévia, sua cidade natal. Nessa época, tinha apenas 24 anos de idade, pois nascera nessa antiga cidade polonesa, a 16 de maio de 1884, De constitui¢ao franzina, teve que interromper sua carreira cienti- fica logo depois de formado, por motives de sadde. Impedido de tra- balhar, leu, como distragdo, a famosa obra de Sir James Frazer, The Golden Bough, que 0 atraiu definitivamente para a antropologia e que exerecu influéncia profunda em sua formacao. Dirigiu-se entio para Leipzig onde, em breve permanéncia, iniciou-se em sua nova vo- cacao sob a orientaéo de Karl Bacher e Wilhelm Wundt. Em 1910 ja estava._ na Inglaterra, tendo sido admitide na London School of Econo- mics como aluno de pés-graduacao. Em menos de trés anos, Malinowski j4 era reconhecide como an- trepdlogo promissor e de grandes qualidades intelectuais, tendo publi- cado tres artigos e um livro. Em 1913, comecou sua carreita docente, tendo ministrado, entre esse ano ¢ 0 seguinte, dois cursos na London School of Economics, como Lecturer on Special Subjects. Nesse mes- mo periodo travou relagées com os maiores antropdlogos da épaca como Seligman, Haddon, Rivers, Frazer e Marett. Com Seligman, par- ticularmente, mantinha contato muite estreito, 0 mesmo acontecendo também com Westermarck, que prefaciou seu primeira livio, The Fa- mily Among the Australian Aborigines, inicio da carreira de Malinawski coincide com um periodo de Brande efervescéncia na antropologia, caracterizado pelo desenvolvi- mento de novas técnicas de pesquisa ¢ pela critica aos métadas de in- lerpretagao vigentes. Até o fim do século XIX, a quase totalidade dos antropdlogos ja- mais havia sequer visio um representante dos chamados paves primiti- yos sobre os quais escreviam. Seus trabalhos baseavam-se em mate- rial hist6rico e arqueolégico sobre as civilizagdes classicas e orientais ‘¢ em informagées sobre sociedades tribais contidas em relatos de via- Jantes, colones, missiondrios € funcionarios dos governos coloniais. Havia, é claro, algumas excecdes, principalmente na América: Mor- gan trabalhara com informantes iroqueses, Cushing vivera cinco anos entre os indios Zuni. Com Boas (1858-1942), a tradicdo do trabalho de campo estabeleceu-se definitivamente nos Estados Unidos: j4 em 1883-1884, realizara uma pesquisa entre os esquimds e depois disso promoveu um trabalho de pesquisas de campo sistematicas entre os indios da costa noroeste. No final do século, comegaram a multiplicar-se também na Euro: pa 03 trabalhos de antropdlogos ou estudiosos ¢ missiondrios com for. macdo antropolégica, contendo observagées feitas diretamente sobre populacées tribais. ‘A publicacao, en 1899, das extensas investigacdes desenvolvi- das por Spencer e Gillen entre os aborigenes australianos demonstrou definitivamente a5 grandes potencialidades do trabalho de campo ¢ a importancia das informacées obtidas por meio de observacao dircta para a resolucao dos problemas teéricos colocados pela antropologia, $6 essa obra inspirou pelo menos trés grandes trabalhos, cada um dos quais constituia uma teflexao inovadora em seu proprio campo: As formas efementares ca vida religiosa, de Durkheim (1858-1917), To tem e@ Tabu, de Freud (1856-1939), ¢ A familia entre os aborigenes australianos, 0 primeito livro de Malinowski, todos publicados em 1913, A publicaco da obra de Spencer e Gillen coincide com a realiza- §40 (em 1888-1889) da famosa Expedicao. Cambridge ao estreiro de Torres (entre Austrilia e Nova Guiné), organizada por Haddon e da qual participaram, entre outros, Seligman e Rivers (1864-1922). Trata- Vaese pois de uma equipe de renomados especialistas, realizande si- multaneamente uma série de investigaOes cientificas na mesma re- Bido. Em 1901, Rivers trabalhou entre os Todda. Seligman, em 1904, empreendeu um survey monumental de toda a Nova Guiné Britanica ©, Nos anos seguintes, esteve, com sua mulher, entre os Vededa do Cei- lao € as tribos do Sudao britanico. Quando Malinowski chegou a Inglaterra, todos esses pioneiros jd estavam formando a primeira geracao de investigadores de campo e Radclitfe-Brown (1881-1954) havia acabada de concluir sua pesquisa entre os Andamaneses, realizada entre os anos de 1906 € 1908 fem- bora s6 publicada em 1922). Fundamentos da escola funcionalista © desenvolvimento do trabalho de campo sistematico produziu uma enorme quantidade de novos conhecimentos e colacou em xe= Que 0 modo tradicional de manipular as daclos empiricos. A nova ge- ragio de antropdlogos britinicos, cujos expoentes sao. justamente Radcliffe-Brown © Malinowski, promoveu a critica radical dos postula- dos evolucianistas @ difusionistas que dominavam a antropologia clés- sica, estabelecendo um nove método de investigacao e interpretacdo que ficou conhecide como “escola funcionalista’’. O funcionalismo, na antropologia, desenvolve-se em trés linhas, algo distintas: a do disefpulos de Boas, nos Estados Unidos; a de Malinowski e a de Rad- cliffe-Brown, na Inglaterra. Em qualquer uma de suas formas o funcionalismo esta