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Maria Clara Sottomayor Quando alguém adopta alguém, num plano CaN MOC RC SU ha acm er een OAC ROMO TCR MAC eed Fenn eg et em On eM nL em a ann CC Cele CAMO NOL Cc Bo ec a aT RRC aR Cre eee ONO aan cL Lee CIO Re RCAC eran eat aun eee Pete at ten em@ Cant na aat a filha, faga o que fizer, ndo a ameagam CMON cate COLO MTITL LLC OE TEC Fea AO eT OTe ana oo Feo (ean UTC coe LLCO CO eh PCa cam OL RTL oe [a CEC OTD filho uma erianga adoptada, ter um filho ae eR reed Reon a as car em ea a em Ls Rosen cea en TON Rel age eMC Lem PMT emcee eel MOU et SNE ac oN Os Pe i weer dem cnt ss c > od we) e) N p Bob oles} rae corey eee TE) ovddo EDUARDO SA MARIA CLARA SOTTOMAYOR Psicdlogo Mestre em Cincias Juridico-Civilisticas ‘Membro da Sociedade Portuguesa pela Faculdade de Psicandlise de Direito da Universidade de Coimbra Professor da Universidade de Coimbra Assistente na Faculdade de Direito edo ISPA (Lisboa) da Universidade Catlica Portuguesa (Porto) ABANDONO E ADOPCAO \A ALMEDINA ABANDONO E ADOPCAO. svtores EDUARDO SA (Organiagio) MARIA CLARA SOTTOMAYOR REvIsKo ANA RITA SEIXAS RAQUEL VIEIRA DA SILVA SOFIA GONCALVES: eprToR EDICOES ALMEDINA. SA Ay. Femnito Magalhies, n° 584, 5° Andar 3000-174 Coimbra Tel: 239 851 904 Fax: 239 851 901 wwwalmedina.net editora@almedina.net PRE-IMPRESSAO | IMPRESSAO | ACABAMENTO. GC. GRAFICA DE COIMBRA, LDA. Palheira ~ Assatarge 3001-453 Coimbra producao@graficadecoimbra.pt Maio, 2008 DEPOSITO LEGAL, 275048/08 Os dados © as opinives inseridos na present i > , los na presente publicago Ho da exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) autores), Toda @ reprodugio desta obra, por fotocépia ou outro qualquer rocesso, sem prévia autorizagio eserita do Editor, € ilicta © passivel de procedimento judicial contra o infractor. Biblioveca Nacional de Portugal - Catalogagiio na Publicagio Abandono e adopgao / Eduardo Si... [etal]. -3*ed, (Psicologia) ISBN 978-972-40-3444-7 1-SA, Eduardo cpu 347 364 159 316 NOTA INTRODUTORIA Tenho defendido, em muitas circunstancias, que 0 modo como é gerida a vida das criangas néo tem merecido, por parte do Estado, os cuidados que elas exigem. Se, por um lado, tem havido medidas legislativas e intengdes sccietais relevantes que vao no sentido de proteger a vida das criangas, na verdade elas nunca tém representa- do uma prioridade para o préprio Estado. Nao representam quando os direitos dos pais prevalecem, quase invariavelmente, sobre os direitos das criangas. Nao representam quando se promovem varias ilegalidades como aquelas que levam a que intimeras criangas sejam protegidas com medidas provisdrias que se perpetuam por anos. Nao representam quando se multiplicam (e atropelam) programas ministeriais que se dedicam as criangas em perigo (por vezes, sobre- pondo esforgos técnicos e humanos que néio se articulam uns nos outros, cuja eficdcia se torna limitada e que desperdigam muitos recursos e actos generosos). Nao represemtam quando se criam me- didas legislativas sem que, a par, se promova wma revoluedo na politica da infancia, uma radical alteragao da politica social de apoio a familia, e wma profunda transformagao judicial nos procedi- mentos que sao tidos com elas. Neste contexto, os tribunais tém prestado relevantes servicos e, 0 mesmo tempo, preocupantes omissdes em relacdo aos interesses das criangas. Se hé procuradores e magistrados que tomam os inte- esses de cada crianga requerendo para ela 0 que, em consciéncia, exigiriam para os seus filhos, outros hd que — por voluntarismo — tomam medidas que, diante de conflitos de interesses parentai enviesam a interpretagdo acerca dos legitimos interesses das crian- Gas e, sob interpretages muito pessoais dos textos jurtdicos, promo- vem maus-tratos em nome da Lei. Para além do mais, em muitas circunstancias, 0 magistrado, pese embora a sua boa fé, & muitas Abandono ¢ Adope vezes penalizado com