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EDUSC M4290 .g20 em lingua ‘adquiridos pela Para Yoko Jeu todo o manuscrito nao uma sé vez, mas duas, um ver- dadeiro trabalho de amor de sua parte, e encontrou diver- 308 erros e deslizes; Yoko Miyakawa, Chow Man-wai, Shir ley Lee e Viki Lee ajudaram muito em conferir e, em alguns casos, oferecer traduges de materiais em japonés e chines. Conversas de virios anos com Sidney Mintz e Joseph Bos- co a respeito dos significados de cultura estimularam em muito meu pensamento, especialmente apés discordar de ambos ~ eles sem dtivida menearao a cabega diante de mi- nha obtusa teim 1s0 leiam estas paginas. Devo tam- bém mencionar aqui as sugestes muito valiosas de trés pa- receristas anénimos da Routledge, assim como a incentivo de minha editora Victoria Peters. Partes do capitulo 4, intelectuais de Hong Kong, apa- receram no Bulletin of Concerned Asian Scholars, de julho- setembro de 1997, “Heunggéingyiihn: sobre o passado, 0 pre- sente e 0 futuro da identidade de Hong Kong”. Agradeca a seu editor, Tom Fenton, pela permissao pi paginas relevantes neste livro, A segao de nomes neste capi- tulo apareceu de uma forma ligeiramente diferente em Dialectical Anthropology, de setembro de 1996, “Nomes e identidades no supermercado cultural de Hong Kong”. nalmente devo agradecer a meus 120 ou mais infor- mantes nas trés sociedades; cada um deles dedicow um tempo de suas vidas atarefadas para se sentar comigo, mui- to freqiientemente um estranho para eles, por diversas ho- ras, ¢ responder as minhas perguntas esttipidas sem nenhu- ‘ma recompensa. A antropologia, como disciplina, nao po- deria existir se as pessoas com as quais 03 antropélogos conversa nio estivessem disfostas a abrir suas vidas a es- tranhos. Espero que este livro seja digno da confianga que esas pessoas depositaram em mim. 14 4] sopre os SIGNIFICADOS DE CULTURA Cultura tornou-se um problema no mundo de hoje. Os antropélogos definem cultura tradicionalmente como “o modo de vida de um povo"; usando essa definigio po- demos falar de “cultura navajo”, “cultura americana’, “cul- tura chinesa’. Mas, tais rétulos, no mundo atual de fuxos ¢ interagdes globais, realmente fazem algum sentido? Ha, de fato, algo como cultura americana, japonesa ou chinesa que defina todos os americanos, japoneses, chineses em comum em contraposigio a nao-americanos, nao-japone- ses, naio-chineses? Se nao, deveriamos entao descartar 0 termo “cultura”? Neste capitulo, argumento que cultura, de fato, conti- nua a ser significativa se pudermos juntar as primeiras s de cultura como um conceito mais contemporineo de cultura como “as infor~ magoes ¢ identidades disponiveis no supermercado cultu- ral global” ~ cultura, falando-se de maneira geral, como, sendo formada pelo Estado em oposigao a cultura forma- da pelo mercado. Tento fazé-lo por meio de uma teoria da formagao cultural do individuo e a partir dai explorar 15 questdes de identidade cultural: como formulamos~e for- mularam para nés — quem, culturalmente, somos? Essa discussao prepara o cenario para nossas andlises, nos capi- tulos posteriores, dos artistas japoneses, dos americanos & procura de religido e dos intelectuais de Hong Kong nos seus diferentes esforgos, embora paralelos, de definirem-se tanto contra sua carga cultural individual como contra 0 AASCENSAO E QUEDA DE Antes de sua corporificagao antropolégica, “cultura” significava refinamento. Cultura, nas palayras do humanis- ta do século XIX Mathew Arnold, era “um estudo da per- feigao ... uma condigao interna da mente ¢ do espirito... Cultura, infatigavelmente tenta ... aproximar-se cada vez mais de um sentido do que € ... belo, gracioso ¢ adequa- ura era “o melhor que jé foi pensado e dito”? um ideal que a maioria de nés, vivendo nossas vidas comuns, sem refinamento, jamais esperaria alcangar, Essa idéia de cultura permanece em uso hoje: sou considerado “culto” se consigo assistir a uma dpera sem cair no sono e se puder fazer comentarios inteligentes, ou, pelo menos fingit fazer comentarios inteligentes a respeito das sutilezas da litera- tura e da arte. 1, BAUMER, F. Main Curn ven, CN: Yale Universi of Wester ress, 1978, p. 521 € 523, 2. BERGER, B. An Essay on Citture: Symbolic St Structure, Berkeley: University of Cal Press, 1995. p. 17. 16 Antropélogos culturais refizeram o conceito de cultu- ra para aplicé-lo nao apenas a poucos seres humanos cultos € sofisticados mas a todos os seres humanos. Nas palavras de Clifford Geertz: “Cultura ... no é apenas um ornamen- to da existéncia humana mas ... uma condigio essencial para ela... Nao existe algo como uma natureza humana in- dependente da cultura”? Como seres humanos, todos nés somos cultos. A histéria dessa reelaboragao de cultura é bem conhe- cida pelos antropélogos. Edward Burnett Tylor e Lewis Henry Morgan sio freqiientemente aceitos como fundado- res da ciéncia da antropologia nos fins do século XIX; sim- plificando um processo complexo, eles tomaram o concei- to de cultura de Arnold como sendo refinamento e 0 apli- caram & evolugdo cultural, que envolvia o desenvolvimento da raga humana, da, nos famosos termos de Morgan, “se vageria ao barbarismo, & civilizagao”. Todos os seres huma- nos, em seu ponto de vista, embora “primitives”, tinham o potencial de se tornarem “cultos’, 0 que parecia significar iguais aos europeus e americanos de seus dias. Franz Boas, nas décadas seguintes a Morgan e ‘Tylor, é amplamente acei to como sendo o primeiro antropélogo a pensar nao em “cultura” mas em “culturas” — para mostrar que nao hi ape- nas uma cultura universal a qual os seres humanos estao em virias etapas a ponto de atingir, mas antes, que cada so- jade em particular possui sua propria cultura, singular e coerente, culturas que nao podem ser hhomem’, In: The Interpretation of Cult Books, 1973. p.46 € 49. W7 uma em oposigao & outra.‘ Esse ponto de vista prevaleceu na maior parte do século pasado. A histéria da antropologia cultural desde Boas esta re- pleta de argumentos a respeito dos significados especificos de cultura, Até que ponto, de fato, a cultura determina 0 comportamento individual e até que ponto os individuos es- tao livres para usar cultura para seus préprios objetivos? Qual éa relagio de cultura com as estrutuiras sociais e econé- micas? Com a linguagem? Com o meio ambiente? Como po- demos entender a relacio entre ideais culturais ¢ a realidade, centre 0 que as pessoas dizem que fazem e 0 que elas realmen- te fazem? A cultura é mais bem compreendida como piblica ou particular — como estando dentro das mentes das pessoas ou dentro dos simbolos que levam o significado para as mentes?* Subjacentes a essas controvérsias, entretanto, uma definigio bisica de cultura foi acrescentada. “Caltura’, de acordo com essa definigdo, é“o modo de vida de um povo"* 4, Para uma analise mais completa langas no conceito de cultura eriado por Boas contra o legado de Morgan e Tylor, veja ‘The Study of Culeure, Novato, CA: Chandler & Sharp, 1987, p.13-73, 5, Grande quantidade de livros discutem esses debates sobre ‘na hist6ria da antropologia. Ve plos, HATCH, E, Theories of Mant and Culnure. Nova Yorks C bia University Press, 1973; GAMST, Fj NORBECK, E. Ideas of Cul- ture: Sources and Uses, Nova York: Holt, Rinehart & Winston, 1976; © ORTNER, §, “Teoria em antropologia desde os anos 60". Cony rive Studies in Society au Hist, ¥. 26 n. 1, p- 126-66, 1984. 6, Esse conceito de cultura foi enunciado em muitos lugares, mas ‘uma formulagio clissica € a de HERSKOVITS, M, Mam and His ‘Works. Nova York: Alfred A. Knopf, 1948. p.29, 18 ‘A despeito de todas as diferengas nas formulagdes de cultura entre diferentes antropélogos, a hipétese que todos tinham em comum era que cultura consistiria de unidades ligadas, capacitando Clifford Geertz a escrever a respeito dos concei- tos contrastantes dos eus javaneses, balineses e marroquinos, da mesma forma que Ruth Benedict, quase meio século an- tes, tinha tdo distintamente retratado os valores culturais dos ‘unis, dos dobus ¢ dos quakiutls.” A proposigao comuma es- ses escritores € que ha padres discretos de cogni¢ao, valores e comportamentos que os membros de cada um desses gru- 1pos compartilham entre si em contraste com os membros de ‘outros grupos. £ isto que os antropélogos culturais tem es- tudado e no que tém acreditado; isto tem sido a base da dis- ciplina da antropologia — pelo menos na sua variante ameri- cana, se nao na variante inica.* Ruth Benedict, em sua conhecida obra de 1934 Patterns of Culture, foi assaz responsdvel por tornar “cultura’,em seu in Interpretive Ar 48, A antropologia social brit dia a se definir nao como o estudo da cultura mas da st ativa, Como escreveu a personagem social britinica: “Nao se pode ter uma cincia da c ira somente como uma caracterfstica de sistema social, (RADCLIFFE-BROWN, A, R.A Natur Scien «ce of Society, Glencoe, IL Free Press, 1957. p. 106). Em anos recen tes, entretanto, essa correntes antropoldgicas diferentes parecem, ‘em grande part, ter-se fundido. 19 sentido antropolégico, uma palavra corriqueira. Como Margaret Mead mais tarde escreveu: Quando Ruth Benedict comegou seu trabalho em antro- pologia ... 0 termo “cultura” parte do vocabulério de um grupo pequeno ¢ técnico de antropélogos profisio- nis. Que hoje o mundo moderno esteja tao a vontade cor © conceito de cultura, que as palavras “em nossa culturs saiam dos labios de homens e mulheres ¢ forgo tanto como as frases que se referem a periodo ¢ lugar, 6 em grande parte, devido a esse livro.’ tio sem es- Como as palavras de Mead indicam, “cultura”—e uma série de conceitos afins tais como “choque cultural” — entrou na corrente hoje: podemos falar de “cultura japone- sa’, “cultura francesa’, “cultura chinesa’, “cultura mexicana” ou “cultura afro-americana” com a suposigdo que aceita sem questionamento que 0 que esse rétulo significa sera mais ou menos entendido. E irdnico, entretanto, que os antropdlogos, aqueles que trouxeram 0 conceito de cultura para um ptiblico maior, estejam agora abandonando esse conceito. Como um antropélogo recentemente observou, nos trabalhos de antropologia de hoje, ‘enquanto 0 adjetivo “cultural” continua sendo um predicado A. tas frases co quaki tura dos nuers” estdo ocorrendo com crescent Quando a palavra ‘cultura’ de fato aparece, fre- 9. MEAD, M.“Um novo preficio’: In: BENEDICT, R. Pa Culture. Boston, MA: Houghton Miffin, 1959. p. vi, rns of 20 qjiientemente é acompanhada de aspas... (mostrando) a am- Divaléncia do escritor, sua autoconsciéncia ou sua censura.* Varios antropélogos ultimamente procuram se livrar do termo “cultura” por umas tantas razdes conjuigadas, mas uma das mais fandamentais é que, no mundo atual macigo de fluxos de pessoas, de capital e idéias, nao se pode facil- ‘mente pensar em uma cultura como algo em que as pessoas em um determinado lugar no mundo tém ou sdo, em co- ‘mum em oposig&o a outros povos em outros lugares, Como Ulf Hannerz escreveu: “A humanidade .... disse adeus ique- Je mundo que podia ... ser visto como um mosaico cultu- ral, de pedagos diferentes com arestas duas, bem definidas. As ligagdes culturais, de modo crescente, se estendem atra- yés do mundo.’ De acordo com alguns comentaristas contemporineos (mais freqitentemente do novo e amorfo campo dos estuclos culturais do que da antropologia), estamos vivendo em um. mundo de cultura como moda, no qual cada um de nés pode pegar e escolher identidades culturais da mesma for- ‘ma que pegamos € escolhemos roupas. Como Jean-Francois Lyotard escreveu: Ecletismo ¢ o grau zero da cultura contemporinea ge- ral: a pessoa ouve reggae, asiste a um filme de faroeste, 10. BRIGHTMAN, R.