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ie O depoimento de Hecilda Fontelles Esta depoimento, “Ft Lho to do Brasil, 180 6 tane Shar’ bo oteo aes em desta =e to mais grave, quando publicamos na edi- nao nas se sabe qué continuam oa ‘ro 6 we cer intochveis © sparato da repressdo politica ¢ seus torturadores, que tive ram @ “honra”’ de uma | defesa explicita por par- te dos atuais ministros militares » da qipula | do regime. Paulo Fontelles @ Hum- berto Cunha, 0 depoi- ‘mento pungente de He- ji Gilda, torturada barbara- ; np a Witar @ seu aparato re- : f |, NOS anos mais r bh t z: < wi a selvugeria dos mévdos utilizados pegros da historia rocen- einai do womumane erm nosso pad” =ent0 Der oRTURA de outubro de 197] fui um ponte de Saibus , om Brasilia, Lipase presa por uma #0 conjunta do Exér- Cito e fa Palla F nal, operardo essa en- carrogeda ( de repress) as atividades “sub- versivas” em Brasitia, més), pude conhecer a violéncia ¢ a selva: rea be ct bapesxee pelas mutori- de Seguranga em nosso Lond Fda pte nga Jo Fonteles de Lima), quem era, 0 que fa- da, Recusi-me ‘aw t infor. magho, © que Of ieritow, Tomarumme a bolsa a i ee expedida pela Universi asi (carsara Cigncias Sociais), De posse do referido documento, comunceramse corn & UnB ¢ poueas horas depois obtiverne nosso enderef, Quiseram obrigarme a escrever um bilhete © meu marido, também estu- dante meima Universidade (cursava Direito ¢ Hist6ria), certamente para facili- ‘tarhhes a pi pe Com # minha recusa Tam aos insultos, ds ameacas, ds brutal dadet ei sentenga que mé scompanhou durante longo \emipo: “filho desta mea lo deve naster”, AFARSA DO ATROPELAMENTO Horas mais tarde, ao chegar em casa, pans kyr coia, Serasderes ae Ite, ae oa com a noticia Piemysropocratay tes (uma mulher ¢ dois homens): “Sua mu- ther foi atropelada, Esta no hospital Distri- tal da 12 Norte”, Prontificaram-se a levd- Jo até o Hospital, 0 que foi aceito. Levado até a porta do citedo hospital recebeu vor de pristo. Para déla a publico, gritou As pessoas qué Id s¢ tncontravam que estava endo , identificando-s¢ como es tudante, Na presenga delas foi agarnda espancado com violéncia pelos seis poli- ca que ji estavam & porta do hospital, esperando. Foi para dentro de um caro debaixo de palavrOes ¢, em seguida, ). Levaremn-no para o PIC (Pelo- to de Inve Criminais) do Exér- clto, mo Setor Militar Urbano, ESISTENCIAR O depoimento de Hecilda Fontelles | on ate Gas apds & nose prisfo, a ¢ ocupdvamos, no Centro Olimpi- a8, fol invadida ¢ pilhada Por agen- Ss guna que, em nome dos “eleva- interesses Go IPM que nos indiciava nenhum ane jurdleo legal (man- hams ms € apreensio), ae guranga no“ # laaate a paar vc ai comigo cursavam « disciplina “So: do Desenvolvimento”. Os objetos ¢ foram levados de nossa casa (eletrola, , Teldgios, pecas de artesanato, li. vf0s) jamais foram devolvidos, Passel O resto da nojte do dia 6, a manhd e a tarde do dia seguinte na Poli. cia Federal, Seus agentes se revezavam mo cerrado interrogalorio a que me subme- tiam, Nao consegui descansar nem tampou- co tomar qualquer alimento, No fim da tar- de do dia 7, 0 delegado Deusdeth aos gritos, reperindo a venience “filho desta mapa nfo deve mascer", diante do meu si- Véncio, tentou recrudescer a violencia, agredindo-me a socos ¢ pontapés, no que fol contido por outros agentes. Um deles dizia; “A moga pode abortar”. NOITE “ANIMADA” Nao tardou muito ehegou © pessoal do Exército. Um deles, fazendo-s atendida. A ameaga de se avizinhava, tanto me. apli- Ges © receitaram remécios que a tomar. Percebi que me encon- apetrechos de tortura: “'pau-de-arara”’ ¢ “ma- trace” (para choques elétricos). Rindo muito, que anoite ta cer “anumada’. "MAE DESNATURADA” Conduziram-me para uma cela, Pes cebi que havia outras pessoas presas, pelo murmirio de vozes e pelos gritos que vinham de uma cela no fundo do corredor, gritos eses que (oram imediatamente abafades com of acordes de algumas cancées do