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A GRAVURA NO “CAMPO AMPLIADO”: RELACOES ENTRE PALAVRA — IMAGEM NA GRAVURA, GRAVURA E FOTOGRAFIA E GRAVURA TRIDIMENSIONAL NA CONTEMPORANEIDADE MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO © artigo serao abordadas principalmente as relagdes entre palavra agem na gravura contemporanea, através do estudo do uso do texto jal pelos gravadores, numa aproximacdo intertextual entre gravura scrita, abarcando também o diélogo entre gravura e fotografia e tamentos sobre a gravura tridimensional. Com esta investigacao, ca-se analisar como a mudanga no estatuto da gravura, processada Tongo do século XX, tem possibilitado a abordagem das praticas de ressdo a partir da pérspectiva de um “campo ampliado”, trazendo 2 a gravura questdes que Rosalind Krauss (1993) coloca a respeito escultura: “Para a arte pés-modernista, a praética se define em P30 ndo de um determinado meio dado - aqui a escultura”, poderiamos Zer: a gravura, “mas de operagdes l6gicas efetuadas sobre um con- into de termos culturais, e para os quais todos os meios podem ser jlizados: fotografias, livros, linhas sobre o muro, espelhos, ou a cultura” (KRAUSS, 1993, p. 125-126) ou a gravura. conceito de “escultura no campo ampliado”, de Krauss, também fornece ses tedricas para uma discussdo que abrange as artes plasticas e vi- ais em didlogo com as outras artes. Assim, pode-se pensar no campo pliado da gravura, da pintura, do desenho e da fotografia e nas inter- laces dessas linguagens entre si e como cinema, a masica, a literatura outras areas, no ambito das relacdes intermidias. Também a presenga rcante do video, nas suas varias modalidades (videoarte, videoinsta- jacdo. etc.), e das novas tecnologias digitais aplicadas as artes tem ‘oferecido um terreno fértil para se especular sobre as relaces inter- Bidias, no ambito da reprodutibilidade técnica da obra de arte. A impressdo seré abordada a partir das teorizacdes de Georges Didi- Hubernan, que oferece importantes contribuigtes para a drea, a partir da concepgio da exposicao L’empreinte. realizada no Centro Georges = 0 desenvolvimento desse conceite esta atrelado ao de “escultura no campo am- pliado” (KRAUSS, 1993, p. 125-126) MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO p. 27 Pompidou em 1997, e do texto no catdlogo. Didi-Huberman expande o to de impressdo, abarcando um amplo universo de atividades ar- Eisticas que utilizam esse procedimento. 0 ensaio A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica,’ de Walter Benjamin, apresenta conceitos fundamentais para a discussao so- bre a reprodutibilidade da gravure, envolvendo questionamentos sobre © “original” e a “autenticidade” da obra de arte. A partir daf, forne- ce subsidios para a proposta de uma nova definicdo de “aravura origi- nal”. a partir de procedimentos adotados por gravadores nas Gltimas décadas. como a “copia Gnica”, a incorporacdo de imagens fotogréficas, imagens apropriadas e o uso da matriz como obra. 0 estudo de Hans Belting (2006) a respeito do “fim da historia da arte” apresenta referéncias para se pensar o conceito de “arqueologia da técnica”, discutindo questdes como as diferencas entre a utilizacao da técnica como tema ou como meio para alcancar um fim. Esse é um vasto campo de investigagéo e pretendo fazer um breve re- corte, focalizando o didlogo entre a gravura e outras linguagens apés escolher o trabalho de alguns artistas que se inscrevem nessa tendén- cia de abordar a gravura a partir de um campo ampliado. Interessa-me pesquisar como se da o didlogo entre as diferentes linguagens dentro de uma mesma obra, ou seja, a intertextualidade interna, pois o did- logo entre obras jé tem sido bastante estudado. No presente trabaTho. busco parametros para se pensar as relacdes entre impressdo, texto e imagem, fotografia e tridimensionalidade, abordando a obra dos artis- tas Kiki Smith, Lesley Dill e Felix Gonzélez-Torres. 0 PROCESSO DE DESFUNCIONALIZACAO DA GRAVURA E SUA AUTONOMIA ARTESTICA O miltiplo, a autenticidade e o conceito de original na gravura Fazer uma impressdo todo mundo sabe o que é, todo mundo sabe fazer. Todos. um dia, fizeram uma, mesmo marcando seus passos na areia da praia Georges Didi-Huberman * BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodugao. In: GRONEWALD, 1969, p. 62. Neste trabalho uso como referéncia a segunda versdo do texto citado, escrita em 1936 e sé publicada em 1955. A primeira versdo foi es- crita por Benjamin entre 1935/36. Sua traducdo foi publicada no Brasil nas Obras escothidas do autor. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e polftica: ensaios sobre literatura e histéria da cultura. Séo Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras es- colhidas, v. 1). A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. 