“Esquega a cultura: substituigdo, transcendén- cia, relexificagao” Culnural Anthropology, v.10, n. 4, p. 510, 1995. 11, HANNERZ, U. “Roteiros para culturas periféricas” In: KING, A.(Bd.). Culture, Globalization, and the World System: Conternpo- rary Condi representation of Identity. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997, p. 107 24 come no McDonald’s no almogo e cozinha local no jan- tar, usa perfume francés em Téquio e roupas retro em Hong Kong; conhecimento € uma matéria pata jogos de televisio. Dando corpo a tais alegagoes, um artigo de um jornal de Hong Kong descreve 0s membros de uma gangue de ‘motoqueiros na China como pessoas obcecadas por Harley Davidsons e pelo sonho americano de liberdade. Quando 0 repérter pergunta por que, Ihe dizem: “Culturas ... si0 como pratos sobre a mesa. Vocé pega do que gosta’: *“Cul- tura’, em linha com essas formulagdes, pode ser definida como “as informagdes e identidades disponiveis no super- mercado cultural glob: Esses dois conceitos de cultura encerram considerével verdade em si, mas nenhum adequado para descrever 0 University of Minnesota Press, 1984. p. 76 13, FORESTER, J, “Sonhos de Harley’ 1994, 14, Quando comecei a pensar respeito das idéias neste livro, acha- ‘era meu, mas desde entio percebi que ja tinha sido usado por outros ~ pouco surpreendente, levando-se em conta como descreve muito corretamente aspectos do rmundo de hoje. Talvez 0 uso mais antigo do termo *supermer- cado” em relagao a cultura éo que faz VON LAUE, TH. em seu The th Century bal Perspective. Nova York: Oxford University Press, 1987, p.339 € 341, O primeito uso direto do termo “supermercado cultural” com «que deparei & de HALL, S.em “A questao de identidade cultura" T. (Rds). Modernity and its Futures. Cambridge: Polity Press, 1992. p 303. Hii provavelmente ‘outros lugares nos quais 0 terme foi usado que nd nk 22 mundo culturalmente complexo no qual vivemos. Quero, primeiro, discutir cultura como “o modo de vida de um ovo”. Claramente sobram os elementos de um “modo com- partilhado de vida” em sociedades diferentes no mundo. A linguagem, sem dtivida, molda o pensamento de membros dessas sociedades de formas diferentes; restam os padroes Aistintos de criagao de fillos que dio forma a modos distin- tos de pensamento; governos dio forma ao pensamento de seus cidadios por meio da escola piiblica; os meios de co- municagio de massa, em diferentes sociedades, servem para criar suas “comunidades imaginadas"* em oposigdo aquelas de outras sociedades. As culturas de sociedades nacional- mente formadas tais como as do Japdo, da China e dos Esta~ dos Unidos, sem diivida existem, Qualquer pessoa que fique parada numa esquina de Téquio por mais de uns poucos se- gundos observando como as pessoas se comportam umas com as outras nao pode deixar de perceber que aquilo é Ja- pio, exibindo uma cultura distinta, diferente de qualquer outro lugar; ¢ 0 mesmo exercicio pode ser repetido nas es- quinas das ruas no mundo todo. Na realidade, pode ser que este livro subestime cul- tura como “o modo de vida de um povo". Meu foco neste livro esta centrado na identidade cultural - como as pes- soas entendem quem sio culturalmente — mais do que so- bre cultura com é estudada por forasteiros: antropélogos que examinam os padres de linguagem, conhecimento ¢ organizagao social que podem dar forma ao modo de vida das pessoas em uma sociedade e que esto além de sua 15, Esse termo importante 6 de ANDERSON, B. em seu livro Ima 23 prépria percepcao. Por meio de uma focalizagao na per- cepgao que as pessoas tém de cultura podemos ver cultu- ra como mais contestada que aceita sem questionamento, mais escolhida que dada, embora esta dltima também possa ser de importincia fundamental para se entender cultura. Mas a despeito disso, parece inegével que cultura como “o modo de vida de um povo” é hoje problematico: hé tanta diversidade e inter-relagio dentro de cada sociedade diferen- te que jé nao podemos facilmente falar d mu “cultura americana’, ou “cultura chinesa” como todos unificados, distintos, em oposicao a outros todos unificados, distintos. Quais valores o professor de faculdade japonés, 0 operério,a dona de casa, feminista e 0 roqueiro punk com- partilham entre si, em contraste com seus pares americanos? Que comportamentos o cristiio fundamentalista americano, a separatista lésbica, o traficante de droga urbano, o corretor yuppie, o imigrante vietnamita e 0 judeu hasidico* compat tilham em oposigao a todos os japoneses ou chineses? Nao pode ser que o mtisico de rock de Téquio tenha cultural- mente mais em comum com seu par em Seattle do que com seuss préprios avés? Que duas executivas de Nova Iorque ¢ de Xangai, igadas por meio de suas conexdes via internet, com- partilhem mais de uma cultura comum que qualquer uma delas em relacZo aos zeladores que limpam seus escritorios? ‘Talvez nao, mas o simples fato de que essas questoes podem ser seriamente colocadas revela a erosio de se pensar em cul- tura como o modo de vida de um determinado povo em um 24 ap a a + determinado lugar, em contraste com outros povos em ou- tros lugares, Esse conceito de cultura nao é suficiente. Nosso outro conceito de cultura ~ cultura como formagio ¢ identidades dispontveis no supermercado cul tural global” — parece até mais problemitico. Esté claro que cultura tornou-se, em parte, uma questdo de gosto pessoal; até certo grau parece que nés pegamos e escolhemos cultu- ralmente quem somos na musica que ouvimos, na comida ‘que comemos ¢, talvez, mesmo na religido que praticamos. Entretanto, nossas escolhas nao sio livres, mas condiciona- das por nossa idade, classe, género e nivel de riqueza, e pela cultura nacional a qual pertencemos, entre outros fatores. O modo de vida ¢ 0 mundo social dentro do qual fomos for- mados como seres humanos, assim como 0 mundo social continuo no qual vivemos ~ os diferentes grupos ao nosso redor, em cujas opinides nd podemos deixar de prestar bastante atengdo — mostram que a livre escolha é, em gran- de parte, um mito. A despeito de tais objegdes, entretanto, ha uma grande validade nesse conceito de cultura. Hé um sentido no qual nds que vivemos entre 0s afluentes 10 ou 15% da populacao do mundo, circulamos, sem dtivida, pelo “supermercado cultural’, escolhendo, ainda que de uma maneira altamente condicionada, as identidades que de- sempenhamos dentro de nossos mundos sociais. Esses dois conceitos de cultura ~ cultura como “o modo de vida de um povo e cultura como “as informagbes 16, Alguns te6ricos poem de lado esses conceitos conflitantes defi- nindo cultura como “as maneiras de viver ap 1cantradas nas sociedades humanas’ (HARRIS, M. Theories of ntidades disponfveis no supermercado cultural global — servem para descrever aspectos do mundo de hoje, mas nenhum deles é suficiente para possibilitar um entendi- mento real do que signifique cultura." Uma razao por que cada um deles é insuficiente é que representam duas forcas opostas que moldam a cultura hoje: as forgas do Estado e as forgas do mercado. CULTURA, ESTADO E MERCADO Antrop6logos tradicionalmente pensavam em cultura com base em trabalho de campo em sociedades tribais; pu- deram, até certo ponto, & claro, falar a respeito dessa base de cultura como “0 modo de vida de um povo”, Hoje, entre- tanto, sobraram bem poucas tribos, pelo menos como os antropélogos tradicionalmente pensavam nelas: como gru- pos com suas préprias culturas separadas, bastante isolados do mundo. Membros de tribos uma vez. estudados por an- tropélogos podem agora trabalhar como operdrios de construgio e corretores ¢ assistir ao Titanice Baywatch. An- tropélogos, as vezes, investigam como as tribos fazem uma representagio de suas culturas diante de turistas para so- um recente relat6rio discute como os maasais do Quénia representam sua cultura para imtimeros visitantes do primeiro mundo. Durante sua representac2o, nao se Londres: Routledge, 1996. p. 30-43, centre conceitos e cultura congo “coletividades duradouras” — “modos de vida de povos’, em nossos termos ~ e cultura come o {que € universalmente humano, que € a0 que se refere a definigio de Harris, 26 permite que os maasais “usem seus rel6gios digitais, cami- setas ou meias de futebol, a0 mesmo tempo que ridios, walkmen, recipientes de metal, plisticos, latas de aluminio © equipamentos de cozinha produzidos em massa devem ser guardados ¢ escondidos da vista dos turistas””” Tribos como essa agora pertencem ao mesmo mundo ao qual nés também pertencemos. Entretanto, cultura como “o modo de vida de um povo” certamente continua a existir no mundo de hoje,em grande parte por causa dos Estados e de como moldam seus cidadios. Quase todo pais do mundo hoje é controlado pe- los Estados, Como Clifford Geertz observou, virtualmente, cada “lugar no mundo é ... inclufdo em uma extensao de ‘espago continuo e ligado, chamada Republica disto, Rept- blica do Povo daquilo, a Unido, Reino, Emirado, Confede- ragao, Estado ou Principado de alguma coisa ou outra’,*e assim também quase todas as pessoas. Cultura como “o modo de vida de um povo” é no mundo de hoje, quase em toda parte, moldada por Estados nacionais. Os antropélogos, em sua predilegao para com as socie~ dades tribais, nfo estudaram as sociedades nacionais até re- lativamente tarde na histéria da disciplina, Foi a Segunda Guerra Mundial que levou muitos antropélogos a voltarem sua ateng2o as sociedades nacionais. Se o livro de Ruth Be- nedict, Patterns of Culture, comparou trés sociedades tribais, “Maasais no (Cultural Anthro 17. BRUNER, £.; KIRSHENBLATT-GIMBLEI no turistico na Africa Oriental 457, 1994 18. GEERTZ, C. After the Fact Two Coun Anthropologist. Cambridge, MA: Harvard p.2l Four Decades, One versity Press, 1995, 27 seu segundo grande livro, The Chrysanthemum and the Sword ocupou-se com 0 Japao — um esforgo para com- preender “a mente do inimigo’, poderoso na formagio da politica americana de ocupacio do Japaio depois da Segunda Guerra Mundial." Estudos de “cardter nacional” de socieda- des como os Estados Unidos ¢ Rissia foram publicados quase a0 mesmo tempo, analisando o “modo de vida” des- sas sociedades, até certo ponto quanto aos seus padres co- muns de criagao de filhos. Entretanto, foi somente nas déca- das atuais que os antropélogos ¢ outros cientit i megaram a olhar criticamente as maneiras especificas pel odo de vida de um povo’ ;0s como Imagined Com- de Benedict Anderson, € a colegio editada de ventada pelo Estado a bem de sua propria le ide & nacao parece ser coisa nova 1 parte, nao geraram lealdade em joria das pessoas, era a lealdade a0 , mas nao a nenhuma nago. O nacionalismo surgiu. como ideologia somente no final do século XVIML, no perfodo ante- Sword. Boston, 20, ANDERSON, B. pits HONSBAWN, Bg RANGER T (Ed), The venionof Ton Cambie: Cambridge Univesity res 1983 28 rior a Revolugdo Francesa; 0 filésofo alemao Herder foi o pri- ‘meiro a asseverar que “cada grupo nacional tem seu préprio .