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‘Do ISEBE DA CEPAL A TEORIA DA DEPENDENCIA Luiz Carlos Bresser-Pereira ‘05 anos 50, os intelectuais do ISEB, refletindo o proces so de revolusao industrial e nacional que estava em curso des- de 1930, conceberam a interpretagao nacional-burguesa ou nacio- nal-desenvolvimentista do Brasil e da América Latina. Ao mesmo tempo, os intelectuais da CEPAL desenharam a critica da lei das vantagens comparativas, dando fandamentagao econdmica & poli- tica de industrializa¢ao com participacio ativa do Estado, além de haverem formulado a teoria estruturalista da inflacio'. Os dois gru- pos de produtores de idéias viviam em um contexto social e politico que, desde a Grande Depressio dos anos 30, descria do liberalismo, faziaa critica ideolégica do mesmo apontando-o como instrumen- to dos paises mais desenvolvidos, particularmente da Inglaterra e dos Estades Unidos, eapostava em um protagonismo mais acentu- ado do Estado nacional na busca do desenvolvimento economico. Dessa forma, atribufam o subdesenvolvimento da regiao nao ape- nas a0 atraso decorrente da colonizacao mercantil da América Lati- na, mas também aos interesses do centro imperial em manter os pafses em desenvolvimento produzindo bens primérios, entendi- am queo desenvolvimento deveria ser fruto de uma estratégia naci- onal definida com a participagio das burguesias nacionais e dos técnicos do Estado. Suas teorias deram apoio tedrico para o grande process de desenvolvimento que caracterizou a América Latina entre 1930 e 1980. Nos anos 60 ¢ inicio dos 70, porém, uma série de golpes militares nos patses do Cone Sullevou os intelectuais latino- americanos de esquerda a afirmar a impossibilidade da existencia ‘os economists di CEPAL so com freqUéncia chamados deestru- turalstas Essencalmente, porém, foram desenvolvimentsts, como os do ISEB. 202 . Luiz Cantos Bressen-Peneina cde uma barguesia nacional, ea desenvolver uma teoria da depen- déncia associada, consistente com esse pressuposto, que enfraque- ceu o conceito de nagdo na América Latina. Para compreendermos os embates das idéias que iréo se tra- var na América Latina durante o século XX, no seio dos intelectu- ais de esquerda ou progressistas,¢ preciso considerar duas grandes ‘oposigbes ideol6gicas que marcaram 0 mundo desde o século XIX: de um lado, ordem versus justica social, e de outro, nagao versus ‘Cosmépolis. No caso da primeira oposicdo, a prioridade conser- vadora ou de direita seré a da ordem, do primado da lei, indepen- dentemente de ser justa ou injusta, enquanto os progressistas ou de esquerda estario dispostos a arriscar a ordem, primeiro histo- ricamente, em nome da liberdade (sio os liberais politicos e os democratas), ¢, mais tarde, em nome da justiga social (s80 0s soci- alistas ou de esquerda).No caso da segunda oposigao, os naciona- listas defenderao a idéia de nao como uma grandeassociagdode pessoas em torno de valores e destino comuns, ea correspondén- cia dessa nacao com o Estado paraa formacao do moderno Esta- ‘do-nagao—a condigao historica fundamental do desenvolvimento ‘econOmico. Jé 0s cosmopolitas negam a legitimidade da idéia de naio e de Estado-nagao, ou buscam reduzir sua importancia. Conforme veremos neste paper sobre histéria intelectual, 0 conflito entre as duas oposigdes ideol6gicas bisicas (ordem e jus- tica, nagdo e Cosmépolis) dominou os pensamentos brasileiro e Jatino-americano. Para quem esté preocupado essencialmente com ajustiga social, é dificil defender a idéia de desenvolvimento, por- {que este implica um acordo de classes que acaba, de alguma for- ‘ma, legitimando o capitalismo. Da mesma forma, para defender 0 desenvolvimento € dificil ser radicalmente socialista, porque no hf desenvolvimento sem uma estratégia nacional de desenvolvi- mento, ¢ uma estratégia desse tipo envolve sempre um certo acor- do de classes. Na América Latina, especialmente, onde a injustiga social ¢ tao profunda, esta dificuldade ¢ central. Neste trabalho, You examinar estas questdes. partir das idéias, nacionalistas e desenvolvimentistas que 0 1SEBe a CEPAL elabora- [Do IstB E DA CEPALA TEORIA DA DEPENDENCIA . 