estreita- mente vinculado ao trabalho de campo. Isso ndo quer dizer, entretan- to, que o funcionalismo se reduza a uma técnica de pesquisa. Mesmo ‘em Malinowski, que @o etnégrafo por exceléncia, a critica & antropo- logia classica € a formulagao de novos problemas tedricos precedem seu trabalho de campo. J4 no seu primeiro livro, A familia entre os x MALINOWSKI aborigenes austratianos, baseado exclusivamente em material biblio- gréfica, Malinowski aponta com muita exatidao a deficiéncia das cate- gorias de andlise e dos conceitos evolucionistas. e difusionistas ¢ pro- poe um novo método de ordenagao e interpretagao da evidéncia em- pitica, Os primeitos trabalhos de Malinowski, assim como os de Radclif- fe-Brown, acusam uma forte influéncia de Durkheim, que forneceu a ambos a formulagao inicial dos conceitos de funcao e de integragio funcional, com os quais essa nova geracao de antropélogos procurou construir um método proprio e chegar a uma nova teoria antropolégi- ca. A critica fundamental que Malinowski @ os demais funcionalistas dirigem 8 antropologia classica refere-se a arbitrariedade das catego- rias utilizadas. A comparacao entre sociedades diversas ¢ feita através de um desmembramento inicial da realidade em itens culturais toma- dos como elementos auténomos; com os fragmentos assim obtides os autores procedem a um rearranio arbitrdrio, agrupando-os de acordo ‘com categorias tomadas de sua prépria cultura ¢ fabricando com isso intuigdes, complexes culturais e estagios evolutives que nao encon- tram correspondéncia em qualquer seciedade real. ‘A preocupacdo com a adequacdo das categorias & realidade estu- dada estd estreitamente associada ao empenho em reconhecer @ pre- servar a especificidade ¢ particularidade de cada cultura. Para os fun- nalistas, os elementos Culturais nao podem ser manipulados e com: postos arbitrariamente porque fazem parte de. sistemas definidos, pra- prios de cada cultura e que cabe ao investigador descobrir. Essa no- Gao se expressa no postulado da integragdo funcional, que assume im- portancia fundamental em toda analise funcionalista. O cone de funcdo aparece como o instrumente que permite reconstruir, a partir dos dados aparentemente cadticos que se oferecem a observacao de um pesquisador de outra cultura, os sistemas que ordenam e dao sen- tido aos. costumes nos quais. se cristaliza 0 comportamento dos ho- mens. Sdo essas preacupacées, j4 aparentes em A vida familial dos abo- rigenes australianos, que orientam Malinowski quando parte para © trabalho de campo. A oportunidade de realizar uma investigacdo de campo surge em 1914. Gragas a0 apoio @ aos esforgos de Seligman, Malinowski ob- tém duas bolsas, a Robert Mond Travelling Studentship, da Universi- dade de Londres, @ a Constance Hutchinson Scholarship, da London School of Economics, que Ihe permitem organizar uma expedicso 4 Nova Guiné. A escolha da drea prende-se, obviamente, 4 influcncia de Seligman, qué j& havia entio publicado seu trabalho monumental sobre essa regiao. A observacao participante Malinowski chegou a Port Monesby depois de passar pela Austra- lia j4 em pleno inicio da Segunda Guerra Mundial, 0 que the causou dificuldades adicionais, visto ser entdo tecnicamente stidito austriaco @, portanto, cidadao inimigo. Na verdade, s6 voltou 2 Inglaterra de- VIDAEQBRA XI pois de terminado 0 conflito; a longa duragdo de sua permanéncia em campo — que Ine permitiy realizar um trabalha de investigacio {aa intenso € minucioso — talvez se deva, pelo menos em parte, a es sas dificuldades politicas, De inicio passou alguns meses — de setembro de 1914 a marco de 1915 — entre os Mailu, habitantes da ilha de Tulon, sobre os quais publicou, no mesmo ano, uma pequena monografia, Retornando a Australia em 1915 @ obtendo recursos adicionais através da infatigave| boa vontade de Seligman, dirigiu-se novamente Para o campo, desta vez para os arquipélagos que se estendem a nor- deste do extremo oriental da Nova Guiné. Tendo encontrado dificul- dades em seguir seus planos iniciais, que compreendiam permanén- cia em diversas ilhas, acahow fixando-se nas Ihas Trobriand, onde permaneceu de junho de 1915 a maio do ano seguinte, De volta 2 Austrailia, dedicou-se durante um ano e meio a ordenagao e interpre- tacao inicial do material coletado, Nessa época, recebe, de Londres, 9 titulo de Doutor em Ciéncias, que the € outorgada pelos seus dois trabalhos j4 publicadas: o telativo aos aborigenes australianos € a mo- Nografia sobre os Mailu, Além disso, apronta e envia para publicacaa © ensaio intitulado Baloma; Spirits of the dead in the Trobriand Is. fands, que aparece n@ mesmo ano. Um artigo sobre a pesca nas ilhas trobriandesas, publicado na revista Man, em 1918, data também pro- vavelmente dessa época. Em outubro de 1917, parte para novo perfo- do de trabalho de campo, valtando mais uma vez as ilhas wobriande- sas, onde permanece todo um ano, até outubro de 1918. Planejado ou nao, esse interregno entre duas extensas permanén- cias em campo revelou-se