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A consciéneia da tradigao do celibato nos coneilios afficanos. 3. © testemunho da Igreja de Roma, 4, O testemumho dos Padres e escritores ecksiisticos, 5. Evolugdo da questio nos séculos seguintes. 6. A Reforma Gregoriana. 7. Celibato no direito canénico clissico. 8. A continuidade da doutrina da Igreja na época moderna. TV. O celibato na disciptina das Igrejas Orientais. 1. © testemunho de Epifiinio de Salamina, 2. Sao Jerénimo. 3. A questo do eremita Pafnucio. 4, A fiagmentagao do sistema de disciplina no Oriente. 5. A legislagao do II Coneilio Trullano 6, RazBes para a nova disciplina adotada: a mudanga nos textos. V. Os fimdamentos teolégicos da disciplina do celibato. 1. A relagdo sacerdotal com Cristo, 2. Fundamento histérieo-doutrinal. 3. O ensino do Antigo Testamento. 4. A teologia do celibato sacerdotal. VI. Conclisao. 1. INTRODUGAO No debate sobre o celibato dos ministros da Igreja Catdlica, que regressa de novo e que tem se intensificado nos tiimos tempos, encontramos as mais variadas opinides, especialmente no que se refere A sua origem desenvolvimento na Igreja Ocidental e Oriental. Essas opiniGes vio desde a convicgdo de sua origem divina até da que se (rata - especialmente no caso da disciplina, mais restrita, da Igreja latina — de uma mera instituigo eclesidstica. Da disciplina da Igreja Latina, se afirma freqiientemente que a obrigatoriedade do celibato 6 poderia ser constatada desde o século IV em diante; para outros, ela foi adotada no inicio do segundo milénio, concretamente a partir do II Concilio de Latrdo em 1139. tGo distantes entre Essas opini as razbes ¢ as premissas que se alegam para suste permitem constatar a existéncia de uma significativa imprecisio no conhecimento dos fatos e das disciplinas eclesiisticas a esse respeito, e ainda mais sobre os motivos do celibato eclesiistico. Esta imprecisio & verificada inclusive em algumas declaragdes no ambiente eclesiistico, alto ou baixo. Parece, pois, necessério para alcangar um conhecimento seguro desta tdo criticada Instituigo, esclarecer os fatos as disposigdcs da Igreja, desde o inicio até hoje, e analisar os seus fundamentos teolégicos. evidente que este objetivo, se quisermos que a nossa exposigao tenha validade cientifica, s6 serd aleangado a partir de um conhecimento atualizado das fontes e da bibliografia sobre a questio. Neste sentido, convém notar que, nos tikimos tempos, foram alcangados importantes resuitados sobre a histéria do celbato eclesidstico, no Ocidente ¢ no Oriente. Mas tais resultados ou ainda nao entraram na consciéneia geral, ou sio silenciados, pois se considera que poderiam influenciar de uma forma ndo desejada em dita conscigneia, Esta exposigdo sintética ira acompanhada de um dispositivo cientifico que se limita ao essencial e que permite, junto ao controle das afirmagdes feitas, um eventual aprofundamento posterior no seu conteiido. A descrigfio da evolugdo histérica da questo, tanto na Igreja ocidental como na oriental, iré precedida de uma parte na que, acima de tudo, se fard um esclarecimento do conceito de celibato eclesidstico que est na base das obrigagées que impée, para em seguida indicar 0 método exigido para chegar — em uma adequada apreciagdo do tema ~ a conclusbes seguras. A titima parte sera dedicada As bases ou findamentos teolbgicos do celibato, cujo desenvolvimento é cada vez mais necessario, I. CONCEITO E METODO 1. Significado do conceito do celibato: a continéneia, A primeira e mais importante premissa para conhecer 0 desenvolvimento histérico de qualquer instituigdo é a identificagdo do verdadciro significado dos conceitos sobre os quais se baseia. No caso do celibato ecksiistico, fbi oferecida de maneira clara e concisa por um dos maiores decretistas: Uguccio Pisa, que na sua conhecida Summa, composta aproximadamente em 1190, comega 0 comentario ao tratado do celibato com estas palavras: “No inicio desta disting3o (Graciano) para tratar especialmente da continentia clericorum, ou seja, a que devem observar in non contrahendo matrimonio et in non utendo contracto. Nestas palavras é mencionada, coma clareza desejavel, uma dupla obrigagdo: a de nfo se casar e a de no usar de um casamento previamente contraido. Isto mostra que naquela época, ou seja, no final do século XII, ainda havia clkrigos maiores que se tinham casado antes de receber a sagrada Order A mesma Sagrada Escritura nos mostra que a Ordenagiio de homens casados foi, de fato, uma coisa normal, porque So Paulo escreve a seus discipulos Timéteo e Tito que tais candidatos deveriam ter se casado apenas uma vez, Sabemos que pelo menos Sao Pedro esteve casado, ¢ talvez houvesse outros Apéstolos, pois o proprio Pedro disse ao Mestre: “nds deixamos tudo e te seguimos. Qual sera nosso futuro?” E Jesus na sua resposta disse: “em verdade vos digo que ninguém que tenha deixado casa, pais, itmios, esposa, filhos pelo reino de Deus deixar de receber muito mais no mundo presente e a vida eterna no mundo futuro”, Aparece ja aqui a primeira obrigagdo do celibato eckesi matriménio posteriormente & Ordenagdo sacerdotal, da qual decorre tal obrigacdo. Nisto consiste realmente 0 significado do celibato, hoje quase esquecido, mas claro para todos durante o primeiro milénio, inchisive antes: a absoluta continéneia na geragiio de filhos, incluindo a permitida (inclusive devida) por ser prépria do matrimonio, stico, isto é, a contingncia de todo uso do De fito, em todas as primeiras leis escritas sobre celibato — conforme mostraremos por documentos na segunda parte — fala-se da proibigdo de gerar filhos depois da Ordenagao. Este fato demonstra que esta obrigagdio devia ser fortemente exigida para o grande mimero de clérigos anteriormente casados, e que a proibigo do casamento tinha no inicio uma importancia secundaria. Esta titima s6 passou para o primeiro plano quando a Igreja comecou a preferir e, em seguida, a impor candidatos eclibatérios, dentre aqueles que eram escolhidos quase exclusivamente dos aspirantes as Sagradas Ordens. Para concluir este primeiro esbogo do significado do celibato eclesiistico, que foi chamado desde o inicio com propriedade “continéncia”, é preciso esclarecer, rapidamente, que os candidatos casados podiam ser ordenados ¢ remunciar a utilzagao do matriménio apenas com o consentimento da sua esposa, jé que cla, por forga do sacramento recebido, possuia um direito inaliendvel a utiizago do casamento contraido e consumado, que ¢ indissokivel. O conjunto de questdes derivadas de tal renincia, sera tratado na segunda parte. 1. Orientagdes para a investigago sobre a origem e desenvolvimento do celibato eclesiistico. segundo pressuposto para alcangar um conhecimento correto da origeme do desenvolvimento do celibato eclesiistico — ao que podemos chamar simplesmente “continéncia” sexual, uma vez.eselarecido o seu significado — & tanto mais importante quanto melhor advertimos a variedade de opinides sobre a origem e primeiro desenvolvimento da obrigagdio de continéncia, e pode ser explicado pelo fato do método justo de investigar e expor a questo nfo ser observado. Deve-se notar aqui que, em geral, cada campo cientifico tema sua prépria autonomia em relagdo aos demais, com base no seu objeto préprio e no método postulado por ele. E verdade que na investgagao bre. s relacionadas existem regras comuns que devem ser observadas. Por exemplo, em uma investigagio de cardter histérico nao se pode prescindir da regra que prescreve uma critica prefiminar das fontes, que determine a autenticidade e a integridade dessas, para se ocupar depois do seu valor intrinseco sobre essa base, ou seja, sobre sua credibilidade e valor demonstrativo, séria a capacidade e a vontade de compreender e utilizar adequadamente documentos e o seu contetido, Somente sobre esta base segura — autenticidade, integridade, credibilidade ¢ valor — se pode desenvolver uma adequada hermenéutica ou interpretagdo das fontes. Neste contexto, é absolutamente nec unto a estes pressupostos metodoligicos gerais, ¢ necessério também aplicar a metodologia especificamente requerida por cada ciéncia. A Historiografia Filos6fica competente, por exemplo, exige um conhecimento adequado da Filosofia, bem como a Historiografia Teolégica pressupde 0 conhecimento da Teologia e a Historiografia da Medicina ou da Matematica requerem um conhecimento suficiente dessas cigncias. Do mesmo modo, na Historiografia Juridica nfo pode fatar 0 conhecimento do Direito e das suas exigéncias metodolégicas proprias. De acordo com o dito, deve-se ter em conta que a histéria do celibato eclesiéstico implica, em seu contetido ¢ desenvolvimento, 0 Direito e a Teologia da Igreja. Por isso, se quisermos fazer uma boa hermenéutica dos testemunhos histéricos (fitos e documentos), néio se pode prescindir do método proprio do Dieito Canénico ¢ da Teologia. O significado e a necessidade dessas observages, que & primeira vista podem parecer abstratas, serdo evidentes ao aplicé-las de modo concreto questo que agora estudamos. 1. Raizes do recente debate sobre as origens do celibato No final do século passado, tivemos uma dspera discusso sobre a origem do celibato eclesidstico, ainda recordada e influente, Gustav Bickell fho de um jurista e ele mesmo orientalista, atribuia a origem do celibato a uma disposigio apostélica, apoiando-se principalmente em testemunhos orientais. Respondew-the Franz X. Funk, conhecido estudioso da histéria eclesiistica antiga, negando que se pudesse fazer tal afirmagio, jé que a primeira lei conhecida sobre o celibato remonta ao inicio do quarto século, Depois de um duplo conffonto de escritos sobre o assunto, Bickell fez siléncio, enquanto Funk repetia uma vez mais, sinteticamente, seus resultados, sem receber uma resposta do seu adversirio, Recebeu, pelo contratio, importante consenso de dois grandes estudiosos, como eram E, F. Vacandard e H. Leclercq, A autoridade e influéncia de suas opinides, difndidas amplamente pelos meios de difisdo (diciondrios), concederam a tese de Funk um consenso considerdvel, que perdura até hoje. Considerando 0 que acabamos de dizer sobre as premissas dos principios metodoigicos na investigagdo, deve-se notar que F. X. Funk, ao formular as suas conchusdes, no levou em conta, sobretudo, os critérios gerais de interpretago das fontes, que em um estudioso altamente qualificado, como ele sem diivida era, & realmente estranho. Aceitou como bom, e a utiizou como um dos seus principais argumentos contra a opiniio Bickell, a narragao espiiria sobre a intervengo do bispo e monge egipcio Pafhucio no Conetlio de Nicéia em 325. E isso, ao contrério da critica bdsica extera das fontes que, ja antes dele, tinha afirmado repetidamente a no autenticidade desse episédio (0 que est comprovado, como demonstraremos ao falar, na quarta parte, do Coneflio de Nicéia). Funk cometcu um crro metodolbgico ainda maior, embora menos culpdvel, ao aceitar apenas 6 a existéncia de uma obrigasao oficial do celibato, que tenha sido expressa através de uma lejescrita. O mes se pode dizer do historiador da teologia, Vacandard, e do historiador dos conctlios, Leclercq, 1. A transmissio oral do direito Qualquer historiador do direito sabe que um dos teéricos com mnis autoridade deste século, Hans Kelsen, disse explicitamente que é equivocada a identificagio entre direto e lei, ius et lex. Direito (ius) é toda norma juridica obrigatéria, tanto se foi dada oralmente e através do costume, como se ja foi expressa por escrito. Lei (lex) é, no entanto, toda disposig&o dada por escrito e promulgada de forma legitima Uma peculiaridade tipica da lei, testermmhada durante toda a sua histéria, esté na origem dos ordenamentos a partir das tradigdes orais e da transmisstio de normas consuetudindrias que Ientamente so postas por escrito. Por exemplo, os romanos, expresso do génio juridico mais perfeito, somente depois de séculos tiverama kei escrita das Doze Tébuas, por razes sociolégicas. Todos os povos germinicos escreveram seus ordenamentos juridicos populares e consuetudinérios depois de muitos séculos desde a sua existéncia. O direito desses povos era, até eno, nfo escrito e s6 eram transmitidos oralmente. Ninguém se atreveria a afinmar, contudo, que por isso tal ius no fosse obrigatério e que sua observancia estivesse deixada ao livre arbitrio de cada individuo, Como em qualquer ordenamento juridico proprio de grandes comunidades, o da jovem da Igreja foi, em grande medida, as disposiges ¢ obrigagdes transmitidas apenas oralmente; ainda mais quando — durante os trés séculos de perseguigao (embora intermitente) — difcilmente poderiam ter sido fixadas as leis por escrito. De qualquer mancira, a Igreja possuia, ja por escrito, alguns elementos de direito primitive, ¢ em maior medida de que outras sociedades jovens. Uma prova disso nos da a Sagrada Escritura. Sao Paulo escreve, na verdade, em sua segunda carta aos Tessalonicenses (2, 15) estas palavras: “Exorto, pois, inmios, ficai firmes ¢ guardai as tradigGes que haveis aprendido, tanto oralmente, tanto através de nossas Cartas”. Estes se referem, sem divvida, a disposigées obrigatérias expedidas nao apenas por escrito, como foi expressamente afirmado, mas também ensinadas apenas oralmente e assim transmitidas. Entdio, quem somente admitisse disposigdes obrigatérias as que podem ser encontradas nas leis escritas, nao estaria fazendo justiga ao método de conhecimento préprio da histéria dos ordenamentos juridicos. 