203 ‘ram nos anos 50, e vou contrapo-Ias as idéias da teoria da depen- déncia, principalmente em sua versio da dependéncia associada’. [Na primeira segio, vou descrever os trés grupos de intelectuais que nos interessam neste trabalho: 05 do ISEB, os da CEPAL ¢ os da escola de sociologia de Sao Paulo, que serviu de base paraa teoria da dependéncia associada. Na segunda, vou examinar a idéia do nacio- nal-desenvolvimentismo e, mais especificamente, 0 conceito de de- senvolvimento do ISEB e da CEPA. como, de um lado, revolucio capitalista e revolugio nacional, e, de outro, como superacao da dualidade, Na terceira ena quarta se¢des, discutirei 0 conceito de nacionalismo ea questio da burguesia nacional, ¢ farei uma refe- réncia aos fatos hist6ricos novos que tornaram parcialmente supe- radaa visio isebiana ecepalina.Na quinta, voltar-me-ei paraa teoria da dependéncia, e examinarei suas tres versoes: a teoria da superexploragao capitalista, a da dependéncia associada e a nacio- nal-dependente, com a qual me associo, porque €, no fundo, acon- tinuacdo ea critica interna a teoria nacional-desenvolvimentista. Instituigdes de intelectuais publicos Instituto Superior de Estudos Brasileiros foi um grupo de intelectuais de vrias origens eespecialidades que,duranteos anos 50, no Riode Janeiro, desenvolveu uma visio coerentee abrangente do Brasil e de seu processo de industrializagao e desenvolvimento. ‘AComissio Econémica para « América Latina das Nagdes Unidas ird se tornar,a partir de 1949, origem do pensamento econdmi- co estruturalistalatino-americano. Nao fago aqui uma resenha do pensamento da CEPAL ou do ISEB, mas dou-Ihes uma interpreta- ‘sd0 pessoal, particularmente co ISEB. As perspectivas abrangentes das duas instituigdes so contemporaneas, conhecendo seu auge F Bete trabalho estd baseado em “O conceito de desenvelvimento do ISEB ‘ediseutido”(Bresser-Percia, 2004) Além de diversas modificagdes e cores, foi acrescentada aqui a anilise da teoia da dependéncia. 204 . Luz Cantos Bressen-Peneira nos anos 50, e so coerentes entre si. Na década seguinte, porém, depois da crise dos anos 60, dos golpes militares eda retomada do desenvolvimento a partir do final dessa década, a visio nacional- desenvolvimentista da CEPAL, e principalmente do ISEB, seré crtiticada de forma cerrada pelos sociélogos brasileiros que se rei- nem na Universidade de Sao Paulo, originalmente sob a lideranga de Florestan Fernandes. £ a escola de sociologia de Sao Paulo que esté surgindo. Tanto 0 ISEB como a CEPAL ea escola de sociolo- gia de So Paulo foram instituigbes de intelectuais piiblicos, em- bora a iiltima pretendesse ser antes uma instituigo puramente académica, mas, entre elas, era o ISEB a que mais se enquadrava nessa categoria’. ‘Os principais intelectuais do ISEB foram os fil6sofos Al- varo Vieira Pinto, Roland Corbisier ¢ Michel Debrun, 0 socié- Jogo Alberto Guerreiro Ramos, 0s economistas Ignacio Rangel, Romulo de Almeida e Ewaldo Correia Lima, o historiador Nel- son Werneck Sodré, e 0s cientistas politicos Helio Jaguaribe e ‘Candido Mendes de Almeida. Suas id¢ias, de cardter antes politi- co do que econdmico’, completavam-se, no plano econdmico, como pensamento estruturalista da CEPAL. As idéias desse or ganismo das Nagdes Unidas tiveram uma repercusso muito maior do que as do ISEB e foram alvo de uma critica muito mais suave do que aquela que enfrentou o grupo de intelectu- ais brasileiros. A CEPAL contard com dois gigantes do pensa- mento econdmico do século XX: seu