assessorias téenicas tao displicemtes e dilatorias que, contra a sua vontade, se vé resignado a decisées minimalistas acerca da vida das criangas, tal é a inconsistencia dos apoios que recolhe. Num cendrio como este, tenho questionado se fard sentido que as medidas de urgéncia que as criangas exigem deverto ser do foro Jurtdico-judicial ou, pelo contrério, do ambito sano-judicial. Quero dicer que, a meu ver, os critérios do que é urgente para o desenvol. vimento de uma crianga deveriam ser, sobretudo, do dmbito da sat de, legitimados ~ como noutras areas do direito bio-médico ~ pelo poder judicial. Isto é, ndo tem de ser imputado a um magistrado a competéncia para declarar que um feto possa ser, continuadamente, maltratado in utero, pelos consumos politoxicodependentes da sua mde, quando a Lei ndo confere a um bebé por nascer os direitos de cidadania que levariam a aecionar medidas de proteceao. Nem pode ser do foro, estritamente, judicial a forma como se limita ou inibe 0 Poder paternal que confere a um Tribunal um poder quase divino, que empurra 0 magistrado para uma justica saloménica (inibindo-o, na maioria das vezes, dada a violéncia que uma tal deciséo acabg Por representar ¢ porque ele préprio, nos seus desempenhos Parentais, reconhecerd — humanamente ~ limitagdes e falhas que, Porventura, néo serdo aconchegantes aos othos da Let) Pensando nestes ¢ noutros aspectos, decidi re-editar (com 0 auxtlio, precioso, da Ana Rita Seixas, da Raquel Vieira da Silva ¢ de Sofia Goncalves) este livro. Serd, nalguns momentos, um documento de divulgagdo ¢, noutros, um documento académico (por vezes, demasiado jurtdico, por vezes, excessivamente psicoldgico). Ainda Gssim, tenho esperanga que seja itil e rebelde, sensato e interpe. ante, Estou certo que, a acontecer um dia, a 4.° edigéo serd melhor Epuarpo SA BREVE HISTORIA DA CRIANCA E DA FAMILIA BREVE HISTORIA DA CRIANCA E DA FAMILIA Epuarpo SA’ As profundas transformagdes que 0 conceito de infancia foi sofrendo reflectem-se ao longo da histéria, Na Antiguidade, as criangas eram vistas como patriménio dos seus pais, que tinham sobre elas 0 poder da vida ¢ da morte, poden- do tocé-las, vendé-las ou alugé-las. O infanticfdio era pratica corren- te, nfo sendo nem publica nem legalmente condenado, e praticado Por questdes © propésitos tio diversos como o controlo da natalida- de, ou a climinagio de filhos ilegitimos, de recém-nascidos prematu- ros, ou de criangas com malformagées. Também, as crengas relig sas podiam implicar © sactificio de criangas, que era, nessas circuns- tancias, tolerado e, até, exaltado, © uso sexual de criangas e de jovens pelos adultos era uma Pratica aceite © comum entre gregos © romanos (Magalhiies, 2002) Em Roma, um cidadio nao tem um filho: toma-o e levantax Logo que ela nasce, a crianga é levantada pelo pai do chio, onde foi colocada pela parteira, tomando-a nos seus bragos. Assim, manifesta que a reconhece © que se recusa a expulsé-la, A crianga que o pai nao levanta serd exposta, & porta de casa ou numa lixeira, e recolhida Por quem a deseje, * Trabalho realizado em parcetia com 0s alunos do estégio da Consulta Bebés & Crescidos da Faculdade de Psicologia e Ciéncias da Educagio da Universidade de Coimbra, do ano lectivo de 1996/97, e revisto pela Dr? Ana Rita Seixas, Abandono ¢ Adopeao Em Atenas, as criangas eram vistas como membros importantes ‘milia, € simbolos da sua futura sociedade, Os gresos. atribulay. Brande importancia ao treino precoce, para moldar ¢ formar awe Para que esta adquirisse interesses culturais, ans Na Epoca Medieval, nao existia a consci iéncia de inffincia (0 que ‘ poca, onde as criangas so me gutdas sendo-Ihes deformado 0 corpo por forma a assemelharae a0 de um adulto, € negados os tragos inf - fantis). Assim que a crianga pudesse prescindir do cuidado permanente da sua mae, ann Fs ‘va a pertencer A sociedade dos adultos As realidades familiares relativas 