1. Os postulados do dado teolbgico O método apropriado para estudar os fundamentos teol6gicos da continéncia do clero deve ter em conta que, além de questdes disciplinares e juridicas, a continéncia também esta ligada, no caso deles, a um carisma intimamente relacionado com a Igreja e com Cristo. Scu conhecimento e anélise s6 podem ser ftitos, conseqilentemente, & luz da revelago e da elaboragao teolégica. Com é agora bem conhecido, a Teologia medieval nio se preocupou muito com questies juridicas e disciplinares, nem do modo apropriado, mas se apropriou das discussdes e das conclusdes da canonistica clissica — também chamada de “glosadores” — entio muito florescente. Os historiadores da Teologia Medieval constataram isso hi bastante tempo, e, um olhar para a obra do principe da Escolistica Medieval, confirma-o suficientemente, Esta realidade pode ser considerada também como a principal razio de que a continéncia do clero néo foi tratada suficientemente, quer dizer, conforme a sua metodologia fimdada na Revelagdo e nas suas fontes. Embora esta falta tena sido jé reparada em grande medida, hoje segue sendo necessério um maior aprofimdamento nos findamentos propriamente teol6gicos do nosso tema. Na tiltima parte deste trabalho, procuraremos atender a essa exigéneia tdo legitima Il]. DESENVOLVIMENTO DO TEMA DA continéncia na IGREJA Latina Afirmados os pressupostos necessirios sobre 0 conceito e o método de investigagdo e exposigiio, analisaremos em primeiro hngar o tema da contingncia dos elérigos na Igreja Latina, 1. O Coneilio de Elvira Entre os testemunhos de diversos tipos que interessam para o nosso assunto, deve ser mencionado, em primeiro lugar, o Coneilio de Elvira. Na primeira década do século IV, reuniram-se bispos e sacerdotes da Igreja da Espanha, no centro diocesano de Elvira, perto da Granada, para colocar sob uma regulamentagiio comum as diversas circunscrigdes eclesidsticas da Espanha, pertencente & parte ocidental do Império Romano, que gozava, sob 0 governo do César Constincio, de uma paz religiosa relativamente boa. No periodo anterior, durante a perseguigéo dos cristios, se havia constatado abusos em mais de um setor da vida cristd e havia softido danos graves na observancia da disciplina eclesiistica. Em 81 canones concilares, sto emanadas disposigdcs rclativas 4s drcas mais importantes da vida eclesiistica, necessitadas de clarificagao ¢ de renovagdo para reafirmar a antiga disciplina e para sancionar novas normas que se tinham tomado desnecessétias. © Canon 33 do Concfio contém a jé conhecida primeira lei sobre o celibato. Sob a rubrica: “Sobre os bispos e ministros (do altar), que devem ser continentes com suas esposas”, se encontra 0 seguinte texto dispositivo: “Se esta de acordo sobre a proibigao total, valida para bispos, sacerdotes e diéconos, ou seja, para todos os clérigos dedicados ao servigo do altar, que devem se abster de suas esposas e no gerar filhos; quem fizer isso deve ser exchuido do estado clerical”. O cdnon 27 ja havia insistido na proibigdo de que habitassem com os bispos ¢ outros eckesiésticos, outras nnilheres néio pertencentes & sua familia, S6 poderiam levar para junto de si, uma irméi ou uma filha consagrada virgem, mas de nenhum modo uma estranba, Desses primeiros e importantes textos legais se devem deduzir que muitos dos cfrigos maiores da Igreja espanhola de ento, talvez inclusive a maior parte, eram viri probati, quer dizer, homens casados antes de serem ordenados como diiconos, sacerdotes ou bispos. Todos, entretanto, estavam obrigados depois de ter recebido a Sagrada Ordenago a renunciar completamente do uso do matrimonio, quer dizer, & observancia de um perfeita continéncia, A luz do final do Coneilio de Elvira, assim como do Dircito ¢ da Historia do Direito do Império Romano, dotado de uma cultura juridica que dominava naquela época também na Espanha, nio é possivel ver no canon 33 (junto com o canon 27) uma lei nova. Manifesta-se claramente, a0 contririo, como uma reagdo contra a inobservaneia, muito estendida, de uma obrigagdo tradicional e bem conhecida a que se acrescenta, nesse momento, uma sangdo: ou se aceita 0 cumprimento da obrigagio assumida, ou se renuncia ao estado clerical. A introdugdo de uma novidade nesse terreno, com retroatividade geral das sangGes frente a direitos adquiridos desde a Ordenagao, teria causado num mundo como aquele, ‘Go imbuido do respeito ao legal, uma verdadeira tempestade de protestos ante a evidente violago de um direito, Isto jé 0 havia percebido Pio XI quando, na sua Enciclica sobre o sacerdécio, afirmou que essa lei escrita supunha uma praxis precedente. 1. A consciéncia da tradigao do celibato nos Concilios africanos Apés a importante lei de Elvira, deve ser considerada outra ainda mais importante para 0 nosso tema, € voltaremos a encontrar logo como ponto-chave de referéneia. Trata-se de uma declaragao vinculante, formulada no segundo Concflio Afficano do ano 390 e repetida nos posteriores, que sera posteriormente inchuida no Cédigo dos Canones das Igrejas Afficanas (¢ nos cdnones in causa Apiarii), formalizada no importante Coneilio do ano 419. Sob o titulo: “que a castidade dos sacerdotes ¢ levitas deve ser protegida”, 0 texto afirma: “O bispo Epig6nio disse: de acordo com aquilo que o anterior Conetlio afirmou sobre a contingneia ¢ sobre a castidade, os trés graus que esto ligados pela Ordenagio a uma determinada obrigagdo de castidade, ou seja, bispos, sacerdotes e diiconos — devem ser instruidos de uma forma mais completa sobre o seu cumprimento. © bispo Genetlio contimiou: como jé meneionado, convém que os sagrados bispos, os sacerdotes de Deus ¢ 0s levitas, ou seja, aqueles que serve nos divinos sacramentos, sejam continentes por completo, para que possam obter sem dificuldades 0 que pedem ao Senhor; para que também protejamos o que os Apéstolos ensinaram e é conservado desde antigamente”. “A isso os bispos responderam unanimemente: estamos todos de acordo que bispos, sacerdotes e diiconos, guardifes da castidade, se abstenham também de suas esposas, a fim de que em tudo ¢ por parte de todos os que sirvam ao altar seja conservada a castidad: Dessa declaragio dos Coneilios de Cartago resulta que também na Igreja Afticana uma grande parte, talvez a maioria do clero maior, estava casada antes da ordenagao, e que depois dela, todos deviam viver em contingnecia. Aqui esta obrigagdo ¢ atribuida explicitamente ao sacramento da Ordem recebida e ao servigo do altar. Também € posta em relago explicita com um ensinamento dos Apéstolos e com uma observancia praticada em todo o tempo passado (antiquitas), e se conchii com o assentimento undnime de todo o episcopado afficano Devido a uma disputa com Roma, que também foi abordada nessas assembléias conciliares afticanas, podemos conhecer em que medida foram conhecidas e vividas naquela Igreja, as tradigdes da Tereja antiga. O sacerdote Apiério foi excomungado por seu bispo. Ele apelou para Roma, em que se aceitou o recurso por referéncia a algum cdnon de Nicéia que autorizaria tais recursos. Os bispos afficanos se declararam solidérios com seu companheiro afirmando que no conheciam tal cénon niceno. Em diversas reunides destes bispos, nas que também participaram delegados de Roma, se discutiu esse problema e ainda se conservam 0s cénones in causa Apiaril. Os afficanos alegavam que na sua relagao dos cénones nicenos nao aparecia uma disposigtio semelhante Aquela, ¢ tinham enviado delegados a Alexandria, Antioquia ¢ Constantinopl para obter a informacao pertinente. Mas também i ndo se sabia nada sobre tais cdnones. Mais tarde foi esclarecido o erro de Roma, baseado no fato de que li se tinha adicionado aos cdnones de Nicéia os do Conefio de Sardica no ano 342, dedicado também questo ariana e celebrado sob o mesmo presidente: 0 bispo Osio de Cérdoba. Por esse motivo, os cdnones disciplinares de Sérdica foram acrescentados no arquivo de Roma aos de Nicéia, e todos tinham sido considerados nicenos. Em Sardica se tinha aprovado aquele canon (can, 3). A Igreja Afficana nio teve dificuldade em demonstrar a0 Papa Zésimo a errénea atribuigio a0 Coneiio de Nicéia. A sessio principal dedicada a esta questo, que foi em 25 de maio de 419, foi presidida por Aurélio, bispo de Cartago, Participavam o legado de Roma, Faustino de Fermo, com dois presbiteros romanos, Felipe ¢ Acélio, akém de 240 bispos afficanos entre os quais estava Agostinho de Hipona e Alipio de Tagaste. Presidente introduziu o debate com estas palavras: “Temos, diante de nds, os exemplares das disposigies que nossos Padres trouxeram de Nicéia. Nés as conservamos em sua forma original e guardamos também os sucessivos deeretos subscritos por nds”, Depois recitaram o Simbolo da fé na Santissima Trindade, pronunciado por todos os Padres concilares, Em terceiro lugar foi repetido o texto sobre a contingneia dos clérigos do Conefio de 390, ao que ja aludimos, que entio tinha sido recitado por Epigénio e Genetlio e que agora era prommeiado por Aurélio. © legado papal, Faustino, sob a rubrica “dos graus da Ordem Sagrada que devem abster-se de suas esposas”, acrescentou: “estamos de acordo que os bispos, sacerdotes e didiconos, quer dizer, todos os que tocam os Sacramentos como guardides da castidade, devem abster-se de suas esposas”. A isso responderam todos 60s bispos: “estamos de acordo que a castidade deve ser guardada em tudo e por todos os que servem a0 altar”. Entre as normas que tomadas do patrim6nio tradicional da Tgreja Afficana foram em seguida relidas ou novamente decididas, se encontram no vigésimo quinto posto um texto do presidente Aurélio: “‘nés, queridos imiios, acrescentamos também que em relagiio ao que fi dito da incontinéneia de alguns clérigos, que eram somente leitores, com suas préprias esposas, se decidiu o que também noutros Coneilios foi confirmado: que 08 subdiiconos, que tocam os santos mistérios, ¢ os diéconos, sacerdotes e bispos devem, segundo as normas vigentes para eles, abster-se da propria esposa e se comportar como se nio a tivesse; e se nfo se ativerema isso, devem ser afistados do servigo eclesiistico. Os demais elérigos nio estio obrigados até uma idade mais madura, Depois disso todo 0 Concilio respondeu: nés confirmamos tudo 0 que Vossa Santidade disse de maneira justa ¢ ¢ santo e agradavel a Deus”. Recolhemos aqui com tanto detalhe esse testemunho da Igreja Afficana do final do século IV e do comego do século V por causa de sua fundamental importancia. Desses textos se deduzema clara conscincia de ‘uma tradigdo baseada nfo somente numa persuasio geral, que ninguém suspeitava, mas também em. documentos bem conservados. Naqueles anos foram encontradas ainda no arquivo da Igreja Afficana, as atas originais que os Padres tinham trazido do Conetlio de Nicéia, Se houvesse disposigdes contrarias a0 celibato eckesiistico tal e como o vemos afirmado, tinham sido meneionadas da mesma forma que sucedeu com erro ow o descuido da Igreja Romana a respeito dos canones de Sérdica atribuidos a Nicéia. Tudo isso mostra também a consciéneia de uma tradigao comum da Igreja Universal, cujas diversas partes guardam uma comunhio viva entre si. O que na Igreja Atficana foi afirmado muito explcita ¢ repetidamente sobre a origem apostélica e a observancia transmitida desde a Antiguidade da contingncia dos eclesiésticos junto comas sangdes aos que a desobedecessem, nio teria sido certamente aceito de modo tio geral e pactfico, se no houvesse tido o aval de ser um fito comumente conhecido, Sobre isso temos ainda testemunhos explicitos da Igreja Oriental, que teremos oportunidade de analisar. 1. O testemumbo da Igreja de Roma No contexto do testemunho Afficano sobre o celibato, ja escutamos uma voz muito autorizada por parte de Roma: o legado pontificio Faustino que manifestou em Cartago a plena correspondéneia de Roma sobre essa questio, suscitada ali incidentalmente Roma, alis, jd tinha enviado uma carta aos bispos da Affica, na época do Papa Siricio, que comunicava as decisdes do Sinodo Romano de 386, nas que se insistia novamente em algumas importantes disposigdes apostélicas. Esta carta tinha sido comunicada durante 0 Coneilio de Telepte do ano 418. A ittima parte da mesma (can. 9.) trata precisamente da continéneia do clero. Com esse documento, introduzimo-nos no segundo conjunto de testemunhos sobre o celibato — presentes nas disposigdes dos Romanos Pontifices sobre esse tema — que tem claramente um maior peso, nio sb quanto & conscigneia da tradigo observada pela Igreja Universal, mas também para o desenvolvimento posterior e para a observancia do celibato clerical Uma afirmagdo geral sobre a importineia da posigio de Roma sobre qualquer assunto e, portanto, também sobre 0 celbato, é proveniente de Santo Irineu, que, tendo sido discipulo de Sto Policarpo, estava relacionado com a tradig&o joanica que ele — como bispo de Lido, a partir do ano 178 — para a Igreja na Europa. Se na sua principal obra “Contra as heresias” afirma que a tradigZo apostél preservada na Igreja de Roma, findada pelos apéstolos Pedro e Paul, ¢ € por isso que todas as outras igrejas devem concordar com cla, podemos dizer que isso vale também para a tradigo sobre a contingneia dos eckesiisticos. Os primeiros testemunhos explicitos a respeito provém de dois Papas: Siricio e Inocéncio I. Ao predecessor do primeiro, o Papa Damaso, tinha sido apresentado pelo bispo Himério de Tarragona algumas questdes as quais s6 0 seu sucessor, ou seja, Siricio, tinha dado uma resposta. Quando perguntado sobre a obrigago dos clrigos maiores 8 continéncia, o Papa respondeu na carta Directa, em 385, dizendo que os sacerdotes ¢ didconos que, depois da Ordenagdo, geram filhos, atuam contrariamente a uma lei irrenuneivel, que obriga aos ckérigos maiores desde o inicio da Igreja. A apelagao ao fato de que no Antigo Testamento, os sacerdotes ¢ levitas podiam usar do matriménio, fora do tempo do seu servigo no Templo, foi refitada pelo Novo Testamento, no qual os cltrigos maiores devem prestar culto sagrado todos os dias; por isso a partir do dia da sua ordenagao, deve viver continuamente a continéncia, Uma segunda carta do mesmo Papa, reférindo-se mesma questo e que jd a mencionamos, é a enviada aos bispos afticanos em 386, que relatou as deliberagdes de um Sinodo Romano. Essa carta é especialmente iiustrativa sobre o tema do celibato, O Papa assinalou, acima de tudo, que os pontos tratados no Sinodo no se referem a novas obrigagdes, mas sim a pontos de fé ¢ de disciplina, que, por causa da preguiga e da ingrcia de alguns, tém sido negligenciados, Devem, portanto, ser revitalizados, pois, segundo as palavras da Sagrada Escritura, “Sé forte e observa as nossas tradigSes que recebestes, quer oralmente, quer por escrito” (2 Tes 2, 15), trata-se de disposigdes dos Padres Apostélicos. O Sinodo Romano , portanto, consciente de que as tradigdes recebidas apenas oralmente so vinculativas. E ahudindo ao juizo divino, observa que todos 0s bispos catdlicos devem observar nove disposigdes que so enumeradas. A nove delas & exposta com detalhes: “os sacerdotes e levitas no devem ter relagdes sexuais com suas esposas, porque devem estar ocupados diariamente com o seu ministério sacerdotal”, Sao Paulo escreveu aos Corintios que eles deviam se abster das relagdes sexuais para se dedicar a oragdo. Se aos leigos a continéneia é imposta, a fim de serem ouvidos na sua orago, com muito maior razio deve estar disposto em todo momento o sacerdote para oferecer, com castidade verdadeira, 0 Sacrificio ¢ para administrar 0 Batismo. Depois de outras consideragdes ascéticas, é rejeitada — que eu saiba, pela primeira vez no Ocidente — pelos oitenta bispos reunidos, uma objegdo, ainda hoje viva, que visa provar 4 continuidade no uso do matriménio com base nas palavras do Apéstolo Sao Paulo segundo as quais, 0 candidato as Sagradas Ordens, s6 podia ter estado casado uma vez. Essas palavras, apontaram os bispos, no querem dizer que se pode continuar vivendo na concupiscéncia e gerando filhos, mas foram precisamente ditas em favor da futura continéncia. E ensinado, por conseguinte, oficialmente — e ser repetido continuamente — que ‘egundas mipcias ou o matrimonio com uma viiva, ndo oférecem seguranga de contingncia futura. A carta conelui com uma exortagdo a obedecer estas disposigdes que esto sustentadas pela tradigZo. O seguinte Romano Pontffice que se ocupou amplamente da continéncia do clero é Inocéncio 1 (401 a 417). Provavelmente é sua uma carta sobre essa matéria, atribuida