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entrevista Jean-Pierre Lebrun Uma fuga para o vazio existencial ED WANDERLEY ‘aanceteypegesbrcombr Vivemos numa época em que buscamos 0 g0z0 préprio, sem nécessariamente buscar o outro (ainda que, por vvezes, fagamos isso desse mesmo outro). Nesse contexto; 0 consumo desenfteado e a eterna busca por bens materiais provocam uma sensagdo de felicidade temporaria, uma avidez por atualizagées e novas “doses', 0 que alimenta’ndo apenas uma ecdnomia slobal, mas toda uma cultura que busca, nesse comportamenté, evitar a dor e as préprias limitagées humanas. Quem diz iso é0 psiquiatra e psicanalista belga Jean-Pierre Lebrun, que esteve no Recife na semana passada para participar do 1 Coléquio Internacional sobre a Metapsicologia da Perversao, promovido pela Universidade Catélica de Pernambuco, em parceria com a Université Catholique de LOuest, da Franca, e cujo tema foi O uso social da perversao, Autor de diversos livros que tratam de ‘manifestagdes clinicas como o édio, em um amplo contexto social, 0 psicanalista conversou com o Diario sobre a verso contemporiinea do que seria a perversio e.como o estilo de vida atual contribui para que essa “caracteristica” esteja presente até mesmo nas criancas. DIARIOcePERNAMBUCO teste seqndoicta 24 seemtrode 2003 médico, psicanalista e psiquiatra, [BLENDA'SOUTO MAIOR/DP/O A PRESS Nasceu na Bélgica, onde se formouem medicina psiquidtrica E membro da Associagao Freuciana da Bélgica, que retne psicanalistas belgas € integrantes da Associagdo Freudiana criada por Charles Melman na Franca, E um dos fundadores da Associagio Lacaniana Internacional Entre os livros que escreveu ‘estdo: Um mundo sem limites; 0 homem sem gravidade, uma entrevista ‘com Charles Meiman; O futuro do dio; e Perverso comumr Viver juntos sem 0 outro. Com André Wenin escreveu Des lois pour étre humain (Paris: Erés, 2008), Acntrevista fifelta com a ‘colaboracao da pesquisadora e protessora da Unicap Nanette Zmeri Fre). que & ‘membro da Associaga0 Lacaniana internacional. A ela, os nossos agradecimentos pela traducdo. ~vivemos a democrai O que seria essa perversio comum, queatingea todose 6 fruto do seu estudo? A perversao sempre foi conside- rada doenca, caracterizada por varios elementos. Primeitamen- te, 0 uso” do outro, a busca de ‘um gozo particular a todo cus- to, 0 encontro da satisfacao i gada a sexualidade norifal + ow seja, ligada& possibilida@ode re: produgio. Entao, havia doentes ~ perversos fetichistas, sddicos e etc. Mas, nas iiltimas décadas, com a transformagao da socie- dade edo mundo-em especial, economicamente -, pudemos constatar que essa perversio nao ‘émais apenas doenga, mas carac- teristicaquieafetaocontexto ge neralizado de muitos sujeitos, que sao convidados a um “gozo sem limites", no qual 0 outro nao tem espaco, E a democrati- zacdo da perversio, que trata- ‘mos como “perversio comum”. Como o seriso de liberdade e oacesso.as informacoes influencia essa perversao? Podese dizer que a proposta que se faz hoje é de fornecer, tanto quanto possivel, o objeto de con- sumo, Quer dizer, convidar to- do mundo ao “gozo”. £, antes, ‘um modo de fazer. 0 fato de ser mos seres falantes, “animais doentes que sofrem da palavra’, fazcoth que nunca tenhamos sa tisfacio imediata, total e com- pleta, Nunca. Ora, isso ¢ parte da condigéo humana! Logo, € uma contradiggo que existe en- tre o discurso social, que diz ser sempre possivel encontrar um aparelho melhor, superior, e is- so vai te'trazer mais felicidade, € a nossa condigdo humana no que diz respeito a satisfagdo de nossas necessidades, Oquese pode identificar co- moladosbom eruimdeum cendrio como esse? O lado bom é que temos acesso a uma série de coisas positivas. Com a televisio, podemos ter contato com o mundo todo; gra- Gas a seu telefone celular, voce encontra comunicacio faclmen- te, em qualquer lugar. sso é um lado positivo. O ruim disso tu- do € que isso se faz com tal in- tensidade e proporgio que voce termina por preferir o fato de comprar ou consumir propria vantagem gue se obtém com 0 consumo. E algo como 0 alcoé- latra, que nao consegue distin guir o prazer de um bom vinho francés ou chileno, apenas se contentando em beber. Por queisso esté acontecen- do agora e nao ha 20 anos, com outras revolugées so- claisecientificas? Por conta da evolugio ligada a0 progresso da ciéncia eda tecno- logia.E, claro, do proveito que al guns tiram disso, Lembro sempre que, quando Napoledo morreu na Tiha de Santa Helena, foram necessérios dois meses para que 2 noticia fosse apreendida em Paris, Ele nao estaria ainda mor- to e ninguém estatia advertido da iminéncia dessa morte, Com a TV ou internet, saberiamos de imediato. 