4 Idade Média remontam a Sa us® “mundo escondido”, apenas parcial ou indirectamente aceear vel através de registos, retratos e fantasias de alguns curiosos. arias dissertagdes médicas, especialmente escritas a partir do séeulo XII, Ofereciam conselhos e euidados a ter pela mulher, na sue gravider enfatizadas, Tendo As influéncias pré-natais eram, particularmente concebido, as mées expectantes eram exortadas a 8 praticar as virtudes que mais satisfatoriament comida suficiente, marcaram o cia. Em contraste, havia e do abandono, caracteristico desta época, através crénicos de fome, de mé nutrigdo, de d criangas as vitimas mais comuns Parentais, do abandono, da exposiga sendo comum na Antiguidade, ameacas 4 infancia), Progressivamente, foi- dos com a gravidez, a mie © para 0 bebé @ casa da morte), Um de relatos de ciclos de doenga e de morte, sendo as da negligéncia e do desespero (0 e, ainda, do infantictdio (que, Continuava a ser uma das maiores Se assistindo a uma evolugio nos cuida- lima vez que esta comportava um risco real para (© Gtero chegou mesmo a ser considerado como 't série de conselhos eram dirigidos as mulheres Breve Histéria da Infancia ul parturientes deparavam-se com a sua luta com o destino. Mesmo que nenhum infertinio acontecesse no nascimento, poderiam, ainda, vir a sucumbir de septicemia ou de febre puerperal. Ao parto assistiam as parteiras ¢ as suas assistentes. As altas taxas de mortalidade infantil = para as quais contribufam o elevado mimero de mortes peti-natais — provocavam, em relagdo a parteira, uma ambivaléncia de sentimentos: se, por um lado, 0s medos © a ansiedade (subjacentes ao parto) eram projectados para a figura que a ela se associava, por outro, a impres- cindibilidade de se recorre: aos seus servigos tornava-a respeitavel A crianga, ao chegar ao mundo, entrava num universo de constrangi- mento do qual as faixas umbilicais so o simbolo maximo, Depois de lavada, era enfaixada de forma a que aprendesse uma posigio bipede ou erecta. Nos primeiros tempos de vida, era amamentada ao peito. Muitos autores concordavem que o leite materno era preferivel a qualquer outro. A mie — depois de ter alimentado 0 bebé com seu sangue, durante 0 periodo de gestagio — alimentava-a com o seu leite, que era considerado sangue branqueado (perspectiva de Hipécrates, referida por Ariés, P. & Dubby, G., 1990). Mas se a mae estivesse doente ou nfo quisesse amamentar, poderia escolher uma ama que a substituisse. As candidatas a esta fungio deveriam ser alvo de uma criteriosa selecgao — quer fisica, quer moral — e 0 seu Ieite deveria ser analisado. Com frequéncia, os bebés eram deslocados, apés 0 nascimento, para amas de leite, regressando apds o desmame, para que, mais, tarde (por volta dos 7 anos), fossem enviadas para salas de aula (S4, 1998). No decurso do Renascimento, a crianga passa a apresentar um vestudrio proprio para a sua idade abandonando a tira de pano e as faixas enroladas volta do seu corpo que, até entio, a imobilizavam completamente. Sendo depois, vestida como um adulto (os pobres yestiam-na com roupas usadas ou trapos, enquanto que nas classes abastadas usava roupas de adulto, feitas 4 sua medida), Em sequén- cia das profundas transformagdes de que as criangas foram sendo alvo, neste perfodo, foi editado — em 1545 — 0 primeiro livro de Pediatria, da autoria de Thomas Phayre. Até ao século XV, os colégios pertenciam a uma pequena mino- ria de clérigos, assumindo a educagio uma base religiosa, centrada em Cristo. A escola medieval ndo era destinada as criangas, mas pensada para a instrugdo de sabios, sendo frequentada de acordo Abandono ¢ Adopeao lependentemente da sua idade. @ sublimar a raiva e a agressio, através do asceti © iscetismo religioso. Os rapazes, a disciplinar as suas emogées, através do auto-controlo, de bens, do nome © dos valores (os, relativamente as criangas, todo um periodo de aproxima ~ com a escolatizagio