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Gotecho Sociorocis mead: Braslo Sallam J ~ Universidade de Sto Paulo iCoin Universidade de Sa0 Paulo. lira Fedra d Coar =o Rama lo Rigen Campinas ‘Universidade Federol de Minas Gerais sa Qualltativa ~ Enfouesepstemologicosemetod ogia ambiental em movimento Movimento sala ioe socilageas 20. Teoria dos Sistemas Lhmann olla clasica ~ Marx, Durkheim e Weber Eada Sell Bold peruano em ugares publios ~ Notas sobre aorganiagdo socal dos 1 Goffman utara da eo socal Goffman aca da ao A Zaher sda experienc ols. Ve Ensaio sabre ocomportament do da dala ~ Mars gia epoltica ~ Tomo 1 Fausto Dados Internacionas de Catalogaeto na Publicagto (CIP) pica (Camara Brasileira do Livro, SP. Brasil) Pesquisa socloligica / Serge Paugam, (coondenador) traduto de Francisco Moris. - Pewopois, Nozes,2015.~(Coleeto Sociologia ‘Titulo orginal: Lenquéte sociologique Bibliograti ISBN 978-85-326.4918.8 Pesquisa socioldgica ~Metodologia 2 Sociologia Paugam, Serge, Il. Sete, 411963 indices para eailogo sistematio 1. Pesquisa socologica Sociologia 300.72 Pam g re = Ono Dp-300, 18 a A escrita socioldgica Oyril Lemieux Embora a escrita ocupe um lugar decisivo na atividade dos sociélogos, ela € um aspecto que o mais frequentemente eles negligenciam ou minimizam, sobre- tudo quando assumem ensinar seu oficio ou transmitir suas competéncias proe ! fissionais. Eles insistem, com razao, na construgao do objeto, na metodologia ¢ na coleta de dados, mas em geral nao evocam as dificuldades impostas ao pes- siuisador pelo fato do dever escrever. Vale lembrar, pois, que um doutorando que hao conclui a redacao de sua tese, jamais obtera seu titulo de doutor, ndo im- portando, aliés, a pertinencia de sua problematica, o rigor de sua metodologia, ua competéncia em reunir um rico material de pesquisa. Quantos trabalhos le pesquisa apagaram-se assim nas areias, simplesmente porque seus autores: scntiram-se definitivamente bloqueados pela propria incapacidade de escrever? Quantos pesquisadores entediaram-se e duvidaram de suas competéncias, a0 sentir na prépria pele a dolorosa experiéncia de nao mais conseguirem redigit’ livros ou artigos “autossustentaveis”? Como 0 demonstrou Howard Becker — um dos raros autores a inscrever na agenda da sociologia as questoes relativas a sua escrita ~, estes pesquisadores, Vitimas da “angéistia da pagina em branco”, geralmente sentiam-se petrifc dlos por dois tipos de caimbras mentais', A primeira vincula-se ao fato de eles pimplesmente atribuirem a escrita um papel subordinado ao seu proprio pen- gamento, Esta logica sinaliza que na cabeca desses sociélogos existem racioct= hios socioldgicos acabados, e que, exteriormente, na tela do computador ou na ponta de um lapis, configurar-se-ia sua expressao textual; transcricao que em #1 mesma nao teria o poder de afetar os raciocinios dos quais esta expressto emana, e que poderiamos classific-la, em relacao aos raciocinios, mais ou menos fiel —como uma copia em relacdo ao original. Obviamente, as coisas no funclo= A. IHOKUR, HL, Berie les ‘Commeneer et terminer som artless (vt. Matt: tieonowntea, seo saaervemt sua formacao e a posicao que ele ocupa no seio do ambiente cientifico, a0 fato lc ser potencialmente sancionado por um publico determinado. Esta perspecti- € um convite a “des-psicologizar” o ato de escrita considerando inicialmente que o une as maneiras de julgar proprias a comunidade de recepcao visada lo autor. Quais sto, nesta comunidade, as instituicdes (revistas, coléquios, mindrios...) onde se exerce a critica dos textos? Quais sao suas modalidades oncretas de discussio, os procedimentos de avaliacio, os rituais de consagra- 10? E em funcao destas dimensdes sociais de sua atividade que os socislogos yprendem a dominar suas maneiras excessivamente “espontaneas” de escrever € ram assim, ja que o fato de escrever implica uma modifica mentos, Ele os faz infalivelmente transformar-se, do unico fato de fornec pontos de apoio externos (palavras alinhadas numa pagina ou num que ainda nao possuiam. E assim que a escrita, na imediatez mesma da a escrever, sempre leva a reorganizar o pensamento do qual ela procede ou, exatamente, a produzir um pensamento que, enquanto tal, isto €, enquant samento ordenado a “razao grafica”, nao preexistia?. Enquanto esta funca do ato de escrever continua negada, 0 socidlogo facilmente pode cultivar de conseguir transpor instantaneamente, num primeiro arremesso, ¢ por perfeitas, os raciocinios “profundo: ele escteve tera poucas chances, neste caso, de satisfaze-lo, dando-The (© julgamento dos pares constitui assim o horizonte de toda escrita sociol6- a impressao de nao estar a altura dos pensamentos que lhe seriam nect ica e, mais geralmente, cientifica. Ser julgado por seus pares representa nao so- para poder adequadamente expressar-se nente 0 que todo socidlogo deve esperar quando publica um texto, mas também que ele pode esperar de melhor para aquilo que ele escreveu, se, ao menos, € Escrever sob o olhar dos pares satamente dentro de uma visto cientifica que ele escreveu*, O mesmo vale para ps jornalistas quando jul x absec heio de A segunda