primeiro a Damaso e depois a Siricio. Quando foram apresentadas algumas questdes pelos bispos da Gélia, foram examinadas mum Sinodo Romano uma série de questdes priticas, cujos resultados, ou respostas, foram conmnicadas na carta Dominus inter no comeso do século IV. A terceira das dezesseis perguntas se referia a “castidade e pureza dos sacerdotes”. Na introdusdo, o Papa constata que “muitos bispos em varias igrejas particulares tém mudado temerariamente a tradigdo dos Padres, e cairam na escuridao da heresia, preferindo a honra que vem dos homens, ao mérito diante de Deus”. Ecomo o demandante, movido nfo pela curiosidade, mas pelo desejo de estar seguro na f8, tratava de aleangar da autoridade da Sé Apostélica informagdes sobre as kis ¢ sobre as tradig6es, comunica-Ihes com ‘uma linguagem simples, mas de contetido seguro, 0 que se deve saber para poder corrigit todas as deficiéneias que a arrogincia humana causou. A terceira das questes propostas dé a seguinte resposta: “Em primeiro lugar, no que diz respeito aos bispos. sacerdotes e diéconos, que devem participar nos sacrificios divinos, por cujas mos se comunicam a graga do batismo e se oferecem o Corpo de Cristo, decidiu-se que estdo obrigados, nfo sé por nds, mas pela Divina Escritura, a castidade (ao qual também os Padres ordenaram que observassem a continéncia corporal)”, Continua entao uma ampla exposigdio — que ainda hoje & digna de ser recordada — dos motivos, sobretudo biblicos, da dita prescrigo, ¢ se conchui dizendo que, ainda que sé fosse pela veneragdo devida & religiio, ndo se deve confiar o ministério divino aos desobedientes. Outras trés cartas do mesmo Papa repetem os conceitos de seu antecessor Siricio, aos quais se unem plenamente, Trata-se da carta a Vietricio de Rouen, de 15 de fevereiro de 404; da dirigida a Exupério de Tolosa, de 20 de fevereiro de 405 e da ditigida aos bispos Maximo e Severo de Calibria, de data incerta. importante notar que sempre se pede sangdes contra os impenitentes que devem ser afastados do ministério clerical. Os seguintes Pontifices Romanos também se esforgaram para preservar a estrita observancia da tradicional continéneia do clero. Basta recordar, entre os mais importantes destes séculos, os depoimentos de dois deles: Leo Magno ¢ Gregério Magno. Lefio Magno, em 456, escreveu ao bispo Riistico de Narbona: “A lei da contingneia ¢ a mesma para os ministros do altar (diéconos), para os sacerdotes e bispos. Quando eram ainda leigos ¢ leitores podiam se casar ¢ gerar filhos. Mas, ao serem clevados aos graus anteriormente citados, comegou a nio ser licito para eles 0 que antes o era. De fito, para que 0 matriménio carnal chegue a ser um matriménio espiritual, ndo & necessério que as esposas sejam afastadas, mas sim que se considerem como se milo as tivessem, deste modo se salva 0 amor conjugal e, ao mesmo tempo, cessa 0 uso do matrimonio”. O Papa confirmou assim outro ponto relacionado com a continéncia dos clérigos casados, que na legislagio precedente era também mencionado, a saber: que as esposas dos clrigos casados, apés a Ordenagao de seus maridos, devem ser sustentadas pela Igreja. A posterior coabitagdio com o marido, entdo obrigado & continéncia, no era geralmente tolerada pelo perigo de faltar & obrigagdo assumida. Foi permitida apenas nos casos em que esse risco estava exchido. Qualquer texto contra o abandono das esposas deve ser interpretado nesse mesmo sentido, como ¢ evidente nesse fragmento de Ledio Magno. Deve act sntar-se que este Papa estendeu aos subdisconos a obrigagdo a continéneia posterior a sagrada Ordenagao, que até agora nio estava claro, por causa da diivida que existia sobre se a Ordem do subdiaconado pertencia ou ndio as Ordens maiores. Greg6rio Magno (590 a 604) faz compreender nas suas cartas, a0 menos indiretamente, que a contingncia dos eclesiisticos era substancialmente observada na Igreja Ocidental. Dispds simplesmente que também a ordenago de subdiicono comportava, definitivamente e para todos, a obrigagao de perfeita continéncia. Ele também sugeriu, repetidamente, que a coexisténcia entre clérigos maiores ¢ mulheres ndo autorizadas para isso continuava estando absolutamente proibida, e devia, portanto, ser impedida, E como as esposas no pertenciam normalmente a categoria das autorizadas, dava com isso uma significativa interpretagdo ao canon 3 do Coneilio de Nicéia. Do acima exposto, podemos j deduzir uma primeira constatagdo de singular importincia: na Igreja Ocidental, ou seja, na Europa e nas regides da Attica pertencentes ao Patriarcado de Roma, a unidade da f& era e permanecia sempre viva, junto coma unidade também da disciplina, algo que se manifesta pela comumnicago, mais ou menos intensa, mas nunca interrompida, entre as varias jgrejas regionais. Assim, os representantes de outras regiées cram admitidos nos Coneilios Provinciais. Em EWira, por exemplo, esteve presente, entre outros, Eutiques, como representante de Cartago, e no Coneilio de Cartago de 418, que tratou da questo dos pelagianos, estavam também bispos da Espanha. Es: de unidade e de substancial uniformidade é encontrada explicitamente nas atas conciliares da época, O Primado Romano cada vez mais operativo desde o momento em que as perseguigées tinham terminado: era a atualizagio e a concretizagdo do principio da unidade. Essa realidade reflete-se sobretudo nas questdes essenciais para a f8 da Igreja Universal, mas nés podemos constaté-la também nas questdes disciplinares, especialmente no ambiente do Patriarcado Romano. const sn Uma prova de primeira ordem desta unidade disciplinar ¢ precisamente a que se adverte na questio que nos ocupa: sobre a continéneia do clero, Junto & préxis conciliar, que ¢ eficaz desde o inicio, afirmando-a ¢ confirmando-a, surge a ago orientadora e 0 cuidado universal em sua conservagao por parte dos Romanos Pontifices, comegando pelo Papa Siriaco. Se 0 celbato eclesidstico corretamente entendido foi conservado claramente em conformidade com a conscigncia clara de sua origem e da sua antiga tradigdo, apesar das dificukdades que surgem sempre ¢ em toda a parte, devemo-lo, sem duivida, a solicitude ininterrupta dos Papas. Uma prova a sensu contrario desta afirmagao nos viri dada pela historia do celibato na Igreja Oriental. Mas antes de entrar nela, devemos ainda prosseguir com outras fases do seu desenvolvimento na Igreja do Ocidente, 1. O testemunho dos Padres ¢ dos escritores eclesidsticos Os Padres e os escritores eclesiésticos pertencem a categoria das mais importantes testemunhas da f ¢ da tradig&o nos primérdios da Igrefa Sobre a questio da continéncia do clero ¢ conveniente escutar primeiro a Santo Ambrésio. Na sua sede em Millio, na qualidade de “Consularis Aemiliae et Liguriae”, Ambrésio, eleito bispo, se tomou rapidamente um dos mais importantes homens da Igreja do Ocidente. No que diz respeito ao nosso assunto, esse Pastor, especialmente sensivel ds obrigagdes juridicas, devido a sua anterior atividade civil, tinha idéias muito claras. ina que os ministros do altar que estavam casados antes de sua Ordenasao, nao deveriam continuar usando do matriminio depois da Ordenagdo — ainda que essa obrigagao nao tivesse sido sempre observada do modo devido, nas regides mais remotas. Conffontado com a permissio vetero-testamentdria, deve-se ver umnovo mandato do Novo Testamento, pois os sacerdotes deste, esto obrigados a uma oragdo ¢ a um ministério santo constante e continuo. Sao Jerdnimo, que conhecia bem por experigneia prépria tanto a tradigfio do Ocidente como a do Oriente, disse na sua refitagfio do ano 393 a Joviniano, sem insinuar nenhuma distingdo entre Ocidente ¢ Oriente, que © Apéstolo Paulo, na famosa passagem de sua carta a Tito, ensinou que um candidato casado a Ordem sagrada deveria ter casado uma sé ver, deveria ter educado bem aos filhos que tivesse, mas no podia procriar outros filos. Devia, portanto, dedicar-se & oragdo e ao servigo divino ¢ no s6 por um tempo limitado, como no Antigo Testamento, como conseqiiéncia, “si semper orandum et ergo semper et semper carendum matrimonio”. Em sua dissertagaio “Adversus Vigilantium ” do ano 406, Sao Jerénimo repetia 0 dever dos ministros do altar de ser sempre continentes. E neste sentido afirma que esta é a pritica da Igreja do Oriente, do Egito e da Sé Apostélica, onde s6 se aceita clérigos celibatérios e continentes, ou, se so casados, que tenham renunciado previamente a vida matrimonial. J4 no seu “Apologeticum ad Pammachium” tinha dito que também os Apéstolos eram “vel virgines vel post nuptias continentes”; y que “presbiteri, episcopi, diaconi aut virgines eiguntur aut vidui aut certe post sacerdotium in aeternum pudici”. Santo Agostinho, bispo de Hipona desde o ano 395/96, conhecia bem a obrigagdo geral do clero maior continéncia, ele que havia patticipado no Coneilio de Cartago onde tal obrigagao tinha sido repetidamente afirmada, apontando sua origem nos mesmos Apéstolos ¢ nun constante tradigdo do passado, Nao se conhece nenhuma dissidéncia sua em tais ocasides. Em sua dissertago “De coniugiis adulterinis” também afirma que homens casados que, de repente e por isso mesmo quase contra sua vontade, fossem chamados a fazer parte do clero maior ¢ ordenados, estariam obrigados & contingncia, tomando-se, assim, um exemplo para aqueles leigos que, por viver longe de suas mulheres, so vulneriveis especialmente ao aduério. © quarto grande Padre da Igreja Ocidental, Gregério Magno, jé foi exposto como testemmmha da continéncia dos ministros sagrados a0 examinar os Romanos Pontifices. Da pratica disciplinar ocidental considerada até o momento, conchiimos que: a continéneia propria dos trés liltimos graus do ministério clerical se manifesta na [greja como uma obrigagtio que se remonta aos come¢os da Igreja, e que foi transmitida como um patriménio da tradigdo oral. Apés a era de perseguigdo e, especialmente, as como conseqiiéncia das conversées cada vez mais numerosas, que exigiu também numerosas ordenagdes, houve amplas transgressdes dessa obrigagao, contra ao quais os Concilios ¢ a solicitude dos Romanos Pontifices procederam cada vez.com maior insisténcia por meio de leis ¢ disposigdes escritas. Nessas aparecem também as conseqiiéneias de tais transgressdes que consistiam na suspensdo ou expulsto do sagrado ministério. Tudo isso nca é apresentado como uma inovaco, mas & sempre posto em referéncia com a origem da Igreja. Estamos autorizados, portanto, conforme as regras de um correto método juridico-bistérivo, a considerar dita préxis como uma verdadeira obrigagdo vinculante transmitida por tradigdo oral antes de ter sido fixado por leis escritas. Quem quiser afirmar o contrario nao somente se oporia a uma metodologia cientifica valida, mas também estaria tachando de mentirosos — porque de ignordincia ndio poderiam ser acusados ~a todos os testemunhos unfnimes que até agora escutamos. 1. Evolugdo da questio nos seguintes séculos Nesta base, deduzida da pritica da Tgreja primitiva, podemos acompanhar o desenvolvimento do celibato ecksiistico nos séculos seguintes. Primeiro, vamos nos referir ao Ocidente. Tal como nos primeiros tempos, também nas épocas posteriores muitos dos ministros sagrados eram, sem diivida, escolhidos entre os homens casados. Esta situag3o é demonstrada pelo fato de que muitos Coneilios da Espanha e da Galia insistr repetidamente (e sem interrupgdo) na obrigago da continéncia desses ministros. As sanges foram atenuadas em algumas ocasides, como, por exemplo, no Coneilio de Tours, no ano 461, onde no se pune ja coma e excomunhiio para toda a vida, mas apenas coma exclusio do servigo ecksiistico. Alkm disso, ¢ cada vez mas enfatizada a preocupagao da Igreja para dispor de candidatos as ordens maiores que sejam celbatitios e para reduzir o mimero dos candidatos casados, jé que a experiénecia mostrava o perigo permanente da debilidade humana ante as obrigagSes assumidas por estes candidatos. Outra disposigdo que deve ser constantemente recordada e renovada foia proibigio de qualquer clérigo maior para viver sob o mesmo teto com mulheres que no oferecesse plena confianga pelo que se refere & observancia da contingneia, Para estabelecer um juzo de conjunto sobre a disciplina celibataria na Europa medieval, so muito significativas as disposig6es relativas & Igreja Insular (Irlanda — Bretanha). Os Livros Penitenciais, que refletem fielmente a vida e a disciplina em vigor nesta igreja, em muitos aspectos demonstram inequivocamente a validade para os elsrigos maiores insulares previamente casados, das mesmas obrigages que estamos vendo. O que continuasse usando do matriménio com sua esposa era considerado culpado de aduitério e castigado convenientemente. Se essas obrigagdes onerosas eram exigidas e observadas substancialmente também na Igreja Insular, na qual estavam em vigor rudes costumes entre os seus habitantes, dos quais esses livros nos dao uma viva prova, temos uma étima demonstrag3o de que 0 celibato cra também possivel al, ainda que, provavelmente, $6 por uma nobre tradigéio que ninguém punha em diivida, Juntamente com os perigos gerais periddicos que ameagavam sempre e em toda parte a continéncia do clero, sempre existiu na histéria da Igreja momentos, circunsténcias ¢ regiées onde surgiram perigos extraordinirios que provocavam de modo muito especial a autoridade da Igreja, As dificuldades desse tipo eram produzidas pelas heresias bastante dif ndidas. Um exemplo € o arianismo dos visigodos, ainda a operar apés a converséo ao catolicismo de seu reino na Peninsula Ibérica. O Coneflio de Toledo de 569 e 0 de Zaragoza em 592 emanaram normas explicitas neste sentido para os clérigos provenientes do arianismo. 