28 MARTA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO Pp. 0 homem sempre imprimiu. Uma das mais antigas formas de representacdo plastica, a impressdo vai desde fésseis de tragos pré-histéricos a mao do homem pré-hist6rico impressa na parede da caverna, mascaras fanebres, © santo suddrio, selos chineses antigos, tabuletas de argila da escrita cuneiforme, até as antropometrias de Yves Klein e ainda as tentativas de moldar coisas impalpéveis como a poeira (Man Ray), 0 sopro (Penone), os ruidos (Alain Fleischer) ou o tempo (Charles Ross)?. Ha na gravura algo desse imediatismo, dessa leveza primordial da im- pressdo. Porém, entre ambas hé uma diferenga: a matriz. Enquanto a Tmpressdo no pressupde necessariamente a existéncia desta, a gravura ‘ge a presenca de uma matriz. que. depois de entintada,* leva a for- impressa até o suporte, que pode ser o papel, o tecido ou qualquer era superficie imprimfvel. Essa impressdo da matriz sobre o suporte rigem ao maltiplo. eprodutibilidade técnica traz um questionamento sobre o original e uténtico. Segundo Walter Benjamin, “a propria nogao de autentici- le nao tem sentido para uma reprodugdo, seja técnica ou nao” (In: NEWALD, 1969, p. 62). Dessa maneira, & justamente porque a auten- jdade escapa a toda reprodugao que o desenvolvimento de alguns cessos técnicos de reproducio permitiu fixar graus e diferencia- S da propria autenticidade: Mediante a descoberta da gravura em madeira, pode-se dizer que a autenticidade das obras foi atacada na raiz, mesma antes de atin- gir um florescer, o qual deveria mais ainda enriquecé-la. Na rea- lidade, na época em que foi feita, uma virgem da Idade Média ain- da nao era “auténtica”: ela assim se tornou no decorrer dos séculos seguintes, talvez, sobretudo, no século XIX (BENJAMIN. In: GRONEWALD, 1969. p. 62-63). 0 de “autenticidade”, relativamente recente, ndo é intrinseca a de arte. No inicio, as obras de arte eram incorporadas pela socie- através do culto. As mais antigas nasceram a servico de um ritual, ‘Tncipio mégico, mais tarde religioso. Uma obra de arte pode ser vis- de varios modos. Dois deles se opdem: o valor da obra.de arte como to de culto e o seu valor como realidade exibivel. Para o objeto de Eo. a sua existéncia é mais importante do que o fato de ser visto. exemplo, o biséo, pintado na parede da gruta, na pré-histéria, 6 um Fumento magico, nao precisa ser visto pelos outros homens, pois é espiritos que ele est4 direcionado. do a obra de arte se emancipa de seu uso ritual, passa a ser ex- 2. SO depois de reconhecida como tal é que surge a questao da nticidade. Nao era posstvel falar em autenticidade quando a obra = DIDI-HUBERMAN, 1997. caso da técnica do “relevo seco” néo é necessdrio entimter @ metriz. MARIA DO CARMO DE FREITAS WENERGS® p. 29 era anénima, mas, com a valorizagao da autoria, a autenticidade passou a ser um valor em si. As técnicas de reproducéo reforcaram tanto o valor de exibicao da obra que hoje a sua preponderancia absoluta pds @ fungéo artistica em se- gundo plano. Com relacdo as vinculagdes entre copia e original, Benjamin afirma: Diante da reproduco feita pela mao do homem e, em princ{pio, con- siderada como uma falsificacao, o original mantém a plena autori dade; n&o ocorre o mesmo no que concerne a reproducio técnica. E isso por dois motivos. De um lado. a reprodugdo técnica esta mais independente do original. No caso da fotografia, ¢ capaz de ressal- tar aspectos do original que escapam ao oho € sao apenas passiveis de serem apreendidos por uma objetiva que se desloque livremente a fim de obter diversos angulos de visao: gragas a métodos como a ampliaco ou desaceleracdo, pode-se atingir realidades ignoradas pela visdo natural (BENJAMIN. In: GRUNEWALD, 1969, p. 62-63). Até pouco tempo atrds, a gravura era considerada original quando: 1. 0 artista, sozinho, criou a imagen mestra sobre ou na placa, Pedra, bloco de madeira ou outros materiais, com o objetivo de criar a gravura. 2. A gravura € feita dos materiais citados, pelo artista. ou con- forme a sua direcao. 3. A gravura final 6 aprovada pelo artista. (KNIGIN, s/d, p. 2)° Porém. essa definicdo nado abrange os processos fotogréficos nem as imagens apropriadas, frequentemente exploradas pelos gravadores nas Gltimas décadas. Com o surgimento dos processos fotomecdnicos e da apropriacdo de imagens preexistentes, a gravura original teve de ser redefinida. Assim, seu conceito ampliou-se, a fim de abarcar as ima- gens fotogréficas. a cépia unica e as imagens apropriadas. nao neces- sariamente feitas pela mo do artista, e também as imagens processadas no computador. Existe ainda a questéo da gravura tridimensional. quan- do a propria matriz 6 apresentada como obra. A discussa sobre o que vem a ser uma “gravura original” levanta ain- da a questao de, em meio a tantas cépias, uma sera mais “original” que 5 Essa