caimbra mental desemboscada por Becker refere-se ao fal } aaa aera i ee a eae ne eae jnydes. Esta avaliacdo, a medida que ela repousa sobre critérios estrangeiros a0 alguns sociélogos parecem nao querer encarar as proprias dificuldades 3 oe faciocinio sociolégico visto em si mesmo, nao pode ter receptividade do ponto crita, ¢ as de seus colegas, senao como o indicio de problemas de ordel i i a lc vista proprio a comunidade dos sociélogos ~ embora ela tenha uma recepti- CRE ge eo ea dade, muito respeitavel, do ponto de vista da comunidade jornalistica. interpretar a realidade, da parte dos profissionais da objetivacao sociolds a Pe pees J mundo social, ja que, tudo somado, por qual motivo as questdes de eset te ciologica fugiriam ao controle da autoridade da sociologia? Nao seria ao cont ar aprender estes como fendmenos sociais, e arO ene corel a ‘Uma escrita fundada sobre a antecipacio da critica dos pares do ponto de vista de uma sociologia das praticas cientificas e dos habit A gil Ane ae ae ea hic. iy cies ae : A partir de uma pesquisa etnogréfica num laboratorio americano de neuroendo~ Pc LA aaah ig a ecco Un acs rinologia, Bruno Latour e Steve Woolgar mostraram que o trabalho dos pesquisado- dois fatos importantes: 1) A escrita: embora praticada na mais extrema tes por eles observados consiste, para o essencial, em um processo de “inscricao lite ela sempre representou um ato socialmente orientado. E desta forma aria”. Trata-se, a partir de acontecimentos produzidos em laboratorio, de produzir socidlogos profissionais sempre escrevem em vista de um piiblico, isto 6, tuna grande quantidade de tracos escrtos, ¢ em seguida, a partir de documentos que Jegistiam estes tacos, de elaborar enunciados que, uma vez publicados em revislas pando que eles, em relacio a este puiblico, correm 0 risco de ser desac : , Ne aa ieee alee) Sani ae em vista do qual escevem, eles no se submetem as mesmas censuras Alguns dests cnuncladosndotsisio ao teste; as outros stm, desde que ncOrpOE formalismos. Compreender em sociologia as rotinas € as estratégias de @ ‘yem ligeiros retoques. Eles permitirdo entdo que seus autores sejam plenamente reed um pesquisador - mis igualmente explicar suas eventuais facilidades ow. hecidos no seio da comunidade cientifica ¢ construir ali sua fama. Toda atividade de dade de escrever - significa, pois, analisar as apostas que ele atribul, aa oe Pr ‘Como o mostra ainda Becker, € frequentemente porque eles exageram a importancia de certas ras formas e querem se conformar a qualquer preco & determinados tiques da retOrign demica que os debutantes em saciologia podem chegar a “jagonar™ inutlmente € & OmRwE que sua cabeca parece-Ihe jé conters produzir alguns dos efeitos retoricos ¢ estilisticos esperados por seus juizes' 2. Sobre a forma como escrta estrutura nossas formas de pensar, ef. GOODY, J. ‘graphifque — La domestiation de la pensce sauvage. Paris; De Minuit, 1979, q 3. Como o sugete Beck, ames que tirar desta insatisfagao ny motivo para panne de priamente iegivel ¢ininteligivel o que ees pretendem dizer (ow para recomecar senpiternamente a primeira fase de um texto, gualiente As colsas sto evidenemente diferentes se o texto fol escrito primeiramente numa visao de satisfat6ria), seria melhor mergulhar na escrita, sem preocupar-se num prlieli lair 0 "grande pablico", fp ‘08 dols objetivos ~ convencer seus pares, agradar no qualidade do que se esceve. E somente atraves deste meio que uma dindinien pace Jeontruditorios. No entanto, ees 0880 Ppermitinclo assim vackxiniow que Nao preexistia equANt tay adeo-Os ‘exto, stancitando assim e movimento de superngto dente 4 soctologia e, mais geralmente, das ciencias sociais. E que estes es nao percebem que a cientificidade propria destas ciencias exige jue integre a apresentacdo de casos empiricos, prestando assim « istoricidade e de sua inscricao no contexto da acao. Toda vez que 0 afasta deste objetivo privilegiando uma visio exclusiva de modelagao mnatematizacao” dos dados, longe de ganhar em cientificidade, seu trabal de, Nao se trata, no entanto, de pretender que a sociologia, com o pretexto de lever imperativamente devolver a ancoragem hist6rica e contextual os objetos jue ela analisa, se assemelhe a um genero literdrio, comparavel, por exemplo, poesia ou ao romance’. A escrita sociologica ¢ guiada pela preocupacao de esistir a critica de outros socidlogos: © que impoe respeitar modalidades de rovas especificas, com as quais romancistas e poetas nao se imiscuem. Afirmar ue todo tema sociol6gico nao pode nao comportar uma dimensao literaria ¢ je 0 sociologos devem consequentemente aprender a “escrever bem” nao sig- fica absolutamente que tal dimensto literaria seja independente, ou mesmo issociavel, das outras exigencias do trabalho sociologico (como, p. ex., a admi- istracao de testes); nem significa que este “escrever bem” constituiria outra isa, ou algo a mais, sendo um bem escrever da sociologia. Sao precisamente as, ompeténcias deste “escrever bem” sociologico que, nas linhas abaixo, preten- lemos evidenciar. Nosso objetivo € de tentar desnudar 0 que pode constituir eleza literdria (tarefa