- costumes, hé- bitos, crencas, psique e visio do mundo” Os Estados, nos ti timos dois séculos, usaram tais conceitos ideal icar sua moldagem de grupos dispares de pessoas, em uma cidadania comum, aceitando essa moldagem como a ‘ordem natural das coisas. Estados procuram justificar e ley ‘mar sua busca de poder, moldando o pensamento de seu dadios por meio da educagao piiblica e dos meios de comuni- cagio de massa, Quantas vezes, neste século, ouvimos os Esta- dos justificarem sua agressio fazendo tais declaragdes como “devemos defender nosso modo de vida"? Essa moldagem é notavelmente eficaz. Para falar pes- soalmente, a despeito de ter trabalhado com afinco como antropélogo para examinar ¢ ficar distante de meus moldes nacionais, ainda assim me sinto, involuntariamente, fluenciado pelo The Star Spangled Banner’; 0 mantra de uma nagio sob Deus’, repetido a cada dia na escola, em, minha infancia, no Pledge of Allegiance” *, ainda esta grava- doem mim. “Minha nagao é especial, ordenada divinamen- nao poderia eu ainda acreditar em tal coisa em can- mente por GELLNER, E, em seu livro Ni denfeld & Nicolson, 1997. * Como & conbecido 0 hino nacional norte-ameri ** Pledge of Al BUA, geralmente dit 1 the Flag. Compromisso de lealdade aos to nado examinado de minha mente? Nao é s6 0 meu caso: 77% dos americanos disseram em uma pesquisa que esta- riam dispostos a lutar em uma guerra por seu pais," defen- dendo “o modo de vida do povo americano” — isto reflete 0 poder extraordinério da moldagem pelo Estado. Patriotismo nao é sempre um embuste; pode haver valores em nosso pais que valham a pena defender, até mes- mo morrer por eles. Observando, entretanto, as guerras tra- vadas recentemente, desde a luta patriética em prol da Ale- manha nazista, até a luta americana no Vietna contra 0""co- munismo sem Deus”, ¢ até mesmo os sétvios justificada- mente empenhados em “limpeza étnica’, € dificil nao nos horrorizarmos ao ver até que ponto a patria esté errada € quio iludidos os cidadaos freqiientemente estiveram pelo que eles estavam dispostos a morrer. O lider militar ameri- cano do século XIX Stephen Decatur certa vez proclamou que ficou famoso: “Nosso pais! Em suas relagées com na- oes estrangeiras, que ele esteja sempre certo; mas nosso pais, certo ow errado!” — em outras palavras: “Mesmo se nosso pats estiver errado devemos lutar por ele porque ele 0 nosso pais” Mas por qué? Por que alguém deve apoiar seu pats quando ele esta errado? Que bem mais que cem milhdes de pessoas morreram neste século lutando em guerras por seu pais indica o poder de moldar do Estado baseado em seu direito sagrado; “suponha que cles declarassem uma guerra e ninguém aparecesse” foi um slo- ‘gan esperangoso da década de 60 e nao mais. Os Estados podem ser mais ou menos bélicos e mais ou menos diretos ou sutis a0 moldarem seus cidadaos, 22, SHAPIRO, A. We're Number One: Where America Stands ~and Falls —in the New World Order. Nova York: Vintage, 1992. p. 43, 30 mas essa moldagem hoje onipresente, e quase sem ques- tionamento. “A idéia de um homem sem uma nagao pare- ce colocar uma tensio na imaginagao moderna’, escreve Ernest Gellner. “Um homem deve ter uma nacionalidade assim como deve ter um nariz e duas orclhas... Ter uma ago nao é um atributo inerente a humanidade, mas ago- ra chegou-se ao ponto de parecer ser.” Os Estados em toda a hist6ria recente tém moldado culturalmente seus cidadaos a fim de que acreditem que Estado e cidadao st0 uma coisa sé dentro do “modo de vida de um povo’, e os cidadaos, na sua maior parte, acabam acreditando nisso sem questionar. Entretanto, a moldagem de seus cidadios pelos Esta- dos visando a um “modo de vida” comum esta Sendo con- testada hoje. Esta contestagdo se di, em parte, por causa do ressurgimento do etnicismo e da identidade étnica. Pelo mundo todo, dos aimus aos zulus, dos hutus aos quebe- quenses, vemos o ressurgimento da identidade étnica sepa- rada do Estado na medida em que as pessoas tentam afir- ‘mar identidades nao inteiramente classificadas pelo Estado: Por muito tempo parece que grupos étnicos estavam sendo lentamente absorvidos pelas nagbes nas quais viviam, Eram vistos como restos de ume outra era, € pensava-se que, ‘gradualmente, 8 medida que as pessoas se modernizavam, naturalmente abandonariam sua identidade cde uma identidade nacional, Em vez. dlisso, identidades étni- cas ficam cada vez mais fortes no mundo moderno.™ ica em favor 23. GELLNER, E. Ni well, 1983, p.6. 24, WEATHERFORD, J. Savages and Civilization. Nova York: Crown, 1994. p. 236. 18 anid Nationalism, Oxfords B ack 31 Em alguns lugares ~ lugoslévia, Ruanda ~ lutas por identidade étnica sio banhadas em sangue, a medida que as etnias lutam para construir nagdes para si mesmas e afastar todas as outras etnias dessa nacio. Fm outras lugares, como nos Estados Unidos, a identidade étnica tende a ser vista mais ‘como um acess6rio a identidade nacional existente de uma pessoa; muitos chegam a se ver mais como afro-americano ou hispano-americano ou 4sio-americano do que simples- mente americano, uma escotha de identidade que nunca po- deria ter ocorrido a seus avés ou pais. De qualquer modo, identidade étnica surgiu como uma forca poderosa no mun- do de hoje, uma contraforca & identidade nacional. Entretanto, argumento cu, ndo é a identidade étnica, ‘masa identidade tal como oferecida através do mercado que 6, decisivamente, a forca maior que corréi a identidade na- cional no mundo de hoje. 1dentidade étnica pode se opor ao Estado existente, mas ¢ fundamentalmente da mesma or- dem conceitual que o Estado; da mesma forma que a iden- tidade oferecida pelo Estado, a identidade éinica é freqtien- temente baseada na idéia de um determinado povo perten- cendo a um determinado lugar. Identidade de mercado, por outro lado, esta baseada em nao pertencer a nenhum lugar determinado, mas sim, 20 mercado tanto em suas formas ‘materiais como culturais; na identidade baseada em merca- do o lar de um individuo é 0 mundo inteiro. Hé duas formas de mercado: o supermercado material, que conduz uma enxurrada de produtos do mundo inteiro para cada canto do mundo, e o supermercado cultural, que conduz. uma enxurrada de informagdes e identidades poten- is para cada canto do mundo. Provavelmente tanto su- permercado cultural, quanto o materi rudimentar hé tanto tempo quanto existem os seres huma- nos: artigos de troca viajam para longe de seu lugar de 32 corigem; as idéias também viajam para longe e por todaa par- te, como os antropdlogos bem sabem ht muito tempo. En- tretanto, 0 supermercado cultural tem se expandido extraor- dinariamente e ultimamente vem sofrendo uma explosio. Se a identidade cultural como encontrada através do Estado na stta moldagem do “modo de vida de um povo” parece con- sideravelmente um produto dos dois tiltimos séculos, a iden- tidade cultural como encontrada através do mercado ~ a in- formagao ¢ identidades dispontveis do supermercado cultu- ral— é,na sua forma expandida atual, um produto das pou- cas décadas passadas, Meu argumento é que as pessoas de todo o mundo afluente ligado pelos meios de comunicacao de massa de hoje podem ser moldadas tanto pelos supermer~ cados materiais e culturais como pelo Estado. Essa manipulagao é tao poderosa e bizarra como a manipulacao pelo Estado: acreditar, pelo menos sublimi- narmente, que uma nova pasta de dente deixar uma pes- soa “sexualmente atraente” € m jordinirio que acreditar que alguém esté disposto a morrer por seu pais? ‘Mas essa manipulagao pode ser mais suave em seus meios que a manipulagao pelo Estado: uma manipulagao mais de sedugao que de coersio, das sedugdes da propaganda mais do que da forga da lei. Essa manipulagao possui significa- dos e implicagdes diferentes, dependendo do grau de afluéncia da sociedade de uma pessoa e dela propria ~ 08 abastados e ligados nos meios de comunicagao possuem mais escolha que os que nao 0 sio. Mas essa manipulagiio é intensa em toda parte; hoje a moldagem do Estado esta sen- do corroida em toda parte pela moldagem do mercado.* 25. Slo erosbes como esta que levaram A. Appadurai a escrever {que“o Estado-nagi, como uma forma politica moderna comple- 33 Essa corrosio toma formas diferentes em lugares dife- rentes. A Coréia do Norte fechou a porta, quase inteiramen- te, ao mercado, causando seu desastroso detrimento econd- mico: sua sobrevivéncia dependera de se tornar mais aberta a0 mercado mundial. O 118, com seu policiamento espiritual a procura de antenas parabélicas e suas diatribes contra a “ocidentalizagao’, colocou-se até recentemente em clara oposigdo as tentativas de corrosdes do mercado, mas essas corrosoes, a julgar pelas informagoes noticiosas, inexoravel- mente continuam. A China, investindo, no momento, no que tem sido chamado de “capitalismo com caracteristicas chinesas” tenta defender-se do mercado com suas campa- thas por “civilizagao espiritual’, mas percebe que a maioria dos seus cidadaos esté menos convencida pelos ocasionais cartazes do Estado prevenindo contra a decadéncia capita- lista ¢ poluigdo espiritual do que pela sedugaio dos estéreos e computadores das vitrinas. O Japao tornou-se tio aberto e infestado por formas culturais — ocidentais ~ estrangeiras que criticos conservadores escrevem com pesar a respeito de como 0 Japao perdeu sua identidade; mas muitos japoneses consumidores dessas formas culturais estrangeiras parecem nao se importar. A Declaracio da Independencia dos Esta- dos Unidos em seu compromisso de que todo cidadao tem “certos Direitos inaliendveis”, entre eles “Vida, Liberdade e a busca da Felicidade’, parece quase um modelo a escolha do consumidor, e, contudo, o conflito entre Estado e mercado é extremamente perceptivel em dreas como religiao, como ve- seus dias, imensions of Gk ‘a Press, 1996. p. 19). Outros analistas sto mais céticos quanto & ‘morte iminente do Estado; mas, com certera, 0 poder do «sti diminaindo, como discutiremos mais adiante no capitul 5, 34. remos. Em resumo, nao ha nenhuma sociedade no mundo hoje que escape do conflito entre Estado e mercado na mol- dagem do “modo de vida” dos cidadios. A diferenga entre nossos dois conceitos de cultura re- sulta, conseqiientemente, pelo menos em parte, do confli- to entre os princfpios do Estado e os do mercado. Esse con- {lito tornou-se amplamente explorado num sentido tebrico em diversos livros interessantes ¢ recentes, alguns dos quais discuto no capftulo 5, mas nao tem sido freqiientemente explorado em menor escala no que se refere ao pensamen- to das pessoas € como elas constroem sua percepgio de identidade. Quem nés, mais profundamente, pensamos que somos culturalmente? Sentimos que somos essencial- mente membros de uma determinada sociedade em com- parago com outras sociedades, cujo determinado modo de vida prezamos e defendemos? Ou sentimos que somos 0 mais essencialmente possivel consumidores de cultura acreditando que moldamos nossas vidas a partir de uma sé- rie de formas culturais espalhadas pelo mundo todo? Se sentimos, como provavelmente a maioria de nds, que temos esses dois sentidos de identidade, como nds conciliamos ~ como resolvemos stias contradigdes? A alegagio bisica do Estado é que “voce é um cidadao de seu pais ¢ deve defen- dé-lo e apoiar seus valores’, ou mais indiretamente, refle- tindo a apropriagao da cultura pelos Estados, “vocé perten- ce a sua cultura e deve apoiar sua tradigao cultural espect- fica”, A alegagao basica do mercado é que “vocé pode com- prar, fazer e ser qualquer coisa que quiser; vocé pode pro- curar a felicidade & sua propria maneira, como achar ade~ quado” a partir de quaisquer formas do mundo que voce achar de seu gosto. Camo compomos nossos sentidos de identidade entre as contraditérias, ainda que accitas sem 35 questionamento, proposigdes que “voc€ deve prezar e pro- teger sua prépria nagao e cultura” e que “voce deve ser livre para formar sua vida como quiser”? Este livro trata de como determinados grupos, em trés sociedades, lutam para formular seus sentidos de iden- tidade cultural dentro ¢ entre esses prin ‘ontradité- ros, principios do Estado e do mercado alojados dentro de stias mentes. Mas antes de voltar aos artistas japoneses, aos americanos busca de religiao e intelectuais de Hong Kong, que compoem o cerne deste livro, necessitamos de ‘uma estrutura {erica que nos propicie mais embasamen- to para a analisar suas consideragées de quem cultural- mente so, Quero agora oferecer uma teoria fenomenolé- gica da formagao cultural do eu, que se centraliza em como ‘0s eus entendem a formagéo cultural de suas identidades. ‘A FORMAGAO CULTURAL DO EU Discutimos dois conceitos bem diferentes de cultura estabelecidos por estudiosos atu ral”, Conceitos recentes do eu mostram uma dicotomia conceitual. Clifford Geertz, em uma de suas declaragbes antropoldgicas mais famosas a esse respeito, argumenta que a nogio ocidental de individuo como um ser inde- pendente, limitado, tinico, bem peculiar dentro do contexto das culturas do mundi 26, GEERTZ, C. ‘Do ponto de vista do nativo' sobre a natureza do entendimento antropel6gico” In: Local Knowledge. p. 59. 