extremamente frutifero para Malinowski. Sem uma elaboracac preliminar do material 6 impossivel determinar Suas insuficiéncias e, embora nem sempre possivel, esse procedimen- to constitui ainda hoe o ideal da pratica da investigacao etnografica, tal como a prescreveu Malinowski a partir dessa época, A grande inovacio de Malinowski no trabalho de campo consis- tiu na prética do que € chamado hoje em dia observacao participan- te. Os principios fundamentais dessa pratica e 0 desenvolvimento des- Sa experiéncia estio minuciosamente relatadas na Introdugdo dos Ar ‘gonautas. AS pesquisas de campo anteriores dependiam quase inteiramente de inquéritos realizacos com uns poucos informantes bilinges ou de questionarios aplicados com © auxflio de tradutores. A observacdo reta do comportamerto era necessariamente breve ¢ superficial, pois realizada durante visitas de curta duragdo ds aldeias indigenas, Atra- vés dessas técnicas de investigagao é possivel acumular grande nime- ro de informagoes e, inclusive, testar a veracidade dos informes utili- 2ando. informantes diferentes. No entanto, € impossivel capiar, com esse trabalho, toda a tiqueza de significados que permeia a vida so- cial — e a cultura aparece, necessariamente, como o conjunto de itens independentes que figuram nos inquéritos. Além disso, a ordena- go das questées apresentadas feita freqdentemente em termos de Categorias alheias ao universo cultural investigada, introduzindo assim pequenas au grandes distorcGes no proprio material einografico. Malinowski alterou radicalmente essa pratica, passando a viver Permanentemente na aldeia, afastado do convivio de outros homens xl MALINOWSKI brancos ¢ aprendendo a lingua nativa, tarefa para a qual, alids, era ex- tremamente dotado. Desse modo, embora nao dispensando o uso de informantes, substituiu-o em grande parte pela observacdo direta, que $6 © possivel através da convivéncia didria, da capacidade de enten- der 0 que esta sendo dito e de participar das conversas.@ acontecimen- tos da vida da aldeia € importante ressaltar que o fundamento dessa técnica reside num processo de “aculturagso” do observador que consiste na assimi- lagdo das categorias inconscientes que ordenam o universo cultural investigado. Através desse processo, que € andlago ao do aprendiza- do de uma lingua estranha c, como este, também em parte incans- ciente, 0 observador apreende uma "totalidade integrada’’ de signifi- cados que € anterior ao processa sistematico da coleta e ordenacao das informagées etnogréficas. Isto é, a apreensao inconsciente da tota- lidade precede e permite o procedimento analitico consciente da in- vestigacao da realidade cultural, Dessa maneira, a totalidade ¢ a integragdo da cultura, que consis- tiam em pressupostos teGricos decorentes da critica a antropolagia classica, transformam-se agora numa realidade que é atingida intuiti- vamente pelo investigador por meio de sua vivencia da situagdo de pesquisa, Se a observagao psrticipante recoloca para Malinowski o prable- ‘ma da totalidade, ela oaviamente nao o resolve. A familiaridade com © nativo, a capacidade de participar de seu universo constituem con- dicdes prévias para a investigagao, mas no eliminam o laborioso tra- balho da coleta sistemética de dados, nem a interpretacso @ integra- a0 da evidéncia empirica de modo a recriar a totalidade vivida pelo native e apreendida pela intuigdo do pesquisador. Essa tarefa devia ser resolvida na elaboragdo das monografias sobre os trobriandeses, tarefa a qual Malinowski se dedi¢ou com o maximo empenho duran- te o resto da vida, A estrutura da instituigaa: Apés sua extraordinaria experiéncia de trabalho de campo, Mali= nowski voltou a Austrilia, onde se casou com Elsie Masson, filha de um professor de quimica da Universidade de Melboure. Sua satide, sempre fragil, estava bastante abalada e, logo apds seu regresso a In- glaterra, a ameaga de tuberculose forgou-o a retirar-se para Tenerife, nas ilhas Canérias. Fol af que em abril de 1921 terminou sua primeira monografia sobre os trobriandeses, a qual deu o nome romantico de ‘Argonautas do Pacifico Ocidental. No ano seguinte, a obra era publi- cada na Inglaterra, para onde Malinowski |4 havia voltado. trabalho difere bastante das monografias wadicionais. Nao & uma descri¢ao de toda a cultura trebriandesa, Nao é também uma analise especializada de um dos aspectos nas quais os antrapélogos normalmente decompéem a cultura: economia, parentesco ¢ organi- 2aG30 social, religido, ritual e mitologia, cultura material, Consiste, na verdade, de todos esses aspectos vistos da perspectiva de uma Uni- ca institui¢éo, © Kula. A escolha da andlise institucional constitui, por- tanto, a solugao encontrada por Malinowski, para reconstituir, na des- VIDAEOBRA XIII crigao etnografica, a integragdo e a coeréncia ou, em outras palavras, a totalidade integrada que a técnica da investigagao Ihe havia perrniti- do captar no trabalho de campo. Se, para Malinowski, a cultura constitui uma totalidade integra da, nao