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“O que € cienlifico?” (D) Colega aposentado com todas as credenciais e titulagdes. Fazia tempo que a gente no se via. Entrow em meu, escritorio sem bater ¢ sem se anunciar. Nem disse bom. dia, Foi direto a0 assunto, "— Rubao, estou escrevendo ‘um Tivo em que conto o que aprendi em minha vida, ‘Mas eles dizem que o que escrevo nao serve. Nao é cGiemtfico. Rub3o: 0 que € centifico?” Havia um ar de indignacdo e perplexidade naquela pergunta. Uma sabe- doria de vida tinha de ser calada: nio era cienuifica. As nquisigdes de hoje, nao é mais a lereja que as faz. Nao sou fl6sofo, Hes sabem disso ¢ nem me conv dam para seus simpésios enuditos. Se me convidassem cu ‘io iia, Faltam-me as cracersicas esencais. Nieusche, bufao, fazendo cacoada,cita Stendhal sobre as caracters- ticas do filésofo, “Para se er um: bom fsa & preciso ser seco, claro sem dusies. Un bangueiro que fez fortuna tent parte do carior nocessrio para se fzer descents em filo- sofia, to €, para ver com clareza dentro daquilo que €% Nao sou filésolo paraue no penso a partir de con- ‘eitos. Penso a partir de imagens. Meu pensamento se Acs cur wows nutte do sensual. Preciso ver. Imagens s30 bringuedos dos sentidos. Com imagens eu construo historias E fol assim que, no preciso momento em que meu colega formulou sua pergunta perplexa, chamada por aquela pergunta augusta, apareceram na minha cabesa imagens que me contam uma hist: “Era uma ver, uma aldeia 2s margens de um rio, rio nenso cujo lado de li n3o se via, as Aguas passavam, ‘Sem parat, ora mansas, ora furlosas, rio que fascinava ¢ dava medo, muitos haviam morrido em suas Aguas misteriosas, © por medo ¢ fascinio os aldedes haviam construfdo altares 2 suas margens, neles 0 fogo estava sempre aceso, e a0 redor deles se ouviam as cancoes e (03 poemas que artistas haviam composto sob © encan tamento do rio sem fim, O rio era morada de muitos seres misteriosos. Al guns repentinamente saltavam de suas éguas, para logo depois mergulhar e desaparecer. Outros, deles s6 se viam fs dorsos que se mostravam na superlicie das aguas. havia as sombras que podiam ser vistas deslizando das profundezas, sem nunca subir a superficie. Contava-se, zhas conversas a roda do fogo, que havia monstros, dra- 0es, sereias € iaras naquelas Aguas, sendo que alguns suspeitavam mesmo gue o tio fosse morada de deuses, E todos se perguntavam sobre os outros seres, nunca vistos, de ntimero indefinido, de formas impensadas, de ‘movimentos desconhecidos, que morariam nas profun- dezas escuras do rio, ‘Mas tudo eram suposicées. Os moradores da aldeia viam de longe © suspeitavam — mas nunca haviam 20 cue ¢ aneatcot” conseguido capturar uma tnica criatura das que habita: ‘yam 0 rio: todas as suas magias, encantacées, filosofias ce religides haviam sido intteis: haviam produzido mul tos livros mas nao haviam conseguido capturar nenhu- ma das criaturas do rio. Assim foi, por geragGes sem conta, Até que um dos aldedis pensou um objeto jamais pensado, (0 pensa- mento ¢ uma coisa existindo na imaginacao antes de ela se tomar real. A mente ¢ itero, AimaginacSo a fecunda. Formase um feto: pensamento, Af ele naive...) Ele imaginou um objeto para pegar as criaturae do rio. Pensow e fez, Objeto estranho: uma porcio de buracos amarrados por barbantes. Os buracos eram para deixar passar o que no se desejava pegar a agua. Os barban. tes eram necessirios para se pegar 0 que se desea pega: 8 peixes. Ele teceu uma rede ‘Todos se riram quando ele caminhou na directo do rio com a rede que tecera. Riram-se dos buracos dela. Ele nem ligou, Armou a rede como pode ¢ foi dormix. No dia seguinte, ao puxar a rede, viu que nela se encontrava, resa, enroscada, uma criatura do rio: um peixe dourado, Foi aquele alvorogo. Uns ficaram com raiva, Tinbam, estado tentando pegar as criaturas do rio com formulas sagradas, sem