0 problema disso tudo € 0 vicio. 0 modelo de trax tamento do objeto. pessoa pas- saa naosuportar nao ter ocelu- lar por perto, nem percebe que fica infeliz quando esté sem in- termet...A primeira grande in- Consumo desentreado alim fluéncia é quanto ao vicio. Isso ‘nao quer dizer que a pessoa se- ja doente por isso, Até porque essa realidade atingea todos, em nossa relacéo com os objetos e com o proximo. Como essa relacao de con- sumo interfere no estilo de vida das pessoas? Por exemplo, na Bélgica, tudo & imediato, Sinto uma dor e quero ser curado agora. Nunca se fica contente sea resposta para qual quer questo nao é imediata, E esse timing acaba contaminando todo mundo, criando dificulda- des para quem esta habituado a viver assim, num estilo de vida «que mascara ¢ esconde o vazio que sentimos, Quando se é toma- do pela corrida ao objeto, deixa- se para tris esse vazio, ssa me- 'lZa¢ao da perversdo” ‘a mais maravilhosa das pessoas e isso toma dificil sua insergdo em sociedade. Se a crianga nao fala bem, a justificativa da mie €*mas eu o entendo", o que nao ajuda a crianca. f isso que nos preocupa quanto ao futuro. Nao Porque seria necesséro lamentar ‘que isso esteja acontecendo, mas Por ser preciso diagnosticar es- ‘sa questo, Como médicos, é nos- s0 trabalho. Qualadiferencadecomoes- a perversao se manifesta em sociedades como a do Brasil ea europeia? Ahistéria da Europa é bem mais antiga, escrita num modelo pi- ramidal de sociedade ereligido, Desde as revolugdes da ciéncia e francesa, houve uma transfor magio. Ento, 0 que vemos ho- je € um resultado do desapare- cimento de um modelo antigo, lancolia, com a qual deveriamos sumo de objetos, por certo, isso enquanto o Brasil jd nasceu “mo- saber vive. E quem acaba preso a afetaré, Fla aprende, desde ce- demo’, om uma sociedade mais nessa corrida éacometidode for do, a inserirse nesse contexto nova e plural. Mas vivemos esti- te depressio, quando se vé sem da “satisfagdo total”. Hd umadu- los de vida préximos e 0 softi- possibilidade de seguir buscan- pla transformacdo na infincia, mento humano € irredutivel e do essas coisas. Ficainfelizdemo- Primeiro, quando, na presenga _inegavel. Muitos pais, bem in- do incompreensivel, pelo fatode da mae, a crianca comeca a__tencionados, querem proteger nunca ersepermitido entrarem — apreendera auséncia. Enasduas _ 0s fillos, mas, fazendo isso, aca- conflito com essa possibilidade condigdes, se faz a dialética. De- bam evitando que eles lidem antes pois, €a saida dessa mesma com o softimento e frustracao ctiangado*mundo” que éoam- dando objetos. sso 0s deixa des- Eessaprotecdo em relacao _bientefamiliar~eamae-e pas prepatados para o momento em 20 conflitog ainda malor sa prendera lingua domun- gue cls no trio ees objeto. quandosetratadecriancas? do em que vive. A crianga no E um paradoxo. A crianca vai so- rianga éalguém que ainda no fala portugués no inicio da vi-__frer esse confronto, vai lidar com. fala eque deve, durante um ter- da, mas pata falar a “lingua de _rivalidade, competitividade e, re gode sua existencia, aprendera todos", ela deve aceitar que ela _cebendo tudo, 0 isco é que ele tomarse “falante", Com os ani; é um, como todo mundo, eno _esteja menos preparado para tu- mais é diferente, nao hd esse pro: tinico no universo. E isso que 0 isso e softa ainda mais. De bblema.Os cavalos, por exemplo, _ vem ficando cada vez mais diff. modo geral, a questao é que vo- Jé saem galopando, Se os pais cil hoje Isso porque essa ausén- _cé sofre mais deixandose acted io imersos nessa sociedade to- cia éevitada, enquanto 0s pais in- tar que pode evitar todo e qual- ‘talmente transformada pelo con- sistem em pensar que o filho é quer sofrimento.

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