é, entretanto, um todo indiferenciado, mas apresenta nacleos de ordenagao ¢ corelacao que so as instituicées. As instituicdes se apresentam portanto como limites ‘naturais", isto é, estabelecidas pe- la propria cultura, que permitem evitar © perigo de transformar a and- lise funcionalista no estabelecimento intinddvel de correlacdes, O conceito de instituigia permite a Malinowski resolver © problema da adequacao entre as categorias da andlise e a realidade empirica, esta- belecendo um isolado te6rico que corresponde as unidades observa. das na prépria walidade © que dela emergem. Para Malinowski, a instituicao @ sempre uma unidade multidie mensional. Conforme a formulacao elaborada anos mais tarde, no scu ensaio Uma Teoria Cienvifica da Cultura, ela compreende uma constituigao ou cddigo, que consiste no sistema de valores em vista dos quais os seres humanas se associam; isto 6, corresponde a idéia da instituicao tal como é concebida pelos membros da propria socie- dade. Compreende também um grupo humano organizado, cujas ati- vidades realizam a instituigdo. Essas atividades se processam de acor- do com normas ¢ regras, que constituem mais um elemento dessa to- talidade. Finalmente, compreende Um equipamento material que o grupo manipula no desempenho de suas atividades. Esses diferentes elementos definem 0 que Malinowski chama estrutura da instituigdo. Q aspecto mais importante dessa conceituacio consiste na pre- servagao da multidimensionalidade do real, reproduzinde, em cada unidade de andlise, as dimensdes do proceso cultural em sua totall- dade. Com feito, o process cultural, iste 6, a prépria vida social, em qualquer de suas manifestagées concretas, envolv Malinowski, seres humanos em relacées socials definidas, pessoas que manipulam arte‘atos e se comunicam através da linguagem ¢ de ‘outras variadas formas de simbolismo. © equipamento material, a or ganizacao social e 0 simbolismo constituem trés dimensées intima: mente vinculadas ea realidade jamais pode ser compreendida inte- gralmente se ndo se apreender a simultaneidade de todas as suas di- mensoes. Na interprétagao de Malinowski, a instituicao nao deve ser con- cebida como a simples soma dos aspectos de sua estrutura, mas ver- dadeiramente como sua sintese. A integracdo das diferentes dimen- s6es da cultura 6 a referéncia constante de toda a investigago. Po- outro lado, ¢ necessério ndo confundir a sintese construida pelo antro- poses com a idéia que dela fazem seus portadores. Note-se que Ma- inowski sempre insiste na diferenca entre o cédigo © as normas da instituicao, de um lado, e, de outro, as atividades efetivamente de- sempenhadas pelos membros do grupo. E através da andlise das ativi- dades e de seus resultados que © investigador encontra instrumentos para superar a consciéncia restrita ¢ deformada que os membros de uma sociedade possuem de sua propria cultura. Desse modo, verifica-se que os diferentes aspectos da instituigdo do possuem todos a mesma relevincia explicativa, pols ¢ nas alivida- des, isto é, no Comportamento humano real, que se encontra @ ele- XIV MALINGWSKI mento verdadeiramente sintético que fornece a chave para a apreen- 0 da instituigao na totalidade de seus aspectos. A sintese que Malinowski se esforga por construir na descri¢éo et- Nografica nao se reduz pois ao estabelecimento de interdependéncias entre sistemas analiticcs diversos (legais, econdmicos, técnicos, rel giosos), tomacios em sua independéncia. Para ele, esse tipo de sintese nao pode ser atingido a posteriori, pela justaposicao e a correlacao de aspectos descontinuos, mas deve estar presente de inicio em todos (0s momentos da investigacao. Por isso 6 que as temas que isala como focos de andlise, isto €, as instituigées, como o Kula, sao escolhides de modo a preservar, na unidade de investigagao, esas totalidades complexas que incluem a multiplicidade do real e, ao contrario das monografias tradicionais, jamais se encontra em Malinowski uma and- lise de sistema econdmico, politico, religioso, etc., em si mesmos. A instituigdo aparece pois como uma projegao parcial da totalida- de da cultura, nao como um de seus aspectos ou partes. A descrigao sempre as desenvolye no sentido de mostrar, simultaneamente, como @ instituigio em aprego permeia toda a cultura e, inversamente, co- mo toda a cultura esta presente na instituigde. Muitos autores jd apon- taram um aparente paradoxo; Malinowski, que tanto se preocupou com a nogéo da totalidade da cultura, jamais apresentou uma descri- ao integrada de todos os aspectos da cultura trobriandesa. E que o es tuda do todo nao se confunde com o estudo de tudo e a totalidade sé pode ser apreendida concretamente através de realizacGes parciais, projetada no comportamento dos homens. Viagens, pesquisas, publicagoes Apés a publicagao dos Argonautas, com a qual formula as linhas gerais de seu método, abre-se um perfodo muito fértil na carreira de Malinowski. Tendo retornado a Londres em 1921, retama a atividade didatica que iniciara antes do trabalho