os sentimen- vaio tansformar-se. A familia vive ¢0, num movimento de fech N 0 ei at a0 pinto exterior. Forma-se um espago mais tntimo, distan, 0 da sociedade, em toro de um i . c " novo sentimento; filhos. Surge, desta for bral Saeenn . “ma, com uma nova funcao i a ff — moral e es la em que os filhos sio colocados acima da familia _— Se a filosofia do Luminismo tro prazeres sociais, na py maternos, ~ comegam a ser utilizadas pai de ligages “inconvenientes” dos infanticidios legitimou-a, nacdo de “Roda das Expostas A preocupagio com a perfodo. Até entdo, a higien: G6es, sendo a sujidade e a em Cedo se retiravam as fraldas da realidade dos seus excre fa colocar criangas enjeitadas ou fruto A importincia desta prética na redugao ‘evando & sua oficializacdo sob a desig- ou dos “Enjeitados”. higiene das criancas surgiu no fim deste e nunca fora uma das grandes preocupa- uurese da crianga toleradas até bem tarde. Para que a crianca tomasse consciéne; mentos, néo havendo igualmente uma Breve Histéria da Infiincia 13 preocupacao pelo local onde a crianga realizava as suas necessidades fisioldgicas, Se a crianga molhava a sua cama, isso no constituia um grande problema, j4 que as palhas do colchao tinham uma funcio absorvente, Quando mais velha, se o problema persistia, utilizavam-se velhos remédios, uma espécie de “mezinhas”, cuja eficdcia dependia do mal a curar, sendo a sua composigio feita de excrementos de animais. No século XIX, médicos e pedagogos comegam a interes- sar-se, cada vez mais, pela educagio higiénica da crianga, estabele- cendo horirios fixos desde os primeiros meses, por motivos higiéni- cos € também morais, numa espécie de educagdo dos ritmos do corpo. Educagio que faria dela um adulto mais disciplinado. A mesma evolugdo se reflecte em outros aspectos do desenvol- vimento. Ainda que apta a andar, a crianga era estimulada a dar os primeitos passos com a ajuda de engenhos que se assemelhavam as “aranhas” dos nossos dias, simples armadura de madeira com rodinhas que a crianga empurra, dando passos varios, mas que proibe, em simultineo, o gatinhar. Subjacente a esta proibicao estava a crenga de que a crianga poderia permanecer num estédio animal, a0 mesmo tempo que impedia um contacto com um chao demasiado frio e sujo. No século XVIII, a maior parte dos médicos ¢ pedagogos condenaram a utilizagdo destes aparelhos que, tal como 0 maillot, mais n@o faziam do que retardar 0 desenvolvimento harmonioso e natural da crianga — no pressuposto de que uma crianga livre cresceria mais forte do que uma cranga permanentemente vigiada, A precocidade da linguagem de algumas criangas prodigio fasci- nou também os homens do século XVIII, mas cedo estes constataram que ser mais avangado era, tal como ser mais retardado, uma desvanta- gem. Assim, acreditavam que a melhor educagio seria aquela que, nao forgando a natureza, esperava que a crianga se adaptasse as suas proprias dificuldades, sem severidade. A importancia dada & educagao masculina reflectia-se em pe- quenos pormenores, como o facto de os rapazes usufruirem de um aleitamento mais prolongado ou aos seis anos entrarem directamente no mundo dos adultos. Contrariamente, as raparigas passavam da infancia para o estado adulto, quase imperceptivelmente, sendo educadas para se tornarem boas esposa e mae. Abandono e Adopeao E no século XIX que sur; i no Be 0 interesse pela protecgdo infantil he a eucia da Revolugio Industrial, ainda que também tenha eile cla a responsdvel pela exploragio do. tral 2002). Os estudiosos da infiincia des; neste século, que as ameaas © as punigdes corporais eram initeis, ensinando a scour que a natureza infantil indicava (embora os adores estivessem convencidos das virtudes dos as iv Ss dos aspectos coercivos da edu. casio, bem como da bondade do exercicio e do esfory). Xo inicio do século XX, a diminuigao, progressiva, da morte Petaatal, associada aos baby-boom pos-guetra, introduzia