1. A Reforma Gregoriana Uma das mais graves crises que afétou a contingneia do clero foi a que se deu em todas as regides da Igreja Catélica Ocidental, afetadas pelas desordens que levaram & Reforma Gregoriana, Essas regides eram aquelas partes da Europa onde tina penetrado, com maior ou menor diftsio, 0 chamado sistema beneficial eckesiistico, que, basicamente, dominou toda a vida publica e, mais tarde, também a vida privada da Igreja e da sociedade eclesiistica, Os bens patrimoniais do beneficio eclesiistico, que estavam ligados a todos os oficios da Igreja, altos ou baixos, confériam ao detentor do beneficio, e portanto também do oficio, uma grande independéneia econdémica e, por isso, ffegientemente profissional, uma vez.que o oficio que acompanhava ao beneficio niio se podia retirar faciimente. A concessio do benéfico-oficio, que vinha realizada com frequéneia através de leigos que possuiam esse direito — proveniente da Igreja em sentido estrito ou lato — situava nos oficios eckesiisticos de bispos, abades e, inclusive, de parocos, a candidatos com freqiiéncia pouco preparados e, até mesma, indignos. A concesstio ¢ a designagao dos oficios por parte de leigos poderosos, que nesse assunto atendiam mais aos interesses seculares profanos que aos espirituais ¢ religiosos da Igreja, conduziam aos outros dois males findamentais: a simonia, ou seja, a compra dos oficios, ¢ 0 nivolzisme, isto é, a estendida violagio do celibato eclesiastico. Apés 0 fiacasso das reformas regionais, os Papas comegaram a enffentar essa situagdio dificil da Tgreja Européia. Conseguiram, devido ao empenho de Gregério VII, enfientar este grave perigo que tinha envolvido a hierarquia da Igreja em todos os seus graus. ‘Assim, esse perigo levou a um impulso decidido para a reintegragao da antiga disciplina celibatatia; para isso foi necessério cuidar especialmente da eleigdo e da formago dos candidatos ao sacerdécio, para o qual se limitava cada vez mais a aceitagdo de homens casados, buscando, assim, o retorno a uma observancia geral da obrigagdo da continéncia. Outra consequéncia importante dessa reforma é a disposigdo, solenemente declarada no segundo Coneilio de Latrio do ano de 1139, de que os casamentos contraidos pelos cksrigos maiores, como também os das pessoas consagradas mediante votos de vida religiosa, no s6 cram ilcitos, mas também invalidos. Isto levou a um grande equivoco difimdido ainda hoje: 0 de que 0 celibato eclesiistico foi introduzido somente a partir do Coneitio Lateranense I, Na realidade, ali s6 se afirmou que era invalido © que sempre tinha sido proibido. Esta nova sangdo confirmava, de fato, uma obrigago existente hi muitos séculos, 1. O Celibato no direito canénico clissico. Quase a0 mesmo tempo que comesou a vida e a atividade do direito da Igreja, o monge camaldulense, Jofo Graciano, compés, aproximadamente em 1142, em Bolonba, seu “Concérdia discordantium canonum em seguida simplesmente chamado de “Decreto de Graciano”, no qual foi recolhido todo o material juridico do primeiro milénio da Igreja e harmonizou, pelo menos tentou fazé-lo, as mais variadas normas. Com ele comesava a escola do Direito da Tgreja, associada a sua paralela do Direito Romano, ¢ que ser chamada de escola dos glossistas ou glossadores, ou seja, dos intéxpretes das compilagdes do Dircito Eclesidstico (¢ do Direito Romano) e dos seus textos legais. O decreto de Graciano trata também, naturalmente, a questio e a obrigagdo da continéncia dos clérigos, especificamente, nas distingdes 26 — 34 e mais adiante nas distingdes 81 — 84, da primeira parte. O mesmo ir acontecer também em outras partes do Corpus Juris (Canonici), que desde entio vai se formando com a promulgagiio das respectivas leis Para compreender corretamente as explicagdes que os canonistas deram d que, tal como os seus colegas romanistas, nio realizaram as investigagdes e estudos hist6rico-juridicos, © que s6 ocorreu mais tarde na escola dos cultos, ou seja, na escola juridica humanistica dos séculos XVI em diante, Nao devemos, portanto, nos surpreender que os glossadores, ou seja, a escola juridica classica, haja desconhecido — também no dominio da canonistica ~ uma eritica em sentido préprio das fontes e dos textos. leis, devemos considerar Isso é importante para o nosso assunto, pois ao falar de Graciano, imediatamente encontramos 0 fato de que na questo do celibato ecksiéstico, accitou como algo realmente ocortido no Coneilio de Nicéia a fibula histéria de Pathucio, e a assumiu, acriticamente, junto com o canon 13 do Conetlio Trullano Il de 691, a diferenga da praxis celibatéria da Igreja Ocidental e da Oriental, Embora essa no fosse uma ocasifio para ele justificar a razio das diferentes praticas da Igreja Latina, tanto ele como a escola clissica de Direito Canénico, colocam a atengo no motivo da diferente obrigagao na questio da continéncia do clero maior oriental. Vollaremos a falar desse diferente tratamento histérico do celibato na Tgreja Oriental. Temos de dizer agora, no entanto, que precisamente devido a essa negligéncia eritica as diividas ja existentes no Ocidente sobre esse assunto, e que Gregério VII e outros reformadores, incluindo especialmente Bemoldo de Constanga, tinham reconhecido, nfo produziram uma impressio decisiva sobre a escola canonistica, que reconheceu também as deliberagdes do Conetlio Trulano II como plenamente vilidas para a Igreja Oriental. Nesse mesmo Concilio, como veremos, foi fixada a disciplina celibatéria da Igreja Bizantina e das dependentes dela. No entanto, como jé mencionamos, nio existia entre os canonistas medievais nenhuma duivida sobre a obrigasao para a Igreja Ocidental da continéncia de todo 0 clero maior. E isso, na verdade, porque conheciam bem os documentos dos Coneilios ocidentais, os jé tratados anteriormente, sobretudo dos Conetlios afficanos (Graciano, no entanto, no demonstra conhecer o enon 33 de Elvira), dos Ponti Romanos ¢ dos Padres. Todos os canonistas estavam, em geral, de acordo com que a proibigao do casamento para os clirigos maiores devia ser atribuida aos Apéstolos — tanto ao exemplo deles, como as suas disposigdes. Alguns atribuiam aos Apéstolos a proibigio do uso do matrimdnio contraido antes da Ordenagao, outros 2 disposigdes legislativas posteriores, sobretudo dos Romanos Pontifices, comegando por Sirfaco. Tentavam explicar as razes sobre as que se baseia tal proibigdo, ainda que com argumentos em parte contrapostos. Uns a relacionavam com um voto, expresso ou tacito, ou com a Ordem anexa, ou com umn disposigao solene da legitima autoridade. Frente a dificuldade de que ninguém pode impor a outro um. votum, tratava-se de encontrar a solugdo na constatagdo de que no se tentava impor & pessoa, mas somente ao oficio, que trazia anexa esta condigdo. Que a Igreja pudesse fazé-lo no oferecia nenhuma diivida a qualquer canonista, que o explicavam com argumentos bem interessantes € convincentes. A doutrina que mais convence afirma que esta disposigdo podia ficar unida através de uma lei, sobretudo pontifica & Ordem Sagrada, e que isso era 0 que realmente tinha sido realizado desde os primeiros tempos da Igreja pelos Coneilios e pelos Romanos Pontifices, tanto para 0 caso dos bispos, como para os sacerdotes e diéconos. No caso dos subdiiconos, s6 havia sido decidido definitivamente a partir do Papa Gregério I. Nenhum canonista medieval duvidada, por outro lado, que esta obrigagao vinculava ilimitadamente desde 0 momento de sua introdugdo. E particularmente destacavel o fito de que alguns glossadores fagam referéncia explicta, como fontes da obrigagao da continéncia clerical, a normas meramente tradicionais, que jé existiam antes de sua prescrigdo legal, ¢ a que uma obrigagao originada por um voto nao era dispensdvel nem mesmo pelo Papa. Por esse motivo se inclinavam pela teoria que punha a causa eficiente da obrigagiio numa ki, pois o Papa sim podia dispensar de uma lei geral. De todos os modos, um bom nimero deles era da opiniio de que uma dispensa deste tipo podia ocorrer somente em alguns casos particulares € no em geral, porque isso equivalia 4 aboligo de uma obrigago contraria ao status ecclesiae, coisa que nem para o Papa era possivel Apis esta exposigao sintética do pensamento dos glossistas sobre o celbato eclesiistico, corretamente entendido, vigente na Igreja, vale a pena mencionar alguns dos mais importantes textos sobre nosso tema, que podem ser considerados especialmente representativos dessa doutrina. Primeiro devemos mencionar Raimundo de Pefiafort. Esse autor compés também o Liber Extra do Papa Gregério IX (parte central do Corpus Iuris Canonici) ¢ pode, pois, ser considerado como homem de confianga do Papa, ¢ é também representante qualificado da ciéncia canonistica, ja entéio bem madura, No que diz respeito & origem e ao contetido da obrigasio de continéncia dos homens casados antes da sagrada Ordenago diz: “Os bispos, sacerdotes ¢ diiconos devem observar a contingncia também com sua esposa (de antes). Isto ¢ 0 que os Apéstolos ensinaram com seu exemplo e também com suas disposig6es, como alguns dizem, para quem palavra “ensinamento” (Dist. 84, can. 3) pode ser interpretada de maneira diversa, Isso foi renovado no Coneitio de Cartago, como na citada disposigao Cum in merito do Papa Siriaco”, Depois de resumir outras explicagdes, se refere Raimundo as razdes para a introdugdo de tal obrigagdo: “a razio era dupla: uma, a pureza sacerdotal, para que possam obter com toda sinceridade o que com sua oragdo pedema Deus” (Dist. 84 , cap. 3 e dict. 1 p. ¢. 1 Dist. 31); “a segunda razio ¢ que possam. orar sem impedimentos (1 Cor 7, 5) ¢ exercer seu oficio, pois no podem fazer as duas coisas: servir 4 mulher e & Igreja, a0 mesmo tempo”. 1. A continuidade da doutrina da Igreja na [dade Moderna A continua vida de sacrificio que implica to grave compromisso s6 pode ser vivida se for alimentada por ume fé viva, j4 que a fraqueza humana é sentida continuamente. A motivagio sobrenatural sé pode ser entendida de modo permanente com essa {8, sempre conscientemente vivida. Se a ( se esftia, também diminui a forga para perseverar; onde a fé morre, morre também a contingncia, Todos os movimentos heréticos e cisméticos que apareceram na Igreja so uma renovada demonstragao dessa verdade, Uma das primeiras consequéncias que ocorem entre os seus seguidores é a reniincia da continéncia clerival, Nao pode, portanto, causar surpres defecgdes da unidade da Igreja Catdlica no século XVI, ou seja, entre os luteranos, calvinistas, seguidores de Zwinglio, ou Anglicanos, a reniincia ripida ao celbato eclesiistico. Os esforgos de reforma do Coneitio © fato de que também nas grandes heresias de Trento para restaurar a verdadeira f& e a boa disciplina na Igreja Catélica, portanto, deverdo também abordar os ataques contra a continéneia dos ministros sagrados, Da historia deste Conecilio jé € conhecida, com absoluta certeza, que muitas pessoas, especialmente imperadores, reis, principes e mesmo representantes da mesma Igreja, com a boa intengdo de recuperar os ministros sagrados que haviam deixado a Igreja Catélica, se empenharam em obter uma redugio ou uma dispensa desse dever. Mas uma comissio criada pelos Romanos Pontifices para tratar dessa questo, concluiu, considerando toda a tradi¢do precedente, que se devia manter sem comprometer a obrigagao do celibato: a Igreja nao estava capacitada para remunciar a uma obrigaco vilida desde seu comego e depois sempre renovada. Por razes pastorais se deu permissio especial para que na Alemanha e na Inglaterra apéstatas, depois de renunciar a toda convivéncia e utilizagao do casamento, podiam ser absolvidos € reintegrados ao seu ministério na Igreja Cat6lica. Caso rejeitassem o retomno ao clero, podia ser sanada a invalidez de seu matriménio; mas, nesse caso, seriam excluidos para sempre do ministério sagrado. Note-se também que os Padres do Coneilio de Trento, niio sé renovaram todas as obrigagdes nesta matéria, mas também se recusaram a declarar a lei do celibato da Igreja Latina como uma lei puramente eclesiastica, da mesma forma que haviam negado incluir 4 Virgem Maria sob a lei universal do pecado original. Mas a decisdio mais radical do Coneilio de Trento para salvaguardar o celibato eclesiéstico foi a fundagaio de Semindrios para a formag&o de sacerdotes, que foi estabelecido pelo famoso cnone 18, da Sessio XXIII, e imposta a todas as dioceses. Os jovens deveriam ser eleitos para o sacerdécio, formados e fortalecidos para © ministério nesses Seminarios. Essa decisio providencial, que se tornou realidade progressivamente em todos os lugares, permitiu 4 Igreja contar com tantos candidatos celibatérios para os graus superiores do sagrado ministério, que, a partir de entdo, se pode it prescindindo de ordenar homens casados, o que tinha sido um desejo explicito de muitos Padres conciliares, Desde entdo, a nogdo de celibato até entio dominante e muito presente na mentalidade dos figis, que incluia tanto a obrigago de contingncia completa no uso do matriménio contraido antes da ordenagdo, bem como a proibigao de se contrair novas nupcias, foi restringida a esta tikima. Dai procede que hoje se entenda o dever do celibato eclsiistico s6 como proibigdo de se casar. A Igreja tem sido sempre forte em preservar a sua tradigdio em relago ao celibato, mesmo nos tempos dificeis que se seguiram, Um claro testemumho é fomecido pela Revolugio do final do século XVIII e inicio do século XTX. Também se adotou nesta ocasido a pritica do século XVI: os sacerdotes que tinham se casado durante a Revolugao tinha de decidir: ou renunciar a0 matriménio civil invalidamente contraido, ou procurar sanar esta invalidez na Igreja. No primeiro caso, podiam ser readmitidos ao sagrado ministério; no segundo, ficavam exchiidos definitivamente do ministério, como jé havia estabelecido a primeira lei escrita sobre essa matéria, que jé conhecemos: a do Coneilio de Elvira. A Igreja se opés tambéma todas as outras tentativas feitas para abolir o celibato dos ministros sagrados, como os esforgos feitos em Baden-Wurttemberg em tempos de Gregério XVI, ou o movimento Jednota da Mohémia em tempos de Bento XV. sacerdotes E novamente importante a aboligdo imediata do celibato entre os “velhos catélicos” apds © Coneilio Vaticano I. Nao & menos clara a oposigto da Igreja contra as tentativas, constantemente renovadas apés © Conettio Vaticano Il, de ordenar a viri probati, quer dizer, homens casados sem exigir-Ihes a reniincia ao matriménio, ou de permitir 0 matriminio dos sacerdotes IV. O CELIBATO NA DISCIPLINA DAS IGREJAS ORIENTAIS. Foi dirigida contra a Igreja Latina a critica de que contra uma suposta atitude mais liberal no infcio, foi evohiindo a posigdes cada vez mais severas na sua disciplina celbataria, Como prova desta afirmagao se apela para a pratica da Igreja Oriental, que teria mantido a original disciplina da Igreja primitiva, Por esta raz, se diz, a Igreja Latina deveria retomar & disciplina original, especialmente por causa do grave peso que o celibato é hoje para a situagdo pastoral da Igreja universal. A resposta a esta declaragio e as correspondentes propostas depende da verdade ou ndo dessa condigfio da Igreja primitiva. O resultado da andlise histérica que temos feito sobre a pritica real celibatéria no Ocidente, suscita sérias dividas sobre a suposta exatido de tal parecer, Devemos, portanto, procurar uma clarificagdio do verdadeiro desenvolvimento do celibato na Igreja Oriental. E é isso que tentamos fizer nesta quarta parte da nossa exposigao. 