36 Kondo escreve a respeito de “suposigdes ocidentais incor- rigiveis referentes ... & limitagao ¢ fixidex da identidade pessoal... Os antropélogos contempordneos cu, esto empenhados em lutar contra as dificuldades ¢ paradoxos para demonstrar a especificidade cultural do eu" Culturas diferentes possuem diferentes eus cultural- mente formados, ela argumenta, que nao podem ser comprados; mas os antropdlogos ocidentais, presos na armadilha de suposigdes etnolégicas, nao conseguiram entender isso até agora. Por outro lado, outros pensadores tém focalizado um eu “pos-moderno” nao limitado por nenhuma cultura es- pecifica. Robert Jay Lifton escreveu a respeito de um “eu protéico’, por meio do qual nés incessantemente muda- ‘mos, tecemos e nos recriamos: Estamos nos tornando fluidos e ceber plenament apropriado ao desassossego ¢ ao fluxo do nosso tempo... E cada um de nés pode, a qu qualquer imagem ou idéia que se originem em qualquer parte do mundo contemporineo ou a partir de qualquer momento cultural de todo passado humano." ifacetados. Sem per- o, mos desenvolvido um senso do eu Iquer momento, ter acesso a através dos meios de comunicagdo em massa e podemos, conseqitentemente, nos dar forma. Madan Sarup escreveu respeito de como, no mundo pés-moderno atual “através do. 27, KONDO, D. Crafting Selves: Power, Gender, and Discourses of Identity in a Japanese Workplace. Chicago: University of Chicago Press, 1990. p.26 637 28. LIFTON, R. J. The Protean Self. Nova York: pele I7, ic Books, 1993. 37 ‘mercado, se podem juntar os elementos do eu do completo Identikit* de um FVM (faga-vocé-mesmo).””, Essas duas idéias do eu ecoam em nossos conceitos de cultura: tanto 0 eu como a cultura sio vistos por alguns como pertencentes a um determinado lugar, confinando e formando os seres ali, e por outros como radicalmente abertos e livres. Essa contradigao pode ser mais bem resol- vida considerando-se o eu e a cultura em uma estrutura fe- nomenolégica comum: uma estrutura com base em como ‘as pessoas vivenciam o mundo. Sou da opinitio de que os eus de sociedades diferentes podem ser comparados como consciéncias separadas fs mente vivenciando o mundo, em parte por meio dessa se- paragio. Nao hé davida de que os eus so moldados cultu- ralmente: eus de diferentes formagoes culturais certamente possuem diferentes maneiras de vivenciar 0 mundo. Tam= bém parece verdade que o fragmentado eu pés-moderno discutido por muitos analistas 6 empiricamente verdadeiro até certo ponto no mundo atual. Entretanto, argumento que, subjacente a essas formulagdes, ha uma base universal do eu tanto interdependente como independente, como. uma parte de e a parte de outros cus. O eu é univers te feito de lembrangas do passado e da expectativa ansiosa pelo futuro, ligadas a um presente constantemente mutan- men- tama colegao de fotografias ou desenhos de ser encaixadas para produzie rel fe forma que testeminhas de um 29, SARUP, M. ldentiy, Cul Athens, Ga: the Postmodern World, versity of Georgia Press, 1996, p. 125. 38 te; 08 eus se manifestam em uma construcio continua feita de palavras; e os eus vivem em um mundo de outras pes- soas sempre presentes na mente, mas que as outras pessoas nao conseguem jamais entender completamente. AAs formagées culturais do eu ocorrem no que analiti- camente pode ser visto como trés niveis separados de cons- ciencia. H4, muito profundamente, 0 que podemos chamar de nivel de formagao aceito sem questionamento: nossa formagio feita por uma determinada linguagem e conjun- to de praticas sociais que nos condicionam quanto ma- neira pela qual compreendemos o eu e o mundo, Esse nivel de formagio esté, em sua maior parte, abaixo do nivel de consciéncia, Porque pensamos por meio da linguagem, nio conseguimos compreender facilmente como molda nosso pensamento; porque vivemos em meio a priticas sociais aceitas sem questionamento (contido no conceito de habi- tts, referindo-se aos processos pelos quais o eu e 0 mundo social sempre moldam um ao outro),” nao conseguimos compreender facilmente como nos levam a viver nossas vi- das de certas maneiras ¢ nao de outras maneiras. Esse nivel & dificil de alcangar: pelo simples fato de que € aceito sem questionamento, nao se fala dele. Em minhas au- las, ocasionalmente tento explorar esse nivel procurando des- cobrit 0 que choca meus alunos, Se digo “Deus esté mort poticas pessoas se assustam; se grito “A democracia & uma maioria das pessoas apenas dé de ombros; quando proclamo em Hong Kong “A China que se dane!”, poucas pes- soas prestam muita atengdo. Mas quando tiro uma nota de cem, de Hong Kong, do meu bolso (cerca de 13 délares) e a of a Theory of Practice, Traducao de R. ridge University Press, 1977 Nice, Cambridge: 39 rasgo em pedacinhos (ou, melhor ainda, se tomo emprestado © dinheiro de algum aluno para o exemplo, para ser devolvi- do mais tarde),a classe toda fica embasbacada, descrente, Essa resposta indica que o ponto nao questionado foi tocado, rom- pido. Violei, por meu comportamento bizarro, aquilo que a maioria das pessoas considera ser inquestionavel e que pode, desse modo, trazer o inquestionavel para ser questionado. Esse nivel forma a base s6lida sobre a qual as pessoas vivem, embora nés muitas vezes no percebamos. Uma base fundamental para as formulacoes tradicionais de cultura da antropologia tem sido que 0 antropélogo, fazendo pesquisa de campo em uma sociedade diferente da sua, pode enten- der 0 ponto nao questionado que os membros da sociedade no conseguem entender ~ e pode, assim, involuntariamen- te, ameagar 0 reino aceito sem questionamento dessa socie- dade, corroer suas suposigdes nao questionadas e até mes- mo por em perigo sua sobrevivéncia cultural. O estereotipa- do antropélogo classico fazendo pesquisa de campo em lu- gares remotos, “nao tocados’, guiando seu jipe, com seu re- ‘volver, suas latas de comida, poderia, sem daivida, ter trans formado dramaticamente as pessoas que encontrasse (como © filme Os deuses devem estar loucos mostrou & maneira de Hollywood): depois de assistir 1 magica do antropolégico, essas pessoas nunca mais poderiam ser as mesmas, pois 0 mundo, ¢ 0 conhecimento do mundo, teriam invadido. Elas nunca mais poderiam aceitar seu modo de vida a questionamento como sendo 0 modo de v Essa exposicao do que é aceito sem questionamento é, entretanto, verdadeira no somente para os outros distan- tes mas também para nés mesmos. A histéria da ciéncia social, de Marx ¢ Freud até Pierre Bourdieu, Michel Fou- cault ¢ Ernest Becker, tem sido a de desnudar progressiva- mente esse aspecto aceito sem questionamento da sovieda- 40 de contemporinea. Marx mostrou como o dinheiro nao era natural, mas uma criagdo humana e um fetiche; Freud re- velou que nossa racionalidade consciente é uma fina pel cula sobre o inconsciente irracional que nos controla; Bec- ker explorou como sao ficticios os significados da vida pe- Jos quais nés, sem pensar, vivemos, Esses pensadores esta- vam empenhados na exposi¢ao desse aspecto sem ques- tionamento, a fim de tornd-lo nao mais sem questiona- ‘mento; ¢, no entanto, sempre permanece um inevitavel rei- no aceito sem questionamento. Nés chegamos & con: cia ainda criangas depois de termos sido formados pessoal e culturalmente: como Berger ¢ Luckmann observam, “a inguagem aparece para a crianga como sendo inerente & natureza das coisas, e ela ndo consegue dominar a nogio de sua convencionalidade”;" como Becker escreve: in Uma vez que a crianga é parcialmente condicionads an- tes que possa manipular os si la é formada sem ser capaz de colocar qualquer dist he estd acontecendo....O re penha seu esilo-herdi automaticamente e sem critica pelo resto de sua vida Podemos, por intermédio de pensadores como esses, vir a entender intelectualmente a arbitrariedade do nosso reino aceito sem questionamento, mas isso, provavelmente, nio alterard o dominio desse reino em nossas vidas. 31. BERGER, P; LUCKMANN, T, The Tiny: A Treatise in the day Anchor, 1966. p. 59. 32. BECKER, E. The Bi Free Press, 1971. p. 148, ial Construction of Re logy of Knowledge. Nova York: Double- uD ‘Meaning. 2, ¢4. Nova York: aa Um segundo e intermediério nivel da formagao cultu- ral do eu esta no que chamo de nivel shikata ga mai Shikata ga nai é uma expressao japonesa que significa “nao hé como evitar”; “nfo hi nada que posso fazer a res- peito”. Esse nivel 6 aquele no qual fazemos 0 que devemos fazer como membros de nossas sociedades, quer gostemos ‘ou nao: temos que ir d escola e depois trabalhar, pagar nos- 808 impostos, agir como “homens” e “mulheres”, aposentar- mo-nos na devida idade e parar em sinaleiros, entre muitas, ‘e muitas outras coisas. Esse nivel de formagao cultural € vi- venciado pelo eu nio como subjacente ao eu consciente, comhecido somente & medida que é forgado para dentro do consciente, mas extrinseco ao eu: as presses sociais e insti- tucionais sobre o eu as quais ele nao consegue resistir total- mente. Enquanto © nivel aceito sem questionamento pode ser atingido somente indiretamente, uma vez. que, quando tocado, jé nao é mais completamente accito sem questiona- mento, 0 nivel shikata ga nai esté em toda parte nas mani- festagdes das pessoas das trés sociedades que entrevistei — 6s ptoprios termos shikata ga nai (japonés), mduh baahn- ‘faat ld (cantonés), “nao ha nada que posso fazer a respeito”, im como esse reino é facilmente reconhecido. Nao gosto de ter qi sideragio como rei po todo, embora ele seja um i tudar, shikata ga nai { mouh bachnfaat la, a vida é assim, sortit e ser cortés, sem levarem con- nto: agradar 0 chefe o tem- Esse nivel de formagao cultural é mais importante do, que 08 analistas tradicionais da cultura tendem a reconhe- cet. Muito do comportamento humano esté baseado nao 42 nos valores bisicos que mantemos, mas em nossa submis- slo as pressdes exercidas pelo mundo social a0 nosso redor, as quais podemos resistir somente por um alto preco. Todas as pessoas vivem ao compasso de regras culturais ¢ sociais de cuja existéncia todas esto cientes, mas ds quais nao con- seguem resist seu mundo social, a mais das vezes, as go- verna, como governa todos nés. Mas nas exposi¢des que as pessoas, neste livro, fazem de suas vidas, a forma dominan- te que o nivel shikata ga nai toma é a do mundo de.outras, pessoas, Essas podem ser outras pessoas em geral, em uma determinada sociedade, com valores gerais que podem di- ferir dos