de campo, no comego novamente co- mo Occasional Lecturer na London School of Economics e, a partir de 1922, como Lecturer in Social Anthropology na mesma institui- gG0. Em 1924, assume o cargo de Reader in Anthropology pela Uni- versidade de Londres, cargo que entretanto é exercido na London School, Em 1927, & irdicado para a primeira Cadeira de Antropolo- gia, criada para ele naquela universidade, Com sua reputacso estabelecida nos meios cientificos, Malinows- ki dedica-se a defender sua nova visdo da antrapologia, atacando vi- gorosamente as colocagdes evolucionistas ¢ principalmente difusienis- tas, generalizadas no mundo académico britanico. Exemplo dessa po- lémica é 0 trabalho The Life of Culture’, parte da publicag3o Cultus re — The diffusion controversy, em que figuram trabalhos de seus opositores, G. Elliot Smith, H. S, Spinden, A. Goldenweiser. A rigi- dez de muitas de suas formulacdes prende-se inegavelmente ao cara- ter polémico de grande parte dos trabalhos que escreveu nessa épo- ca. Malinowski viajou muito, tendo ministrado cursos e conferéncias em Genebra, Viena e Oslo, visitando muitas outras capitais € manten- VIDA E OBRA xv do contatos pessoais com antropdlogos de toda o mundo, Visitou os Estados Unides em 1926, 1933 ¢ 1936 quando recebeu o grau de Doutor Honorério pela Universidade de Harvard, Em 1934, percor- reu também a Africa Meridional e Oriental, visitando entao muitos de seus discipulos que estavam realizando trabalhos de campo, pois Ma- linowski foi o responsavel pelo primeiro programa de treinamento em pesquisa de campo do Intemational African Institute. Certamente sua capacidade de falar diversas linguas e sua origem polonesa contribui- ram muito para esse contato to amplo com instituicoes e pesquisado- res de diferentes paises, quebrando o relativo isolamento que caracto- rizava a comunidade de antropdloges britanicos. Sua vida pessoal, entretanto, continuava marcada pela doenca Sua primeira mulher, com quem teve tes filhas, foi acometida de uma doenca incurdvel que afetou a coluna vertebral, tendo falecido em 1935, apés dez lengos anos de sofrimento. Além de toda essa intensa atividade ¢ de sua enorme dedicagao as tarefas didaticas, Malinowski manteve, durante todo esse periodo, uma constante produgdo de artigos, ensaios ¢ livros, Apés a publicagio dos Argonautas, 9 interesse de Malinowski — até entdo concentrado em grande parte em questées econdmicas — volta-se para outros femas. Até 1929 publicou, além de intimeros tra- balhos menores, alguns ensaios muito importantes e mais uma mono- grafia sobre os trobriandeses, Sabre a religiio, magia e mitologia, publica, em 1925, 0 ensaio Magic, Science and Religion ¢, em 1926, Myth in Primitive Psycho» fogy. Em 1926 aparece ainda a primeiro trabalho no qual formula, de modo sistematico, embora resumido, sua visio prépria do trabalho antropolégico, Trata-se do verbete Anthropology, publicado na 13." edigao da Encyclopaedia Britannica. Data ainda desse mesmo ano Crime and Custom in Savage Society, onde explora a nogao de reci- procidade como principio de ordenago social. Sdo entretanto os temas referentes ao sexo e a vida familiar que parecem Constituir a proocupagao central ce Malinowski até o fim da década de 20, exemplificada através de inémeros pequenos traba- thos, reunidos em parte no livro Sex and Repression in Savage So- ciety, de 1927, Essa ‘ase culmina, em 1929, com a publicagao de sua segunda grande monografia sobre os tobriandeses, The Sexual Life of Savages in North Western Melanesia. Relacoes entre sexo e cultura Os trabathos referentes 4 vida sexual @ & familia certamente fo- tam — ¢ talvez ainda sejam — as mais populares de toda a obra de Malinowski. Do ponto de vista antropolégico, assim como do publi co cientifico © leigo em geral, 0 fascinio desses trabalhos reside na ca- pacidade de Malinowski de retratar o funcionamento de uma socieda- de matrilinear que constitui, pelo menos sob esse aspecto, pratica- mente @ inverso da sociedade ocidental da época. Além disso, pode- se bem imaginar 0 sucesso de trabalhos em que figuram descricaes bastante explicitas da vida sexual numa épaca ainda marcada por muitos resquicios de puritanismo vitoriano. XVI MALINOWSKI Do ponto de vista europeu, a primeira grande peculiaridade tro- briandesa residia justamente na ampla liberdade sexual. Com efeito, entre eles, naa s6 a castidade pré-nupcial era totalmente desconheci- da, como também a fidelidade conjugal nao era observada com mui- to rigor. A segunda peculiaridade referia-se ao fato de que os trobrian- deses, além de negarem a paternidade social, apresentando-se como sociedade estritamente matrilinear, ignoravam inclusive a paternida- de fisiolégica, acreditando que as fémeas (tanto humanas, quanto ani- mais) procriavam independentemente das relacOes sexuais. A descri- cao de uma sociedade desse tipo nao podia deixar de fascinar um pti- blico muito mais amplo que 6 circulo restrita dos antropélogos profis- sionais. O problema basico que Malinowski