definicado de “gravura original” foi proposta pela Print Counci? of Ame- rican, agéncia que decidia a maioria das regras e regulamentos sobre gravura nos Estados Unidos. p. 30 MARTA DO CARMO DE FREITAS VENERDSO as outras? Na gravura artistica, cada cépia é um original, uma obra auténtica, e todas tém um valor igual. A matriz no € 0 original, e a gravura n&o € a reproducdo de um original. Através dela, a imagem se multiplica em varias imagens aparentemente iguais. A relacdo entre as varias copias de uma tiragem remete ao conceito de inframince (infra- jeve), de Marcel Duchamp: Do mesmo modo que o eletricista falaria da “supraconducdo”, por exem- plo, o artista Duchamp teria forjado uma denominacao especifica - e mesmo um conceito original - para qualificar o que, no jogo da im- Pressdo, faz da operacdo reprodutiva uma operacéo diferencial, uma operagdo de separagdo. Esse conceito tem por nome inframince (DIDI- HUBERMAN, 1997, p. 149). Trata-se da repeticéo que implica a diferenca. Assim, pode-se dizer que ngo existem duas cépias iguais, haveré sempre um intervalo de tempo en- tre elas. Isso remete a idéia do rio que nunca corre duas vezes no mes- mo lugar. “Inframince nao 6, em si, uma palavra muito misteriosa. Poder- se-ia dizer talvez ‘infimo’ ou ‘infinitesimal’” (DIDI-HUBERMAN, 1997, p. 149). No caso da gravura, seria a diferenca minima entre uma e outra impresséo de uma mesma matriz. A questo do miltiplo e do original percorre de diferentes maneiras a obra de arte, que sempre foi, por principio, suscetivel de reprodugao: 0 que alguns homens fizeram podia ser refeito por outros. Assis- tiu-se, em todos os tempos, a discipulos copiarem obras de arte, a titulo de exercicio, os mestres reproduzirem-nas a fim de ga- rantir a sua difusdo € os falsarios imitarem-nas com o fim de extrair proveito material. As técnicas de reprodugdo sdo, toda- via, um fenémeno novo, de fato, que nasceu e se desenyolveu no curso da historia, mediante saltos sucessivos. separados por lon- gos intervalos, mas num ritmo cada vez mais rapido (BENJAMIN. In: GRONEWALD, 1969, p. 55-95). Atualmente € cada vez maior o uso de técnicas de reproducdo da imagem, seguindo o rastro da gravura, que, desde o seu surgimento, teve como Pressuposto basico a possibilidade de reprodugao. Com o objetivo ini- cial de multiplicar a imagem, lado a lado com a reprodutibilidade da escrita, veio tomar o lugar do manuscrito iluminado medieval. Enquanto poucos tinham acesso aos manuscritos iluminados, a gravura se tornou uma arte mais popular, acessivel a camadas sociais humildes, por ser maltipla. Ao surgir, a gravura tinha, pois, a funcdo de divulgar ima- gens, quase sempre associadas a textos. Com o aparecimento dos tipos mOveis, a gravura se desvincula do texto, passando a existir como uma entidade independente. Executada a principio por artesdos anénimos, ganha mais tarde o status de obra de arte, assinada por artistas como Durer, Rembrandt e Goya. No final do século XVIII surge a liteerafia, MARIA DO CARMO DE FREITAS VENERGS@ p. 31 a que iria revolucionar os meios graficos pela possibilidade do uso da cor. Assim, no século XIX, muitos sdo os artistas que vdo se valer desse meio para produzir seus trabalhos. Com o advento da fotografia, da clicheria e do off-set, técnica que descende diretamente da litografia, a gravura passa por uma desfuncio- nalizacdo, ganhando autonomia. Mapas, cartazes, rétulos. marcas e ilus- tracdes passam a ser impressos por outros meios, desvinculando a lito- grafia do uso comercial e associando-a exclusivamente ao dominio das artes plésticas. A independéncia da gravura tornou-a uma linguagem ar- tistica autOnoma, sujeita as suas proprias regras, o que viria, com o tempo, a modificar um dos seus pressupostos bésicos: a possibilidade de reproducdo, ou seja. a sua reprodutibilidade técnica. Um fenémeno se repete na arte: a medida que uma técnica se torna obso- leta para o uso comercial ou funcional, ela passa a ser apropriada pela arte. Isso ocorreu com a pintura, desde o surgimento da fotografia, que iria revolucionar os meios de representagao da “realidade”. Assim. ndo mais se preocupando com a representacdo, a arte busca outros modos de existéncia, e vamos assistir, no modernismo, a negacao da representacdo pela arte, que passa a procurar na propria materialidade sua razao de ser. As técnicas de reprodugdo da imagem tém trilhado um caminho seme- lhante. Foi assim com a xilogravura, com a gravura em metal, com a 1i- tografia e, mais recentemente, com a tipografia e a clicheria. A photo- etching, processo fotogréfico na gravura em metal, surgiu da clicheria. A tipografia tem sido incorporada ao trabalho artistico e a fotolitogra- fia utiliza chapas de off-set impressas manuaimente. Artistas que exploram autras técnicas de reproducdo da imagem, como instalag6es multimidia envolvendo video, também adotam um procedimen- to similar. Esse 6 0 caso de Nam June Paik, que utiliza em seus tra- balhos aparelhos fora de uso dos primérdios da televisdo, aos quais agrega novo significado nas suas videoinstalacdes. Esse significade esta ligado a uma importante questao levantada por Hans Belting (2006) sobre 0 papel das mfdias na arte contemporanea. 