seus, mas aos quais devem, de certa forma, se ajus- tar, ou podem ser outras pessoas em particular, pessoas com as quais convivemos em dangas continuas de desafio esporddico e freqtientes concessdes. Os artistas japoneses, os americanos em busca de religiao ¢ os intelectuais de Hong Kong retratados neste livro estiio todos imersos em seus mundos de shikata ga nai, dentro dos quais e contra os 4quais lutam para moldar suas vidas e seus caminhos. Um terceiro nivel de formacao cultural do eu, muito superficial e inteiramente consciente, envolve “o supermer- cado cultural”. Esse é 0 nivel no qual os eus sentem que pe- game escolhem livremente as idéias pelas quais querem vi- ver. Em uma determinada sociedade (afluente), uma pessoa pode se dedicar & miisica clissica ocidental, outra as ragas, indianas, uma terceira ao rock grunge e uma quarta ao reggaes, uma pessoa pode tornar-se conservadora, outra liberal, ‘uma outra fascista e ainda uma outra anarquista; uma pes- soa pode tornar-se crista, outra budista, uma terceira atéia e uma quarta acreditar no culto aos OVNIs. Ao contrario do interesse de uma pessoa em musica ou esportes, as con- vicgdes politicas de um individuo ou suas crengas religiosas ndo podem ser vistas como escolhidas: “Deus escolheu este caminho para mim”. Mas & medida que uma pessoa nao sceu com essas convicgdes e crengas, porém chega a elas conscientemente, entao devem ser consideradas escolhas mediocres. A despeito de naturalizagoes de tiltima hora, re- presentam um caminho dentre muitos que poderia ter sido tomado, uma selegao dentre muitas que poderia ter sido feita no supermercado cultural. Naturalmente, como jé foi mencionado, essa escolha de interesses, valores e identidades nao é realmente livre. ‘As pessoas pegam e escolhem de acordo com sua classe, g@- nero, crenga religiosa, etnia e cidadania, assim como de acordo com todas as exigéncias de sua propria formacio pessoal, em um supermercado cultural que faz intensa propaganda de algumas escolhas e suprime outras; elas pe- gam e decidem, negociando e verificando © desempenho por outras escolhas. A escolha nao é livre como parece: como se, a partir da vasta disponibilidade de escolhas cul- turais quanto a que uma pessoa possa acreditar, como pos- sa viver, nés fazemos nossas escolhas ¢ como conseqiiéncia vivemos e acreditamas. Na maiar parte, nés nos formamos de maneiras préximas ao lar, de acordo com nossa quali- dade de membros da sociedade de nosso lar. Entretanto, também podemos, até certo ponto, nos formar além desses mites: 0 supermercado cultural e as identidades que ofe- rece sao globais. Esses trés niveis da formagao cultural do eu podem ser considerados, de forma muito geral, como (1) forma- «a0 profunda que acontece além do controle do eu e acima de tudo exceto compreensao indireta; (2) formagao de ni- vel médio que acontece além do pleno controle do eu mas dentro de sua compreensio; ¢ (3) formagao superficial 44 que acontece com © que 0 eu vé como controle e com- preensio totais. Esses niveis sdo bem simples, visto que as pessoas freqiientemente nao fazem essas distingdes com clareza; mas, com certeza, as pessoas percebem essas dis- tingdes, uma ver. que sejam claras: a distingao entre 0 que se faz sem pensat, 0 que se faz porque tem que fazer ¢ 0 que se faz. porque escolhe fazer. Cada um desses niveis dé for- ma aos niveis acima de si. Com base no seu nivel mais pro- fundo de formago cultural, os eus, mais ou menos, acei- tam as coergoes do nivel médio de formagios tendo sido formados nesses dois niveis mais profundos de formagao, 0s eus, no nivel mais superficial, até certo ponto, formam- se culturalmente. Em termos dos nossos dois conceitos de cultura, 6 se nao tipico, menos estereotipico que cultura como “o modo de vida de um povo” seja encontrada nos dois niveis mais profundos da formagao cultural do eu, ¢ cultura como sendo “o supermercado cultural global’, no nivel mais su- perficial. As pessoas que crescem em sociedades tradicio- nais e que depois ficam expostas ao supermercado cultural estereotipadamente ilustram esse padrdo: a aldea que ad- quire um rédio transistor € gosto por Coca-Cola poderia ver a segunda como o artigo da afluéncia ocidental que ela pode consumir, em opasigao ao pano de fundo das manei- ras ainda aceitas sem questionamento de sua cultura tradi- cional. Mas para muitas pessoas no mundo afluente de hoje €0 reino do supermercado cultural que é aceito sem ques- tionamento: nao em termos das escolhas reais do. eu, as quais estao no nivel consciente quase total, mas em termos da suposigdo bisica de que a pessoa ¢ livre para escolher os aspectos de sua identidade. Esse € um padrao que veremos claramente nos capitulos seguintes: as pessoas vivem den- 45 tro do supermercado cultural global, cuja suposta liberda- de de escolha aceitam sem questionamento, mas podem an- siar por um sentido de lat, um sentido de bens fixos que os corredores do supermercado nao conseguem oferecer. As- sim, constroem seu sentido de lar a partir das prateleiras do supermercado cultural e se esforcam por esquecer que seu lar cultural ¢ sua mais recente construgdo de lar. ‘Mas isso vai além da nossa anélise. Examinemos ago- 1a, mais intimamente, o significado de identidade cultural. IDENTIDADE CULTURAL AAs definigdes dos dicionérios referem-se & identidade como “a condigdo de ser uma pessoa ou coisa especificada”s em contraste, as discusses pos-modernas definem identi- dade de uma maneira bem mais abrangente. “Identidades escreve Stuart Hall, “so ... pontos de vinculagao tempori- ria as posigées da pessoa cujas pr: troem para nds" identidades fixas, por essa definigio, nao existem. Penso em identidade entre esses dois extre- mos: identidade nao ¢ tio clara como os dicionarios procla- mam (a “pessoa especificada” de alguém que contém, de- xo do verniz. do nome, muitas contradigées, buracos, brechas), nem tao frigil como proclamam os pés-moder- nos (cada um de nds sendo depositirio de nossos proprios conjuntas jinicos de memérias e esperangas, que definem cada um de nés como seres distintos, autoconscientes). De- is discursivas cons- 33, HALL, 8, “Intra HALL, 85 DU GAY, P. (Eds). Questions of Londres: Sage, 1996. p. 6. fino identidade, segundo Anthony Giddens," como o pere- ne sentido que o eu tem de quem é, na medida em que est condicionado devido as suas continuas interagdes com ou- tras pessoas. Identidade é como o eu se concebe ¢ se rotula. Hi tanto identidade pessoal como coletiva, a pri meira referindo-se ao sentido que alguém tem de si mes~ mo, & parte dos outros ~ o sentido de quem ele € de for- ma tinica, como um individuo ~ e a segunda referindo-se a quem uma pessoa sente-se ser em comum com outras. © equilibrio dessas formas de identidade varia intensa- mente. Em muitas sociedades do mundo “achar-se a si mesmo”, a prerrogativa freqentemente proclamada por americanos de deixar seu emprego, sua familia ou envere- dar por intimeros caminhos tortuosos para encontrar sua verdadeira identidade, poderia parecer absurdamente ir- responsével, dados os papéis sociais e lades coleti- vas que mantém ou so obrigados a manter. Ainda assim, 08 dois modelos de identidade parecem existir em toda a parte. Os elementos de identidade coletiva incluem géne- ro € classe social, os quais sao essenciais para a maneira pela qual a maioria concebe a si mesmo. Mas, neste livro, trato de identidade cultural com todas as ambigitidades desse termo: o sentido de alguém pertencer culturalmen- te a uma determinada sociedade, ou, acima disso, ao su- permercado cultural global. Em relagdo a nossa andlise anterior, podemos pensar em identidade cultural como uma questo de como as pessoas concebem quem, cultu- Self and Society: the Late Modern Age. Stanford, CA: Stanford University Pres 1991, p.$3 e 5 ralmente, sao, por meio das suas escolhas no nivel do su- permercado cultural, com base em sua formagao nos dois niveis mais profundos. Como veremos, algumas pessoas procuram justificar suas escolhas no nfvel do supermer- cado cultural mediante suas assergdes de uma identidade cultural gravada nos dois niveis mais profundos. Outros negam qualquer formagio cultural mais profunda: quem sio, culturalmente, é sua propria livre escolha, alegam. Um fator preponderante em identidade cultural é a identidade nacional: como discuti anteriormente, a maioria das pessoas no mundo de hoje é socializada e propagandeada para manter uma identidade cultural na- rece ser elegante, para muitas pessoas em socie~ dades afluentes, menosprezar a identidade nacional. Te- ho estado em reunides com jovens japoneses sofistica- dos e com americanos e pessoas de Hong Kong que afir- jonal nao significar coisa alguma tanto, quando a discussio volta-se para certos tépicos delicados ~ 0 comportamento dos japone- ses na Segunda Guerra Mun ou a alta taxa de divércio € 0 esfacelamento das familias americanas ou 0 chinesis- mo de jovens estudantes de Hong Kong que tém pouca relagao com a China ~ os sentidos de identidade nacional desses jovens cosmopolitas podem surgir inequivocada- mente: a identidade nacional € de importancia suficiente para eles para se discutir, a despeito de suas alegagies de serem livres de quaisquer vinculos, Entretanto, como também vimos antes, a identidade cultural nacional estd sendo corroida pelo supermercado cultural. O que pareceria significar a imposigao do merca- do em termos de identidade cultural nacional é facilmen- te visivel e audivel em todo o mundo: as cangées pop ame- 48 ricanas nas rédios pelo mundo todo, as histérias em qua- drinhos japoneses inundando a Asia Oriental, os walk- men, Coca-Cola, McDonald's e Michael Jordan como ico- nes mundiais. Mas no é absolutamente claro que relagao esses mercados e produtos da midia tém com os sentidos de quem, culturalmente, eles sao. Consideremos isso em termos de comida. A vasta maioria dos que comem sushi, por exemplo, nos Estados Unidos e hambiirgueres no Ja- pio e na China pode ter pouca condigio de fazer quais- quer declaragoes referentes & identidade cultural por meio de sua consumagao. Entretanto, pelo menos alguns desses consumidores definitivamente estio fazendo tais declara- oes. Sentei-me em um restaurante japonés nos Estados Unidos com uma jovem que me falava de seu amor pelo “Oriente” — ela sentia ter nascido na sociedade errada, de etnia errada; sendo muito loira, ficava feliz estudando a arte ea religido japonesas e comendo sashimi uma vez por semana. Sentei-me em um restaurante McDonald’s em uma cidade provinciana da China tentando ler um livro quando fui interrompido, primeiro por ginasianos devo- radores de hambiirgueres e depois por funciondrios do MeDonald’s, dizendo-me que odiavam a China e ansia- vam em ir a Hong Kong e depois aos Estados Unidos, a fim de encontrar mais identidades “livres” do que sentiam que podiam encontrar na China. ‘A maioria das pessoas que come comida estrangeira niio traz tal intensidade de sentimento para seus prazeres gustativos; a maioria, parece, nao tem nenhum sonho es- pecial por um lugar estrangeiro que acompanhe o falafel owas tortilhas ou a lasanha que consome. Mas o simples fato de consumir comida estrangeira, o fato de que algu- mas pessoas andam & procura de gostos estrangeiros, en- 49 quanto outras as desprezam, é, em si mesmo, pelo menos, ‘uma declaragio implicita que diz respeito a identidade cul- tural, de pertencer a um supermercado cultural mundial em oposigdo a uma tinica cultura e cozinha, Isso provavel- ‘mente seja ainda mais verdade para os consumidores de meios