segundo diretor-executivo principal dirigente ser4 Raul Prebisch, logo a ele se associan- do Celso Furtado. Outros economistas significativos da CEPAL foram An{bal Pinto, Oswaldo Sunkel e Maria da Conceigio ‘Tavares’. Esses autores partem de um pressuposto semelhante Snow wandoaexpresto"intelectsis pabico? nos trmovadotados por Ruwell Jacob, 1987 ‘Embora contassem com um notével economist, lgndcio Rangel 0 trabalhode Prebisch (1949) corresponce Aintrodagio a0 Estudio Econémico «deAmérica Latina, de 1949, Como artigo fi publieado originalmenteno Brasil, em portuguts, na Revista Braileia de Economia, or inci de Celso Furtado. Do WEB E DA CEPALA TEORIA DA DEFENDENCIA . 205 20 do ISEB: 0 desenvolvimento devia ser 0 produto de uma es- tratégia nacional de industrializacao. Para legitim4-lo, porém, seria necessério fazer a critica da lei das vantagens comperati- vas, demonstrando que, 20 contrério do que pressupunha essa lei ow a teoria econdmica ortodoxa, sua aplicagio ndo permitia que os ganhos de produtividades que ocorriam com a industri- alizagdo nos pafses centrais se transformassem em baixa dos recos, beneficiando os paises em desenvolvimento. Nos pafses industriais, 0 valor adicionado j4 6 maior porque a indtistria ‘exige um trabalho mais qualificado do que o da producto agri- cola e mineradora. Somava-te« isto 0 fato de que, a0 contririo do que previa « teoria do comércio internacional, os aumentos, de salérios nos paises centrais nao resultavam apenas em baixa de pregos, mas em aumento de salérios proporcionais os au- mentos de produtividade, devido 2 boa organizagao dos traba- Ihadores, enquanto 0 mesmo nao acontecia nos paises em desenvolvimento com os ganhos de produtividade. Dat resulta- vaa tese de que havia uma tendéncia secular & deterioragao dos termos de intercambio. Os dois grupos filiavam-se a “teoria do imperialismo” ~ ou seja, & teoria que explica o subdesenvolvi ‘mento principalmente como resultado da a¢ao imperialista das grandes poténcias, que busca manter os paises da periferia ex- portadores de produtos agricolas e matérias-primas. O ISEB dominou 2 cena intelectual brasileira nos anos 50. Com uma defasagem de cerca de der anos, formou-se, dentro do Departamento de Ciéncias Sociais da USP, a escola de sociologia de S40 Paulo, sob alideranga inicial de Florestan Fernandes ¢, de- pois, também de Fernando Henrique Cardoso. Essa escola, que ogo adotaré uma postura de critica académica ¢ politica ao ISEB, teve um papel muito diferente na interpretagdo dos desenvolvi- mentos brasileiro ¢ latino-americano. Embora os socidiogos que seretinemem torno do Departamento de Ciencias Socials da USP nao adotem originalmente uma posicao socialista, mostrando-se mais preocupados emestudar a teoria sociolégica internacional, e em transpor para o Brasil métodos de pesquisa cientificos na érea 206 . Luvz. Cantos Bressen-Pexeina das ciéncias sociais, partir do inicio dos anos 60, com a radicalizagao politica que ocorre na América Latina, serao porta- dores de pensamento essencialmente de esquerda e, até 0 fim dos anos 70, crescentemente marxista, Sua preocupagio principal seré coma marginalidade social, a distribuicdo de renda e a anélise dos géneros e das classes socizis. Ao contratio do que ocorre com 0 ISEB, a questao nacional nao é central para escola de sociologia de Sio Paulo, Enquantoa interpretacao do ISEB, como adaCEPAL, corresponde A interpretagio nacional-burguesa do Brasil, e saa visio do desenvolvimento est intrinsecamente ligada A idéia da revolugio nacional, a escola de Sio Paulo estard muito mais ligada a uma das trés versoes da teoria da dependéncia: a versao da de- pendéncia associada‘. Enquanto os intelectuais do ISEB véem no pacto populista de Getdlio Vargas um modelo para a revolugio capitalista e nacional de patses periféricos, e véem 0 populismo