se propunha nao era analisar a estrutura do sistema de parentesco, tema tradicional da antropolo- gia, mas estudar a dinamica especifica da ordenacdo das condutas dentro desse quadro institucional, isto é, como “funcionava”’, na ver- dade, uma sociedade matrilinear. A ordenacao dos dados, nesses trabalhos, nao se faz tanto em ter- mos da instituigdo da familia, mas em termos de um aspecto univer- sal do comportamento humano, presente em todas as culturas: 0 im- pulso sexual. A anilise da vida sexual é feita em termos de uma dupla referén- 08 impulsos bialdgicos e sua regulamentagio social. A importin- cia desse tema, para Malinowski, esta justamente em que consiste no tipo de atividade, por exceléncia, na qual se integram, de modo o mais explicito, impulsos naturais e imperativos sociais, apresentando- s¢ portanto como ponto central da reflexSo sobre a propria natureza da cultura. Essa integragdo, entretanto, s6 pode ser apreendida ao ni- vel individual © a referencia bésica ad impulso sexual implica numa abordagem que localiza no individuo (e nao na sociedade) todos os processes significativos ¢ todas as explicagdes formuladas, Aparecem assim nesse tema, com grande nitidez, o biologisme e o psicologismo. que esto latentes em quase toda a obra de Malinowski. E necessario. reconhecer que, apesar das deficiéncias desse tipo de abordagem, ela permite a Malinowski, como talvez em nenhum outro trabalho, fazer emergir, com extraordindria nitidez, a visio do nativo “em carne € oso". Focalizando quase que exclusivamente as atitudes e a motivacdo do Comportamento — isto 6, © arranjo particu- lar trobriandés de aspectos universais do comportamento humano —, torna-se aparente, através da peculiaridade do costume, a qualidade humana da conduta. Malinowski demonstra qué 0 comportamento do trobriandés nao € nem jrracional nem imoral, mas coerente e compreensivel dentro das premissas da cultura trobriandesa. Para demonstrar isso, @ neces- sdrio apreender as premissas, mas ndo € necessdrio analisd-las como sistema. Por isso mesmo, nesses trabalhos evidenciam-se claramente tanto a riqueza como as limitacdes desse tipo de abordagem, De um lado, ela nos aproxima da vida real, mas, de outro, abandona uma problematica de enorme relevancia, muita mais presente nas duas ous tras monografias, que consiste na andlise das forcas sociais que expli cam a emergéncia e a forca das atitudes proprias das situagdes investi- VIDAEOBRA XVII gadas: a natureza das relagdes entre os grupos ¢ a oposicdo entre seg- Mentos sociais, estruturadas através do parentesco. Na verdade, a austncia de uma anilise sistematica do parentes- co freqiientemente impede o esclarecimento de aspectos fundamen- tais da organizacdo social, constituindo uma deficiéncia que tem sido apontada por todos os criticos de Malinowski. © biologismo tantas vezes criticada em Malinowski relaciona-se diretamente com sua concepcio de cultura, que @ sempre roferida 3 capacidade de satisfazer necessidades humanas. A instrumentalidade da cultura € que assegura, do ponto de vista de Malinowski, sua racio- nalidade inerente. A relacdo entre as instituigdes @ a satisfagdo das necessidades hu- manas aparece constantemente em suas tentativas de elaboragdo tedrl- a e constitui um problema que ele jamais conseguiu resolver de mo- do satisfatério. Nas elaboraces posteriores, especialmente tal como aparece em A Scientific Theory of Culture, Malinowski postula toda uma gama de tipos de necessidade. Inicialmente, hd a considerar as necessidades biolégicas do organismo, denominadas bdsicas (nutri- G40, proctiagao, protegio etc.), Como o homem, entretanto, s6 pode satisfazer essas necessidades bésicas através da cultura, surgem neces- sidades derivadas relacionadas 4 manutencdo, reproducdo e transmis- sdo do préprio equipamento cultural, Estas, Malinowski subdivide em imperatives instrumentals (que inclui a arganizagao econdmica, legal ¢ educacional da sociedade) © imperativos integrativos (como a ma- gia, a religido, a ciéncie € as artes). A dificuldade fundamental que en- contra é a de relacionar, de um lado, as necessidades derivadas as ne- cessidades basicas ¢, de outro, as instituigdes as necessidades, Caberia exatamente ao conceito de fun¢ao superar esta tltima di- ficuldade. Dentro dessa formulagao, Malinowski define © conceito em termos da correspondéncia entre a instituicdo @ as necessidades que ela satisfaz, Obviamente, tal definigio distancia-se enormemente da aplicacao efetiva do conceito a anilise etnogrifica Na verdade, a posigio de Malinowski nessa questdo € bastante ambigua, pois elaborou diferentes conceitos de fung3o, definindo-a também, em oposigio 16 eédigo ou carta de uma instituigée, como. seu papel no esquema geral da cultura, tal como & definido pelo in- vestigador. Verifica-se faciimente que essa definigao 6 diferente da an- terior e muito mais proxima do método de interpretagao usado no tra- tamento dos dados empiricos, onde é a andlise da fungéo que permi- te a passagem da consciéncia