de comunicagio de massa estrangeiros. O aficiona- do japonés do jazz americano ou o fi americano dos dese- nhos animados (anime) japoneses quase certamente nao asseveraria que niio é japonés ou americano, respectiva- mente, Mas o simples fato de que escolhem essas formas para seguir, em vez. daquelas das sociedades de seu lar, in- dica seu status como consumidores sofisticados do super- mercado cultural global, Em termos dos nossos trés niveis de formagao cultu- ral, os Estados tentam inculcar a identidade nacional no ni- vel aceito sem questionamento: na maioria das vezes eles, com maior ou menor intensidade, sio bem sucedidos, mas na medida em que fracassam, a identidade nacional torna- se uma questi de shikata ga nai, uma identidade que, dado o mundo em que vivemos, nao permite escolha a nado ser agarrat-se a certos pontos ~ baleao de i talvez feriados nacionais ~ em vez de uma identidade & qual pode-se aderir como sendo “natural”, Identidade étnica muitas vezes é tida como sendo mais natural do qu tidade nacional: “O governo ¢ as escolas nos dizem que so- ‘mos espanhéis, nigerianos, japoneses mas, na verdade, so- mos bascos, ibos, ainus”, Entretanto, em pelo menos alguns casos, identidade étnica ndo é uma identidade na qual fo- ‘mos criados, mas sim uma identidade assumida subse- qiientemente: por exemplo, a americana de ascendén chinesa que decide na faculdade que € chinesa a despeito de quase no ter nenhum conhecimento da lingua e da cultu- 50 ra chinesas, O nivel de supermercado cultural de formagao pode, como foi discutido antes, servir para solapar e subs- tituir sentidos de identidade nacional e étnica no nivel sem questionamento. Isso pode significar que o reino do que é aceito sem questionamento esta encolhendo. Por outro lado, 0 reino do supermercado cultural pode estar se ex- pandindo & medida que a identidade cultural que € dada as pessoas “naturalmente” torna-se progressivamente cons- Giente ¢ 4 medida que a identidade cultural que as pessoas podem criar a partir do supermercado cultural torna-se mais aberta com as possibilidades. Entretanto, parece que para muitas pessoas dentro do mundo afluente atual, os prinefpios de identidade nacional e de identidade culturalmente supermercadeada — os principios tanto do Estado como do mercado ~ permane- seu pais e proteger sua tradigao cultural” /“Deve-se ser livre para moldar sua vida como escolher”; tendemos a acreditar nesses dois principios a despeito do fato que se- jam contradit6rios. Pode-se ser livre e nao apoiar seu pats, e sim escolher o que quer em vez disso? Uma razio pela qual a democracia mediada pela massa varren 0 mundo como um meio de legitimagio & que é a forma de governo que mais reflete as manobras do mercado concedendo ao Estado uma aparéncia de legitimidade de mercado. Uma azo pela qual os direitos humanos varreram 0 mundo como um valor é que a chave de tal direito é a da autode- terminacao:a liberdade de escolher a si mesmo, fazer-se a si mesmo como a pessoa achar adequado. Esses valores, em- bora louvveis como possam ser em seu préprio diteito, re- fletem os valores do mercado, As pessoas em Estados afluentes orientados pelo mercado nao conseguem ver fa- 51 cilmente a contradigao entre Estado e mercado porque as duas proposigdes contraditérias subjazem em seus sentidos de identidade cultural. A contradigo mostra-se, assim, assaz invisivel, masa contradigdo permanece, em todos nds em maior ou menor intesidade, como veremos neste livro. ‘Vamos agora considerar com mais profundidade o su- permercado cultural ea ilusio da livre escolha que ele pode dar pata os eus que ali consomem, O SUPERMERCADO CULTURAL supermercado cultural contém alguma semelhanga com sua raiz metaférica, o supermercado material, Assim como supermercado material tem sido transformado quanto ao objetivo das suas mercadorias em anos recentes — David Harvey escreveu que (© mercado de alimentos ... parece ser muito diferente do que foi hé vinte anos, Feijio haricot do Quénia, salsio € abacates da Calif6rnia, batatas da Africa do Norte, mags do Canadé e uvas do Chile, tudo esté lado a lado em um super- mercado britinico (ou americano ou japonés ou de qual- {quer outra nago afluente)— assim também se transformou 0 supermercado cultural, gragas a televisdo e aos computadores, E da mesma maneira que o espaco das prateleiras no supermercado material & distributdo desigualmente ~ produtos como Coca-Cola es- em prateleiras facilmente visiveis, outros 35. HARVEY, D. The Condition of Postmodemity. Oxford: Basil Blackwell, 1989. p. 299-300, 52 promovidos com menos intensidade, ficando acima da ca- bega do consumidor e, portanto, menos visiveis - 0 mesmo acontece no supermercado cultural. Essas sociedades, cujos artigos materiais sto facilmente encontréveis no mundo, também tém influéncia cultural maior no mundo. “Os Esta- dos Unidos’, escreve Robert Bocock,“... tornaram-se a epi- tome da terra dos sonhos do consumidor moderno (do mundo todo)”s* e certamente © supermercado cultural do mundo tem mais do que sua parte de “artigos” americanos, na influéncia do cinema, mtisica e esportes — a cultura ame- ricana da celebridade, espalhada pelo mundo todo. Mas a estrutura do supermercado cultural é muito ‘mais complexa do que essa metafora indica; em sua vasta intangibilidade é mais parecida com uma enorme bibliote- ca que com uma mercearia, esta mais para a internet do que para um mapa mundi. Uma diferenga fundamental entre 0 supermercado material e 0 supermercado cultural € que enquanto no primeiro o dinheiro é absolutamente essencial para que seus artigos sejam consumidos, para 0 segundo nao se precisa necessariamente de dinheiro para consumir. 0s artigos no supermercado cultural podem ser mercado- rias, compradas e vendidas, mas podem nao ser: é possivel alguém ficar profundamente influenciado por um livro ou um programa de televisio, nao importando, até certo pon- to, o dinheito que possa ter ou nao. A cultura popular como é defendida pelo ridio e vendida no mundo é, sem divida, desproporcionalmente americana, e mesmo assim pode- ‘mos encontrar nas grandes lojas de discos de sociedades mais opulentas os pouco procurados mostrurios conten- do musica de flauta boliviana ou canticos sufis; podemos 36. BOCOCK, R. Consumption, Londres: Routledge, 1993. p. 10. 53 encontrar, nas maiores livrarias, livros do mundo todo, pelo menos na proporsio em que tenham sido traduzidos. Sim, as prateleiras do supermercado cultural so arruma- das em termos de dinheiro, mas uma multi para a construcao da iden | de uma pessoa. AAs informagoes dentro do supermercada cultural po- dem ser categorizadas por seus usttérios em numerosas e di ferentes maneitas, mas as duas mais facilmente encontraveis so (1) a regiao de origem, ¢ (2) 0 reino do uso. Para a maio- ria das informagoes no supermercado cultural, nés temos al- ‘guma idéia do lugar de onde vem. Isso geralmente correspon- de a cultura como “o modo de vida de um povo’, como ex- presso na cultura nacion: 3s referimos a miisica india- 1a, ao samba brasileiro, & cozinha francesa e assim por dian- te,a fim de termos um modo pritico com o qual nos referir- mos a essas entidades. Representam letreiros de corredores geralmente de validade questionivel mas de conveniéncia consideravel para rotular e dividira vasta colegao de materiais no supermercado cultural para a facilidade dos consumido- res, Como veremos, essas alegages podem tornar-se particu- armente alegagdes de arte “japonesa” ou religiao “americana” ou valores “chineses” po- dem buscar introduzir na esséncia basica de uma pessoa 0 que pode parecer uma escolha no supermercado cultural ~ podem procurar fazer uma escolha e nao ser uma escolha. Hé também o reino do uso, N6s nos formamos em imimeras reas a partir do supermercado cultural, entre estas, na decoragao da casa, em alimento e roupas, no que emos, asi arte, cultura popu- lar, em nossa erenga reli tidade nacional: se, nos Estados Unidos, identificar-se como hispano-americano ou como americano; se, em Hong Kong, ser chinés ou de Hong Kong. Essas diferentes formagdes encerram graus diferentes de significancia pes- soak: a escolha feita para a decoragio da casa, por exemplo (“Aquela mandala budista na sala de visitas? Nao, claro que no acredito nessa coisa. Apenas achei que pareci pode consideravelmente ser de menos significdncia para o sentido de identidade cultural de uma pessoa que, por exemplo, a escolha que alguém faz de r estar no amago de quem esse alguém sente vro nds veremos, com regularidade, que as escolhas feitas nos dominios da expressio artistica, crenga religiosa e iden- tidade cultural sao de significincia pessoal enorme: vere- ‘mos que as escolhas no supermercado cul rio de muitas escolhas no supermercado materi to freqiientemente, angustiantes para serem feitas, pois po- dem ser de importancia extraordinaria as pessoas para de- finir sobre o que, muito essencialmente, sto suas vidas. Entretanto, 0 que foi abordado nao deve ser conside- rado como significando que nossas escolhas no supermer- cado natural sao livr io, como notado ante- riormente, nossas escolhas sdo restritas em intimeros sent dos diferentes. Hé, antes de mais nada, o diferencia ceber equipamento para o supermercado cultural. Alguém {que seja culto e afluente pode possuir equipamento de re- cepgio muito favoravel: acesso a, e hal uso do acervo do pensamento huma tecas e acesso aos acervos contemporineos do pensamento sm re- 55 na internet e nos meios de comunicagao de massa —o sor- timento mundial de jornais, revistas, discos compactos dis- poniveis em lojas em todo o mundo. Uma pessoa com tais vantagens pode fazer uso total do mercado cultural, mas grande parte nao pode — seu acesso ao supermercado cul- tural é mais limitado, restrito a quaisquer ecos do super: mercado cultural em que possam alcangar seu canto parti- cular no mundo, Sem dtivida, mais pessoas das sociedades ricas que as das sociedades pabres e mais pessoas das clas- ses superiores, afluentes e cultas em toda sociedade que as pessoas das classes inferiores, mais pobres, menos cultas, possuem esse étimo equipamento receptor. Pode ser que quanto menos sofisticado for o equipamento receptor que se tenha, maior probabilidade havera de ser manipulado pelos caminhos conhecidos de Coca-Cola, Marlboro, Ram- bo, Doraemon, embora, certamente, haja excegdes a isso, ¢, como 0s antropélogos freqiientemente notam, a maneira pela qual os consumidores, em sociedades diferentes, real- mente interpretam esses diversos produtos pode diferir substancialmente dos planos dos publicitérios.” Além disso ha o fato de que as escolhas que cada um de ngs faz. quanto a identidade cultural sao feitas no para nés mesmos, mas para o desempenho para e na negociaco com ‘outras pessoas: escolhemos dentro do supermercado cultural com um olho no nosso mundo social. A identidade cultural de uma pessoa se realiza quando essa deve convencer as ou- tras quanto a sua validade: deve-se ter o conhecimento e a 37. Veja HOWES, D. (Ed). Croscultural Consumption: Global Mar- kkets, Local Realities. Londres: Routledge, 1995. Doraemon, a fim dle explicar pata leitores ocidentai, é um gato de desenko anima. do japonés bastante conhecida em toda Asia Ocidentl 56 delicadeza social para convencer aos outros de que nao é um impostor. Podem ser vistos esforgos nesse sentido em meios sociais bastante diferentes, como discutiremos nas proximos capitulos, desde o assalariado e 0 masico de rock japonés que uusa peruca curta no seu trabalho em vez de cortar 0 