politico como uma primeira expressio do povo e, portanto, da democracia,a escola de sociologia de Sio Paulo daré ao populismo de Vargas uma conotagdo negative. Enquanto 0 grupo do ISEB, ‘embora dotado deampla formagao tedrica, estivesseantes situado no aparelho do Estado do que na universidade, e ndo se mostrasse preocupado com a pesquisa empirica, sendo antes um grupo de intelectuais piblicos universalistas, os soci6logos de Séo Pauloeram ‘um produto por exceléncia da universidade, e reivindicavam para Em um trabalho anterior (Bresser-Pereira, 1982), dstingu‘a interpretagio funci- ‘onal capitalista da teora da ‘nova dependency que nomearia tanto a interpreta- ‘lo de Fernando Henrique Caréoso como a minha, na medida em que ambas ‘mostravam os que 2s empresas maltinacionais podiam contribuir para aindustti- aliagao, mas causavam distorg0es no plano da dstribuigao de renda da politica ‘autoritéria, Hoje, mais consciente da negaclo por Cardeso da possiblidede de ‘uma burguesia nacional ~ coisa com a qual nuncs concorde -, parece-me mais adequado distinguie a minha posigio ds dee. Na verdade, a posigto de Cardoso cera mesma da interpretacio funcional capitalist ligada 3 escola de sociologia de ‘io Paulo, enquanto a minha manteve sus vinculaglo com a visio original do ISEB e da CEPAL, como se poderi ver nestetrabalho. [Do ISEB EDA CEPALA TEORIA DA DEPENDENCIA . 207 0 si o cardter puramente académico ou cientifico’. Enquanto, de acordo com Norma Cortes (2003, pp. 27-31), 0 ISEB era um gru- po nacionalistae historicista, que tinha uma visdo duualista da his- t6ria, que pressupunha a possibilidade das aliangas de classe, e estava preocupado com o desenvolvimento nacional obstado pelo imperialismo; 2 escola paulista adotou uma perspectiva cosmo- polita, antidualista, enfatizou 0 conflito das classes — ou seja, a dicotomia esquerda-direita, rejeitando a possibilidade de acordos nacionais e néo se interessando em criticar as relagbes imperiais cexistentes entre os paises desenvolvidos e os ndo-desenvolvidos. Esta anilise suméria nao significa, porém, que a escola de sociolo- gia de Sao Paulo tenha se constituide em um grupo compacto. Pelo contrdrio, houve muito pensamento independents, ¢ confli- 10s te6ricos de todo 0 tipo. O alvo inicial da critica da sociologia paulista foi Gilberto Freyre’. O segundo avo serd 0 ISEB e comeca- 4 com um famoso debate entre Florestan Fernandes e Guerreiro Ramos. O primeiro trabalho amplo do grupo paulista, que esboga ‘uma visto do Brasil e compete diretamente com as idéias do grupo do Rio de Janeiro, seréo livro de Fernando Henrique Cardoso (1964) sobre os empresirios e o desenvolvimento econdmico?, 7A preocupagi das peequisas emplricasiniias serfcom a discriminate raci- al inaugurada comos trabalhos pioneires de Fernand Henrique Cardoso (1962) cede Florestan Fernandes (1945) * er, sobre esa critica, além da ampla producto paulist, o ensaio de Joaquim Falcdo, “A Lata pelo Tione: Gilberto Freyre versusa USP" (2001). * Fernando Henrique Cardoso faa critic inicil das idias do ISEB (1964, pp. 81- 82), Esta critica € radicalizada mais tarde por dois representantes da escola de S80 Paulo,Czio Navarro de Toledo, ISEB: fbricade idelogias (1977), Maria Syiviade Carvalho Franco,“O Tempo das lusdes” (1978), enquanto Francisco de Oiveira, “Economia Brasilia: Critica Rezdo Dualista(1972),crticava prineipalmente 0 cestruturlismo de Celso Furtado, Alia Alves Abrea (1978) precisou de muita in Basa vitbria ea estratégis da escola de sociologia de Sto Paulo de identifica as {déias do ISEB com as do populismo serto celebradss, por exemplo, por uma notivel representante da excola de soiologia de Sto Paul Emilia Vot da Cos- ta (1978p. 178), que afirma: A crise do populism que culminou com 0 golpe militar de 1964 colocou os analsias sociis em uma nova directo. O