0 autor aponta a di- ferenca entre o pensamento contemporaneo sobre a arte € o pensamento modernista, quando o “novo” era cultuado. A inovacdo permanece um desejo, que hoje se realiza pela mudanca do medium e da técnica. Ao escolher, por exemplo. em vez de quadros uma videoinstalacdo, pode-se até mesmo citar quadros antigos, sem com isso cair imediatamente sob o veredicto da imitacdo. Enquanto se permaneces no mesmo medium, a novidade s6 podia ser alcancada as custas da des semelhanca com os modelos existentes. Ere preciso produzir o nove sempre com metas antigos. Hoje 0 novo esté mais na escolha dos meios. mais dé que no conteddo e na idéia (BELTING. 2006, p. 275). E ainda: p. 32 MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO A decis3o sobre a arte na pés-histOria ¢ tomada ali onde se quer transformar a propria técnica em arte: no produto de uma fantasia ja metatécnica. N30 se pode falar ainda de uma era pos-técnica, mesmo que a técnica ja seja agora um dominio com uma historia propria, de modo que vemos surgir recordagées e citacdes através da antiga téc- nica, isto 6, uma arqueologia da técnica (BELTING, 2006, p. 275). “arqueologia da técnica” est sem divida presente na gravura e tam- S apropriacgdes. pelos artistas. de técnicas de impressdo obsole- como a tipografia e até mesmo a antiquada mdquina de escrever ma- _ Belting aponta a possibilidade de se tirar conclusdes jalmente diferentes desse fato: Por um lado, cresce a utopia de dissolver a arte na pura técnica € de abolir, definitivamente, desse modo, a expressdo de si do homem. Por outro lado, surge. aos poucos o discernimento de que a técnica também proporciona agora meigs de expresso pessoal com os quais o artista pode trabaihar do mesmo modo como antes trabalhou como pincel e a paleta (BELTING, 2006, p. 275). mica pode ser vista, assim, como o tema ou o meio para um fim timas décadas, a atitude dos gravadores tem abalado principios da gravura, como a reprodutibilidade. A partir da pop art, a "2 tem extrapolado as questdes técnicas, explorando novas aborda- didlogos. Quando artistas como Andy Warhol e Robert Rauschenberg em a discusso sobre a cépia unica, imprimindo sobre suas telas mando impressao e pintura a mao, eles atacam um problema central ura. pois o trabalho a mio sobre a copia questiona a propria da gravura, que pressupunha copias idénticas e miltiplas. Sibilidade de reprodugdo da gravura jd ndo &, portanto, relevante, jmomento em que se produzem milhares de cépias num curto espaco de mediante técnicas como o off-set e as propiciadas pelo avanco da ftalizacdo da imagem. Assim. 0 que move a pratica da maioria dos adores atualmente é, entre outras coisas, a exploragio da imagem 7ca e fotografica. A reprodutibilidade deixa de ser um valor em si, sudanga de paradigma que permite a gravura realizar-se plenamente meio e desenvolver-se como linguagem, tangenciando outras lingua- plasticas e lancando mao dos recursos técnicos dispontveis. O CAMPO AMPLIADO DA GRAVURA: IMPRESSAO, TEXTO, IMAGEM ssar por um processo de desfuncionalizacao. ganhando autonomia na poraneidade, a gravura teve seu estatuto abalado, e, consequente- MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO pp. 33 mente, seu campo de atuagdo ampliado. Assim, atualmente, indmeros gra- vadores em vérios paises tém trabalhado com cOpias tinicas, questionando a multiplicidade da gravura. Também tem ocorrido a combinacdo de técni- cas mecénicas e manuais, criando géneros hibridos que fazem com que a gravura se aproxime e dialogue com outras linguagens artisticas. A apro- priacao de imagens preexistentes, a colagem, os processos fotograficos, a busca da tridimensionalidade na gravura sao alguns dos fatores que também contribuem para a expansao do modo de atuacdo dos gravadores. Tem havido ainda uma nitida aproximac&o entre impressdo, texto e imagem cujo diélogo pode ser analisado a partir da origem comum da escrita, do desenho e da grayura. Seus desdobramentos através dos tempos culminaram com sua retomada por artistas contemporaneos Essa correspondéncia entre impresséo, texto e imagem pode ser abor dada a partir da afirmacao de Anne-Marie Christin (1995, p. 5) de que a escrita nasceu da imagem. A autora aponta a escrita como o veiculo grafico de uma palavra, indicando a sua visualidade © os estreitos vinculos que se estabeleceram entre escrita e imagem desde os seus primérdios. Pode-se acrescentar ainda a importancia dos processos de impressao nessa