sucesso. Disseram que a rede era objeto de feitigaria, Quando o homem thes mastrou 0 peixe dourado que sua rede apanhara, eles fecharam os olhos © 0 ameacaram com a fogueira. (Outros ficaram alegres e trataram de aprender a arte de fazer redes, Os tipos mais variados de redes foram 8 inventados. Redondas, compridas, de malhas grandes, de malhas pequenas, umas para ser langadas, outias para ficar 2 espera, outras para ser arrastadas, Cada rede pe- gava um tipo diferente de peixe. Os pescadores-fabricantes de redes ficaram muito importantes. Porque os peines que eles pescavam tinham poderes maravilhosos para diminuir o sofrimento e au- ‘mentar 0 prazer. Havia peixes que se prestavam para ser comidos, para curar doengxs, para tirar a dor. para fazer voar, para fertilizar os campos e alé mesmo para matar Sua are de pescar Ihes deu grande poder e prestigio, e cles passaram a ser muito respeitados e invelados. Os pescadores-fabricantes de redes se organizaram ‘numa conffaria, Para pertencer a confraria, cra necessa- rio que 0 postulante soubesse tecer redes e que apresen- {asse, como prova de sua competéncia, um peixe pesca. do com as redes que ele mesmo tecera, ‘Mas uma coisa estranha aconteceu. De tanto vecer redes, pescar peixes e falar sobre redes e peixes, os mem bros da confraria acabaram por esquecer a linguagem que 0s habitantes da aldeia haviam falado sempre e ain- da falavam, Puseram, em seu lugar, uma lingwagem apro. priada a suas redes e a seus peixes, que tinha de ser falada| por todos 0s seus membros, sob pena de expulsio. A nova linguagem recebeu 0 nome de ictiolalés (do prego ichhys = *peixe” + Iulia = “fala"). Mas, como bem disse ‘Wittgenstein alguns séculos depois, “0s limites da minha Linguagem denctam os limizes do mew mundo”. Mew mundo E aquilo sobre o que posto falar. A Tinguagem estabelece ‘uma ontologia. Os membros da conffaria, por forca de 20 ove eonerncot” ‘seus habitos de linguagem, passaram a pensar que s6 eral real aquilo sobre que eles sabiam falar, isto ¢, aquilo que era pescado com redes e falado em ietiolales. Qualquer caisa que nao fosse peixe, que no fosse apanhado com suas redes, que no pudesse ser falado em ictiolalés, eles recusavam e diziam: “Nao € real’. Quando as pessoas Ihes falavam de nuvens, eles diziam: “Com que tede esse peixe foi pescado?” A pes- soa Tespondia: “N3o fol pescado, ndo € peixe". Hes punham logo fim a conversa: “Nao ¢ real’. O mesmo acontecia se as pessoas Ihes falavam de cores, cheiros, sentimentos, muisica, poesia, amor, felicidad. Essas coisas, nao ha redes de barbante que as peguem. A fala cra Tejeitada com o julgamento final: “Se nao foi pesca- do no rie com rede aprovada nao € real’ ‘As redes usadas pelos membros da confraria eram boas? Muito boas Os peizes pescadios pelos membros da confraria eram, bon.t Muito bons As redes usadas pelos membros da confraria se pres tavam para pescar tudo o que existia no mundo? NZo. Ha muita coisa no mundo, muita cols mesmo, que as redes dos membros da confraria nao conseguem pegar. ‘So criaturas mais leves, que exigem redes de outro tipo, mais sutis, mais delicadas. E, no entanto, s3o absoluta- ‘mente reais. $6 que nao nadam no rio. Meu colega aposentado, com todas as credenciais e titulagbes. mostrou para os colegas um sabia que ele ‘mesmo criara, Fez o sabi cantar para eles, ¢ eles disse- 8s ram: “Nao foi pego com as redes regulamentares; néo & real; nao sabemos o que é um sabig; ndo sabemos o que €o canto de um sabia...” ‘Sua pergunta esta respondida, meu amigo: 0 que ¢ cientifico? Resposta: é aquilo que caiu nas redes reconhecidas pela confraria dos cientistas. Cientistas so aqueles que escam no grande Ti ‘Mas ha também os céus e as matas que se enchen de cantos de sabifs... LA as redes dos cientistas ficam sempre vazias. “O que € cientifico?” (II) Ni hd diva de que a mena €0 esitmago da mente. Da mesma forma