1. O testemunho de Epiffinio de Salamina Em sua defesa da origem apostélica do celibato, C. Bickell recorreu principalmente a testemunhos orientais. ‘Vamos agora olhar para a histéria celibatéria no Oriente, apenas em linhas gerais, jé que no podemos analisar todos os testemunhos disponiveis. Mas de tudo 0 que se disse até agora (e do que acrescentaremos adiante) podemos ter um panorama aceitivel da verdadeira situagiio naquela Igreja Uma importante testermmha é 0 bispo de Salamina (posteriormente denominada Constancia) na iha de Chipre, Epiffnio (315 - 403). Ele ¢ considerado um bom conhecedor ¢ defensor da ortodoxia e da Tradigio da Igreja, uma vez que ele viveu quase todo o século quarto, Embora em alguns pontos, especialmente na Juta contra as idéias, como na questio de Origenes, demonstrou um menor zelo, seus testermnhos sobre os fatos e as condigdes de seu tempo, especialmente sobre questdes disciplinares da Tgreja, ndio pode ser facilmente posto em divida. Sobre a questio do celibato, ou contingneia dos ministros sagrados, faz. um tipico relato dos acontecimentos. Em sua obra principal, chamado Pananon, escrita na segunda metade do século IV, afirma que Deus mostrou o earisma do sacerdécio novo por meio de homens que tinham renunciado ao uso do tinieo casamento antes da Ordenago, ou que sempre viveram virginalmente, Isso, diz ele, é a norma estabelecida pelos Apéstolos com sabedoria ¢ santidade. No enttanto mais importante ainda & a constatag4o que faz no “Expositio fidei” acrescentada & obra principal. A Igreja, diz cle, apenas admite ao ministério episcopal c sacerdotal (também diaconal) aos que renunciam, através da continéncia, & sua propria esposa ou ficam viivos. Assim, continua, se vive onde se mantém fielmente as disposigdes da Igreja. Pode-se constatar que, em diferentes lugares, sacerdotes, diiconos e subdidiconos continuam gerando filhos. Mas isso néo est em conformidade com a norma vigente, mas é uma consequéncia da debilidade humana, que sempre tende ao que & mais ficil E depois, segue explicando, os saverdotes sto escolhidos especialmente entre os que sto celibatirios ou monges. Se entre eles no se encontram suficientes candidatos, s4o eleitos entre os casados que tenham renunciado a0 uso do casamento, ou entre aqueles que, apés um timico matriménio, ficaram viivos. Estas afimag6es de um homem conhecedor de muitas linguas e que viajou muito para o Oriente - dividido ja por muitas doutrinas — no primeiro século de liberdade da Igreja so um bom testemunho tanto da norma como da situagao real da questio do celibato na Igreja Oriental dos primeiros séculos. 1. Sao Jerénimo A segunda testerumha € ja conhecida, Sao Jerdnimo foi ordenado sacerdote na Asia Menor por volta do ano 379 ¢ ao longo de seis anos conheceu a doutrina e a discipiina oriental, bem como eclesiisticos & comunidades mondsticas. Apés ter vivido trés anos em Roma, eke retomou, através do Egito, a Palestina, onde permaneceu até a sua morte, por volta do ano 420. Esteve sempre em contato estreito e ativo coma vida de toda a Igreja, gragas as suas relagdes com muitos homens importantes do Ocidente Oriente, ¢ também gragas ao seu vasto conhecimento de varias linguas. Seu testenmnho explicito sobre a continéneia do clero ja foram ilustrados na terceita parte. Recordemos agora novamente sua obra Adversus Vigilantium, que, contrariamente aquele sacerdote da Galia meridional que despreava o celibato, invocou a pratica das Igrejas do Oriente, do Egito e da Sé Apostélica, nas que, segundo afirma, s6 aceitam clérigos virgens, continentes, e, se sdo casados, que tenham renunciado ao uso de casamento. Com isto conhecemos um testemunho sobre a posigdo oficial também da Igreja, sobre a continéneia dos ministros sagrados, No que diz respeito a legislagao dos Sinodos orientais, deve-se salientar que os Coneilios regionais anteriores a Nicéia, ou seja, os de Ancira e Neo-Cesaréia e 0 post-niceno de Gangra, falam efetivamente de ministros casados, mas ndo nos dio informagdes confidveis sobre a licitude de uma vida nfo continente apés a Ordenago, que vai mais akim de uma situago excepeional. Também nos sinodos particulares das diversas Igrejas cismaiticas do Oriente, que foram estabelecidas depois das controvérsias cristologicas, nas quais — como no Ocidente ~ houve um claro afastamento da pritica da disciplina celibataria, encontramos assim um testemunho por sua atitude oficial contraria & ortodoxia. 1. A questio do eremita Pafnucio O Coneilio de que devemos ocupar mais amplamente, em relagdo ao nosso tema, ¢ primeiro Coneilio Ecuménico, realizado em Nieéia, no ano 325. A tnica disposigdo sobre o celibato dos ministros neste primeiro Sinodo da Igreja Universal é 0 edinon 3, que probe que aos bispos, sacerdotes, didconos, e, em geral, todos os clérigos, que tenham em suas casa mulheres, introduzidas ali por subterfigio. A nica excegdo é para a mae, a ira, a tia ¢ outras que estejam para alm de qualquer suspeita, Como sempre, entre as mulheres que esto autorizadas & convivéncia com 0s sacerdotes, ndo se encontram as esposas. O fato de que no primeiro posto dos eclesiisticos sujeitos 4 probbigdo de coabitagdo estavam os bispos — para os quais, na Igreja Oriental, era sempre obrigatéria a continéncia no uso de um casamento anterior (0 que continua valido até hoje) — podemos perguntar se entre os Padres do Coneilo era firme a convicgdo de tal obrigagdio de continéneia. Em favor de uma conviegao e situagdo contréria para 0 caso dos sacerdotes, diiconos e subdiiconos se invoca uma noticia sobre um eremita e bispo do deserto no Egito chamado Pafimucio. Diz-se que esse personagem teria evantado sua voz no Coneflio para dissuadir aos Padres de sancionar uma obrigagaio geral de contingncia. Isso deveria ser deixado, segundo sua opinido, para a decisio das Igrejas particulares; ¢ se diz que tal conselho teria sido aceito pela assembleia Embora 0 conhecido historiador da Igreja, Eusébio de Cesaréia, que esteve presente como Padre conciliar e era favorivel aos arianos, ndo se refere a nada deste episédio. Certamente nao de menor importineia para toda a Igreja, as primeiras noticias do fato nos chegam cem anos depois do Conetlio, ¢ através de dois escritores eclesidsticos bizantinos: Sécrates e Sozmeno. Séerates indica que a sua fonte é um homem muito idoso, que tinha estado presente no Coneiflio e que teria contado virios episédios sobre fatos e personagens do mesmo. Cré-se que Sécrates nasceu em tomo de 380 ¢ escutou essa natragdo quando ele mesmo era bastante jovem de uma pessoa que no ano 325 nao podia ser uma crianga, que ndo pode ser considerado comp um testemunho consciente dos eventos do Conefio. Disto podemos conciuir faciimente a mais natural critica das fontes traz sérias diividas sobre a autenticidade desta narrago, necessitada de garantias mais firmes. Estas dividas, na verdade, ja foram levantadas precocemente no Ocidente, como jé foi dito, pelo Papa Greg6rio VII ¢ Bemoldo de Constanga nes merece atengdo o comentario de Val editor das obras de Sécrates e Sozimeno, que fez esta histéria em 1668 ¢ que Migne imprimiu em sua Patrologia Grega, vol. 67. © humanista de Valois, membro de uma familia de pessoas doutas, diz explicitamente que a histéria de Pathucio é suspeita, porque entre os Padres do Coneiio provenientes do Egito nio aparece tal bispo. E a correspondente passagem de Sozbmeno repete que a histéria de Pafiwucio deve ser uma fibula inventada, principalmente porque entre os Padres que assinaram as Atas do Conefio de Nicéia, no existe nenhum com este nome. Na tradugao latina de Casiodoro-Epifanio (Histéria Tripartida) deste episédio, é recolhido apenas um fragmento de dezesseis linhas da Histéria da Sozémeno, Em tempos mais r Recentemente, o estudioso alemiio Friedhelm Winckelmamn investigou esse incidente e concluiu que ele foi inventado, pois a reféréncia 4 pessoa de Pafftucio apareceu mais tarde. O nome dele s6 aparece em manuscritos tardios das Atas do Coneflo, ¢ alguns textos do século IV apenas o conhecem como confessor da f€, Posteriormente algumas lendas hagiogrétficas 0 elevarama mestre e foi citado como Padre do Concilio de Nicéia Mas o argumento mais convincente contra a autenticidade desse relato parece residir no fato de que precisamente a Igreja Oriental que deveria ter o maior interesse nele, ou no tinha conhecimento do mesmo, ou nfo o usou em nenhum documento oficial, por estar convencida da sua falsidade. E 0 mesmo pode ser deduzido do fato de que nao haja qualquer mengdo ou utilzag4o sobre Pafinucio, tanto nos escritos polémicos sobre o celibato dos ministros sagrados, como nos grandes comentadores do Século XII — Aristeno, Zonaras, Balsamon — do Syntagma canonum adauctum — ou seja, do cédice maior de direito da Igreja Oriental, estabelecido pelo Conefio Trullano de 691. Isso seria, de fato, mais ficil do que recorrer & manipulagdo de textos histéricos bem conhecidos, como veremps adiante. Sera necessério esperar até 0 décimo quarto século para que aparesa o relato no Syntagma alfabetcum, de Mateus Bhstares, que, contudo, parece que o considerou interessante para o Oriente sé através do Decreto de Graciano, No Ocidente, essa fabitficagao foi recebida de modo completamente acritico, ao menos pela canonistica, que se bascou, em parte, para reconhecer uma determinada disciplina celibatéria particular, diferente da Igreja Oriental. O Concilio Trullano II, ao fixar oficialmente as regras sobre celibato valido na Igreja oriental, ndo fez qualquer referéncia a Pafitucio. 1. A ffagmentagio do sistema disciplinar no Oriente Isso leva-nos ao ponto central na histéria do celibato ministerial na Igreja Bizantina ¢ nas Igrejas Orientais a cla associadas. Algumas consideragdes preliminares ajudario a entender a questo corretamente. Como vimos até agora, um compromisso to oneroso, humanamente falando, como o celbato, sempre teve que pagar ao longo da histéria o tributo da debilidade humana. J Santo Ambrésio de Milio o testemunhou, afirmando que nem sempre correspondia 0 cumprimento com o preceito, sobretudo nas regides mais remotas; também no Ocidente, © mesmo assinalava Epifinio de Salamina falando do Oriente. Adverte-se, portanto, com claridade que hi uma necessidade de permanente atengo e uma ajuda constante para manter essa pritica. No Ocidente, os Coneflios regionais e os Papas no cessaram de intervir, exortando & observancia do celibato e para sustenté-la em todas as suas formas, garantindo o cumprimento do compromisso assumido, tio necessario para a Igreja Tudo indica, porém, que essa atengao constante se perdeu no Oriente. Isso pode ser comprovado, por um lado, pela histéria dos Coneilios regionais orientais. Certamente se pode notar o efeito benéfico dos esforgos comums a toda a Igreja Universal, presentes nos Conetlios Ecuménicos convocados no primeiro milénio, no Oriente. Mas esses esforgos sc referem especialmente a questdes dogmiticas ¢ doutrinais. Os problemas disciplinares e de natureza pastoral eram enviados as assembléias das Igrejas particulares, tanto para responder as diferentes circunstincias das diferentes regides, como, sobretudo, por razio da organizagdo patriarcal (Constantinopla, Antioquia, Alexandria, Jerusalém). Isso dava, e implicava, certa autonomia de governo, ainda mais acentuada pela separago de muitas Igrejas particulares, vitimas em maior ou menor grau de heresias, especialmente cristologicas, que agitavam o Oriente. Por essa razio, o Oriente como tal, no pode chegar a uma atitude sistematicamente concordada em questdes disciplinares, nem sequer sobre questes comuns de disciplina geral eclesiistica, como o celibato dos ministros sagrados. Cada Igreja particular emanava suas préprias regras, nuitas vezes diferentes, em fiango da diversidade de convicgdes. Faltava, portanto, uma autoridade universal, reconhecida como tal por todo o Oriente, que poderia proporcionar uma efetiva coordenago da disciplina geral e que poderia tomar medidas eficazes de controle, vigitincia ¢ execusao. Esta situagdo se reflete clramente naquelas recopilagdes de normas da Igreja Oriental, que contém as prescrigdes dos Concilios Ecuménicos e dos Conetlios particulares dos primeiros séculos. Mas a legislago dos séculos sucessivos no foi incluida na recopilagio comum formada anteriormente, o Syntagma canonum. Em lugar das disposigdes papais, que foram to importantes para a coordenagao geral da diseiplina no Ocidente, foram recolhidos fragmentos de textos dos principais Padres Orientais, que cram por natureza ascética, Também foram recolhidas leis imperiais em matéria eclesiastica, ffuto do cesaro-papismo reinante na Igreja Bizantina, que eram realmente normas vinculantes que davam certa uniformidade nos pontos disciplinares de que tratavam. Da disciplina ocidental, tanto particular como geral, 0 Oriente aceitou, na sua recopilagao mais comum de dircito cclesiistico, apenas a da Tgreja Afticana que cra mais conhecida mais pr6xima, ainda que pertencia a0 Ocidente romano, Alm disso, a colegdo mais importante e extensa, o Codex canonum ou Codex canonum Ecclesiae africanae in causa apiarii - causa na que tinha sido interpelado 0 Oriente = foi introduzido no seu Syntagma. Pela posigdo e influéncia exercida no Oriente pelos imperadores, existem os chamados Nomocanones, recopilagdes nas quais eram reunidas leis eclesiisticas e leis estatais de matéria eclesiistica; a observancia dessas leis nos terrtérios orientais da Igreja, que ainda estavam sujeitos ao imperador, estava sob a responsabilidade deste. Com tal situagao na Igreja oriental, se explica tambéma falta de uma ago eficaz geral contra a tentagdo sempre presente de ceder na observancia do dever do celibato dos ministros sagrados. O que se manteve em quase todo 0 Oriente, pelo menos para os bispos, foi a antiga tradi¢ao da continéncia completa, inciuindo aqueles que se tinham casado antes da Ordenagdo, pois nnitos haviam sido eketos entre os monges. Entretanto se fi lentamente julgando impossivel deter 0 uso, cada vez mais estendido, do matriménio contraido antes da Ordenagio por parte de sacerdotes, diéconos e subdisconos, e, ainda muito menos recuperdvel, a obrigago da continéncia completa. Isso significa que, de fato, se cedeu ante a situagdo. Nao se deve surpreender de que as primeiras leis que sancionaram esta situago foram leis imperiais, posto que, nao inspiradas certamente em consideragées teolbgicas, tratavam de regular as condigdes civis concomitantes com 0 ministério sagrado, De fato, enquanto 0 Cédigo Teodosiano (ano 434) mostrou que a continéncia pode ser guardada, ainda que se permita & mulher habitar com o marido também depois da Ordenago, pois o amor & castidade nio exige expulsi-la de casa (sempre que o comportamento dela antes da Ordenago do marido tenha demonstrado que ela ¢ digna dele), a legislagao do Imperador Justiniano I em matéria eclesiistica, por sua parte, tanto no Cédigo (ano 534) como nas “Novellae” (535-536), manifesta uma atitude diversa, Ainda se mantém a proibigo de admitir na Ordem sagrada ao que se tivesse casado mais de uma vez, assim como a de casar-se depois da Ordenagdo, e isto para todos os graus, desde 0 sub-diaconado em diante. Mas agora se permite a coabitagio com a esposa aos sacerdotes, didiconos ¢ subdifconos com o fim de que possam continuar usando do matrimdnio, sempre que houvesse sido coniraido uma s6 vez.e com uma virgem. 