relacdo. As palavras “escrever”, “pintar”, “gravar” tém uma origem comum: “His- toricamente, os meios graficos estiveram intimamente relacionados 3 ilustracdo e aos livros ¢ eram essencialmente logogénicos. Sem davida, a palavra ‘grafico’, que vem do grego graphikos, deriva de graphein “escrever” (FLAM. In: FRIEDMAN, 1987 9 Na lingua cultura A historia da escrita mostra como arte, escrita e impressdo possutam es- treitos vinculos, dos tempos pré-histéricos ao final da Idade Média. Estudos indicam que a arte pré-histérica pode ser considerada a escrit. do homem pré-hist6rico. Os mesmos procedimentos de impressao utilizados na arte rupestre podem ser vistos atualmente no grafite das ruas, que utiliza 0 molde vazado. Também a simbologia da m&o pré-histérica persis- te no: trabalho de gravadores, como Jasper Johns e Richard Long em suas impress6es com lana. além da mao, como uma seta, indicando direcao nas Placas. Essa recorréncia de procedimentos de impressao da ar torica na arte contemporanea associa-se ao seu anacronismo: “HUBERMAN, 1997, p. 113). A gravura nasce associada a idéia da multiplicacdo da imagem. Suas origens remontam a aproximadamente 5.000 anos atrés, no Oriente. Os mais antigos impressores foram os sumérios, que reproduziam em relevo desenhos e inscricdes em tabuletas de argila, utilizando sinetes ou cunhos de pedra. Esses sinetes, entintados pelos chineses a semelhanca de carimbos, foram usados na India e na China na impressao sobre ma- deira ou seda. Antes da invengao do papel, a escrita podia ser gravada também sobre metal, osso ou tabuletas de madeira, que recebiam uma ca mada de cera sobre a qual eram tracados os caracteres como sti/ius. A invengao do papel pelos chineses no século II d.C. possibilitou, mais tarde. a impressao em massa dos textos sagrados do budismo. combinando p. 34 MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO ivra escrita e as imagens por meio de pranchas de madeira talhadas evo, como a Sutra do Diamante do século IX d.C. Durante todo esse © nota-se o didlogo entre a impressdo, o texto e a imagem, que rsistir até o final da Idade Média. ravura tinha a funcdo original de divulgar imagens mdltiplas, adas na maior parte das vezes a textos. com o surgimento dos méveis ela se desvincula do texto e caminha no sentido de ad- F autonomia. inal do século XVIII, a litografia viria revolucionar os meios producdo gréficos, pela possibilidade de gerar mais copias em tempo. Mas_foi_somente a partir do surgimento da fotografia, 13 Xi. que todos esses processos de reproducdo da imagem -se obsoletos para o uso comercial, quando, mais tarde, sur- icheria e o off-set. ura artistica, que existia paralelamente a comercial, continua minho sem alteragbes significativas até as décadas de 1960 e quando as técnicas e imagens graficas invadiram o mundo artts- Qs artistas comecaram a associar as técnicas tradicionais da a art{stica com outras baseadas na reprodugdo fotogréfica e 34 usados comercialmente. istas pop passaram a utilizar as técnicas de impressdo graéfica ros objetivos, além da mera reproducao da imagem. Para artistas cy tiarhol 0 gue interessava era qualidade da imagem produ- meios fotomecanicos e que nao deixavam vislumbrar a mao do sobert Rauschenberg combina diferentes técnicas de gravura ao de suas imagens, )tirando partido, também, das possibi- S adertas pelo uso da reproducéo fotogrdfica. Rompendo com os s da gravura tradicional, esses artistas partiram para a criacao wagens pessoais, que, utilizando as possibilidades técnicas da . ndo se restringiram a elas. as relacdes entre gravura e fotografia sdo histéricas. Os pro- fotograficos na gravura remetem aos primérdios da fotografia, ihando questées comuns, como a luz e a impressdo. Esse didlogo ravura e fotografia remete, ainda, ao didlogo entre a fotografia psa Segundo Didi-tubernan (1907p 121) sGutntaulactags 2 da imprensa nada tem de original na era da reprodutibili @edasmimagens A articulacdo entre gravura e fotografia é, ~ oerfejlemenle previstvel na era das técnicas de reproducao. Gos processos fotomecanicos toca numa questdo importante, aberta hamp na hist6ria da arte, “a idade das obras ndo mais tocadas io do artista, que ndo tém mais a originalidade de sua criacdo (DIDI-HUBERMAN, 1997, p. 112). Com o uso da fotografia, na gra- ima das possibilidades é a apropriseas de imagens, que seré am- © explorada pelos gravadores e que se relaciona diretamente ao sade duchampiano. MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO p. 35 Existe, no entanto, uma diferenca basica entre a fotografia e os pro- cessos fotogréficos em gravura: essa diferenca € a camada de tinta que opera sobre o papel. Enquanto a fotografia ¢ a luz processada quimica- mente sobre o papel, a gravura é a tinta sobre a placa. transferida para o papel. Ha, portanto, uma diferenga de