ousada!) de um texto sociologico, dle um ponto de vista specific a comunidade dos socidlogos’, Partiremas, pois, por principio, de na situacdo idealizada: aquela onde o socidlogo escreve exclusivamente para m1 pubblico de pares, e se recusa a preocupar-se com outra coisa ~ notadamente pretensao de convencer um publico de profanos. pesquisa consiste consequentemente em antecipar desde o principio a critica da mi ser objeto, da parte dos pares concorrentes, os enunciados produzidos. te, sso implica a autocritica dos proprios enunciados antes de publicé- fim de aprimorar sua capacidade de resisténcia a critica. Ve-se aqui de que mani prova do julgamento dos pares pesa continuamente sobre os atos de escrita cient ¢la € a0 mesmo tempo aquilo que vai sancionar retrospectivamente o trabalho, j ele vai ser publicado, ¢ aquilo que ¢ simulado projetivamente no processo mest conleceao e aprimoramento dos enunciados. LATOUR, B. & WOOLGAR, S. La vie de Laboratoire ~ La production de scientifiques, Paris: La Découverte, 1988 [1 ed., 1979]. 5 limites da modelacto O mais impressionante, no caso da sociologia, e mais geralmente das cias sociais, é que a critica que o autor deve antecipar quando escreve ji incide unicamente sobre as provas de suas afirmagdes, cuja auséncia ou fra poderiam ser-the recriminadas, ou sobre a logica de sua demonstracao, vicios ¢ erros de raciocinio poderiam valer-the recriminagoes. Esta criti cide igualmente nos aspectos estilisticos € literarios, como a clareza da ta, 0 dinamismo da exposicao e a elegancia na construcao de conjunto, especificidade reenvia ao fato que as ciéncias sociais, por razoes vincull sua epistemologia, no podem atrelar sua escrita nem somente as exigencl modelagio, nem ao emprego de uma linguagem de andlise nao natural*, restituir por textos o que seus objetos tém de especifico, elas devem neces mente apelar para técnicas de narracdo ¢ contextualizacao. Isso ¢ evident a historia, mas ¢ igualmente notivel em antropologia ¢ em sociologia, e| ciando que esta tltima disciplina, como bem 0 demonstrou Wolf Lepeni sorveu seus modelos de escrita somente das citncias lisicas ¢ naturais, igual medida da literatura naturalista’ Assim, para o desespero dos mais positivistas dos sociélogos, sua disc caracteriza-se nado somente pelo uso indispensavel da linguagem ordinatri também pela necessidade de realizar um trabalho propriamente litersrio a dos materiais coletados ~ trabalho propicio a multiplicacao das modali de descricao, de estilos analiticos e de procedimentos narrativos. Para pesquisadores impressionados com o modelo epistemologico das ciencial lidas”, estes aspectos literarios, e a impossibilidade de uma linguagem pi unificada que eles provocam, parecem sublinhar um déficit de cientifi A problematizagio Nem dissertacto sobre o estado do mundo, nem sintese de conhecimentos luais € teoricos: um texto sociologico deve ser acima de tudo a exposicao das iferentes etapas de uma pesquisa cujo objetivo é o de responder a uma ques- wo. Ao menos € assim que somos levados a conceber 0 contrato de escrita do \cidlogo, a partir do momento em que se admite nao existir postura sociol6- No tocante & antropologia, esta posicio de similaridade foi defendida notadamente por James lord © George Marcus na obra Writing Culture: The Poetics and Polities of ethnography. rheley: University of California Press, 1986. Cl. tb. GEERTZ, C, Ici e La-bas ~ Lanthropologue nue auteur. Paris: Metailie, 1996 [1.ed., 1988). 6, Sobre este ponto cf PASSERON, J-C. Le risonnement socilogique, Pais; Nathan PASSERON, J.C. “Logique formelle, schematque et thetorique”. In: FORNEL, M68 PA io poderiamosesquecer quea *beleza" €um crteio de uso corrente mas ciénelas mats “slid”. JC. Corgs.). Langumentation ~ Preuve et persuasion. Paris: LEhess, 20025. 49-181 [°E Mo Hos Maletslcos ou. 0 Logics, p. ex. este crterio reenvia &“elegincia", a “simplicidade™ 7. LEPENIES, W, Les tos cultures ~ Bnaee science et iterate Tavenement de Ma a ima dons deve prva, Sobre ste pot cf, ROSENTAL, C. La Se cle demonstration en logique, Paris: PUF, 200 aris; MSH, 1997, uuma espécie de suspense que, como em alguns romances policiais, esti os leitores e Ihes reavivaria o interesse pela sequéncia da historia. Mas este cedimento provoca uma interrogacao: O atrativo principal de wm texto si Jogico vincular-se-ia a forma com a qual seu autor denota talento ao atte luna questao? Seja como for, o que podemos afirmar ¢ que os textos sociologieos mais macantes — os que nos s4o “disponibilizados” — geralmente sio os que nO possuem um real enigma a oferecer a seus leitores. Trata-se de textos que 80 prometem a seus leitores elucubracoes julgadas “uteis” ow “exaustivas” sobre temas julgados “importantes” por seus autores ~ sem que jamais se saiba a0 cere to em qué consiste esta utilidade ¢ esta importancia, bem como sua imperiosa necessidade de exaustividade. ‘A formulacao de um auténtico problema sociolégico € uma operacao tao crucial que todo 0 edificio do texto sociolégico depende dela. Eletivamente, pelo fato de a pesquisa nao poder ser concebicla como um fim em si, mas como unico instrumento de resolver