Ro- berto Carlos, emaltisimo volume. Cansada e dolorida, talvéz devido o efeito das inje- ges, consegui dormi. inte, dia §, sibado, Na manha recebi a visita do Capitgo Gomes, que me disse que omes' marido tambem estava pre- so ¢ que a Policia Federal the tinha feito alguns “estragos™, coisa que li no PIC nado itia ocorter, pots o Exército méo lan- gava mo desses recursos para conseguir depoimentos, Ofereceu-me leite © cigartos. Falando mansamtnie, insist para quecu prestasse depoimento. Fiquei calada, o que © fez ee ee ee chamar-me de “mfe desnaturada™, acusa- g@o que ouvi sepetidas vezes, “Vezes, sem descamso, durante toda a fase dol NO MINISTERIO DO EXERCITO Na segundafeira, dia 10, pela manhd, encapugada, cOnduziram-me até 0 pordo onde se encontrava o meu marido, Uma voz gritava: “Olha ai a tua nrulher. Queres que ela continye sofrendo, desgragado?", An- fes que pudessem calarme, gritei: “Eu estou bem Paulo", Um deles avancow sobre mim ¢, aos empurrdes, agartando-me pelo pescopo, levou-me de volta. Retirou-me © capuz, atirandome com violéncia em di- regio A pia, no interior da cela, Queria arrebentar-me 0 vente, Abaixel-me @ tempo, machucando os seios que ficaram inchados @ doloridos. Mais tarde eu © identifiquei: Sargento Vasconcelos, que se destacou pela bestislidade no trate com Os presos sob a guarda do PIC, Nesse dia, & tarde, eu vi o meu marido, Estava num estado lastimavel, mancando, golpe profundo fa testa, roupas cay ¢ ensanguentadas, descaleo, Desmaiel de pé, + uma dor intensa tomando conta de todo © meu corpo. Caminhango com dificul- dades foros om # UM carro que nos esperava, E, por incrivel que M nos fier saltar no subsolo do Minnis do Exército, Esplanada dos Ministérios. E ld mesmo, dentro do proprio Ministéno do Exército, no 20, andar, a partir desse dia, pasamos 2 enfrentar nova fase de torturas, Novos elementos entraram em cena: Coronel Azambuja, Major Andrade Neto, Capito Magalhdes, “Dr. Cliudio™ ¢ outros, Todos os dias nas levaram para o 2 andar do Ministério do Exéreito conduzindo-nos, & noite de volta para o PIC, Ora a violén- cia, ora a tentativa de envolvimento, Nesse periodo soubemos do esforco das nossos colegas da Universidade em denunciar 4 nOssa prisdo, © que obrigou o Prof. Ama- deu Khoury, reitor dquela época, a tentar COMUNICaI-S8 CANOSCO. 40 HOMENS Numa segunda-feira, iltima semana do més de outubro. aida no 20. andar do Ministério do Exéreito, iniciaram a tortura dos .reflerores. Sob luz intensa, que mal nos permitia abrir os olhios ¢ nos enchar- cava de suor, sem podermos encos tar a parede éramos obrigados a fazer movirentos de gindstica com 0 pesco¢o, O& ‘brags; se a gente nila executava © mommen- to que era ordenado, espancavam, Interca- favam com interrogatdrios ou, as vezes, com 0s “beneficios” do movimento de 64 40 po- vO brasileiro: estradas, aumento do PIB, etc. Paravam uma Unica vez durante o dia. 10 minutos, paca que nos alimentdssemos. A UNiCA Colts que eu conseguia tomar era Coca Cola, Tess to es cerca de 40 homens, a revezsr-se, Na feira, 0 mou marido desmaiou, sendo ent pace a enfecmaria, desacordado, Vex por outra eparecia um médico para exam nar-me. Tomavame o pulso, auscultava ¢ ine embor, “PREOCUPACAO” No sibsdo, por volta das 12 mahdaram renal yada A Como eu passava mal, um médica velo verme ¢ deume um mmédio. Apesar do calor intenso e sufocante que fazia na cela, domi. Despertei no fim da tarde com a entrada de varios homens, Acercaram+e da cama ¢ s¢ puseram a fazer perguntas que eu no respondi. Um deles ¢ aproximou, dizendo: “Ela nfo quer que o filho nasa no regime de ditadura militar”. Passou a me bater no rost9, no pescoco, Desmdici, des pertando com dgua gelada que dois solda- dos me jogavam no rosto. Disseram que eu ia Sair para interrogatério, botando um ca- Pit ta mista abe. Fui conduzida para fora da cela ¢, em seguida, para dentro de um carro, Me fizeram sentar no banco traseiro ¢, me fazendo abaixar, colocaram