1. A Legislagdo do II Coneitio Trullano. Qual foi, entio, a legislagdo da propria [greja Oriental frente as essas disposigdes imperiais? Como ja foi referido, no Oriente hi uma atividade que é desenvolvida em conjunto com a Igreja Ocidental sobre questdes de f€, mas nunca chegou a uma legislago comum em matéria disciplinar. Uma ver que 0 Conetlio Trullano I, dos anos 680/81, ndo tinha emitido disposigdes disciplinares, 0 imperador Justiniano II convocou um segundo Coneilio “em Trullo”, no Outono de 690. Nele se tentou reunir toda a legislagdo disciplinar da Igreja bizantina, e decidir as necessarias atualizagdes e complementos, inchuindo a kegalizagio de situagdes carentes, de fato, do necessério suporte normativo. Isso foi feito através da promulgagdo de 102 cdnones, que foram acrescentados mais tarde ao antigo Syntagma adauctum, transformando-se dessa forma no titimo Cédigo da Igreja Bizantina. Toda a disciplina atualizada no que respeita ao celibato foi fixado de forma vinculativa e com sangbes adjuntas em sete canones (3, 6, 12, 13, 26, 30, 48). Este Concilio II “em Trullo”, também chamado Quinisexto, foi um Conetlio da Igreja Bizantina, convocado e frequentado somente por seus bispos mantido pela sua autoridade, que se apoiava de modo decisivo na autoridade do imperador. A Igreja Ocidental nio enviou delegados (embora Apocrisirio, o legado de Roma em Constantinopla, assistiu a esse Coneflio) ¢ nunca reconheceu este Coneilio como ecuménico, apesar das repetidas tentativas e pressdes, especialmente por parte do imperador. O Papa Sérgio (687-701), que procedia da Siria, negou 0 reconhecimento, Joo VIII (872-882) sé reconheceu as disposigdes que nao eram contratios a pritica de Roma cm vigor até aquele momento. Qualquer outra referéncia por parte dos Romanos Pontifices aos cénones “‘trullanos” ndo deve ser considerada como outta coisa alm de uma considerago, com um reconhecimento mais ou menos explicito do direito particular da Igreja Oriental, Entdo, de que fontes derivam as decisdes “trullanas” sobre disciplina celibatéria bizantina, vinculantes até hoje? Para responder adequadamente a esta pergunta, & necessério considera antes tais disposiy S. Cén, 3: Decide que todos os que depois do batismo tenham contraido um segundo matriménio ou tenha vivido em concubinato, bem como aqueles que se tinham casado com uma viva, uma divorciada, uma prostituta, uma escrava ou uma atriz, nio poderiam tornar-se nem bispos, nem sacerdotes, nem didconos. Cén, 6: Declara que aos sacerdotes e didconos no estado autorizados a se casar apés a Ordenagao. s a Ordena Can, 12; Ordena que os bispos néio podem, apé nfo podem mais usar do matriménio; , coabitar com sua esposa e, por conseguinte, Can, 13: Estabelece que, ao contrario da pritica romana que proibe 0 uso do matriménio, os sacerdotes, diiconos ¢ subdiéeonos da Igreja oriental, em virtude de antigas prescrigdes apostélicas, podem conviver com suas esposas € usar dos direitos do casamento para a pertigo e ordem correta, exceto nos tempos em que prestam o servigo no altar ¢ celebram os sagrados mistérios, devendo ser continentes durante este tempo. Esta doutrina havia sido afirmada pelos Padres reunidos em Cartago: “os sacerdotes, diiconos e subdidconos devem ser continentes durante o tempo do seu servigo ao altar, tendo em vista o que foi transmitido pelos Apéstolos ¢ obscrvado desde os tempos antigos também nés 0 custodiemos, dedicando um tempo para cada coisa, especialmente orago e ao jejum, Assim, pois, os que servem no altar devem ser em tudo continentes durante o tempo do seu servigo sagrado para que possam obter o que se pedema ‘Deus com toda simplicidade.” Portanto quem ouse privar mais alm do que estabelece os eénone: apostélicos, aos ministros in sacris, quer dizer, aos sacerdotes, didconos ¢ subdiiconos, da unido e comunhio com as legitimas esposas, deve ser deposto, bem como aquele que, sob o pretexto de piedade, expulsa a sua esposa ¢ insiste na separagio, én, 26: Decreta que um sacerdote que por ignorancia houvesse contraido casamento ilicto tem de se conformar coma sua situago anterior, mas abstendo-se de todo ministério sacerdotal, Esse matriminio deve ser dissolvido e toda a comunho com a esposa est proibida. Cn. 30: Permite que os que, com consentimento miituo, querem viver continentes, néio devem habitar juntos; isso é valido também para os sacerdotes que residem em paises birbaros (isso é entendido como os que vivem no terrtério da Igreja Ocidental). Esse compromisso assumido é, no entanto, uma dispensa dada a esses sacerdotes por sua pusilanimidade e pelos costumes das pessoas ao redor. Cn: 48: Manda que a mulher do bispo que, apés consentimento miituo, se separou, deve ingressar num masteiro depois da Ordenasiio do marido e deve ser mantida por ele, Pode também ser promovida & diaconisa, Dessas disposigdes conciliares resulta 0 seguinte: 0 Oriente conhece bem a disciplina celibataria do Ocidente. Apela, como no Ocidente, como apoio a pratica diferente, a uma tradig%o que remontaria até os Apéstolos. De fito, a Igreja Bizantina concorda na legislago trullana coma Igreja Latina nos seguintes pontos, que como no Ocidente, se findamenta nos textos sagrados do Novo Testamento: 0 casamento antes da sagrada Ordenagaio deve ter ser apenas um, e no com uma viva ou com outras mulheres que a lei exchii. Nao é legitimo um primeiro ou sucessivo casamento apés a Ordenagdo. Os bispos néio podem mais ter convivéncia matrimonial coma esposa, mas devem viver em plena continéncia, e por isso as mulheres no podem viver com eles, mas devem ser mantidas pela Igreja. © Oriente exige ainda o ingresso das esposas mum mosteiro oua ordenago dessas como diaconisas. A diferenga substancial da pritica da Igreja Oriental se refere s6 aos graus da Ordem sagrado inferiores a0 episcopado. Para estes, a abstengo do uso do matriménio se exige somente durante o tempo do servigo efetivo no altar, que entdo estava limitado ao domingo ou a outro dia da semana, Encontramos aqui, portanto, uma volta & pratica vigente no Antigo Testamento que a Igreja havia rejeitado sempre explicitamente com razBes claras. Pelo contririo, a convivéncia e o uso do matriminio durante 0 tempo livre do servigo direto no somente ¢ defendido aqui com grande resolugo, mas que qualquer atitude contraria ¢ castigada com gravissimas sang6es. A compreensivel excego para os sacerdotes que residem na Igreja latina € declarada como uma dispensa que se concede s6 por causa da evidente debilidade humana de tais sacerdotes e pelas dificuldades que provém do ambiente, entre as quais esta certamente o fito da geral pritica de contingncia do clero ocidental 1. Motivos da nova disciplina adotada: a mudanga dos textos Os Padres do Concfio II Trullano no podiam encontrar nos seus documentos motivos para a distingdo entre as duas posig6es, Provavelmente no queriam fazer referencia a0 Antigo Testamento porque, como ja vimos, nos argumentos ocidentais ¢, sobretudo nas disposigdes dos Romanos Pontifices a favor da completa continéncia, se rejeitava explicitamente e com razSes convincentes este paralelismo como inadequado em relagdo ao sacerdécio do Novo Testamento. Mas tinham menos motivos ainda para apelar a legislagao imperial que havia antecipado as decisdes eclesidsticas ante uma situagdo possivelmente j4 generalizada Posto que em Constantinopla tivesse consciéncia da fisidade do relato de Paffucio, nfo restava mais possibilidade para recorrer a testemunhos da antiguidade crista, que nao procedesse da Igreja de Constantinopla, mas de uma Igreja vizinha & deles, cujos cdnones disciplinares tinham sido jé incluidos no proprio Cédigo geral. Assim havia sucedido com os cénones do Cédigo alficano que tratavam expressamente da contingncia clerical e também faziam referéncia aos Apéstolos e a tradigo antiga da Igreja Um vez que tais cdnones afirmavam a mesma disciplina, isto ¢, da completa continéncia, para bispos, sacerdotes e didconos, devia ser modificado o texto auténtico dos cdnones afticanos. Nao era algo perigoso, pois no Oriente realmente muito poucos podiam verificar o latim genuino do texto original. Deste modo as palavra do canon 3 de Cartago: “gradus isti tres (..,) episcopos, preshyteros et diaconos (..) continentes in omnibus”, foram substituidos no cAnon 13 do Coneilio Trullano por estas outras: “‘stub- diaconi (...) diaconi et presbyteri secundum easdem rationes a consortibus se abstineant”, sendo que as palavras “easdem rationes”, opostas &s palavras do texto original de Cartago, representavam as mudangas introduzidas pelos Padres trullanos. Mas em todos estes textos, documentalmente manipulados, se conserva, ou melhor, se busca a referéneia aos Apéstolos e a Igreja antiga para dar ao celibato bizantino e oriental, através destes testemunhos autorizados, 0 mesmo fimdamento que tinha a tradigo ocidental, explicitamente indicado por ela em Cartago € noutros lugares. Que podemos dizer diante deste procedimento trullano? Os Padres orientais se sentiam, niio ha diividas autorizados para decretar disposigdes particulares para a Igreja Bizantina, posto que desde nmito tempo antes haviam insistido em sua autonomia juridica no Ambito da administrago e da disciplina. Somente se sentiam obrigados pelas decisdes doutrinais da Igreja universal estabelecidas em Conefios Ecuménicos nos quais também cles tinham participado. Pode-se, desde ja, reconhecer naqueles Padres — que estabeleciam as normas de validade geral na sua Igreja — o direito de levar em conta s6 a situago de fato na questo do celibato dos ministros sagrados, para a que viam possibilidade de reforma frutuosa. Que isso fosse possivel em um campo no que, como 0 caso do celibato, esté implicada a Igreja Universal é outra questo. Mas 0 que sem dtivida podemos negar ¢ 0 direito a faz8-lo com este método, ou seja, mediante uma manipulago dos textos que transforma a verdade na sua contréria, Para a Igreja Catélica Ocidental, esta atitude dos Padres trullanos pode ser considerada com uma prova a mais, e nao sem importincia, a favor da propria tradigio celibatiria, que se considera apostdlica e se fundamenta realmente sobre uma consciéneia comum a Igreja Universal antiga; por isso a tradigo celibatiria ocidental deve ser considerada verdadeira e just. Devernos ainda nos perguntar o que diz a histéria sobre essa mudanga ditigida a obter uma base de apoio ara as novas e até agora defintivas obrigagdes do celibato na Igreja Oriental. Os comentarios dos canonistas da Igreja Bizantina a essa leitura dos cdnones afficanos permitem compreender que conheciam o texto original auténtico, e que desde o século XVI em adiante — como, por exemplo, o comentirio de Mateo Blastares — recolhiam diividas sobre a exatido das referéncias dos Padres do Coneilio Trullano II aos textos afficanos. Os intérpretes modemos das disposigdes trullanas sobre o celibato admitem a inexatiddo das referéncias, mas ao mesmo tempo afirmam que 0 Conefio tinha autoridade para mdar qualquer lei disciplinar para a Igreja Bizantina, e para adapté-la 4s condigdes dos tempos. Fazendo uso desta autoridade podiam também mudar o sentido original dos textos para fazé-los concordar com o parecer e a vontade do proprio Coneilio, Mas com toda certeza no era objetivamente lito alterar 0 original atribuindo a esse uma autenticidade falsa. A historiografia do Ocidente reconheceu ha muito tempo e se manifestou também por escrito desde o século XVIa manipulagao feita pelo Coneflio Trullano II sobre os textos aiticanos referidos & contingncia dos ministros sagrados. Cito, por exemplo, a Bardnio e, sobretudo, aos editores das diversas colegdes de textos coneciliares, entre os quais se destaca J. D. Mansi. Falta-nos ainda fazer uma referéneia as marcas da genuina disciplina celbataria antiga que permaneceu até nossos dias na nova disciplina trullana, quer dizer, 4 constante preocupago da Igreja pelo perigo grave continuo para os ministros sagrados e sua continéncia, que é a coabitagdo com mulheres que estejam acima de qualquer suspeita. Seguindo ao ja referido canone 3 do Conetlio de Nicéia, de 325, os mesmos cAnones trullanos, examinados anteriormente, tratam dele repetidamente, Semelhante preocupagdo se deve somente pela solicitude geral para salvaguardar a castidade e a contingncia dos ministros sagrados em ambas as Igrejas. O fato de haver conservado para os bispos da Igreja Oriental a mesma severa disciplina sobre a contingneia que se praticou sempre em toda a Igreja, pode ser considerada como um residuo na legislagao trullana de uma tradi¢Go que sempre considerou unidos a todos os graus da Ordem Sagrada numa mesma obrigagdo de completa continéneia. Também nao se compreende porque se conservou, com todo rigor, na Igreja Oriental a condigao de admitir um iinico matrimonio entre os candidatos ao sacerdécio casados. Como jé vimos (e veremos mais detalhadamente) essa condigio tem sé um significado razoavel em fimgdo de um empenho definitive na contingneia completa. Bainda pouco compreensivel a proibigdo absoluta de se contrair matriménio depois da sagrada Ordenaso, que se mantém ainda quando aos ministros sagrados, desde o sacerdote até abaixo, thes esté permitido 0 uso do matriménio. Ao que se refere as inovagGes oficialmente introduzidas pelo Coneflio Trullano na ques clérigos, que reconduzem 0 conceito neo-testamentério do ministro sagrado ao conceito levitico do Antigo Testamento, devemos nos perguntar como se podia continuar fazendo isso quando o servigo efetivo do altar se estendeu, também na Igreja Oriental, a todos os dias da semana, Se fossem consideradas as razbes adotadas para 0 uso do matriménio por parte dos sacerdotes vetero-testamentirio, deveria ter voltado & completa contingncia dos sacerdotes, didconos e subdidconos tal como se praticava no Ocidente, em atengdo as disposigdes do mesmo Conefio Trullano. Mas isso ndo se fez em nenhuma parte e desse modo o servigo do altar e 0 ministério do Santo Sacrificio foram desligados da continéncia, apesar de que sempre haviam estado unidos a ela, pois eram considerados seu motivo ttltimo. tio da continéncia dos Nas Igrejas particulares unidas 4 Bizantina, que aceitaram a disciplina trullana, ndo se verificou nos séculos seguintes nenhuma mudanga na praxis do celbato dos ministros sagrados. As comunidades orientais que se uniram a Roma foi concedido poder de continuar na sua tradigo celibatdria diferente, Mas o retomo dos “uniatas” 4 praxis latina de continéneia completa nido s6 nao encontrou oposigao, mas também foi positiva ¢ favoravelmente aceita. O reconhecimento da diversidade de disciplina concedido pelas autoridades centrais de Roma pode ser considerado como um nobre respeito, mas dificilmente como aprovagao oficial da mudanga da antiga disciplina da contingncia, Essa opinido parece estar sustentada pela reagdo oficial que teve a Santa Sé frente a0 Conefio Trullano II, como ja assinalamos anteriormente. V. FUNDAMENTOS TEOLOGICOS DA DISCIPLINA DO CELIBATO: No atual debate sobre celbato, se dé maior énfase na necessidade de aprofindar teologicamente no sacerdécio a fim de dedurir a verdade e apreciar a verdade tmica e completa da teologia do celibato da Igreja Catélica Latina, Temos, portanto, por esse motivo, a tarefa atual ¢ importante de analisar os elementos teol6gicos tanto do sacerdécio do Novo Testamento como, a partir