um enigma, € evidente que 0 plano geral do texto deverd assumir uma forma de resposta detalhada e argumentada & questo pesquisada, Cada secao de um artigo, cada capttulo de um livro, de uma tese ou de uma monografia, devera ter por justificativa aportar uma contribuicao suplementar, articulada com as precedentes, a solugdo de conjunto do enigma apresentado. Longe de se sucederem como entidades justapostas, essas secoes out esses eapitulos deverao, pois, implicar-se no seio de uma demonstracdo, Os vineulos que tnem esses eapitulos ou esss segdes nao deveriam ser: “existe X, em seguida Y, em seguida Z"; mas, existe X, ja que existe Y, jé que existe Z”, Ou sinda: “existe X; no entanto, existe também Y; e ambos finalmente se produ- rem Z.” Neste caso, um simples olhar no plano da obra ou do artigo permitira, se 0 titulos dos capitulos e das secdes exprimirem com suficiente clareza seus encadeamentos sucessivos, compreender a demonstracao geral ou, minimamen- tc, captarhe a dinamica, © proprio titulo da obra ou do artigo jd nfo poders Inais permitir-se entao uma simples mencao de um tema de pesquisa: ser-Ihe-a hecessario evocar, por uma formulacao atraente, eventualmente intrigante ou paradoxal, a problematica que fundamenta o texto. gica auténtica sendo aquela procedida de uma problematizacao da realida cial — ela mesma ponto de partida na construcao de um objeto sociologic conducio de uma pesquisa empirica”, Seguramente, convém ver nesta de apresentar o vir a ser do processo da pesquisa (problematizacao, em s construcao do objeto, depois pesquisa empirica) 0 efeito de um modo de sicdo proprio a escrita sociolégica bem antes que um reflexo do encadeat real de sequéncias operatorias. Tanto a linearidade e a limpidez caracter maneira com a qual tal encadeamento é reconstituido no interior do tex ciologico quanto 0 sao a sinuosidade e a cegueira parcial que presidirat consecucio pratica. Todo texto sociolégico assemelha-se, neste aspecto, racionalizacao do processo da pesquisa. Ele impde a pesquisa ex post a qi de partida, que raramente é a que o pesquisador de fato se colocava it mente, fornecendo de cara aos leitores as chaves necessérias a uma const rigorosa do objeto sociolégico a ser estudado, ainda que todos estes ele: sejam indispensaveis ao autor desde o inicio da pesquisa. Dai o seguinte paradoxo: ainda que um texto sociologico (salvo se me te programatico) jamais possa ser escrito senao do ponto de vista global € informado pelas conclusées finais de uma pesquisa, ele sempre ¢ domi no plano retérico, pelo ponto de vista inocente do inicio da pesquisa. Re quando a coleta dos dados ja esta concluida e quando a resolucae do el Ji € vislumbrada pelo autor, ele, no entanto, se nos ¢ apresentado como enigma continuasse insokivel, merecendo assim uma pesquisa. Este artif apresentacao nao se limita exclusivamente a uma forma astuta de estim leitor, visando a agucar seu desejo de prosseguir até o fim a leitura do text igualmente contribui na clarificacdo do raciocinio e do ordenamento da empiticas que sto eximiamente rearranjadas logica metodologicament tornd-las inteligiveis aos leitores, e para convencé-los, Pode ser que a primeira competencia redacional requerida de um sod remeta a ordem de um “saber tornar problematico”. Com esta expresso demos uma capacidade de dramatizar, por procedimentos de escrita a dos, uma contradicao observada no objeto estudado"!, Quanto mais os. desta contradi¢ao forem rigorosamente documentados e claramente api tados desde o primeiro parigrafo do texto, tanto mais o enigma parecert consistente © profundo, tornando assim a necessidade de pesquisar, a resolvé-lo, mais imperiosa e provocante!?. Assim procedendo, provocal O recurso a uma linguagem nao natural Segunda propriedade notivel da eserita sociolégica: ela mobiliza uma lin- guagem nao natural, isto é, recorre a conceitos sociologicos. Estes obviamente 10 podem ocupar a integralidade do espaco textual, ja que devem ser com- 10. Cf. infra, nosso capitulo inttulado “Problematizar. inados com os enunciados ow com as porcoes de enunciados que recorrem # aie Jinguagem natural ~ ¢ isso & medida que, como ja foi dito, em ciéncias soc 12, Muito frequentemente,apos a apresentagio rida do enigma que estant no eo trabalho, 0 sociologo antcipa sua resposta, ou a esboca em forma de hipoese de tf a procedinento, contariamiette as aparéicias preserva 0 "qucbracceg ‘ns pa yorfcar se re (ov sea: tese que sert defend) ow aguel sempre ecessdria; nto mals obviamente para formitlar tim resposta ¢ a mals correla e por quale rnaden a . ee tie ltucio realmente mais eficaz que abandonar-se ao ecletismo nocional. Os pes juisadores, em suas pesquisas, muito frequentemente se sentem em um dado jomento insatisfeitos com a caixa de ferramentas conceituais que utilizam: € luc eles suspeitam existir em seu objeto de estudlos algo que as ferramentas dis- jontveis fracassam ao tentar apreendé-lo com suficiente justeza. Grande ¢ entao tentagao de buscar em outra caixa o instrumento conceitual ausente, nao obs- inte 0 risco de “bricolagem”. Ora, outra estratégia parece ser mais heurtstica: que consiste em