pilhas de jomal sobre mim, Durante virios minutos rodamos sem parar, Respineva com dificuldade ¢ (ossia. Pararam © carro anun- ciando que haviamos chegado. Percebi sons, rufdos e outros pequenos deta- ee ee ee O LABORATORIO Pouco depois era introduzida ne “la- boratério” Durante vrios minutos me mantiveram de pé, en da, Uma vor aspera comecou a dizer sabiam quem era, que nao adiantava eu continuar calada pois todos os “camaradas” tinham sido pre- sos. Dizia que ali na sala havia uma pessoa com a qu ee uma vor comegou a repetir: “E cla, sim". Compreend que mdo nfo passava de ence- apo, Fizeram sair a tal pessoa. Sentaram- me numa cadeira to baixa que eu julguei estar sentando no cho. Mandaram que cu Comos oli Gescoberto comecet a examinar o “laboratério”. Era uma pe- quens sels, profusamente iluminada, com- pletamente vedada, do de um cir cuito imermo de TY, A cadeira baixa em om ok mae taniare eam: de facto pe dott um losango preto (destacado pelo cho bran. co), de cujas sexe ee oe ae 105 orificios, salam 4 lon; Cicidads, Dinste de en torturador encarapitado em um aparelho provido de imimeros botées, parecendo um - to de Igreja. Espanteime com engenhosidade, © que foi perctbido por ele que me explicou do método altamente cientifica utilizado pelo “lboratorio” ao | ninguém escapava, mesmo os “qua- s” abriam tudo. FRIO, CALOR, ASFIXIA Comegou perguatando cojsas da minha vida: origem de classe, casamento, aspira- g6es. Opinibes sobre a virgindade, divér- cio, educagio de filhos, Uma conversa amena que, segundo ele, estara sendo regisirada por um computador que the facilitaris saber os meus “pomtos vulnerd- veis". Passou a olhar-me de forma estranha, mandando que eu me despisse. Resisti a ordem, angumentando. Levantou-se ¢ dizen- do quequera “bos mora”, comegou a en- rolar-me 06 fios a partir das pemnas amarran- POuco abaixo dos scios. Prenden- i ef : i i a ber saber o mésm tortu- vadores de Brasilia: a imilshs studio no Movimento Estudantil, os colegas, us Profes- Recobiwiwe ue pani que sent 20 inicio, recusands a estat pela tenta- tiva de um acometido de tuberculo- na enfemmana Pude comu- Na 13a. Bafermacia recebi completa amistincia médica, Gragas ao exame com © d@bsietra, vim a saber que teria de sr mubmetida a parto cesariano, pois a crian- g@ cstava “sentada", exigindo entdo, para que i fosse necessirio a cirurgia, que cle tentasse coldcé-la erm pokdo para 0 parto nammal. Durante todo o tempo em que la Com a ordem do obstetra, levaram-me to dentista que me extraiu dois dentes, extra¢iio dolorida, pois 0 estado avangado um in que a snestesia TIQUES NERVOSOS Na Wa. se recebi algunas vie sitas do pessoal do DOI, insistia no meu depoimento, Dois delet, bastante jovens, tenentes, uma das vezes, empunhan- do anmas calibre 45, ameaaram-me dizen- do que mé matariam ali mesmo no Hospital, Outra vez spareceu um tipo estranho, cheio tiques Bervow0s, acuundome de, justtamente com cuftos “camaradas, tt- lo deixado naquélé estado. Gritou, insultou. Pensei comigo mesmo: “Imagine eu, impotente, incomunicivel, causndo mal a uum sujeiso tHo onipotente’."", Maip tarde soube que era o Major Demiur. Ne 13a, Enfermaria fui localizada familiares no dia 13 de dezembro, Fite entio me o meu marido jd s encon- trava em Bres.s para onde, até o fim do més, eu seria levada de volta, Ums noite vieram buscerme, Vol- tei para o PIC onde fui identificada cri- minalmente. No dia’ seguinte veio buscar- aie 0 Capito Menezes, para condudii-me de volta A Brasilia, num avifo comercial, Na aterrisagem a criangs abandonou a po- siglo “rentada™, atravessando no vente, Fui levada do aeroporto para o Minis- tirio do Exéreito, No subsolo mani que eu tirasse 0 capuz, 180 feito, deparel com dois homens me apontavam metra- to “INA”, Foi um ‘chogue terrivel. | manterme de pé a muito custo, Me atastarun “recepclonaram’ flo que tu nfo ° x andar. Li me ro. interrogaté- fui PIC. in panike = i pia o muna feira, pri xamp do Matal