dos agentes para as conexées gerais, cconstituidas pelo observador € que definem a natureza da instituicdo {como ocorre, por exemplo, na anélise do Kula). Questées tedricas & metodoldgicas permelam toda a obra de Ma- linowski. Apés 1930 aparecem mais alguns ensaios, verbetes c arti- Bos Nos quais procura explicitar € sintetizar sua posicao tedrica. Da- tam dessa época, por exemplo, o verbete Culture da Encyclopaedia of Social Sciences (1931), @ verbete Anthropology, do Book of the Year de 1938 da Encyclopaedia Britannica e as dilerentes versdes do artigo “Culture as determinant of Behavior’ (1937, 1937, 1938). E também a partir dessa época que sua posicdo comeca a ser criticada pelos antraplogos mais jovens, sobre os quais aumenta a influéncia do funcionalismo estrutural de Radcliffe-Brown. XVIII MALINOWSKI Propriedade da terra, trabalho, mito e magia Entretanto, ni se pode dizer que diminua 0 prestigio de Mal nowski. Seus prdprios alunos comegam a atingit a maturidade cientifi ca; muitos deles, ja tendo terminado © trabalho de campo sob sua orientagao, comecam a publicar obras originais. Malinowski prefa- ciou muitas dessas monografias: em 1932, escreveu a introdugdo de livro de Reo Fortune, Sorcerers of Dobu e de Audrey Richards, Hun- ger and Work in a Savage Tribe; em 1934, prefaciou o trabalho de lan Hogbin, Law and Qrder in Polynesia; em 1936, a de Raymond Fir, We, The Tikopia; no ano seguinte, o de Ashley-Montagu, Co- ming of Age in Samoa; em 1938, aparece, com prefacio de Malinows- ki, o livio de Jomu Kenyata, Facing Mount Kenya, 2 primeira mono- gratia antropolégica escrita por um membro da sociedade tribal. Com tantos disefpulos fazendo trabalhos de campo, aumenta também seu interesse pelos problemas da transformagao cultural indu- zida pela dinamica da situagao colonial, interesse que cresce depois de sua visita & Africa, Em 1936, aparece seu primeiro artigo sobre es- se problema, “Native Education and Culture Contact’. Data de 1938 um ensaio intitulado “Introductory Essay on the Anthropology of Changing African Cultures”, incorporado mais tarde em Dynamics of Culture Change. Além desses, ha indmeros trabalhos menores sobre o eg ASB, 8 respeite do qual passou a conduzir seminaries regu: lares Apesar das dificuldades que encontra em formular de modo satis- fatério os prinefpios da abordagem funcionalista, o grande trabalho que publica cm 1935, a monografia Coral Gardens and Their Magic indica um grande progresso em relacgdo as anteriores, tanto no que diz respeito formuagao das questées tedricas quanto & integragac do material empiric. Reiomando os problemas relativas 4 economia primitiva, volta. se agora para o estudo do trabalho agricola e da propriedade da terra nas Ilha Trobriant. Apesar de incluir muito material j4 analisado em trabalhos anteriores — especialmente nos Argonautas — Coral Gare dens é uma obra al, um esforgo novo e produtivo para resolver 95 problemas relatives a integragao da cultura. Nota-se também uma nova preocupacdo com as questoes relativas 3 estrutura social; encon- tram-se ainda nesse trabalho nado apenas uma apresentagao muito mais clara da estrutura social trobriandesa como, e pela primeira vez, um tratamento adequado, embora parcial, da estrutura do sistema de parentesco. Nesse trabalho, Malinowski aborda, com inigualavel maestria, a telacao entre o trabalho, a magia, a mitologia e a propriedade da ter- ra, Demonstra como as atividades relacionadas a produgao, distribui- ao e consumo da alimento — atividades que compreendem trabalho © magia, Wenica © erenca, uso e significada, ade e representacao — simultaneamente expressam e produzem a propria sociedade, Desaparece, nesse trabalho, o psicologismo que permeara as mo- nografias anteriores. A ralagio entre o social e 0 individual nao é mais direta ¢ imediata, embora a andlise realize constantemente a pas- sagem de um nivel a outro. Mas agora os aspectos psicoldgicos apare- cem como sintese, 20 nivel do comportamento, dos aspectos cultu- ais ¢ sociais reveladas pela andlise emografica. MIDAEQBRA XIX Nos capitulos finais, Malinowski aborda a questio da proprieda- de da terra, levantando, de modo extremamente rico ¢ original, a questéo basica da telagdo entre @ proceso produtive ¢ sua regula- mentacao juridica, politica e mitolégica. Com Coral Gardens, encer- ra-se 0 ciclo das suas grandes produgdes etnograficas. Publicacdes péstumas: os ensaios ¢ o diario Em _ 1938, Malinowski volta novamente a América para uma per- manéncia mais prolongada. Com a satide outra vez abalada, estabele- ce-se por algum tempo em Tucson, Arizona, onde o clima se mostra benéfico para suas complicacées pulmonares. © inicio da guerra na Europa leva-o a prolongar a permanéncia nas Estados Unidos, sendo contratado como professor visitante pela Universidade de Yale em outubro de 1939. Permanece nessa Univer- sidade até 1942, através de uma subven¢ao do Bernice P. Bishop Mu- seum, de Honolulu, tendo encontrado tempo e energia para novo trabalho de campo entre