como 0 alimento ¢ wazido i boca pola rumina- io, asi as coisas sao traidas da meméria pola lembranca.” Agostinho, autor dessa afirmacao (capitulo 14 do lito 10 ddas Confises), percebeu com clateza as relagces de ana- logia existemtes entre o ato de pensar € 0 ato de comer. ‘Nietzsche se deu conta da mesma analogia eafimou que ‘a mente é tm estomage". Quer entende como funciona 6 estémaga entende camo funciona a cabesa Analogia € um dos mais importantes artificios do pensamento. Octavio Paz, em seu livio Ls hijo del lime”, afirma que “a analegia tora 0 mundo habitdvel”. Ela “8 0 reino da palavra ‘como’, essa ponte verbal que, sem suprimi- las, reconcilia as diferenas e obosiies’. A analogia 103 permite caminhar do conhecido para o desconhecido. F assim: eu conliego A mas nada sel sobre B. Sei, enuetan- 10, que B é andlogo a A. Assim, posso concluir, logica- mente, que B é parecido com A. 1. Agorinho de Hipons, Cenfiées Penpals, Vozes, 2 Octavio Paz, Los Io dl imo, Nadia Planeta 1995, Aaanalogia entre o est6mago € a mente nos permite saltar daquilo que sabemos sobre o estomago para o ‘que na sabemas acerca da mente. f em grande medi- dda, gragas as analogias que o conhecimento avanca ¢ que (0 ensino acontece. Quando a ciéncia usa as palavras onda’ e “particula’, esta se valendo de analogias tiradas do mundo visivel para dizer 0 universo naquilo que ele tem de invisivel, Um bom professor tem de ser um mestre de analogias. Uma boa analogia é um flash de luz © estomago € drgio processador de alimentos. Os imentos $40 objets exteriores, estranhos a0 corpo. Ele os transforma em objetos interiores, semelhantes 20 compo. £ isso que torna possivel a assimilaqao. “Assimi lar’ significa, precisamente, tornar semelhante (de casimlar, “ad” + “similis” ‘A mente é tum processador de informacoes. Informa Ges so objetos exteriores, estranhos & mente. A mente ‘os transforma em objetos intesiores, ito é, pensiveis. Pelo pensamento, as informagoes sa0 assimiladas, tomam-se ‘da mesma substancia da mente. O pensamento estranho ‘se toma pensamento compreendido, Entre todos os estomagos, os humanos so 08 mais ‘extraordinarios, dada sua versatilidade. Eles tem uma capacidade inigualavel para digerir os mais diferentes tipos de comida: leite, café, po, manteiga, nabo, ce: noua, jilé, mandioca, alface, repolho, ovo, trigo, Tho, banana, coco, pequi, azeite, came, pimenta, vinho, uisque, coca-cola etc Por veves, essa versatiidace do estomago ¢ subme- ‘ida a restrigdes. Alguns, por doenca, deixam de comer ae -0 que ¢ oneal”) tonresmo e comidas gordurosas, Outros, por pobreza, ‘Acostumam-se a uma dieta de batatas, como na famosa tela de Van Gogh. Outros, ainda, por religiao, adotam um cardapio vegetariano, HS estémagos que s6 conseguem digerir um tipo de comida. E 0 caso dos tigres. Seus estOmagos $6 digerem ‘came. Eles 6 reconhecem came como alimento, Se, nu zool6gico, 0 tratador dos tigres, vegetariano convicto, tentar converter os tigies a suas conviesies alimentares, submetendo.os a uma dieta de nabos e cenouras, é cer to que os tigres morrerdo, Diante dos legumes os tigres dirio: "Iso nio & comida!” (0s estomagos das vacas 36 digerem capim, com re sulados magnificos para os seres humanos. f dificil pensar a vida humana sem a presenca dos produtos que reaultam dos processamentos digestivos dos estomagoe das vacas sobre o capim. Sem as vacas. nao teiamos Ieitey café com leit, rningau, quijon (quantos!), le 3 Parmegiana, morango com lite condensado, sorvetes de vaiados tipos, cemes, pudins,sabonetes. Os esto ‘magos das vacas. com sua modesta deta de capim, s80 dignos dos maiores elogios, A mente € um estOmago. H4 muitos tipos de mente: -estomago. Alguns se parece com os esiémagos huma: ‘nos € processam 0s mais vatiados tipos de informagoes. Leonardo da Vinci € um exemplo extraordinario desse estmago omnivoro, capaz de digerir poesia, musica, arguitetura, urbanismo, pintura, engenharia, ciencia, ‘aiptografia, filosofia, Outros estomagos se especializa ram e 86 sio capazes de digerix um tipo de alimento. 