qualidade, quase tatil. A exploracdo dos processos fotogréficos na gravura néo se limite ao uso da fotografia. A principio, qualquer imagem produzida sobre uma superficie transparente pode ser transferida para a chapa fotossensi- vel. Assim, 0 desenho ou xerox sobre uma transparéncia, a imagem di- gital impressa sobre Jaser filme sdo poss{veis matrizes alternativas para a gravura. A atitude experimental dos gravadores nas wltimas dé- cadas € ressaltada por Riva Castleman, que, fazendo um breve histor1- co da gravura nesse pertodo, relembra: A experimentacao com varios processos associados a impressao ocorrida na década de setenta, vai gerar, entre outras coisas, a incarporacao de papel artesanal, muitas vezes produzido ou projetado pelo artista. que incorpora em sua gravura procedimentos como a colagem, a pintura, etc., ampliando os limites da gravura para além dos meios usualmente aceitos. Outros procedimentos tém sido utilizados pelos artistas, alar- gando também o conceito de gravura, A gravura nos iltimos tempos tem, portanto, percorrido um caminho que a faz ultrapassar seus limites e tangenciar outras linguagens. Suas deri- Assim como ocorre em outros géneros artisticos, varios gravadores tém trabalhado nesse campo ampliado da arte. Dentre eles destacam-se Kiki Smith, Lesley Dill, Felix Gonzalez-Torres, que aproximam a-gravura de outras Tinguagens e cujos trabalhos passo a analisar. KIKI SMITH E A MATERIA IMPRESSA Kiki Smith aborda varios processos grdficos e fotogréficos, utiliza textos visuais em seus trabalhos, explora o livro de artista e em al- guns momentos 0 espaco tridimensional. Interessa-me estudar esses ele- mentos, tracando relacées entre eles e analisando de que maneira agre- gam significado a obra de Smith. p. 36 MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO » conhecida como escultora, passou a incorporar a gravura em Sbalho a partir de meados dos anos 1980. Nas suas primeiras in- es nesse campo, ela abordou a aravura pelas suas préprias carac- isticas, fascinada pelas qualidades inerentes e Gnicas ao meio. Sua ica abrange desde o corpo humano, envolvendo tanto a sua forca to a sua fragilidade, imagens da natureza, como passaros e ani- = até 0 cosmos. Artistas como Andy Warhol e Jasper Johns fornece- Mmsterial para sua exploracdo, assim como Eva Hesse e Nancy Spero. M2 evolucdo da sua imagética, Kiki Smith transcendeu sua propria Wpidualidade até alcancar temas coletivos como morte e decadéncia, como idéias de nascimento e regeneracao. faz parte de uma geracéo de artistas que iniciaram suas car- 2s nos anos 1980, quando muitos artistas, e escultores em parti- desenvolveram suas idéias a partir da arte conceitual e dos imentos baseados no corpo e na performance dos anos 1960 e 1970, Ga tradicdo da pintura figurativa. A arte e a acao de Chris . Vito Acconci e Carolee Schneemann, por exemplo, freqiente- Focalizavam a fisicalidade do corpo humano, de maneiras provo- Ives. lancando as bases para Smith e outros artistas da sua gera- como Robert Gober e Annette Messager, que apresentam o corpo brado (WEITMAN; SMITH, 2003, p. 16). & produgao gréfica de Kiki Smith incorpora procedimentos que co- am a ser utilizados pelos gravadores nos anos 1960, principalmente artistas ligados a vertente pop, e levados ao extremo nos anos Esses procedimentos incluem o trabalho feito a mao sobre a cépia Sa, gerando cOpias unicas, a exploracdo’dos papéis artesanais e os Bes formatos na gravura, a busca de diferentes meios de apresentacao Hpresso, como o livro e muitos outros. Ki Smith. AJ? sou7s, 1988, serigrafia em 36 folhas de papel artesanal Tha, fipesiczo: 181 x 460 cm. The Museum of Modern Art (MoMA), New York M. sua producao grdfica ultrapassou o fascinio inicial pelas carac- yicas especificas do meio, ampliando sua drea de atuacao. Na obra fouls (Fig.4), de 1988, ela repete imagens fotogréficas de fetos, MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO p. 37 encontradas em um livro de anatomia japonés. As vérias imagens foram impressas em folhas de papel artesanal que ela juntou de diferentes ma- neiras, dando origem a indmeras variantes de tiragem. A gravadora explo- ra a repeticao, ao imprimir varias vezes a mesma imagem para gerar uma cépia nica de gravura, subvertendo dessa forma um dos principios da gravura tradicional, que é a reprodutibilidade. Ela lanca mao das mesmas imagens, mas gera variacdes na maneira de apresenté-las. Em outra vertente de seu trabalho grafico, Kiki Smith imprime livros de artista, como Endocrinology, em colaboracéo com o poeta Mei-mei Berssen- brugge. Nesse trabalho explora o interior do corpo humano, expondo o sistema endocrino e linfético, numa obra que remete a tradicao moderna do livro ilustrado, em que texto e imagem se combinam e se completam. A tridimensionalidade na gravura de Kiki Smith relaciona-se com livros infantis, bonecas de papel e elementos afins. Sdo impressées litografi- cas com adicbes feitas a l4pis e montadas em compensado, lancando mao de uma técnica simples e artesanal. Red caps, por exemplo, é composta por seis unidades e remete diretamente a historia de Chapeuzinho Vermelho, tema também de outros trabalhos de Smith. Varias sdo as referéncias contidas na obra gréfica de Kiki Smith, mas neste estudo pretendeu-se enfatizar a atitude nado convencional e 1i- bertaria da artista em relacio 4 matéria impressa, que mostra as pos- sibilidades de uma gravura trabalhada em um campo ampliado. 