deste, o celibato dos ministros sagrados. Ambos tém suas raves nas Escrituras — a principal fonte da Teologia catélica —e na Tradigao da Igreja que revela e interpreta © testemunho escrituristico. O sacerdécio de Jesus Cristo ¢ um profindo mistério da nossa f&. Para compreender isso, o homem deve se abrir para uma visio sobrenatural e submeter a sua razo a um modo transcendente de pensar. Em tempos de #€ viva, que incentiva e orienta nio sé a cada fiel como pessoa tinica, mas também permeia a vida e dé forma 4 vida de toda a comunidade crente, Cristo Sacerdote constitui na consciéncia de todos o centro da vida de f€ pessoal e comumitéria, Em tempos de deciinio do sentido da f8, pelo contrério, a figura de Cristo Sacerdote desbota e desaparece cada vez mais da conscigncia dos homens e da sociedade, e no esté mais no centro da vida erista, Esta mesma imagem ¢ também aplicavel no caso de um sacerdote de Cristo. Em tempos de f& viva, na verdade nio ¢ dificil ao sacerdote reconhecer-se em Cristo, identificar-se com Ele, contemplar e viver a esstneia do proprio sacerdécio em intima uniio com Cristo Sacerdote, ver nele “a tinica fonte” ¢ 0 “modelo insubstitutvel” da propria condigao sacerdotal. Mas, em meio a uma atmosfera racionalista que desvia cada vez mais a mente humana do sobrenatural, em uma época de materialismo que obscurece cada vez mais a realidade espiritual, toma-se cada vez mais dificil para o sacerdote resistir 4 pressdo da mentalidade secularizante, A identidade espirtual e transcendente de seu sacerdécio tende a desvanecer se ele milo se esforga, conscientemente, em aprofindar nela e em manté- la viva, por meio de uma intima unio pessoal com Cristo. Essa erica situagdo toma ainda mais indispensvel a ajuda para os sacerdotes de uma ascética ¢ de uma mistica adequadas ao estado das coisas. E preciso que lhes revelem a tempo os perigos que ameagam ao seu sacerdécio, mostrando-lhes as necessidades e que se ponham a disposiydo os meios que a sua vida sacerdotal requerem, A atual crise de identidade do sacerdécio catélico se manifesta toda sua crueza através da renincia de milhares de sacerdotes ao seu ministério, através também da profunda seculatizagiio de muitos outros que continuam em um servigo puramente formal, ¢, enfim, através da escassez de vocages causadas pela rejeigdo a seguir a0 chamado de Cristo. Numa situagdo desse tipo é uma necessidade fimdamental para desenvolver uma pastoral sacerdotal nova, que scja consciente das cireunstineias ¢ das exigéncias atuais que responda, em uma palavra, ao “contexto presente”. 1. A relagdo sacerdotal com Cristo Temos de fazer brihiar com nova hu sobre o findamento da tradigdo, a esséneia do sacerdécio catdlico. O Concilio de Trento, em um momento de crise semelhante ao nosso, estabeleceu com os seus ensinamentos & definigdes sobre os sacramentos da Eucaristia ¢ da Ordem, as bases de uma espititualidade sacerdotal fortemente referida a Cristo. Um tedlogo como M. J. Scheeben soube explicar, frente ao racionalismo do século passado, que a Ordenagdo eleva a quem a recebe a uma orginica unidade sobrenatural com Cristo, e que o cariter indelével impresso pelo sacramento da Ordem habilita ao ordenado para participar nas fangdes sacerdotais de Cristo. Nos tiltimos tempos, especialmente desde o Vaticano II em diante, esta relago do sacerdote com Cristo tem sido cada vez mais posta no centro da esséncia do sacerdécio, e se péde aprofiandar e alargar desde perspectiva os ensinamentos biblicos e as doutrinas teolégicas e canénicas sobre o assunto. Tem, assim, adquirido uma nova ilaminagao teoWgica a doutrina tradicional do sacerdos alter Christus. Se Sdo Paulo escreve a -orintios: “Temos de ser considerados pelos homens como ministros de Cristo ¢ dispensadores dos mistérios de Deus” (1 Cor 4, 1); ou entdo: “Agimos como embaixadores de Cristo, como se Deus mesmo vos exortasse através de nds. Suplicamos-vos, pois, em nome de Cristo, deixai-vos reconeiliar com Deus” (2 Cor 5, 20), essas expressdes podem ser consideradas como auténticas itustragdes biblicas da identificagdo do sacerdote com Cristo. No Coneilio Vaticano II é continuamente expressa a mesma idéia: “Os bispos, de modo eminente e visivel, fagam as vezes de Cristo Mestre, Pastor e Pontifice, e atuem em sua pessoa” (Lumen Gentium n° 21, com a nota 22, onde se documenta sobre a Igreja antiga). “Os sacerdotes a eles unidos sao participes do oficio de Cristo, iinico Mediador, e exercitam o seu sagrado ministério agindo in persona Christi (Lumen Gentium n, 28 coma nota 67; Christus Dominus n, 28). Através do sacramento da Ordem e do cariter por ele impresso, so configurados a Cristo e atuam em seu nome (Preshyterorum Ordinis m. 2, 6, 12; Optatam totius n. 8; Sacrosanctum Concilium, n.° 7). Apés 0 Coneilio aumentou essas formas de expresso também por parte da Curia Romana. A Congregacdo para a Educagio Catélica, nas normas fandamentais para a formago dos sacerdotes de 1970, acentuou em uma afirmagdo de principio que o sacerdote se faz, através da Ordem Sagrada, um “alter Christus”. Eo novo Cédigo de Direito Canénico de 1983 diz no canon 1008: “Como sacramento da Ordem e como carter indelével com o que ficam marcados aqueles que o recebem, os ministros da Igreja sto consagrados ¢ destinados a reunir-se, cada um no seu préprio nivel, os cargos de ensinar, santificar e govemnar in persona Christie de pastorear 0 povo de Deus.” De uma forma ainda mais intensa, tem se ocupado do sacerdécio e do ministério dos sacerdotes, desde o inicio do seu pontificado, o atual pontifice, Jofio Paulo Il. Desde 1979, nas Quintas-Feiras Santas de cada ano, dirige uma mensagem aos sacerdotes. Em repetidas vezes utiliza ocasides especialmente adequadas audigneias, discursos e, especialmente, as fieqilentes ordenagdes sacerdotais — para posicionar na sua justa luz, teologica e pastoral atual, a natureza e a esséncia do sacerdécio catélico, bem como a aprofindar o seu significado mais importante ato oficial do Papa, com referéncia ao sacerdécio foi, sem duivida, a convocagao ea realizagiio do Oitavo Sinodo dos Bispos, que teve por objetivo a formagiio dos sacerdotes nas circunsténcias atuais, Um dos pontos centrais das discussdes dos Padres sinodais fbi a nogao justa da identidade sacerdotal, vistas as coisas no mundo de hoje ¢ em meio a grave crise em que se encontra 0 sacerdécio catélico. Sintese e coroagao dos trabalhos sinodais foi a Exortagao Apostélica pés-sinodal Pastores dabo vobis, publicada em 25 de margo de 1992, dedicada precisamente & formagao dos sacerdotes nas circunstancias atuais. No segundo capitulo da Exortagio Apostélica, 0 Papa aborda a “natureza e a missio do sacerdécio ministerial” e informa expressamente que as intervengdes dos Padres na aula sinodal “mostrou a conscigncia do vineulo ontolbgico especifico que liga 0 sacerdote a Cristo, Sumo Sacerdote e Bom Pastor” (n, 11). O Papa conelui essa exposigdio com uma afirmagdo verdadeiramente ckissica: “O presbitero encontra a plena verdade da sua identidade no ser uma derivag4o, uma patticipagao especifica e uma continuagaio do mesmo Cristo, Sumo ¢ Etemno Sacerdote da Eterna Alianga; Ele é uma imagem viva ¢ transparente de Cristo sacerdote. O sacerdécio de Cristo, expresso da sua absoluta “novidade” na hist6ria da salvagdo, é a nica fonte ¢ o paradigma insubstituivel do sacerdécio do cristio, e, especialmente, do presbitero. A referéneia a Cristo, ento, & a chave essencial para a compreensio das realidades sacerdotais” (n.° 12, ao final) Sobre a base desta afinidade natural entre Cristo e os seus sacerdotes no ser dificil anunciar a teologia do sacerdécio ministerial. O mesmo Jodo Paulo II oferece-nos novamente a chave: “E particularmente importante que o sacerdote compreenda a motivacao teolbgica da lei eclesidstica sobre o celibato. Enquanto lei, ela expressa a vontade da Igreja, antes mesmo da vontade que o sujeito manifesta com a sua disponibilidade. Mas essa vontade da Igreja encontra sua motivagdo titima na relagdo que o celibato tem com a ordenacao sagrada, que configura ao sacerdote com Jesus Cristo, Cabega e Esposo da Igreja. A Igreja, como esposa de Jesus Cristo, quer ser amada pelo sacerdote de modo total e exchusivo como Jesus Cristo Cabega ¢ esposo a tem amado. Assim o celibato sacerdotal é um dom de si em e com Cristo a sua Igreja, e manifesta 0 servigo do sacerdote & Igreja em ¢ com o Senhor “(n.° 29 até o final). 1. Fundamento histérico doutrinal 0 Um olhar para tris na Tradigdo da Igreja pode nos informar, também nes io, o desenvolvimento dessa Teologia. O que se pode dizer, em sintese, sobre esse aspecto, jé dissemos em parte, ao analisar os testemunhos da Igreja Primitiva sobre a continéncia dos ministros sagrados. Continuar com as referencias hist6ricas sobre o celibato, as referéncias 4 Sagrada Escritura e sua interpretagdo é certamente uma ajuda que pode ser fornecida 4 argumentago teologica dos Padres sinodais ¢ do Santo Padre, porque na Exortagdo Apostélica abunda as referéncias 4 Sagrada Escritura. A visio do celibato, do ponto de vista das Escrituras adquiriu, por outro lado, uma crescente importancia na literatura recente sobre o assunto. Ja na primeira lei escrita que conhecemos, no canon 33 do Coneilio de Elvira, estio obrigados & continéncia 0s clétigos positi in ministerio, ou seja, aqueles que server ao akar. Também os cdnones afficanos falam continuamente dos que servem ao altar e, por ser responsdvel pelo seu servigo, tocam os sacramentos; estes esto obrigados, por causa da consagragdo recebida, & castidade, 0 que, por sua vez, garante a cficdcia da oragio de petigao (impetratéria) diante de Deus. A este respeito, so particularmente importantes ¢ instrutives os documentos do Romano Pontifice que ‘tratam da continéncia celibataria, Sao constantemente consideradas e refitadas nos textos deles, a partir da Sagrada Escritura, duas objeges. A primeira é a norma que indica Sdo Paulo a Timéteo (1 Tim3, 2 ¢ 3, 12) € a Tito (1, 6): 0s candidatos casados devem ser sé unius uxoris, ou seja, ter sido casado apenas uma veze também com uma mulher virgem. Tanto o Papa Siricio como Inoeéncio | insistiram repetidamente em que esta expres 0 significa que eles possam continuar com o desejo de gerar filhos, mas, pelo contritio, foi estabelecida propter continentiam futuram, ou seja, devido 4 continéncia que deveria ser vivida desde entao. Esta interpretagdo feita pelos Pontifices da conhecida passagem da Escritura, que foi assumida pelos Coneilios, diz que quem tivesse a necessidade de se casar novamente, demonstrava com isso que nfio era capaz de viver a continéncia exigida aos ministros sagrados e nao podia, portanto, ser ordenado. Assim, essa norma da Escritura, em vez de umm prova contréria ao celibato, era uma demonstragdo a favor da continéncia celibatéria e ainda uma exigéncia dos Apéstolos. Essa disposigao se manteve viva no futuro. Na Glossa ordindria ao decreto de Graciano, isto é, no comentario comumente aceito dessa passagem (principio da Dist. 26), explica que existem quatro razSes para que um que foi casado duas vezes niio poderia ser ordenado. Depois de assinalar trés razdes espirituais, a quarta, de cardter pritico, diz que seria um sinal de incontingneia que um homem passasse de uma mulher para outra, Eo grande cheio de autoridade decretalista Hostiensis, o Cardeal decano Henrique de Susa, explica no seu comentirio as decretais de Gregorio IX (X, 1,21, 3 A palavra alienum), que a terceira razio das quatro dessa proibigo foi “porque se deve temer (neste caso) a incontinéneia”, Essa interpretaco do unius wxoris vir também era aceita no Oriente. [sto é provado pelo grande historiador da Igreja antiga, Eusébio de Cesaréia, que deve ser considerado bem informado, ja que, como ja afirmamos, participou no Coneflio de Nicéia e, como amigo dos arianos, tinha defendido 0 uso do matriménio por parte dos padres ja casados. No entanto diz expressamente que, comparando 0 sacerdote do Antigo Testamento como do Novo, se confronta a geragao corporal coma espiitual, e que nisso consiste o sentido do unius uxoris vir: em que aqueles que foram consagrados e dedicados ao cuito divino devem abster-se convenientemente, do momento da Ordenagiio em adiante, das relagdes sexuais coma esposa, ‘A probigdo apostélica de que nenhum casado duas vezes devia ser admitido as Sagradas Ordens tem sido observada, com todo rigor, através dos séculos ¢ se encontrava entre as irregularidades no Cédigo de 1917 (cin. 984, 4). Na canonistica clissica se ensinava que a dispensa desta proibigdo niio era possfvel nem pelo Sumo Pontifice, pois nem sequer cle poderia dispensar contra apostolum, isto é, contra a Sagrada Escritura Deve-se notar que também a legislagio do Conefio de Trullo mantém no seu cénon 3 a mesma proibigdo para sacerdotes, diéconos e subdisconos, ou seja, que os candidatos a estas ordens nao podiam estar sados com uma viiva ou com uma mulher que havia sido casada. $6 se queria — diziam os padres trullanos —atenvar a gravidade da Igreja Romana nesse ponto, concedendo aqueles que tinham pecado contra dita probigdo a possibilidade de arrependimento c peniténcia. Se antes de uma data posterior ao Sinodo tivessem renunciado a esse (segundo) casamento, poderiam permanecer no exercicio do ministéro, A fata de bgica nesta disposigdo do cénon 3, em comparagdo com o cénon 13 que permite aos sacerdotes e didconos 0 uso do matrimSnio contraido antes da Ordenagio, s6 pode ser explicado pelo fato de que aquela proibigdo apostélica estava também profiindamente enraizada na tradigo oriental, mas sem que se perceba ja o seu sentido original, Dai surge outra prova ticita do auténtico significado original, como garantia da total continéncia apés a Ordenagao, tal como permaneceu vivo no Ocidente, sempre aceito com fiel observancia por parte de Roma, Deve-se mencionar neste contexto de duas outras passagens das Escrituras que niio se encontram explicitamente nos testemunhos antigos, a segunda das quais vem hoje invocada contra a continéncia dos mesmos Apéstolos. Entre as qualidades que Sao Paulo exigia ao ministro da Igreja se encontra também a de ser “Encratés”, ou seja, continente. Este termo significa a continéneia sexual, como se deduz do texto paralelo no qual Sao Paulo exorta os figis casados continéncia, a necesséria abstinéncia para dedicar-se a oragiio, e também dos posteriores textos gregos sobre o celibato, reunidos, por exemplo, na colegdo oficial do Pedalion. ‘A segunda passagem da Escritura & encontrada em I Corintios 9, 5, onde Sao Paulo diz que também ele tem © direito de levar consigo uma mulher, como fazem os outros apéstolos, os irmiios do Senhor ¢ Cefas. Muitos interpretaram a expresso “mulher” como a “esposa” dos Apéstolos, que no caso de Pedro poderia ser verdade. Mas é preciso se ter claramente presente o fito do texto original grego nio falar simplesmente de “Ginaika”, que podia perfeitamente significar também esposa, Certamente nao sem intengdo, Sao Paulo acrescenta a palavra “adelfén”, ou seja, mulher “im”, 0 que exchii qualquer confiso mabentendido com esposa. Somos convencidos facilmente deste sentido retificador que, de aqui em adiante, os testemunhos mais importantes da continéncia dos ministros sagrados mostram que ao falar da esposa de tais ministros, no contexto da posterior continéncia sexual, sempre se usa a palavra “sdror”, ima, Do mesmo modo, a relagio entre marido e mulher depois da Ordenago do marido ¢ visto como 0 de um mio com sua irma. S40 Gregério Magno, por exemplo, diz: “Desde sua Ordenagao, o sacerdote amard sua sacerdotisa (ou seja, sua esposa) como a uma im”, © Coneilio de Gerona (ano 517) decidiu que “se tiverem sido ordenados aqueles que antes estiveram casados, nao devem viver junto com a que de esposa se tomou rma”, E 0 Conetlio de ‘Auvergne (ano 535), por sua vez, dispés que “quando um sacerdote ou um didcono recebeu a Ordenagio ao servigo divino, passa imediatamente de ser marido a ser irm¥io da sua esposa”. Este uso das palavras encontrado em muitos textos patristicos e concilares. 