modelo da “dependéncis tomou olugar do modelo dualisa”™ 216 . Luiz Cantos Basssen-PEnEIRA paraa compreensio da realidade brasileira”. Jé a CEPAL, embora partilhasse da maioria das idéias do ISEB, nao foi criticada, incla- sive porque suaanilise era mais economica do que politica e, pro- vavelmente, porque no interessava nem aos criticos nem aos ctiticados incluir a CEPAL no debate”. Dessa forma, estabeleceu- se uma espécie de estratégia ticita entre os novos tebricos da de- pendéncia e a burocracia da CEPAL de minimizar 0 conflito € aumentar os acordos, Segundo esse perspectiva, as teses da teoria da dependéncia nio significariam a superacdo da CEPAL, e sim ‘uma contribuigio sociolégica ao pensamento sobre a relacio cen- tro-periferia, em sintonia com 0 seu pensamento econémico. Nio essa a forma como vejo o problema. A prépria CEPAL foi envol- vida pelas novas idéias,¢ tratou de alguma forma de aderir a elas, mas é preciso reconhecer que, como acontecera com o ISEB, 03 anos 50 foram os de auge da CEPAL. Nas duas instituigdes, naque~ la década, havia ume andlise econdmica original dos obstéculos quue os desenvolvimentos brasileiro ¢ latino-americano enfrenta- vam, um projeto de desenvolvimento, e uma andlise sociologica de como alcangé-lo no plano politico. Depois, foi o declinio. 7 Norm Cortes ca « reopeito«seguinte frase de Teguaribe (1979, p 102) na ‘qual sou citado:“(...)quase todos os estudos sobre o ISEB - com a importante excegto de Luiz Carlos Bresser-Perera (...)~ tm sido empreendidos por uma nova gerago de intletunis geralmente com tests de doutoramento, 0s quai, ‘excapa (...) msufcienteentendimento as condigdes brasleiras ée ins da ‘ada de 1940 a principios de 1960 Este critcas so conduzidos, sem se dar con- ta, a ums polemica geraconal condicionada pela postura de jovern académico Quando jaguaribe fla em “polémica geracional’ est sugerindo que os principasiotelctuaisda ecala de sociclogia de Sto Paul eramde ura geragio posterior dosinteecruais do ISEB. 2 er,por exemplo,aavaliago geral que Cardeso (1980 (1977) far da CEPAL A atitade é antes de apoio do que de critica. Ou entlo, em outro trabalho (1580 [1972]: 6), sua afemacdo de que “es estos sobre a dependénciaconsttufram ‘uma espécie de autocrtica dnamizada pelo ardor dos que, sem jamais ter passado ‘pla escola cepain,souberam, entretanto, critica sine a asta". [Do IStB EDA CEPALA TEORIA DA DETENDENCIA . 217 Teoria da dependéncia Na historia intelectual da América Latina, um dos temas trata- dos de forma mais confusa e imprecisa ¢ 0 da teoria da dependéncia. Amaioria dos que. discutem simplesmente aconfundem cama teo- ria do imperialismo, quando ela 6 uma critica dessa teoria, especial- ‘mente quando supe a possibilidsdede uma revolugao nacional nos pases periféricos com a participagio ativa das diversas dites nacio- nais,a comegar pela burguesia nacional, Surgindo depois dos golpes militares, e da associagao da burguesia aos militares e aos Estados Unidos que viabilizaré esses golpes, a teoria da dependéncia consti- tufa-se, essencialmente, em uma critica & forma dependente do capi- talismose manifestar na América Latina, Ndo negava aexploragao da periferia pelo centro desenvolvido, mas acentuava que essa explora- 40 nao podia ser atribufda apenas aos dominadores: as elites dos paises dominados, revelando sua dependéncia ou sua subordinagio em relagao as elites centrais, associavam-se a eles. Dessa forma, en- quantoa teoria do imperialismo, especialmente na versio que o ISEB defendeu no Brasil, supunhaa possibilidade de umaburguesia nacio- nal elhe atribuia um papel fundamental na afirmagio das nagdes em desenvolvimento, ateoria da dependéncia caracterizava-se pela nega~ ‘20 da possibilidade de existencia dessa burguesia. A expressio “de- pendéncia’, na perifeia, ¢a contrapartida da palavra “imperialismo’, 