perguntar primeiramente se cles realmente dominam todos s usos possiveis dos instrumentos da caixa conceitual cue comecaram a uti- r. A insatisfacao experimentada pode efetivamente advir do simples fato de les ainda nao mensurarem senao imperfeitamente as possibilidades dos instru- nentos dos quais dispoem, e da diivida, mesmo aps provarem um verdadeiro slorco de discernimento em relacao aos usos possiveis dos instrumentos, se jal caixa de ferramentas ainda se mostra realmente insatisfatoria em relacao ao bjeto de pesquisa. A esta altura é possivel sugerir que as coisas verdadeiramen- Ic interessantes comecam a tomar forma, pois, abre-se ao pesquisador a possibi- Iilade de criticar a insuliciencia da caixa. Abre-se igualmente, pela mesma via, perspectiva de propor uma modificacao de determinados conceitos existentes esta caixa, ou um deslocamento de seu sentido, isto é, um enriquecimento da aixa pela criagao de um novo conceito. O essencial, obviamente, ¢ que esta [postura de revisao e de invencao conceitual nao seja meramente gratuita, isto €, que ela responda a necessidade de encobrir um defeito real na capacidade das Hocdes que o pesquisador ja dispde. Caso contrario, os pares teriam fundamen- os suficientes para uma posstvel denuincia de uma série de jargoes, isto é, desta roliferacao de termos verdadeiramente desnecessarios para levar a bom termo estudo que o pesquisador se propés realizar. @ contextualizagao dos dados empiricos é uma exigéncia a0 menos tao quanto sua modelacdo. Desta forma, um texto inteiramente trancado de ceitos sociologicos, mas destituido de qualquer dado empirico fortemente textualizado, sociologicamente pouco contribui, embora seja util A teoria a epistemologia ou a filosofia. Em igual medida, um texto apresentando quantidade de dados empiricos finamente contextualizados, mas cuja al omite conceitos sociolégicos, nao podera reivindicar o estatuto de texto logico. Este lembrete pretende afirmar que a sociologia nao é nem uma cif especulativa ou puramente abstrata, nem uma simples descricao de dados tos. Sua vocacao € da ordem empirico-conceitual Mas, quais conceitos utilizar? Convém primeiramente ponderar que os ceitos geralmente formam uma rede no seio de uma teoria, ou de uma abord Desta forma, por exemplo, nos trabalhos dle Nothert Elias, a nocao de “conti cao” vai de par com a nocao de “balanga dos poderes”, que se autoarticula da “autocoercao”, que por su via reenvia a0 “processo de civilizagao”. Em medida, junto a Goffman, 0 conceito de “ruptura de representacao” € aco} ao de “apresentacio de si”, que reenvia ao de “trabalho da face” (facework), vai de par com o de “reparacdo”, e assim por diante. Igualmente, quando 1 idlogo recorre a um conceito, ¢ na realidade todo um novelo conceitual q desenrola. Ora, o fio que religa entre si estes conceitos possui uma determi exigéncia: ele nao pode ser cortado sem diminuir ou desnaturar a significag cada um deles. E por iss0 que, embora a ideia de “bricolagem” nocional cot um vivo sucesso em ciéncias sociais, ela ndo impede este teimoso fato: ul conceitos oriundos de um excessive nimero de quadros tedricos diferent rapidamente incorrer no isco de incoeréncia. Quem pretendesse, por exe analisar um objeto misturando as teorias de Flias, de Goffman, de Crozi Bourdieu ¢ de Latour confessaria por este simples fato sua pouca clareza q as incompatibilidades parciais, mas tambem, para algumas, muito profund: te as abordagens sociologicas que estes diferentes autores desenvolveram, ponto de vista, uma determinada homogeneidade conceitual da analise ¢ fret temente uma sinalizacto de que o autor tem ciéncia nao somente dos con que utiliza, mas ainda, e, sobretudo, da rede que os formam.. Por fim, revisar a significado de determinados conceitos ou forjar novos Mio pode ter plena justificagao em sociologia a nao ser praticando uma abor- lagem empirico-conceitual. E efetivamente evidente que os pesquisadores que lwo consideram os conceitos sociolégicos somente do ponto de vista tedrico Ut filosofico, € nao se encontram consequentemente jamais numa situacao de F que confronté-los com dados empiricos complexos, nao podem fazer a ex- jeriencia de que tais conceitos, diante de determinadas realidades sociais, sao Huscetiveis de nao mais “funcionar”. Bem outra é a realidade para os sociélogos ue realizam pesquisas empfricas: para eles, a exploracao dos usos possiveis e Impossiveis de um conceito € uma necessidade que provém da dificuldade de iplica-lo a um material que, no memento, thes parece recalcitrante. E afirmar Ie, neste caso, a questa da coeréncia conceitual jamais pode ser dissociada quiela do ajustamento dos conceitos a empiria"*, Do ponto de vista das prat Podemos acrescentar ainda que, quando 0 objetivo ¢ interrogar o limit conceitos utilizados, tentar escrever provando coerencia conceitial ¢ uma 13. E tentadlor distinguir aqui tes posicdes: 0 monoinguismo, consistindo para um socio nao conhecer e em nao utilizar senao um tinico quado tebrico-conecitual ecleismo ling consistindo em empresar de diferentes. quadtos teorico-conceituais elementos isola assumir consequentemente a coeréncia destes