1. O ensinamento do Antigo Testamento E necessdrio agora que tratemos outro ponto que & muilas vezes invocado como um argumento contra a continéncia dos ministros nos primeiros séculos. Costuma-se apelar, como nitas vezes jé afirmamos, a0 Antigo Testamento, que, como sabemos, era legitimo e até mesmo necessirio 0 uso pleno do matriménio por parte dos sacerdotes e levitas, nos dias em que viviam em suas casas, livres do servigo do ‘Templo. A essa objegdo se pode responder de duas maneiras. Antes de tudo deve-se assinalar que o sacerdécio vetero-testamentirio havia sido confiado a uma tinica tribo que devia ser conservada, ¢ isso fazia necessério 0 matriménio. O sacerdécio do Novo Testamento nao foi definido, no entanto, como o sacerdécio de sucesso pelo sangue e no se baseia na descendéncia familiar. Um segundo ¢ mais importante argumento a favor da distingo entre um sacerdécio e outro diz: 0s sacerdotes do Antigo Testamento prestavam um servigo temporal limitado no templo, enquanto que os sacerdotes do Novo Testamento mantém um servigo permanente, por isso a obrigago temporal de contingncia e de pureza se estendeu a uma observincia ilimitada e continua. Como explicagdo convincente se recorre & passagem de Sao Paulo em I Cor 7, 5, na qual o Apéstolo aconselha aos esposos que ndo se recusem um ao outro, a ndo ser de comum acordo, por um tempo determinado e para dedicar-se 4 oragdo. Os sacerdotes do Novo Testamento, no entanto, devem rezar continuamente e dedicar-se a um servigo didrio ininterrupto, no qual, através de suas mios, é dada a graga do perdao ¢ ¢ oferecido o Corpo de Cristo. A Sagrada Escritura thes exorta a ser em tudo puros para este servigo e os Padres mandavam conservar a abstinéncia corporal. Os mesmos documentos também oferecem outros motivos de carter pastoral: como poderia um padre pregar sobre a continéncia e sobre a pureza a uma viiva oua uma virgem, se ele mesmo desse maior valor 0 trazer filhos a0 mundo que a Deus? Assim, a obje¢do contréria torna-se argumento a favor da continéneia ministerial. A partir dessas consideragdes se deduz uma imagem do sacerdote do Novo Testamento modelado sobre a vontade de Cristo, ¢ distinta substancialmente daquela imagem do Antigo Testamento, Esta titima foi configurada apenas como uma fungdo, limitada no tempo e puramente externa. Aquela, a0 contritio, implica por natureza a toda a pessoa do sacerdote, no extemo e no intemo, e, portanto, 0 seu servigo, Cristo exige ao seu sacerdote alma, coragdo, corpo, pureza ¢ continéneia em todo seu ministério como um testemunho de que ja nfio vive segundo a came, mas pelo Espirito (Rm 8, 8). O sacerdécio fimcional do Antigo Testamento munca pode ser um modelo do sacerdécio ontolbgico do Novo, configurado como de Cristo, Este supera 0 antigo sacerdécio essencialmente. Assim, aqueles que receberam a mensagem da salvagio de Cristo compreenderam, jé desde o inicio, a exigéncia de Mestre aos seus Apéstolos de chegar a renunciar inclusive o casamento pelo Reino dos Céus (Mt 19, 12), © que, como um discipulo em sentido rigoroso ¢ pleno deve estar disposto deixar pai, mic, esposa, filhos, irmalo ¢ imal (Le 18, 29; 14, 26). Também se entende assim as palavras de So Paulo si diversa relagdo com Deus dos celibatarios e dos casados (1 Cor 7, 32-33) ¢ 0 seu significado no que diz respeito ao celibato eckesiistico. bre a Foi tarefa da escola, ou seja, da canonistica clissica a partir do décimo segundo século em diante, descobrir, explicar e desenvolver as razes que ligam continéncia e sacerdécio neotestamentirio, Na historia do desenvolvimento cientifico do tema, brevemente descrito na segunda parte deste trabalho, se mencionou as dificuldades existentes entio para se chegar & elaborago de uma teoria satisfat6ria. Embora os antigos Padres tivessem ja entendido que a continéneia pertencia & esséncia do sacerdécio novo — como, por exemplo, quando Epifinio disse que 0 carisma do sacerdécio consiste na continéncia; ou Santo Ambrdsio que apontava a obrigagdo de rezar continuamente como o mandamento da Nova Alianga—, os glossistas, no entanto, foram ineapazes de construir uma teologia do ectibato, talvez porque eram demasiado pouco tedlogos. Em seus trabalhos sobre a disciplina celibatiria no Ocidente, estiveram também mito influenciadas pela disciplina oriental, cuja legitimidade tomaram por boa ao aceitar tanto a lenda de Paffuucio como a legislagdo trullana No entanto a partir dos documentos da Igreja Catélica sobre este assunto, tentaram desenvolver uma teoria na qual se continham os elementos essenciais para uma Teologia valida. Compreenderam, sobretudo, que a continéncia esta em relagdo estreita como ordo sacer, ¢ que essa lei tinha sido dada a Igreja propter ordinis reverentiam, pela reveréncia que € devida 4 Ordem, Também entenderam que a continéncia esti mais unida ao Sacramento da Ordem recebido que ao homem ordenado, o qual era livre de aceitar a Ordenagdo, sabendo que aceitava também a obrigagdo anexa. Desde a sintese realizada por Sao Raimundo de Pefafort, jé mencionado, se deriva com toda certeza que naquele tempo se tinha como verdadeiro motivo da continéncia clerical ndo tanto a pureza do ministro — que se adequaria nmito bem coma praxis oriental estabelecida no Coneilio ‘Trullano — quanto & eficéecia da oragtio mediadora do ministro sagrado, que procedia da sua total dedicago a Deus. De um modo geral eram apresentadas jé entdo as verdadeiras razées da perfeita contingncia: a possibilidade de rezar com liberdade, assim como a também completa liberdade de desenvolver o proprio ministério e para dedicar-se ao servigo da Igreja Embora a Teologia dos séculos posteriores até hoje, nao desatendeu a reflexio sobre 0 sacerdécio do Novo Testamento, a crise dos sacerdotes e das vocagdes ao sacerdécio nestas tihimas décadas ~ difmdidas ¢ ampliadas através dos meios de comunicagio social — exigin com urgéneia um especial aprofimdamento na matéria, O fundamento para isso tinha sido posto pelo Coneilio Vaticano II, sobre o que se baseou 0 ensinamento do Papa Joao Paulo II, que fez do sacerdécio um motivo particular do seu programa doutrinal ¢ pastoral desde o comego do seu pontificado. E significativo nesse sentido, que j4 na sua primeira mensagem aos sacerdotes, por ocasido da quinta-feira santa, dissesse sobre 0 celibato que a Igreja ocidental o quis no passado ¢ o quer no futuro enquanto que se “inspira no exemplo mesmo de Nosso Senhor Jesus Cristo, na doutrina apostélica e em toda a Tradigao que lhe é propria”. Nos anos seguintes voltou varias vezes a tratar © tema do sacerdécio e do celibato unido a ele e tem posto um grande empenho em fiear as ficeis demasiadas dispensas nesta maté O ponto mis alto dessas preocupa ma conscigneia pastoral constituiu a convocatéria, para outubro de 1990, do oitavo Sinodo dos Bispos, que devia abordar a questio da formagdo sacerdotal no contexto das circunstncias atuais, Isto foi feito de uma forma exaustiva através das vozes dos representantes do episcopado mundial, ¢ esta questo encontrou a sua mais perfeita expresso na Exortagio Apostélica Pés-sinodal Pastores Dabo Vobis, que pode ser considerada uma “Carta Magna” da Teologia do sacerdécio, e que permanecerd como norma autorizada no futuro da Igreja 1. A Teologia do celibato sacerdotal Nao é possivel fazer aqui um completo desenvolvimento deste tema, nem este é 0 objetivo da nossa exposigdo histérica, mas esta permite dar uma palavra final sobre a Teokogia do celbato sacerdotal, a qual esti intimamente relacionada coma Teologia do sacerdécio. A principal motivagio do celibato e da vontade da Igreja neste ponto é “a relagdo que 0 celibato tem coma sagrada Ordenagiio que configura o sacerdote com Jesus Cristo, Cabega ¢ Esposo da Igreja” (Pastores dabo Vobis, n. 29). Estas palavras podem ser consideradas 0 niicleo da Teologia do celibato desenvolvida pela Exortagao Apostélica e ¢ oferecida para ser meditada e colocada na base de qualquer desenvolvimento posterior. A partir desta afirmagdo central do documento papal, tentamos indicar, a partir do inicio desta quinta parte do nosso trabalho, os elementos da Teologia do celibato que jé estavam presentes na Tradigao, mas que tinham sido desenvolvidos de maneira insuficentes. Agora somos capazes de ver no s6 que todos estes elementos foram recolhidos e desenvolvidos sistematicamente na Exortago, mas também foram utilizados nek outros nio considerados antes. Deve ser valorizado, acima de tudo, neste sentido, aquilo que é afirmado no capitulo trés, especialmente nos nimeros 22 ¢ 23, acerca da “configurago com Jesus Cristo Cabega ¢ Pastor e a caridade pastoral”. Cristo nos é mostrado aqui no mesmo sentido de Ef'5, 23-32, como Esposo da Igreja, assim como ela € a tinica Esposa de Cristo. Em ligag’io com outros textos das Escrituras, nesta passagem da Exortago se contempla a profimda e misteriosa unido entre Cristo e a Igreja, que & colocado imediatamente em relagdo com o sacerdote: “O sacerdote esté chamado a ser uma imagem viva de Jesus Cristo, Esposo da Igreja... Esti chamado, portanto, a reviver na sua vida espiritual o amor de Cristo Esposo pela Igreja Esposa.” Nao Ihe fata, por isso, ao sacerdote um amor esponsal, pois tem a Igreja como esposa. “Sua vida deve também estar iluminada e orientada por esta relagdo esponsal, que lhe pede ser testemunho do amor esponsal de Cristo, ser capaz de amar as pessoas com um corago novo, grande e puro, com auténtico desapego de si, com plena dedicag2o, continua e fiel e, 20 mesmo tempo, com uma forma especial de zelo (ef: 2 Cor 11, 2), com uma termura que se reveste também com acentos do amor matemal, capaz de tomar a cargo das ‘dores de arto’ para que ‘Cristo’ seja formado nos fitis (ef. Gal 4, 19)”. “O principio intemo, a forga que anima ¢ orienta a vida espiritual do presbitero, enquanto configurado a Cristo Cabega e Pastor, é a caridade pastoral, participagdo da caridade pastoral do mesmo Jesus Cristo”. Seu contetido essencial “é o dom de si, o dom total de si Igreja, a imagem e em unio como dom de Cristo...” “Coma caridade pastoral, que converte o exercicio do ministério sacerdotal num amoris officium, o sacerdote que recebe sua vocagio ao ministério est em condigdes de fazer disso uma escolha de amor, pela qual a Igreja ¢ as almas se tornam seu principal interesse”. VI. CONCLUSAO O sacerdécio da Igreja Catélica se manifesta, pois, como um mistério inserido, por sua vez, no mistério da Igreja. Quaisquer das questdes que estio relacionadas com ele e sobretudo o problema grave e sempre atual do cetbato, nio pode ser considerado ¢ resolvido por argumentos puramente antropolégicos, psicol6gicos, sociolégicos e, em geral, profinos e terrenos. Este problema, aliis, nao pode ser resolvido com puras disposigdes disciplinares. Todas as manifestagdes da vida e das atividades do sacerdécio, a sua natureza e identidade, requerem, acima de tudo, uma justiticagio teokbgica. Aqui, como que diz respeito ao celbato, tentamos traté-lo através da sua histéria, e em base a uma anilise baseada nas fontes da Revelagio. Note-se, falando no plano formal, que uma explicagdo satisfatoria desse mistério nio pode ser compativel com um tipo de linguagem meramente profano. Exige, pelo contririo, um modo elevado de expresso, digna do mistério. Além disso, considerando a natureza do sacerdécio catélico, ndo é suficiente recorrer a reflexdo. sobre esse tema por razbes, digamos assim, externas, ou seja, o que tornaria mais “funcional” o servigo da Igreja: a salvaguarda ou a rentincia do celibato? O sacerdécio do Novo Testamento ndo responde a uma nogo ficional, como sucedia no caso do Antigo Testamento, mas é uma realidade ontolégica, 4 qual sé corresponde uma forma adequada de agir: a derivada do axioma agere sequitur esse, quer dizer, a ago segue ao ser. Ante essa Teologia do sacerdécio neo-testamentério, que tem sido confirmada e aprofindada pelo Magistério oficial da Igreja, devemos nos perguntar: essas razdes que tém sido expostas a favor do celibato, falam s6 de sua “‘convenigncia” ou de algo realmente necessario e irrenunciivel? Nao existe realmente um junctum — um vinculo de unidade — entre sacerdécio e celibato? Somente com uma resposta adequada a essa pergunla se poderd responder a esta outra: poderia a Igreja decidir um dia a modilicagao da obrigagio do celibato, ou aboli la? Para no correr riscos na resposta a essa pergunta, deverd se partir do fato de que 0 sacerdécio catélico nio {oi estabelecido pelo Fundador da Igreja sobre os homens, que se transformam e mudam, mas sobre o mistério imutavel da Igreja e do proprio Cristo, Alfons M. Stickler Cardeal Diécono de So Giorgio in Velabro CIDADE DO VATICANO Tradugdo para 0 Portugués Pe. Anderson Alves Contato: amralves_filo@yahoo.com br | Compartithe Textos relacionados ‘A identidade missionaria do presbitero na Igreja, como dimens4o intrinseca do exercicio dos tria munera” 0 objetivo fimdamental deste documento da Congregagdo para o Clero € evidenciar a importincia da identidade missiondria do presbitero no atual contexto da vida da Igreja. Jeia a matéria Celibato eclesiastico: histéria e fundamentos teolégicos Finalmente traduzido ao portugués o conhecido texto do Cardeal Alfons M. Stickler sobre a historia e o fundamento teolégico do celibato sacerdotal. Recomendamos a leitura a todos os sacerdotes. Jeia a matéria —> Celibato eclesiastico — histéria ¢ fundamentos teolégicos Card. Alions M. Stickler indice: I. Introdugdo. II. Conceito e método. 1. O significado do [...] cin Navegue © Home © Quem Somos © Contato Segdes Ano Sacerdotal Doutrina Espiritualidade Homilética Liturgia Magistério astoral Mutimedia Leituras Cursos ¢ Eventos wee e er eeee Conecte-se © RSS Presbiteros © Siga-nos no Twitter Contribua Ajude a manter o site: Em breve! © Presbiteros 2010. Um site de referéncia para o clero catélico. Todos os direitos reservados.

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