1o centro. Muitos, por iso, io levados a crer que as duas teorias S10 cequivalentes. Na verdade, a teoria da dependéncia sé existe, s6 consti- ‘tuiu uma novidade, porque se opés & teoria do imperialismo de duas ‘maneiras. Primeiro,afirmando quea causa do atraso dos pafses subde- senvolvidos ndo estéapenas na exploragdiodo centro imperial, mastam- ‘bém, enzo principalmente, na incapacidade das elites locais, especificamente da burguesia, deserem nacionais, ou seja,de pensarem, agirem em termos des interesses nacionais, nto se podendo falar em ‘uma revolugao nacional barguesa. Enquanto a interpretagao nacional- desenvolvimentista pressupunha que estava surgindo uma burguesia industrial e nacional, em conflito com as velhas elites latino-america- nas, em parte feudais ou patrarcais,em parte mercantis, Gunder Frank 218 . Lutz Cantos Bresser-Pexcina negava radicalmente essa hipotese.firmava que a interpretagao nacio- nal-desenvolvimentistaera uma versio dateoria demodernizagaoado- tada por soci6logos conservadores, principalmente americanos. Na vverdade, a maioria dos adeptos da teoria da dependéncia afirma que ‘0s paises da América Latina haviam sido sempre burgueses, mas, se- guindo Caio Prado Jr. nesse ponte, afirmam que ua burguesia sem- pre fora, desde oinicio da colonizacdo portuguesa ou espanhola, uma burguesia mercant, dependente do centro, incapaz de realizar uma revolugio nacional. Em segundo lugar, teoria da dependéncia, em sua versdo associada e também na nacional-dependente (nao na da superexploracdo capitalista),afirmava que a teoria do imperialismo equivocava-se ao afirmar que o centro seria contrério Aindustrializa- ‘qo. Tanto nio era assim que as empresas multinacionais estavam, desde os anos 50, investindo em plantasindustriais na regido. As em- ppresas multinacionaise o capital financeiro internacional nao impe- ‘dem, mas condicionam perversumente odesenvolvimento econdmico. Condicionam promovendoa concentracao de renda da classe média para imae estimulando o autoritarismo, Na versio da dependéncia, associada da teoria da dependéncia dé-se um pasco além e se afirma ‘que essa participagzo das empresas muiltinacionais no desenvolvimen- to, trazendo sua poupanga externa, e dos empréstimos internacio- zais, também envolvendo poupanga externa, seré condigo para 0 desenvolvimento da América Latina. Em sintese, a teoria da depen- dincia define-sede forma distinta dateoria do imperialismo poratri- buir a responsabilidade do subdesenvolvimento mais is elites locais dependentes, incapazes de serem nacionais, e menos (em diversas medidas) & capacidade do centro imperial de criar obstéculs a0 de- senvolvimento da periferia. Finalmente, para ficar clara a distingio entre a teoria da dependéncia e a teoria do imperialismo, ¢ preciso assinalar quea primeira, ao contrério da segunda, € uma teoria origi- nalmente marxista®. Por isso, ateoria da dependéncia d mais énfase BX teori do imperaliamo forinidalmente desenvolvida por Hoton, que nfo era ‘marxista. Foi mas tarde adotada por Lénin. a teoria da dependéncia, tanto na versio da superexploracdo capitalista quanto na da dependéncia associada, tem clara origem marxista, Cardoso (198) [1972]) ¢enfitico nese pont iada dependéncia se define no campo tebrico da teoia marxista do capitalismo” [Do ISEB DA CEPAL A TEORIA DA DEFENDENCIA . 