8 ‘© que vou dizer agora, digo-o com o maior respei to, sem nenhuma intengio ironica. Estou apenas me valendo de uma analogia: € assim que meu pensamento funciona. As possiveis quebxas, que sejam feitas a Deus ‘Todo-Poderoso, pois foi ele, ou forca andloga, que me ddeu o processador de pensamentos que tenho. A ciéncia € um de nossos estomagos possiveis. Nao € nosso est0- ‘mago original. E-um estomago produzido historicamen- te, por meio de uma disciplina alimentar nica, E eu sugiro que o estomago da cencia ¢ andlogo 20 estoma- 0 das vacas. Os estomagos das vacas 36 reconhecem capim como alimento. Se eu oferecer a uma vaca um bife suculento, ela me olharé indiferente. Seu alhar bovino me estaré dizendo “Isso no € comida" Para 0 ‘estomago das vacas comida ¢ s6 capim, A cigncia, A semethanga das vacas, tem um estome. {g0 especializado que s0 é capaz de digerir um tipo de comida. Se eu oferecer a ciencia uma comida nao-apro priada ela a recusara ¢ dira: "Nao € comida’ Ou, na Tinguagem que Ihe € prépria: “Isso nio € cientifico” Que € 4 mesma coisa. Quando se diz: "Isso nio € cien- tifico” esta se dizendo que aquela comida nao pode ser digerida pelo estomago da ciencia. Quando a vaca, diante do suculento bife, declara de forma definitiva que aquilo nao & comida, ela esta em erro, Fala, & sua afirmacao, senso critico. Sua resposta, para ser verdadeira, devetia ser: “Isso no & comida para © meu estOmago". Sim, porque para muitos outtos est6- ‘magos aguilo ¢ comida. Assim, quando a ciencia diz, “isso nio € cientifico’,€ preciso ter em mente que. para muitos outros estémagos, aquilo é comida, comida boa, 0 te ewncot® (1) gostosa, que da vida, que da sabedoria, Acontece que ‘existe uma indinagio nawral da mente em acreditar que 56 € real aquilo que é real para ela (0 que ¢, cen tificamente, uma estupidez) — de modo que, quando normalmente se diz. “isso nio € cientifica’, se esti a afinmar, impliciamente, que aquilo nao € comida para estdmago algum. \Vao me perguntar sobre as razdes por que escolhi 0 estdmago da vaca e nao do tigre como andlogo a0 da iencia. O tgre parece ser mais nobre, mais inteligente. Esso escolheu a tigre como seu simbolo; jamais esco- Iheria a vaca. Ao que me consta, existe uma Gnica ins- tiwigdo de saber superior cujo nome ests ligado 2 vaca: €a universidade de Oxford. *Ox", como ¢ bem sabido, a palavra inglesa para vaca. Eu teria sido mais pruden- te, escolhendo a analogia do tigre, € nao a da vaca, visto que ambos os estmagos conhecem apenas um tipo de comida, Mas hé uma diferenca. Nao ba nada {que facamos com os produtos dos estomagos dos tt sgres. Mas daquilo que o estomago da vaca produz, 08 homens fazem uma série maravilhosa de produtos que da € a cultura, Ja imaginaram 0 ia se no houvesse as vacas? Assim © estOmago da ciéncia, com seus producos infinitos, incontaveis, maravilhosos — se nao fosse por cles eu ja estaria morto —, mais se assemelha ao estomago das vyacas que a0 dos tigres. Resta-nos revelar a comida que 0 estémago da cién- ia & capaz de digeric. Vou logo adiantando: se nio for ‘dito em linguagem matematica a ciéncia diz logo: ‘Nao € cientifico”... Concluo que isso que estou ouvindo ot agora, a “Rhapsody in Blue*, de Gershwin, que me dé tanto praver, que me toma mais leve, que espanta a tristeza, coisa real pelos seus efeitos sobre meu corpo e minha alma, isso nao é coisa que o estomago da céncia seja capaz de processar. Nao € cientifico. © edplayer, 0 ‘estomago da clencia o digere facil. Mas a muisica a faz vomitar “O que € Centffico?” (I) (Quer seduzir voct a jogar um jogo de palavras chama. do filosofia. Vocé nao sc interessa por filosofia, nunca estudou filosafia, nada sabe sobre os fil6sofas. Filoso: fla, coisa chata ¢ complicida. Compreendo. Mas suas alegacées simplesmente significam que voce nio tem condigGes para ser um professor de Blosolia, Professo: res de filosofia tem de dominar uma tradicao, ‘Mas note: © homem que inventou 0 alfabeto era amalfabeto. O primero fléxofo que comesou a filoso- far nao tinha atcis de si‘uma bibliografia flosofca xcesso de informacées perturba o pensamento, “Quem fcurnia muita informagio perde © conde de caivinhar divinace, Os sabia dvinam, assim dizia Manoe! de Bar- ros. (E poetactianga. Crianca brinca com brinquedos poeta brinca com palavras. Essa afirmacao do poets nio ¢ cientifica. Nao foi produzida por umn metodo. Ela € magica, Quebra feitigos, Faz voar ideias plantadas) ‘Frequentemente os professores de filosofia pensam tan- to-0 pensamento de outros que acabam por nia ter pensamentos proprios, 38 ‘os MOM Nc TERPLON ON ANCA Comecemos, entio, por compreender que 0 floso- far nio € conhecimento de uma tradigio de pensamen- 10, O filosofar € um jito de fazer dancar as ideias, Mudo minha pergunta inicial “Vamos dangar?* Muitas so as dangis: minueto, marcha, lambada, bolero, samba, tango... As dangas, todas elas, se parecer ‘com 03 jogos. Futebol, tenis, frescobol, voleibol, xadrez, dama, buraco, mau-mau, péquer, truco: todos sio jogos Jogos tem. repras fixas e precisas. No jogo existe uma “danca’” entre a liberdade e a regra fixa. A beleza do fu- tebol esti precisamente nisso: a brincadeita da liberdade do jogador dentro de um quadro de regras fixas. Um jogo, como a danca, depende de duas coisas, precisamente definidas. As “entidades” do xaerez Sio as esas: pelo, dama, bispo... As regras s0 os movimen tos possiveis das pecas. As entidades da valsa sio um homem, uma mulher, um ritmo. Os movimentos do homem e da mulher si0 definidos. Eles devem formar uum par: dangar quase abracados. £0 par que deve se mover segundo o ritmo da valsa. As marchas no exi- gem pares, Cada um pode dancar sozinho, como nos Dalles de camaval. Mas o corpo deve se mover num riumo bindrio. Jé a danga flamenca € outra coisa. Pode ser dangada por uma unica dancarina ou por um par — sendo que homem ¢ mulher nao ficam abragados e executam evolucoes por conta propria Sem que disso nos aperecbamos, a0 falar estamos fazendo jogos de palavras. Numa outra cronica, muito antiga, descrevi dois jogos constantemente jogados por 20 que ¢ anew (i) caszis: 0 ténis € 0 frescobol. O objetivo do jogo de palavras “tenis” ¢ tar o outro da jogada. Fim rapido, Fjaculacaa precoce. O objetivo do jogo de palavras fiescobol” € manter © outro na jogada. Fim adiado. Vaivém prolongado. © bom nao ¢ a chegada; € a traves: sia. Ha uma infinidade de jogos, todos eles com regras precisas e fixas A piada é um jogo cujo objetivo é produzir 0 riso. Sua estrutura ¢ fixa, Consta de um discurso que ct luma expectativa, um suspense, repentinamente inter: rompido por uma rasteira seguida de um fim inespe. rado. Nesse momento acontece 0 riso. A lamentacao ¢ ‘outro jogo. Consta de um relato de sofrimentos por que a pessoa passou, cujo objetive & provocar senti ‘mentos de admiragao em quem ouve o relato, Mas isso nunca acontece porque a outra pessoa, ao término do relato da primeira, diz sempre: "Mas isso nio é nada!” — comegando a seguir o relat de seus proprios softi ‘mentos. Contou-me uma paciente que, em certa regiao do Brasil, este ¢ 0 jogo predileto das mulheres pobres, jetivo € ter a gléria de ser aquela que “mais sedugio, as brigas de casals, os discursas dos politicos, ‘ateza, a psicanalise, 08 comerciais, a aula (Sim! a aula!) Os professores deveriam parar para pensar no jogo que ‘sido obrigando seus alunos a jogar! Uma das caracte- risticas desse jogo € que o aluno ¢ obrigada a aceitar as “entidades” com que deve jogar (disciplinas e currcu Jos) € as “tegras” do jogo que a escola impée. Com 35

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