quadios; 0 pluriinguismo, entim, cons cin saber “falar* corretamente diferentes, hnguagens teorico-conceituls (diferente monolinguismo), sem com isso misturar as sintaxes ¢ os idiomas, quando se decide fila ‘caso, etn tal o1 tal lingua (diferentemente do ecletismo lingutstico), festa teteeia pos ‘defendica ag, Com certean podemon construire mnanelta abstrata sistemas conceltuats cocrentes éles mi80 enbwin valor aoe que sun relagno com os don sage enh oh cas de escrita, eis o que explica o efeito desastroso, em sociologia, de int des “puramente” tedricas e saturadas de conceitos, seguidas de um texto consagra inteiramente & apresentacao de dados empiicos e onde todo c esta ausente. Este tipo de divisio é contrario ao ideal literario da sociologi contrariamente, reivindica uma tecelagem continua dos dados empiric 05 conceitos que servem a sua analise. A verificabilidade Desta concepcao empfrico-conceitual da sociologia, nao ¢ dificil d uma terceira propriedade da escrita sociologica: ela deve disponibilizar a tores uum acesso aos dados empiricos. Estes tiltimos podem ser tornados senles no texto gracas a extratos de entrevistas, de citacao de document arquivos, de apresentagao de notas de observacao etnografica, out ainda, ‘emprego de dispositivos de representacao visual como quadros estatisticos nilhas, mapas ou imagens". Em ultima analise, a partir do momento em, texto sociologico estiver minimamente munido destes dados e que, por ¢ quéncia, se mostre minimamente capaz de fornecer provas empiricas do q antecipa e fornece a seu leitor a possibilidade de julgar por si mesmo tais pl pouco importa a maneira com a qual estes dados foram produzidos. O consistente de remeter em anexo o maximo de documentos prova freq mente, deste ponto de vista, que a escrita do texto principal nao acorda 0 devido aos elementos empfricos da pesquisa. De duas uma: ou os docun em anexo sao incapazes de servir de apoio & andlise desenvolvida no te entao nada justifica sua presenga nele; ou servem de suporte ¢ merecem ser “reconduzidos” ao coracao do texto principal, recebendo ali um trata analitico com o respeito que Ihes ¢ devido. Em sociologia, portanto, ¢ acima de tudo, importa que o material em seja magnificado ¢ valorizado. Ele deve ser a esséncia primeira do texto, essencia disponibilizada ao leitor, extraindo uma a uma as pecas mais ink ntes disponiveis, e desenvolvendo a partir delas andlises que farao bril valor sociologico deste material. Nada impede, nesta perspectiva, que um ow um capftulo comece pela exposicao de um documento, por uma cena, vada, por uma tabela estatistica, por um extrato de entrevista, desde ‘material auxilie o leitor a entrar imediatamente na premencia do tema ave 0U seja, no tipo de realidad social problematizada que o autor pretende esf Mais globalmente, trata-se de lutar contra a tendencia de atribuir aos rio tenha sido testada e onde, de forma mais impeditiva, seu arranjo mesmo nao tena Pl primeiramente de uina anise dos dios empitios. 15. Sobre a furigao de perstasto que exercem os dispositivos de represen de cleneias socials, cl, RELIEU, M. "Du tableau staustique 4 Timage audiovisuelle Dratques cle la representation on sciences sociales”, Resa, vol 17s 945 1998p 40 mnpiricos uma fungao puramente ilustrativa, Uma vez admitido que o material mpirico deve ser o alimento constante da analise, urge entao abandonar a ideia ¢ primeiramente desenvolver uma proposicao geral, e subsequentemente apre- ntar dados empiricos ilustrando esta proposicto. Muito mais coerente com yma postura empirico-conceitual, ¢ 0 modo de exposicao inversa consistente, Ine parte de dados empiricos para construir o primeiro passo de uma analise ral do objeto estudado, e em seguida apresentar novos dados para construir im segundo passo, ¢ assim sucessivamente até chegar ao ponto final da de- jonstracao iniciada. A necessidade de colocar no coragao da escrita sociolégica a valorizagto gs dados empiricos tem por desafio central tornar cientificamente criticavel texto redigido. Se, com efeito, é tao importante que o leitor possa aceder por mesmo, mesmo que parcialmente, aos dados empiricos sobre os quais re- pusa a analise, isso se deve ao fato que ele necessita dos meios para julgar por incsmo a validade do vinculo que o autor construiu entre estes dados e sua wilise. Quando 0 leitor se vé privado de um acesso mfnimo aos documen- 5 estudados, as cifras produzidas ou as entrevistas coletadas, e deve crer pela mples afirmacao do socidlogo, sua possibilidade de exercer um julgamento {tico sobre o conjunto da postura se encontra inferiorizada. Como saber se os \los foram corretamente interpretados a medida que nao existe mais nenhum clo de opd-Ios & interpretacao proposta pelo autor? Dar ao leitor o poder de icar cientificamente o que se escreve, €, pois, primeiramente, franquear-lhe mi accesso direto e proprio aos elementos empiricos sobre os quais a analise fot nsirida’®, Isso se traduzira pela preocupacao de tornar visivel, no interior lexto, a existencia de duas ordens de discursos: a do material empiico e a sua analise, demarcadas visualmente por meios tipograficos e formais — uso emtico das aspas para citar um documento ou uma entrevista; recursos as xas de texto ou as mudancas de disposicao e de entrelinhas para reproduzir minados documentos, notas de rodapé ou extratos de entrevistas; utiliza- de tabelas ou de graficos apresentando porcentagens em sua integralidade F oposicto a uma citago de cifra isolada que nao permite ao leitor desenvol- suas proprias interpretacdes) ete. Quanto menos estas técnicas de separacao Aisponibilizacto sao respeitadas, tanto mais 0 discurso sociolégico perde Yerificabilidade e, portanto, em cientificidade, bb allaxdes que aponian para ese sentido, no caso da antropologta, cf SPERBER, D. Le hvopologies, Paris Hermann, 1982 Box 2 “Ele diz possuir um capital cultural pouco elevado” Exereicio: comparar as duas apresentagdes que seguem. Em qué a segunda plano formal, mais cientifica? Apresentacao 1 Um de nossos entrevistados, Jean-Luc D.... 34 anos, nos diz que possut um tal cultural pouco elevado. Ele evoca como chegou a gerir at inferioridade sim que ressente em relacao aquela de seus colegas que “fizeram muitos estudos! estratégia, segundo ele, consiste em redefinir sistematicamente sua funcao sional por meio da nocao de feeling, que é 0 melhor meio que ele encontroul racionalizar sua deficiencia Apresentacao 2: Jean-Luc D..., 34 anos, testemunha: “Aqui, quase todo mundo tem bac + ceto eu, Eu, em meus estudos, nao fui além do bac. Nao tive esta chance. Ent verdade que, aqui, existem os que leram muito, que sabem muitas coisas. Eles es ram muito, disso nao duvido, Mas quando eles se encontram diante de um pral pritico muito simples, eles tiram conclusses ridiculas. No mundo dos negéci feeling que conta, € isso que mais conta, Nao é necessirio ter feito o Politécnic ser bom nos negacios!” Sunge aqui o fato que dispor de um capital cultural elevado que o dos colegas leva este entrevistado a redefinir sua funcdo profil partir de critérios como o feeling. Este trabalho de redefinicao the permite raci zar sua “deficiéncia” no seio da comunidade de trabalho. Desde o instante em que se reconhece que 0 acesso minimo ao 1 empfrico transforma-se em garante da verificabilidade do discurso soci por parte do leitor, € igualmente forcoso admitir que, para que esta V bilidade seja completa, 0 leitor deva poder aceder, além disso, as col has quais o material apresentado foi coletado. Muito frequentemente, cer precisies sobre as aspectos metodologicos da coleta dos dados e s fontes utilizadas € visto como um exercicio formal ou como um ponti intitil. Isso nao significa concluir que ¢ neste nivel, primeiramente, que cide a possibilidade de os pares exercerem uma critica cientifica e atti sim a um texto, pelas proprias modalidades com as quais ele aceita sub a critica exterior, o estatuto de trabalho sociologico propriamente dito, como para o texto de um historiador que analisa documentos sem jal dicar sua origem, o texto de um socidlogo que silencia suas fontes ea com a qual o material foi coletado perderia imediatamente toda ered cientifica, A intertextualidade Os textos sociolégicos destituidos de referencias bibliograficas, ou que em tuas bibliografias s6 apresentam referencias extrassociologicas, poderiam ser gerdadeiramente considerados sociologicos? Uma das caracteristicas importan- es dos trabalhos cientificos € a obrigatoriedade de mostrar explicitamente, por ncio de uma bibliografia, mas também de referencias de rodapé e remissdes no raprio corpo do texto, seus vinculos multiformes com outros textos cientifi- 08 ~ exigencia que nao se impde aos textos de romancistas ou poetas. A escrita iociologica nao foge a regra cientifica. Fla, em igual medida, rege-se por um slorco de inserit-se no interior de um espaco intertextual, Disso & possivel leduzir que os progressos do pensamento sociolégico procedem de um esforco metendo a uma obra coletiva ~ obra irrealizavel sem os aportes, os fracassos as criticas de outros pesquisadores. © que equivale igualmente a afirmar que im (exto sociolégico s6 tem pertinéncia, atualidade e impacto segundo sua po- jcto estrutural em relacdo a um conjunto de outros textos que o mesmo texto ueiende confirmar, refutar ou reavaliar. Mas esta ¢ igualmente uma maneira de firmar 0 respeito ¢ os beneficios dos trabalhos intelectuais produzidos, tanto parte do proprio autor quanto da parte da mencao de seus pares: a partir do jomento em que um socidlogo utiliza abundantemente trabalhos de um de Us pares sem explicitamente cité-lo, o pligio efetivamente esta as portas!”