traneron, de métodos contraceptivos mais eficazes ¢ acessiveis), bilidade para que a mae, safsse da familia Em 1948, com a aprovacao da Declaragao Universal dos Direitos Declaragaio 79, Ano Internacional da , entende-se que a Wo de se pretender atinentes a0 futuro Por et divoreio), Gas necessades ds nos hon Ste eee hal Concent formagio, mais cuidaiosos nos exemplos ate Thos wasn eee "es filhos ~ obviamente ~ serio melhores. pais! »B metho. Breve Historia da Infiancia REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Arits, P. (1973). Enfant et la Vie Familiale Sous l'Ancien Régime. Paris: Editions du Seuil. Aries, P, (1990). Para uma hist6ria da vida privada. In Ariés, P. (Eds.), Histéria da Vida Privada (Vol. 2, pp. 7-19). Porto: Afrontamento. BoxsteL Mann, L. (1983). Children before psychology: ideas about children from antiquity to the late 1800, In Handbook of child psychology (Vol.1, pp. 1-40). New York: John Wiley. Canna, J. (2000). Crianca Maltratada, Coimbra: Quarteto Editora, Cannio, M. & Patricio, L. (2007). A Situagdo Demografica Recente em Portu- gal. Lisboa: Instituto Nacional de Estatistica. Cotman, A., Colman, L. (1988). 0 Pai —mitologia e re-interpretacdo dos arqué- tipos. S, Paulo: Edigdes Cultrix. DeMause, L. (1973). The history of childhood. London: Souvenir Press. Duy, G. (1991). Amor e Sexualidade no Ocidente. Lisboa: Publicagées Dom Quixote. Fouguer, C., Knibiehler (1981). L’Histoire des Méres — du moyen-dge a nos jours. Paris: Editions Montalba. Kurzincer, S. (1981). Mdes, Um Estudo Antropolégico da Maternidade. Lisboa: Presenga. Macatnaes, T. (2002). Maus Tratos em Criancas e Jovens. Guia Prétic Profissionais. Coimbra: Quarteto Editora. 2. O DIREITO DA CRIANCA PODER PATERNAL E PARENTALIDADE Epuarpo SA 1. O Poder Paternal No Ambito das varias ruances que os conceitos de pai ¢ de famflia foram tomando hoje, emos a obrigagao de reinyentar 0 poder paternal atribuindo-lhe uma dimensfio imteractiva que a seu exercicio sempre Ihe conferiu, e chamando-Ihe parentalidade. O conceito de poder paternal, se 0 pensarmos a partir de uma perspectiva psicol6- gica, talvez merega algumas reservas. O patria potestas, em que, historicamente, se fundamenta, j4 ndo € um poder de vida ou de morte (ou de aluguer e de venda de um filho) e, salvo circunstancias anémalas e atipicas, a sua assumpgio jé no se traduz numa fonte de receitas familiares (embora, por exemplo, a determinada altura, Ega de Queiroz ainda se refira as “tecedeiras de anjos", designagdo que se atribufa as mulheres que, no século passado, matavam, sem consequéncias penais, recém-nascidos). Todavia, talvez continue a representar, segundo um entendimento juridico mais ou menos tradi- cional, a presungio de que c bioldgico legitima o relacional (0 que tem levado, em demasiadas circunstdncias, ao privilégio dos “lagos de sangue” sobre os desempenhos parentais), e tem originado uma confusio, recorrente, entre as nogées de pai ou mie e a de progeni- tor. Ora, se (em condigdes favordveis) ser progenitor consolida 0 exercicio parental, nem sempre um pai que ndo seja progenitor, atri- bui a gestagao de uma crianga um papel indispensdvel ao exercicio da parentalidade. De igual modo, muitos progenitores, apesar dessa condicao, no se revelam competentes para serem pais. Nao podendo uma certidéo de nascimento representar um “titulo de registo de propriedade”, compreende-se que o Legislador presu- ma poder paternal como uma confianga judicial que o Estado 20 Abandeno © Adopetio » Por parte dos seu: cuidarem e de responderem por ele, poderd entender na intenciio. do uma crianga sera representada, Vs Pais, de 0 acolherem, de 0 ara mais, pressupde (assim se Legislador) que, desde a gravider nna defesa dos seus interesses, pelos desenvolvimento sauddvel, direito tem em relagao a crianca, Faré sentido, entio que, a nivel do direit Paternal? Nio, Rec: condensado na ideia que o estado