Fui .colocada numa cela imunda, cheia de bursts. Deitehme, as baratas andando em cima, © que me obri te tar 0 soutien ¢ amarci-lo na boca. Nis con- segui comer cu sequerdonmir . Senti que comerava = de novoaperder & de raciocinar, ouvia gritos, choro ga, Vozes difusas, MAIS PRISOES Na manhi seguinte recebi @ visita do Coronel Ary, que me informou ter autori- zado uma entrevista entre mim ¢ meu ma tida AO parlatério. Pouco depois, reunindg as forgas que ainda me restavam, avistei-me com ele. Esteve abatido, pdlido, mas mesmo assim esforpou-se para qué eu at reanimas- se. Falou-me que 0 Coronel Ary era 0 no- vo encarregado do inquérito, Soubs de mais ss que tinham sido efetuadas. foltei para a cela jd no limite das minhas forcas. Deitel, nfo mais donseguin- do levantar, Esforcei-me para rea. gir, urastando-me para a porta da cela, Agartel com ai milios as barras da porta assim permancci até ser vista pelo perma néncia, Pouco depois, em uma maca, fui levada para o Hospital da Guarni¢do de wan com, cram Brasilia, Segundo © Prontudrio do ital (que let mais tarde i distragio uma enfermeirs) chegara sum estado lastinntvel, pulsagso muito bab xa, améaga de parto prematuro, presa de forte angistia. “Belém - para’ visitar- g pont que do ele, para facilitar a da crianga. Corte desnecessirio pois eu tinhs boa passagem ¢ dilatara bem, Como nio Bite, nio fiz escindalo, ele mesmo se encar- wegou de espalhar no Hospital que eu era fria, insensivel, © que me tomou alvo de curiosidade de quantos transitavam pela maternidade. Todos queriam ver “a fera” que havia dado a luz. Com menos de 24 horas de pao vieram buscar-me para me levar de volta a0 PIC, O médica junto, dizendo que do pon- to de vista obstétrico eu - estaval ey Néo sctitei, argumentando com ¢! e eu nfo era ums parturiente “normal” pois, ao sait de 14 no tena nem marido, ou quem quer que fosse pars me tar ajuda, além do que, numé cele talents infeccionaria o corte qué ele me havia dado sem necessidade, E mais, que interesse teria 0 CODI em trazer-me para 08 curativos? Em poestar-me assistén- cia? Tinka leite ¢ ia amamentar o meu filho, alei me garantia isso. Minha soga ouvindo a mingua, indo-nos : Cigarros, nete, pasta de denies, lanches, livros, jornais, revistas, Fomos de continuar a fazer astesanato de cuja venda muitos Moers ie prtion we msientavam, Fo} a comunicarso © entre 08 presos, Kio pudemos mais cantar, Até amoviar foi proibide, Temfamos todcs ura Noite de S. Bartolomeu. PRESAS POLITICAS As mulheres tinham de trevar uma uta o dia inteiro, luta feroz, contra o des = palavrdes, sexuals com minuciosos detalhes, ¢, Propostas indecorosas, 08 baths sH> com sonam h bera e ainda hoje, seis anos passados, vez por outra, sinto dificuldades para dori. Precise! de tratamento e durante longo tempo precisel fixer uso d¢ tranqui- lizantes, Q filho que eu tive na prisio teve problemas de coordena;io motora, sb coo sepoindo dar on primeicos pastos com | ano ¢ 5 meses de vida Custou a falar @ ain- da hoje, com 6 anos de idade & uma crianga cheia de insegu apesat do apoio ¢ incentive com que é rodeado, Aparentemen- te¢ uma crianga normal, Ainda ni pristo concebi outro filho, saindo com dois meses de gravider, Tem 5 tase cama Ronaldo, Pelo fato de eu tt1o concebido em condigbet to prec seguor rias é uma crianga bastante frigil és voltas ‘com indmeros problemas de sade, Aparen- temente é uma crlanga saudivel, Eu também aparento ser uma pessoa normal, saudivel, completamente refeita do ano vivido na prio, jas lembran- gas no plppasiem, doldas. Quando penso NO que OfomTeu, COMO agora neste mento, lembro do verso que me scampi hou durante 10do aquele tempo, vesto- ue eu tepetia a mim mesma, inserevendo-o as celas por onde eu passava: “Pelos cami. hos do Mundo/Nenhum destino s perde/ Ha 0s grandes sonhos dos homens E a sure dhfoma . dos vermes) “(Do “Romanceito da Inconfidénci", de Meirellet),

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