0 “CORPO POETICO” DE LESLEY DILL EM DIALOGO COM EMILY DICKINSON Lesley Dill tem uma forte relagéo coma literatura. Poemas de Emily Di- ckinson surgem nos seus trabalhos da série The poetic body. Ela utiliza processos fotogrdficos em suas gravuras e experimenta diferentes dimen- s6es e utilizacdes do espaco, partindo algumas vezes para o espaco urba- no. O que me interessa é principalmente sua relacdo com a literatura e sua pesquisa de diferentes suportes. As imagens e construgées de Lesley Dill exploram a natureza do corpo e suas vestimentas, utilizando imagens metaforicas, que buscam desvendar © papel da linguagem ao encobrir ou revelar a esséncia do ser humano. Profundamente poética tanto no impulso quanto no conteddo, a arte interdisciplinar da artista - que inclui fotografia, escultura, gra- vura e performance - também evoca algumas questdes teéricas. Inclu as maneiras pelas quais 0 género é socialmente construido e o corpo € inscrito na linguagem.! * Robin Laurence (Straight) http://www.marja-leena-rathje. info/archives/les- ley_dil1_at_equinox. php p. 38 MARIA DO CARNO DE FREITAS VENEROSO mpressdes, sutilmente dispostas em camadas de musselina e de za de seda, como na série I see visions (Fig.5), remetem a série trabathos de Robert Raushenberg realizados na década de 2 nos quais ele explorou as transparéncias obtidas na superposi- Ge varias camadas de tecidos impressos. Esse artista foi. sem Ge, um dos pioneiros na exploracdo de diferentes métodos de im- S30 € na abordagem da gravura de um ponto de vista nao ortodoxo. 5. Lesley Dill. Da série I see visions, 2003, litografia em musselina e organza de seda com costura feita a mao. igumas das gravuras da série, Lesley Dill apropria-se de um verso de ly Dickinson, impresso sobre tecido: I was born with a veil (“Eu nas- om um véu") (Fig. 6). Com essa frase ela reforca a idéia de velar, der, encobrir. também sugerida pelo tecido, que. apesar de trans- te. oculta e sugere uma veladura. Além da frase, esté impresso ‘mum corpo humano, possivelmente feminino, envolto em tecidos que Geixam perceber detalhes da sua anatomia. Logo abaixo vem a frase: See visions”. Essa imagem remete 4 sensacdo de soliddo e de incomu- ilidade, presentes também no poema de Dickinson. Dill traduz visu- série Hoarfrost Rauschenberg realizou uma série de impressées sobre tecidos nao-esticados, investigando a natureza material de um grande repertério ‘dos transparentes, translicidos e opacos - da mais simples gaze de algodao Mais preciosas cetins e sedas importadas (VENEROSO, 2000, p.340) MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO p. 39 almente o clima sugerido pelo verso, de maneira sutil e ao mesmo tempo precisa. Percebe-se certa simbiose entre a artista e a poeta, como se as duas compartilhassem um mundo enevoado sombrio. epee: 6. Lesley Dill. Da série 7 see visions, 2004, litografia em musselina com costura feita & méo. 0 véu que aparece, tanto no texto quanto na imagem, remete as burcas usadas pelas mulheres do Afeganistdo, trazendo 4 baila toda a polémi em torno dessa vestimenta. A burga ou burca é uma versdo radical xador, veste feminina que cobre o corpo todo, com excegdo dos olhos. Ele € utilizado pelas muculmanas na grande maioria dos paises is1ami- cos, como o Iré e a Arabia Saudita. A burca, além de cobrir todo corpo da mulher, cobre também 0 rosto e os olhos. 0 uso dessas vesti- mentas esté relacionado ao Alcordo, que determina que as mulheres devem se vestir de forma a nao atrair a aten¢o dos homens. Nos paises isla micos também nao & permitido o uso de roupas justas a pontd de deline= ar o corpo da mulher e muito menos roupas semitransparentes.