. A intertextualidade ensina que, como toda escrita cientifica, a escrita so- Jologica tende a manter uma relacao dual com a critica: de um lado, ela fun- nienta-se, como ja o dissemos, na antecipacao da critica dos pares; de outro, tende a ser ela mesma um lugar de exercicio critico em relacao aos escritos determinados pares. De um texto sociologico, espera-se efetivamente que ele iba por si mesmo situar-se no seio da literatura sociologica ¢ formular suas nvergencias, mas também seus distanciamentos, em face de outros textos da na disciplina. O tipo de competéncia exigida entao de seu autor é a capaci- ile de apresentar os vinculos pertinentes entre sua pesquisa ¢ os estudos que a «lem, nos quais ela pode inspirar-se, inclusive em forma de contraexemplo. jwalmente uma aptidao em criticar de forma argumentada, precisa e clara os jilhos dos quais 0 socidlogo critico se distancia, sem caricaturar as intengoes 4 postura metodolégica de seus pares. Mais uma vez, 0 socidlogo ¢ convida- 4 antecipar argumentativamente uma possivel critica que outros socidlogos iam fazer de suas proprias criticas ou trabalhos, mencionando possiveis Bo desatio que constinuem as praticas de assinatura do texto sociologjco: elas permtem Hor epositar sua marca pessoal sobre urna formelagdo, um conceito ou um resultado que ie thes sero imputados por aqueles que os usario em seus proprios textos ~ i reside, i, atentado moral, senao jriico. Mas ests priticas de assnatura st igualmente, mista deste jogo de atbuicoes,geradora de tensbese is vezes mesmo de conf lore, Sobre este ponto, cl PONTILLE, D. La signature scenifique Une soclogie Me iibtion. Paris: CRS, 2004 pontos que poderiam ser motivo de tal postura da parte de outrem. Pois, como, aos olhos de seu puiblico, cle pode ser desacreditado por munca citat trabalhos de seus pares, ou por falta de esforco critico ao referir-se a eles sinalando somente sua existencia, jamais seus limites -, assim, inversam ele poderia ver-se criticado por nao fazer justica aos trabalhos citados, qui critica de maneira inexata ou desonesta seus aportes. Fazer comparecer ¢1 proprio texto sociologico o trabalho de outros pares requer assim que ele siltuar estes outros, com 0s quiais eventualmente nao compartilha nem os p lados, nem a metodologia (sem falar de possiveis inimizades pessoais), d de um quadro critico de questoes cientificamente validas. Os socidlogos que nao se exercitam neste jogo da critica racional e pi rem desenvolver estratégias de boicotagem (recusa em citar um adversari descrédito (apresentacao redutiva ou truncada de seus aportes) ou de sedi (citacao complacente), prestam maior servico a seus interesses que aos ciologia. E bem verdade que eles raramente sao “intimados a ordem int cional” — salvo as vezes pela revista que os publica, ou pelos jtiris de t examinam seus trabalhos. Eles nao se expoem menos, no entanto, as sa de reputagio, dentre as quais algumas categorias morais como honestida telectual ou coragem podem ser-lhes imputadas. E frequentemente denut também, sobre este modo informal, a tendencta, particularmente nottvel aos socidlogos debutantes, de rechearem seu texto de referencias laudato extasiadas a um autor ou de utilizarem algumas de suas proposi¢oes engi argumentos de autoridade cuja infalibilidade, tida por certa, ¢ questionavel forma de uso da citacto pode prestar-se a chacota, tamanha sua insutfi em termos de espirito cientifico, estando mais proxima da admiracao re ou do dogmatismo que da postura de distanciamento reivindicada pela logia. Da mesma forma, pode ser julgado penoso o procedimento consi em saturar a bibliografia, apresentada no final do trabalho, de referenc utilizagdio nao fez parte do corpo do texto ~ tantas referencias “mortas” c prego decorativo acusa mais a preocupacio conformista do autor que dominio dos textos invocados. Assim, se as praticas de cita a toda regulacao institucional (mas nem sempre € 0 caso), ao menos evitam em geral as sangoes difusas vinculadas, pela troca ou pela dif a reputacao dos autores. Estas praticas depenclem tipicamente do do} moral profissional dos socislogos. Uma escrita despolitizada? A escrita sociologica € fundada numa censura: os textos sociold devem ser “normativos”, diz-se por af, Mas, o que significa, exauament mulacao? Geralmente, para esclarece-la, invoca-se a famosa distinglo entre “relacao com os valores” e “julgamento de valores", A eserili a diz-se, busca objetivar a relaco dos agentes sociais com os valores nos quais cles se reconhecem, antes que fazer sobre estes agentes, ou sobre suas priticas julgamentos. A nocao de “neutralidade axiologica” (Wertfreiheit) ¢ julgada re- sumir esta atitude metodologica de indiferenca ética em relacdo aos comporta- mentos e as crengas dos agentes sociais. Alguns pesquisadores compararam a neutralidade axiolégica a um mito ina- cesstvel e outros acrescentaram que sequer seria desejavel acede-la. Inacessivel, absolutamente falando, talvez, mas nao € menos verdade que podemos conside- ricla um ideal regulador da eserita socioldgica e, em seu confronto, adotar uma postura realista, isto é, gradualista: ndo mais pensi-la em termos de tudo ou nada, mas em termos de mais ou menos. Dirfamos entio, em relacéo a um texto olerecido aos leitores: quanto menos axiologicamente neutra for swua escrita, \anto mais dificil a tarefa de reconhecer este texto como cientifico Box 3 “Infelizmente. Exercicio: reescrever o texto abaixo a fim de restituit-Ihe um minimo de neutra- lidade axiologica, tornando-o, desta forma, mais formalmente cientifico. ‘As cifras mosiram que, infelizmente, os franceses Ieem cada vez menos livros © veem cada vez mais a televisio, A diminui¢io deste ‘grande piiblico de leitores’ ¢

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