219° aexploragio de classes do que & exploragao denagoes. Cardoso (1980 [1976], p.97) € daro einsistente nesse ponto. Para ele, caracteristica cessencial da teoria da dependéncia ndo éa de estudarasrelagdesentre as nagées, embora estes 10 possam ser esquecidas, mas éa de fazer a andlise das classes sociais no capitalismo dependente:“O que interes- savaera o'movimento} as lutas de classe, asredefinicdes de interesses, asaliangasque,20 mesmo tempo em quemant’masestruturas,abrem perspectivas para sua transformacio” Nao é surpreendente, partan- to, queessa teoria tena tido tanta repercussio nos Estados Unidos, ‘cajos intelectuais viram nela algo de novo e de atrativo. ‘Uma das origens da teoria da dependéncia foia critica aos tra- balhos de Celso Furtado da segunda metade dos anos 60. Em uma linha consistente com as idéias da CEPAL, afirmou ele entio que a “América Latina caminhava para a estagnacao devido utilizagao de ‘uma tecnologia trabalho ntensiva e a concentragio de renda que ela provocava. A critica dessa visio serd esbogada no livro de Cardoso Falleto,que € o texto bésico da teoria da dependéncia associada,¢ rea~ lizada por dois trabalhos econémicos“Dividir ou multiplicar? A di tribuigdo da renda e a recuperacdo da economia brasileira’ (Bresser-Pereira, 1970) eAlém da Estagnagao” (Conceigao Tavares e José Serra, 1971). Esses trabalhos estdo na baseda visio econdmica da teoria da dependéncia™, embora se devaassinalar que André Gunder Frank foi seu fundador e principal formulador, particularmente da versio da superesploragio capitalista’s. Na teoria da dependéncia, estdo presentes trés verses: a teo- tri original, marxista, a teoria da dependéncia associada ¢ a teoria 3 Bresser-Pereira, 1970; Maria da Conceigao Tavares e José Serra (1972 (1971)). ‘Além desse paper eda andlise dos fats historicos novos em trabalhos j citados (2963, 1968),minha contribuigao original paraa teoria da dependénciaestt pre- sente em“O Noro Modelo de Desenvolvimento” (1973) eem Estado e Subdesen- volvimentoindutrishizado (1977). % Gunder Frank & um economista mancsta belga que teve profunde contato ‘com a América Latina. Seus principastrabalhos s20 um artigo cassico, “Desen- volvimento do Subdesenvolvimento’, de 1956,¢ em uma série de livros, partir de Capitalism and Underdeveloprent in Latin América (1965). 220 . Lurz Cantos BresseR-Peseina que denominarei de nacional-dependente. A primeira interpreta- 0 adotou um raciocinio linear, muito proprio de um marxismo ‘que se pretendia ortodoxo, Dada a impossibilidade da existencia de uma burguesia nacional, nio restaria alternativa para os traba- Ihadores, ou para as esquerdas, senzo trabalhar pela revolugdo so- cialista. Era, portanto, uma teoria proxima da do imperialismo, porque admitia claramente a existéncia do mesmo, mas radical- mente uma teoria critica da verso nacional-desenvolvimentista da teoria imperialista, porque negava qualquer possibilidade de reacio nacional nos quadros do capitalismo, sob a lideranca de ‘uma burguesia industrial nacional. Esta versio tem como princi- pal base te6rica os trabalhos ja referidos de Gunder Frank, para quem a América Latina sempre foi capitalista, mas capitalista mer- cantil,¢ nio estava realizando no século XX sua revolugao nacio- nal burguesa. A colonizagdo européia teria sido puramente mercantile, portanto, essencialmente capitalist, implantando na regiao um modelo capitalista exportador de produtos primérios. Dessa forma, capitalismo e imperialismo seriam as causas bésicas do subdesenvolvimento, tanto assim que as zonas mais subdesen- volvidas do continente foram aquelas quettiveram um grandeauge exportador mercantil. Na mesma linha, Ruy Mauro Marini desen- volvea“teoria da superexploragao”. Marini reconhece que, duran- te um certo periodo, houve interesses comuns entre a burguesia e 0 proletariado, tendo isto “conduzido a vanguarda pequeno-bur- ‘guesa a0 reformismoe 2 politica de colaboracio de classes”, mas, “e pronunciamento militar de 1964 assestou um golpe modal na corrente reformista” A interpretagio nacional-burguesa, portan- to, € identificada com o reformismo, embora se admita que ela tenba tido certa validade durante algun tempo. O reformismo fra- cassou porque o desenvolvimento do Brasil estaria baseado essen-

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