os Zapotec, no México. No inic 1942 foi nomeado professor permanente da Universidade de Yale, mas faleceu a 16 de maio dese mesmo ano, em New Haven, antes de assumir sou novo posto. Nesses Liltimos anos reconstituiu sua vida familiar, tendo se casa- de com a artista Valetta Swann. A crise deflagrada pela ascensao do nazismo ¢ 0 inicio da Segunda Guerra Mundial, entretanto, perturba tam-no profundamente. Via na emergéncia do totalitarismo uma ameaga a propria civilizagao, com a destruicéo de todos os valores nos quais realmente acreditay. Embora tivesse se naturalizado cidadao britanico hi muitos anos @ ndo se identificasse politicamente com a Poldnia, a invasao de seu pais pelos alemdes levcu-o a solidarizar-se com o pove polonés, ten- do ajudade a fundar, nos Estados Unidos, o Polish Institute of Arts and Sciences, do qual fol presidente, através do qual se empenhou ‘em auxiliar os refugiados poloneses. Nesse periodo final de sua vida, Malinowski nao produziu nenhu- ma obra de grande relevancia. Os trabalhos dessa época, em geral pe- quenos, estio quase todos valtados para as questées que o vinham preecupande desde o inicio da década de 30, especialmente aquelas relativas a transformagao das sociedades tribais e a fundamentagao tedrica do funcionalismo. Sobre esta ultima questao publicou, em 1939, The Group and the Individual in Functional Analysis. Ap6s sua morte, ertretanto, a vitiva, auxiliada por amigos e disci- pulos de Malinowski, empreendeu a publicagao dos manuscritos que ele havia deixado. Em 1944 aparece A Scientific Theory of Culture — and other essays, com prefacio da Huntington Cairns que preparou o manuscrito para publicario, Esse trabalho consiste numa tentativa de conciliar @ integrar a abordagem baseada na andlise das instituigées com a concepcao ins- trumental da cultura; nele Malinowski elabora a teoria das necessida- des basicas e dos imperativos culturais. Apesar de incomplete © con- traditdrio, o livre teve grande aceitagao, sendo traduzido para indme- ras linguas. XX MALINOWSKI ‘Cronologia Em 1945 & publicade The Dynamics of Culture Change, do. por Phyllis M. Kabery © uma de suas obras mais discutiveis — que in- corpora trabalhos que publicara anteriormente e as discussdes que promovera durante os semindrios que conduziu em Yale em 1941 Tal como & apresentada nesse trabalho, a analise da transformacao cultural assume a forma extremamente rigida de relagdes entre institui- Ges de trés realidades ou culturas distintas: a do colonizador, a tribal ea nova cultura que emerge da interacdo entre as duas. No conjunto, essas duas obras postumas, apesar de sua ampla die vulgacdo e aceilagdo, guardam um cardter de improvisacio ¢ estio cheias de generalizag6es apressadas e de contradiges. Muitas das cti- ticas dirigidas a Malinowski e 2 fragilidade de sua teoria da cultura ba- seiam-se exatamente nesses trabalhas, que se prestam facilmente a cri- tica @, Com isso, obscurecem 9 alcance da sua contribuigao A antropo- logia modema e as eidncias humanas em geral. Muito discutivel foi também a utilidade ou o interesse da publica- G40, em 1967,-da tradugao de seu didrlo intimo — redigido em polo- nés durante o trabalho de campo, nas ilhas Trobriand — e que Mali nowski ceftamente jamais pretendeu publicar. De pouco valor cient €O Ou literario, demonstra apenas sua Constante preocupagao com a éatide (alids, 230 sem motivo) ¢ as freqlientes crises de angistia, mau humor ¢ hostilidade para com os. natives que acometem, inevitavel- mente, todo pesquisador de campo na situacio de “observacio parti- cipante” preconizaca por Malinowski. Na verdade, 0 significado e a profundidade da obra de Malinows- ki esto contidos, com toda sua riqueza, nas monografias etnografi- cas 1858 — Franz Boas nasce em Minden, Alemanha 1881 — Radelifie-Brown nasce em Birmingham, Inglaterra, 1883/84 — Boas realizu observaghes entre O» esquimds. 1884 — Nasco Bronislaw Malinowski em Cracévia, Polonda, 1906/08 — Radcliffe-Brown faz pesquisas entre os andamaneses 1910 — Mainawski & acmitide na Loncion Schoo! of Feanemics, 1911 — Boas publica Changes in Bodily Form of Descendems of immi- grants 1913 — Publicagéo de As formas elementai Durkheim; Totem @ Tabu, de Freud; e de A fam tralianos, de Matincwski. 1922 — Malinowski publica Argonautas do Pacifica Ocidental; publicagao de: The Andaman tsianders, de Radcliife-Brown, 1925 — Malinowski publica Magic, Science and Religion, 1926 — Publica o. verbete Antropologia, na Enciclopedia Britinied, & as obras Crinve ane Custom in Savage Society © Myth in Primitive Psychology, 1927 — Publica Sex and Repression in Savage Society. 1929 — Publica The Sexual Life of Savages in North-Western Melanesia, 1930 — Radeliffe-Brown publica The Social Organization of Australian Te- bes. 1932 — Malinowski publica The Sexual Life of Savages 1935 — Publica Coral Gardens and Their Magic. 1942 — Morre Mafinowski. Morte Franz Boas. da vida religiosa, de ‘entre os aborigenes aus:

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