de ; , se continue @ consi- tio que o diteito confunda poder moniais, subjacentes A nogio de poder paternal, Sao, portanto, os filhos que fundam, panes expandem © educam a © Direito da Crianga 21 (“poder paternal”), Ou, se preferirmos, de um modo mais simples, € a experiéncia de parentalidade que nos toma pais, ¢ nos acolhimentos sucessivos que ela permite, transforma os filhos que fomos (€ os pais que tivemos) em melhores pais. E claro, também, que nesta profunda reciprocidade, a qualidade da relagio dos pais, e o lugar de uma determinada crianga na sua fratria, podem (tomando dois dos exemplos mais simples) interferir na criagao © nos desempenhes da parentalidade. Partindo do pressu- posto que estaremos a reflectir, em abstracto — ¢ a partir, nao de pais perfeitos (que sero suficientemente maus), mas de bons pais (que terdo uma estrutura de personalidade e uma plasticidade emocional que os leve a serem capazes de se descentrarem de si, de intuirem, de imaginarem e de representarem as supremas necessidades de uma crianga) — poderemos afirmar que pais mal amados sero, potencial- mente, piores pais. Todavia, no pretendendo ignorar as condicionantes que con- vergem para os desempenhos da fung3o parental, um Tribunal tem de gerir conflitos de interesses. E, néo podendo compatibilizar os interesses de ambos com os de um filho, deve sobrepor — em caso de conflito — os interesses deste ultimo, sob a forma de decisio judicial. Para mais, os desempenhos parentais de um dos pais, num determi- nado momento, servindo de garantia (a priori) para uma confianga judicial, em fungio do exercicio do poder paternal, néo podem ser um intermindvel aval que proteja, para sempre, actos negligentes ou maltrantes que, em determinada altura, (em fungao de sofrimentos agudos, de descompensagées emocionais que se tenham instalado, ou de situagées litigantes) verha a protagonizar junto de um filho. 2. Poder Paternal: noges gerais De acordo com a teoria geral do direito civil, a fungio jurfdica do poder paternal passa pelo suprimento da incapacidade negocial de exercicio dos filhos menores de 18 anos, néo emancipados. Apesar de continuar a ser, positivamente, firmada pela doutrina e pela juris- prudéncia nacionais, defende-se que a expressio “poder paternal” nao se adequa a realidade social e juridica, Esta expressio parece reflectir uma concepgaio de poder arbitrério exercido, exclusivamente, 22 Abandono ¢ Adopgéo elo pai sobre 0 menor. Por isso, serd mais adequado falar d le um dever ou de uma re: responsabilidade f ‘Sponsabilidade: ou de I esponsabilidade parental”, acidade de agir ; , da por menoridade? especie do sujeito, menor de idade, para decidir por si mesmo 2 (esta dos seus proprios interesses © consequente necessidade abs : abso- Ass wy OS Pais (como representantes legais actuam dircito suscepttel a 8”, Consdetand a erianga como um sujito de ser titular de relagdes juridicas, devem consider. -la como uma pessoa com sentimentos, sto ne 6b fee nar 7 m2 40 Codigo Civil, & imposto aos pais 0 conta of sous gona, Pele ela personaldade dos flhos” tendo. em ‘ 't0S, Sentimentos e ideias, evit: je 4 sua propria concepgao do mundo e da vida.” Pret" no filho A actuagao dos pai ; gressivo, adaptando fecedo em cada momento, e reduzindo. Patemal nfo assume um carécter estatico, Pelo contratio, deve apresentar um elevado ‘Tomando em consideracio que os filh Nos primeiros tempos de vida, numa sit: Tidade, evidenciando caréncias da mais. di compreende que eles so incapazes de -Se em Perigo e, por outro, de se defende externas de perigos. Neste sentido, cabs " Maria Clara Sot Divércio, 2004, p.16, * Cli. Art.122° e 123°, Cédigo Civil, sidades de pro- se gradualmente. O poder monolitico e rigido. Antes grau de elasticidade, 10S Se encontram, sobretudo 1agGo de extrema vulnerabi- versa indole, facilmente se Por um lado, evitar colocar- T por si prOprios das ameacas e aos pais, enquanto