cabelo, de modo que possa passar a seus colegas, miisicos roqueiros, na em busca espiritual que procura virias religides a despeito do menosprezo de seu marido, zombando que ela “troca de religiao como troca roupas”, até a chinesa do continente em Hong Kong, que usa caros artigos da moda, mas nao com um sentido de estilo su- ficiente para disfargar seu conhecimento continental face aos olhos desdenhosos das pessoas de Hong Kong. ‘Uma vasta gama de identidades culturais est dispont- vel neste mundo para aquisigao; mas, embora culturalmen- te o mundo esteja bem aberto, socialmente nao esta. As es- colhas culturais de uma pessoa devem se ajustar a0 seu mundo social, que é mais limitado. Em uma vizinhanga th pica de classe média americana eu provavelmente poderi tornar-me budista sem alarmar meus vizinhos, mas nao po- deria me tornar fundamentalista iskamico; poderia estudar 6s pigmeus mbutis em um texto de antropologia, ma: vesse de manifestar crengas como as deles para meus colegas de trabalho, seria visto, na melhor das hipéteses, como ex- céntrico e, na pior, como lundtico. © mundo social de uma pessoa ~ fora de sua mente, ¢ mais, como residente da sua ‘mente ~ age como um censor e vigia, selecionando da gama de idéias culturais posstveis, das quais poderia se apropriar, apenas aquelas que lhe parecem plausiveis e aceitaveis. O mundo social de um individuo particularmente restringe suas escolhas em termos de fatores tais como classe, género cidade. A mulher idosa que usa minissaia e 0 garoto da clas- 57 se trabalhadora que usa palavras estrangeiras provavelmen- te aprenderio muito rapidamente, se tiverem alguma set idade pelas indiretas que recebem de seu mundo so quanto & inadequago de suas escolhas culturais. ‘A despeito dessas restrigdes hi freqientemente o esforco para se trazer ao mundo social de uma pessoa o que Pierre Bourdieu chama “capital cultural”: 0 conhecimento colhido ro supermercado cultural que ela pode exibir para seu crédi- to social, justificando e sustentando sua posiclo social resse de uma pessoa, pelo menos dentro de alguns segmen- tos da sociedade americana, nas ragas in aos quarenta sucessos do momento, ow nos es dista tibetano em oposisio aos folhetos cristaos evangélicos, meus muitos gostos podem bem ser o instrumento de nha estratégia local para impressionar as pessoas 20 meu re- dor. A questio do que a partir do supermercado cultural pode prover status em um determinado meio é altamente complexo. Cada meio social possui seu préprio classificagao para informagées e identidades do cado cultural; as pessoas procuram atingir o crédito méxi- mo € @ ctédibilidade mxima nao somente pelo consumo dentro do sistema de classificagio existente, mas também trazendo novas informagoes e identidades, por meio das quais procuram estabelecer alto status. Os critérios para 0 ¢stabelecimento de tal status sto, assim, altamente especifi- os ¢ flexiveis; as pessoas jogam com um se nariamente agudo de suas regras e estraté 38, BOURDIEU, P. Distinct of Taste. Tradugdo de R. Nice, Londres: Routledge & Kegan Paul, 1984, Mas tudo isso nao é para reivindicar que nao haja ab- solutamente espago para escolh; jual no supermer- cado cultural. Por que uma pessoa se entusiasina com B: € outra pessoa com juju? Por que uma pessoa se torna crista e outra budista? Por que uma pessoa se orgulha de sua etnia enquanto outra despreza essa etnia? Por que uma pessoa viaja pelo mundo enquanto outra fica em casa? Muito pode ser previsto em relagio as nossas escolhas le- vando-se em consideragao fatores como classe soci educacional, renda, género e idade, assim como nossas his- t6rias pessoais, mas nem tudo pode ser previsto. Nao so- mos escravos do mundo ao nosso redor, mas temos (em um sentido social senao filos6fico) um certo grau de liber- dade na escolha de quem somos. Esta liberdade pode ser altamente limitada, mas nao inteiramente negada. Os SUJBITOS DESTE LIVRO ‘A anilise deste capftulo aplica-se, creio, pelo menos em certo grau, a pessoas em sociedades através do mundo. Entretanto parece que grande parte das pessoas no mundo atual niio pensa muito a respeito do supermercado cultural € seu impacto em suas vidas, Para entender isso, tente per- guntar as pessoas de onde vém os alimentos que compram no supermercado: “Essas bananas, mam@es, mangas, aba- caxist Nao sei acho que vem da América do Sul, ou talvez Essas pessoas aceitam sem qui de artigos de alimentagao do mundo todo a sta disposicao, em seu espaco particular — é muito improvavel que permi- 59 tam que suas escolhas desestabilizem suas percepgdes de quem, cul Esse parece também ser 0 caso do supermercado cultu- ral: as pessoas podem ouvir reggae e praticar ioga enquanto insistem com veeméncia em suas identidades como sendo americana, ou britanica, ou japonesa. Discuti como a identi- dade cultural no mundo desenvolvido de hoje é marcada por doi contraditérios, os do Estado e os do merca- do, Para muitas pessoas do mundo desenvolvido, esses prin- cipios, porque esto alojados no ni ralmente, sejam, diferentes, ndo sao vistos como conflitantes — as pessoas vi- vem com ambos no fundo da mente. A maioria das pessoas no afluente mundo das preocupagdes com o trabalho e familia e com o mundo ediato, sustentada pela suposigao de uma identida- € pela suposicao da amplitude dos mer- cados materiais ¢ culturais dos quais consomem. Para a das pessoas, essas suposig&es nao precisam ser ques- \das; & isso que aprendi de as entrevistas con Certo ntimero de pessoas em varias sociedades diferentes. Entretanto, algumas pessoas questionam. Imigrantes se poem a perguntar: “Quem sou? Onde, de fato, é meu lar? Este novo lugar onde vivo: pode isto ser meu lar? Ou meu lar sera sempre o lugar que deixei para trds?” Membros de grupos étnicos ios podem se por a perguntar, por ‘Sou americano? Ou sou afro-americano? Ou, sou afticano, exilado pela escravatura para uma terra estra- nha? Talvez eu seja todas essas coisas em momentos dife- rentes; mas, de novo, quem realmente, sou?” A identidade cultural pode também parecer proble- mitica para aqueles que ndo sejam necessariamente i 60 grantes ou de uma etnia minoritéria, mas que estejam em- penhados em buscas que, de alguma forma, tragam a cons- ciéncia a contradigdo entre a identidade cultural do lar e 0 supermercado cultural. Artistas e muisicos podem criar dentro do que thes foi ensinado ser sua prépria tradigao cultural, mas perguntam: “Qual € a relagio dessa tradigao com a maneira como radigoes religiosas do- minantes de sua prép) lade, mas questionai “Como posso saber que isso seja verdade? Se tivesse nasci- do em alguma outra sociedade poderia ser que nao achasse assim’; ou podem seguir as trilhas de outras tradicoes reli- giosas e defronta-se com a prépria diivida como um resul- tado: “Por que as pessoas ao meu redor nao véem o valor dessa trilha? O que hé de errado com elas? © que hé de er- rado comigo?” Os intelectuais em sociedades nio-ociden- tais podem se debater dentro da diferenca entre seu treina- mento com base ocidental e seu sentido de pertencer as ntal em meu desem- que posso dizer de minha identidade? ida também? Sou simplesmente mais sofis- ticado que meus concidadios ou fui colonizado intelectual- mente?” Tais pessoas podem penosamente se esforgar para compreender quem sao, entre 0 eu da forma definida pela cultura nacional e o eu como definido pelo supermercado cultural glob Neste livro, examino membros de trés grupos que, de forma geral, se encuixam nas categorias mencionadas aci- ma: artistas e miisicos japoneses, tradicionais e contempo- 61 raneos; americanos a procura de religiao, cristaos e budis- tas; e intelectuais de Hong Kong, com orientagao chinesa e ocidental. No Japao, a interagao entre o supermercado cul- tural ¢ a cultura nacional é visivel nas artes. As artes tradi- cionais japonesas como 0 coto e a danca hé muito tempo entraram mais ou menos, em declinio no Japao, com al- guns artistas tradicionais reivindicando serem 0s tiltimos guardides do japanismo que scus compatriotas perderam. Alguns artistas contemporineos ~ miisicos de rock e jazz, pintores abstratos ~ véem em seu japanismo um lamentév- el obsticulo cultural que os impedem de atingir um nivel de exceléncia em suas artes importadas; mas outros procu- ram, a partir dessas artes, redescobrir e reafirmar seu japanismo. Mas como podem se convencer que tenham en- contrado o japanismo? Nos Estados Unidos, a interagao entre © supermerca- do cultural e a cultura nacional ¢ visivel no campo da reli- gio. Os americanos cristaos evangélicos podem acreditar que 05 Estados Unidos sejam “uma nagao sob Deus”, que te- nham esquecido a verdade divina, mas outros americanos podem ver sua sociedade como a terra da “busca pela feli- cidade” individual e podem percorrer alegremente os cor- redores do supermercado cultural a busca de qualquer reli- gito que agrade a seu paladar. Outros ainda sonham em criar um “Estados Unidos budista” alternativo, mas como poderia um tal Estados Unidos alternativo prevalecer como uma outra coisa qualquer que nao seja mais uma escolha do consumidor? Em Hong Kong, a interagio entre 0 supermercado. cultural e a cultura nacional éwvisivel no campo da politica. Desde 1° de julho de 1997, esperava-se que as pessoas de Hong Kong assumissem sua identidade nacional como chi- 62 neses, Intelectuais — jornalistas, professores,ativistas politi- cos = esto no centro desse contfito de identidade. Alguns se proclamam de Hong Kong, separados dos chineses, or gulhosos de sua propria identidade cultural a parte, embo- ra efémera; outros orgulhosamente proclamam sua nova identidade chinesa a despeito de suas apreensGes a respeito do Estado chinés bem como da confusio a respeito do que possa significar ser chinés; e ainda outros ndo procuram por tais identidades especificas mas dlesejam somente per- ‘manecer livres para poderem perambular pelo supermerca- do cultural, Sao essas pessoas, na sua desconfianga de qual- quer Estado, refugiadas excéntricas do colonialismo ou so precursoras de todos nés no mundo? Escolhi esses grupos basicamente por razdes intelec- tuais. Bles representam trés formas centrais de escolha den- tro do supermercado cultural de hoje, os da arte e mésica, os da religiao e os da propria identidade cultural, e revelam ‘a estruturacao dessas escolhas no corredor do supermerca- do sinais de “Ocidente”; esses grupos ilustram, de forma particularmente aguda a tensdo entre cultura na- cional e cultura global, que é 0 tema central deste livro, En- tretanto minha escolha desses grupos é também pessoal, re- fletindo minha propria biografia. Cresci nos Estados Unidos e, como adolescente, deparei-me desiludido com o cristianismo (“O Compro- misso de Lealdade americano diz que os Estados Unidos sio ‘uma nagio sob Deus, mas que tipo de Deus favorece um pais contra o outro? Quem ele é, alguma espécie de ani- mador de torcida?”) e fascinado pelas religides orientai mas quando participei como aluno universitario de retiros espirituais budistas fiquei intrigado, ainda que cético, com as armadilhas rituais ex6ticas ¢, por fim, intrigado a 63 respeito da sabedoria do professor. (“Sera que ele realmente bio que eu? Nao estamos olhando com respeito para ele porque ¢ estrangeiro ‘do Oriente espiritual e nao do Ocidente materialist’ e toda essa conversa fiada?”) Ha alguma religitio, queria saber, cuja verdade possa estar além dos limites culturais? Mais tarde, nos meus vinte e poucos, trinta anos, es- tive no Japao aprendendo a tocar flauta de bambu japo- nesa (shakuhachi) e tocando flauta e saxofone como mii- sico de jazz amador ¢ semiprofissional. Alguns japoneses chegaram a me dizer que, embora pudesse ficar bom com a shakuhachi, nunca, de fato, seria capaz de entender ¢ to- car shakwhachi porque nao tinha “sangue japonés”; e, na mesma linha, meus colegas japoneses mtisicos de jazz. tra~ tavam-me com um respeito que estava muito além das minhas limitadas habilidades musicais porque era ameri- cano, e conseqilentemente de alguma forma “auténtico” como miisico de jazz, de uma forma que eles, presumivel- mente, néo eram ~ mas, elocubrava, qual ¢ a relagio da formagao étnica ou cultural com a habilidade de tocar miisica? Existe tal relagio? “Os brancos” conseguem tocar a shakuhachi? Os “amarelos” conseguem tocar blues? A miisica e a arte pertencem a alguma cultura particular ou € de todo mundo? Mais tarde, nos fins dos meus trinta anos e comeco dos quarenta, estive em Hong Kong como professor de an- tropologia na Universidade Chinesa de Hong Kong e desco- bri uma vasta gama de pontos de vista entre meus alunos e colegas quanto a como eles viam a devolugao de Hong Kong em 1° de julho de 1997 e a como eles se sentiam que eam culturalmente. Instrui alunos que tinham uma visio 64 dividida: uns poucos sentiam um estranhamento a meu respeito por ser um estrangeiro branco que Ihes dava aulas em lingua inglesa a respeito de antropologia colonial na Universidade Chinesa; mas outros pareciam sentir uma li- ago comigo, um amigo “do primeiro mundo”, que eles nunca admitiriam ter simpatia pelos chineses lé do norte. Acho que também me beneficiei de minha condigio de oci- dental como um “outro privilegiado” em uma Hong Kong ainda nao pés-colonial culturalmente. A questo da identi. dade cultural chinesa em Hong Kong, comecei a sentir, pode ter algo a nos ensinar em relagio ao significado de identidade cultural no mundo como um todo: O que signi- fica ser chinés? O que significa, hoje, pertencer a qualquer determinada cultura ou nagio? Refletindo a respeito das recentes: mudangas rela- jonadas aos con icos de cultura nos mos anos, ~ a mudanga de cultura como “o modo de vida de um povo” para cultura como “as informagées e identi- dades disponiveis no supermercado cultural global” des- critas neste capttulo ~ rapidamente percebi que ndo eram apenas conceitos abstratos, aplicaveis somente em teoria; aplicavam-se diretamente as pessoas que tinha conhecido em minha vida, especificamente a membros desses trés grupos aos quais tinha sido exposto. Decidi estudar esses grupos formalmente e gragas ao Conselho de Bolsas de Pesquisa de Hong Kong (Hong Kong Research Grants Council) capacitei-me a comegar a entrevistar membros de cada um desses grupos, tanto aqueles que coneebera em ‘meu pasado como aqueles que vim a conhecer mais tarde: artistas e mtisicos japoneses em uma cidade do norte do Japao, Sapporo, nos verdes de 1995 ¢ 1997; americanos em 65 busca de religiao em 4rea urbana americana do oeste, Den- ver-Boulder, no verao de 1996; e intelectuais em Hong Kong de 1995 até 1998.” Em cada local, entrevistei, entre duas a trés horas, gru- pos formados de aproximadamente quarenta pessoas, a respeito de seus sentidos de identidade cultural. As entrevis tas — conduzidas em japonés no Japao, em inglés nos Esta- dos Unidos e tanto em inglés como em cantonés em Hong Kong, com a colaboracio de alunos assistentes ~ foram gra- vadas e depois transcritas por uma equipe de estudantes au- xiliares pagos, € estudadas cuidadosamente. Também oportunidade de interagir com essas pessoas em clubes de jazz, danceterias e inauguragdes em galerias no Japio, em servigos religiosos ¢ retiros espirituais nos Estados Unidos, e em eventos sociais e reunides politicas bem como em salas de aula ¢ em escritérios, em Hong Kong. Além disso, pude estudar livros e revistas em todas as trés sociedades, lendo obras japonesas populares ¢ eruditas em japonés e em inglés a respeito do cristianismo e budismo nos Estados Unidos, ¢ obras populares ¢ eruditas de Hong Kong em chines e em inglés, relacionadas a quem as pessoas de Hong Kong sio, culturalmente, nessa conjuntura hist6rica. Uma questdo importante a que o exposto anterior- mente pode levantar é se as quarenta pessoas que entrevistei ins pontos dos capitulos 2 e 3 também intraduzo as pa japoneses e americanos em busca de religigo que dos (MATHEWS, G. Whar Makes Life Worth Living? How Japane- Aercans Make Sent of Their Words. Berkley: Univesity nia Pres, 1996). Na verdad, divers pessoas que entre ‘sti cram as mesmas nos dois projets em cada sociedade podem, de fato, representar as lutas de suas sociedades quanto a identidade cultural dentro dos campos que esbocei. Meu argumento é que podem. Essas pessoas estio freqiientemente entre a cite de suas sociedades do mundo, para dizer a verdade. Muitas delas tém educa- {Go ¢ liberdade econdmica para pensar em questdes que pes- soas menos abonadas em suas sociedades e no mundo pode- riam considerar como uma futilidade. Mas diferem de seus companheiros mais quanto a uma questo de grau do que de espécie, acredito, e suas lutas ressoam por meio de sua socie~ dade, embora somente indiretamente trat Para cada um dos tré’s grupos que analiso, uso meios de comunicagio populares ¢ escritos académicos de cada sociedade a fim de colocar as vozes dessas pessoas dentro dos discursos culturais mais amplos que giram ao redor delas; a0 mesmo tempo, as vores dessas quarenta pessoas dio aos discursos culturais uma configuragao particular ‘em pessoas reais. Meios de comunicagio de massa e escti- tos eruditos mostram que essas pessoas especificas ndo si0 meramente idiossincrdticas, mas refletem correntes cultu- mais amplas; essas pessoas dao vida a correntes culta- amplas por meio de suas vozes especificas. Em cada um dos capitulos etnogréficos, cito muitas pessoas que entrevistei entremeadas com citagdes dos meios de co- municagio de massa ¢ trabalhos eruditos. Também apre- sento trés pessoas com mais profundidade em cada capitu- Jo, dando seus depoimentos editados de quem sao cultu- ralmente e analisando seus depoimentos: essas pessoas fo- ram selecionadas porque suas palavras ex tidez especial os temas mais amplos de cada capitulo. Re- sumi horas de entrevistas com essas pessoas em uumas pou- cas paginas de texto, Nesse proceso, tentei apresentar a es~ ei disso. 67 séncia do que disseram de um modo solidario com seus depoimentos e de um modo a fazer com que voc®, que compreenda seus relatos da forma mais clara possivel; mas a edigdo que eu mesmo fiz talvez ndo corresponda exata- mente a como clas mesmas poderiam editar seus depoi- menios e suas vidas para uma publicacio. 0 método etnogratico sobre o qual este livro se baseia est menos preocupada com a representatividade estatisti- ca de sua amostra que com o que dizem os entrevistados: ‘os discursos que usam para explicar suas identidades, como eles, por sua vez, refletem e explicam discursos cul- turais em suas sociedades em geral. Actedito que 0 eu in- dividual nao deve ser visto simplesmente como 0 produto de formas culturais coletivas, mas deve ser considerado in- timamente no seu, dele ou dela, proprio direito.” Tudo isso € ainda mais verdade no contexto de identidade cultural, 0 qual ninguém mais pode escolher: quem vocé pensa que é culturalmente, dentro de todas as restrigdes do seu mundo social, todas as varias maneiras pelas quais os outros véem voce, é quem voce é. f esse sentido subjetivo, como ponde- rado, combatido, resistido e aceito pelas pessoas espéciais que entrevistei que apresento e analiso neste livro. Entrevistas jamais conseguem ser janelas transparen- tes refletindo as mentes das pessoas, pois que todas as en- trevistas e todas as conversas entre pessoas sdo, em algum sentido, representagdes:" nds nos revelamos de formas di- 40. Veja COHEN, A. Sef Consciousness An Alternative Anthropology of Identity. Londres: Routlegde, 1994, para uma longa discussio {quanto a importincia do eu individual em andlise antropoligica, AI. Veja GOFFMAN, E. The Presentation of Self in Everyday Life, Nova York: Doubleday Anchor, 1959, ferentes para diferentes pessoas de acordo com o que pen- samos que somos e como queremos que nos vejam. Nao conhe¢o a maioria das pessoas que entrevistei fora de nos- sas entrevistas de apenas poucas horas. As discusses ante riores deste capitulo, do eu e da identidade, nao podem ser inteiramente mensuradas neste livro, uma vez que conhe- {gots somente pelo que me disseram: ndo posso entrar em suas mentes, posso somente me centrar em suas palavras. Nilo ha safda para essa limitago, mas devemos lembrar: este livro consiste de palavras ditas em situagoes sociais em vex de ser janelas para dentro das mentes. Nao obstante, actedito que a partir de todos os japoneses e chineses de Hong Kong, assim como de americanos que conhego, as jessoas nao sto meros camaledes; embora representagoes do eu possam sutilmente mudar, os sentidos bisicos das, pessoas de quem elas so nao mudam a cada situagao so- ‘lal. As pessoas que entrevistei so, em grande escala, de ‘qualquer forma, quem elas dizem que sao; argumentar de outro modo seria insulté-las. Nas paginas que se seguem considero primeira, no ca- pitulo 2, os muundos culturais dos artistas japoneses, depois, ‘no capitulo 3, os mundos dos americanos que procuram ma religiao ¢, finalmente, no capitulo 4, os mundos dos telectuais de Hong Kong, antes de retornar, no cap' para uma consideragio mais ampla a respeito das conside- rages nossos capitulos intermedisrios. Em cada um dos capitulos intermediérios, procuro combinar 0 quadro maior, o da complexidade dessas identidades coletivas den- tro das categorias globais de Estado € mercado, com um quadro mais intimo, o de eus particulares lutando por en- contrar suas identidades situadas de forma particular. Nao i, por fim, quanto esses grupos ¢ os eus transcendem sua 69 ' ] particularidade, Mas suspeito que as lutas de membros des- ses grupos ecoam, até certo ponto, juntamente com as lutas de muitos de nés, em nosso mundo cada vez mais cultural- ‘mente supermercadeado. Isto, eu percebo, & 0 que torna suas lutas pertinentes, ndo apenas a eles mesmos mas para todos nds. 2 O QUE NO MUNDO E JAPONES? Sobre as identidades culturais de cotoistas, caligrafos, pianistas bebop ¢ roqueiros punk Quando alguém folheia livros, japoneses ou estrangei- ros, relacionados com arte visual ou mtsica, provavelmen- te vera filetes de tinta retratando bambu ¢ estampas de don- zelas vestidas de quimono; provavelmente veré retratos de tocadoras de coto e shakuhachi (flauta de bambu) tocando seus instrumentos, Mas hoje ndo so muitos os artistas ja~ poneses que praticam tais formas; em ver disso, tocam gui- tarras elétricas € pintam quadros abstratos com tinta a 6leo. O mundo do rock punk e da arte performitica, de John Coltrane, Jimi Hendrix, Andy Warhol e Salvador Dali 60 mundo em que nasceram; coto e quimono podem ser tao exdticos para eles como poderiam ser para um turista, transeunte & procura, com 0 auxilio do seu livro-guia de viagens, dos tiltimos vestigios do “Japao tradicional”. Essa situacdo € freqiientemente descrita como a oci- dentalizacdo do Japdo. “Os japoneses perderam sua propria cultura, e agora simplesmente imitam o Ocidente” é 0 que ouve-se dizer com freqiéncia; “a identidade japonesa aca- ou’. Hi alguma verdade nesse ponto de vista: 0 campo aceito sem questionamento para muitos japoneses, tanto em cultura artistica como em muitas outras éreas da vida

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