® — possivel uma aproximacdo entre esse significado da burca e do xadom ea presenca do véu, tanto no poema de Dickinson quanto na obra de Dil Ambas abordam temas ligados 4 condi¢éo feminina, sendo que a segunda pertence a um grupo de artistas que questionam o lugar € a condicao dé mulher na sociedade atual. Tal qual Kiki Smith, ela também retorna & imagem feminina, depois de esse tema ter sido parcialmente considerado ® Em paises islamicos menos conservadores ja se permite a mulher mostrar mais algumas partes do corpo, dispensando assim o uso do xador. p. 40 MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO na arte feminista do final da década de 1970. Kiki Smith, jun- com Rona Pondick e Jana Sterback, foram responsdveis por trazer Sao novamente artistas como Louise Bourgeois e Eva Hesse. que. Ge bem conhecidas nas décadas de 1960 e 1970, tornaram-se real - Tnfluentes somente nas décadas de 1980 e 1990, pois tiveram de ir um contexto receptivo 4 exploracdo do corpo e do espaco for- Sicologicamente por fantasias (FOSTER; KRAUSS; BOIS; BUCHLOH, p- 645-46). Tanto Dill quanto Smith pretendiam esse retorno, nao jordagem “positiva” da imagem feminina, tal como na arte feminis- jnicio da década de 1970, mas numa abordagem mais critica. Licia Castello Branco, estudiosa da obra de Emily Dickinson, @ a figura metaforica do véu para analisar seus poemas: “A dor um Elemento em Branco -”, escreveu Dickinson certa vez. E Cas- Branco comenta: E assim se vestiu um dia de branco e encerrou-se em sua branca dor. 0 branco de suas vestes, assim como as duas liliéceas amarelas que ela pousou nas maos de Higginson, talvez nao passem de anteparos ~ véus da beleza - que ela soube criar para resistir ao horror e a morte que sua escrita terminou por atravessar. (...) Ler sua letra impronunciavel talvez nao signifique, entdo, decifré-la, retirar-lhe o véu, mas quem sabe re-velar, em sua nua verdade, a sua branca dor, devolvenda a poesia o que 6 da poesia (CASTELLO BRANCO, 2003, p. 47). Dill, ao produzir gravuras que remetem aos poemas de Dickinson. ta maneira também os revela para o espectador. FELIX GONZALEZ-TORRES E AS “PILHAS”: REALIMENTACAO INFINITA lez-Torres pertence a uma geragao de artistas’ surgidos entre as s de 1980 e 1990, uma época muito propicia para a gravura, em da sua liberdade e diversidade. Como comenta Deborah Wye: Enquanto alguns artistas comecaram a utilizar o potencial do meio para interagir diretamente com a sociedade através de técnicas comerciais, outros trouxeram o compromisso e a energia de uma nova geracdo as técnicas tradicionais praticadas em ateliés profissio- nais ja estabelecidos (WYE, 1996, p. 14-15). let. MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO p. 41 Essa € uma observacdo importante, pois explica em grande parte como se deu a convivéncia, a partir dessa época, entre as técnicas tradicionais de grayura € outras menos ortodoxas. Gonzdlez-Torres, como outros artis- tas, ndo aborda a gravura a partir da perspectiva da pintura, uma pré- tica que geralmente leva ao emprego de técnicas tradicionais de impres- s8o. Sua arte se fundamenta sobretudo no conceito. A producio do artista, que inclui escultura e fotografia, além da gravura, nao esta associada a adocdo de um estilo visual especffico. 0 que ha em suas obras € um humor irénico e inesperado, quando ele utiliza balas embrulhadas, cookies, chicletes de bola, convidando o espectador a levé-los consigo. Algumas vezes ele recorre a formatos tridimensionais, como na criacao de pilhas perfeitas de folhas de papel impressas que remetem aos volumes minimalistas. Também nesse caso o espectador 6 encorajado a levar um exemplar. Ele explica querer que seu trabalho seja “democratico"; busca “renunciar a ter controle sobre ele”, distribuindo-o a outras pessoas que possam utilizé-1o de maneiras variadas, estabelecendo assim uma co- Taboragéo artistica (TORRES, apud WYE, 1996, p. 15. Traducao da autora). Essa insisténcia na realimentacao infinita (endiess supply) em seus tra- balhos remete também, num sentido utépico, a producao em massa, ja que, num primeiro momento, essa produgdo também teve possibilidades democra- ticas latentes (FOSTER; KRAUSS; BOIS; BUCHLOH, 2004, p. 610). Seus temas variam da defesa dos direitos dos gays ao controle de ar- mas, incluindo desejos pessoais e memérias. Suas pilhas de trabalhos em papel, assim como seus outdoors, convites de exposicdes e brochu- ras. geralmente requerem papel e métodos de impress#o econdmicos, revelando navamente sua preocupagao com a democratizagao da obra. Felix Gonzélez-Torres aborda a impressdo de um ponto de vista tridi- mensional, com suas pilhas de gravuras (Fig.7), através das quais discute a questdo do miltiplo e da reprodutibilidade técnica, ja que a id6ia das pilhas ¢ de que fossem sempre realimentadas com novas Provas, 0 que vem acontecendo em colegdes como a do The Museum of Mo- dern Art (MoMA) de Nova York. CONCLUSAO Cada um desses artistas, 4 sua maneira, amplia a campo da gravura. Em suas obras, a gravura expande-se através do dialogo com outras lingua- gens, contribuindo para a modificagdo do seu estatuto na contempora- neidade. Ela deixa de ser uma simples técnica de reprodugdo da imagem para tornar-se uma linguagem, aberta ao didlogo com outros campos de especulacao artistica. p. 42 MARIA DO CARMO DE FREITAS VENEROSO

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