pessoas Homayor, Regulagto do Bxeretcio do Poder Paternal nox Caso » Casos de 0 Direito da Crianga 23 melhor posicionadas para conhecer as efectivas necessidades dos filhos (e a forma mais adequada de as satisfazer), proteger a sua integridade fisica ¢ moral, ¢ 0 seu equilibrio emocional. poder paternal nao deve ser reduzido a uma relagio de autori- dade entre pais e filhos. Esta relagdo assenta num conjunto de pode- res € de deveres, em que o seu exercicio pode apresentar fases de natureza diferente: fases de autoridade (como € 0 caso de proibir 0 menor de frequentar locais que coloquem em risco a sua integrida- de), fases de proteccZo (ter 0 cuidado de manter 0 boletim de vacinas actualizado, por exemplo) e fases educativas (como definir rotinas e estabelecer regras de conduta que, entre outras, se referem a fungao educativa dos pais), Enumerar este conjunto de poderes e de deveres seria uma tarefa dificilmente concretizavel, na medida em que estes variam de acordo com as nevessidades da crianga em cada fase do seu desenvolvimento. poder paternal comporta determinados poderes e deveres de carécter pessoal, como o dever de respeito (art. 1874°, n° 1, Cédigo Civil), 0 dever de auxflio (art.1874°, n° 1, Cédigo Civil), 0 poder de comando (arts, 128° e 1878°, n° 2, Cédigo Civil), 0 poder de repre- sentagiio do filho (arts. 1881° e 1889°, Cédigo Civil), 0 poder-dever de educagio (art.36°, n° 5, CRP; arts. 185° e 1886°, Cédigo Civil) e, o poder de guarda e custédia dos filhos (art.36°, n° 6, CRP; art. 1887°, Cédigo Civil); também abrange certos poderes e deveres de contetido patrimonial, como a dever de assisténcia (arts. 1874°, n° 2 € 1880°, Cédigo Civil) e o poder de administragdo dos bens do filho (art. 1888°, Cédigo Civil)’. Compete, ainda, aos pais representar os filhos, ainda que nasci- turos, ¢ administrar os seus bens (art. 1878°, n° 1, 2" parte, Cédigo Civil), visando a protec¢4o do patriménio do filho. Neste sentido, segundo Rosa Martins', a fungao dos pais é proteger de qualquer prejuizo os interesses (patrimoniais) do filho menor, substituindo-se a ele, decidindo por ele na gestao (negocial) dos interesses, Ou seja, exercendo 0 poder-dever de representacao legal. > Chr. Abilio Neto, Céiigo Civil Anotado, 15° edigao revista e actualizada, 2006. * Cfr. Rosa Martins, Menoridade, (in)eapacidade e cuidado parental. Dissertagao de ‘mestrado em Ciéncias Juridico-Civilistcas apresentada & Faculdade de Dircito da Universi- ‘dade de Coimbra, 2003. Abandono ¢ Adopetio Para Mota Pinto*, 0 contetido do do no artigo 1878° do Cédigo Civil’, 08 pais, nio distinguindo a Lei % i poderes especiais do fi Gm virtde do prinefpio da igualdade (art. 19017) De acordo eo mo ater uot na nova sistemética, hé a salientar a divivas 5 oder aa relativamente & Pessoa dos filhos” (arts. 1885° a 1887°. Ay . ‘ ‘ igdes para que fenham acesso a0 seu neto, contra a vontade dos sus o Poteet Soe desis judicial fagitizer uma crianga, a ponto de Cla ve ona lesprotegida, pelos seus. préprios fi ram S Pais, © confiada, temporaria mesmo que num ambiente protegido, ‘aos avs que a meme © ido, 208 avs que aliments eles uma litigancia a it 1 E poder wna Propésito dela? Sem duvida, E podect decistio representar, sob © pattocinio judick misto te a ; q Patrocinio judicial, uma exposica d , posigéo de uma vase a ‘maltrato de natureza Psicolégica? Pode. Na medida em que ® Petigos indiciados pelos pais sdo tomados pelas extaneay como ne J ‘ perio i peri , Pe Porque (de algum modo) a convida a trait is quando a obriga a interagir com pode, ainda, quando destitui os i rigos gue on ainda, s pais de indexar os perigos qu : , onseiéncia, € no cumprimento da confianca que o Betade ihes Teco, nhece, tentam proteger nos seus filhos ~ Pressupdem, entéo, estes fundamentos gincia familiar entze. pais 8. Parentalidade: riscos e perigos A Lei considera om! que a crianga ou desig tain ga Ou joven esti em perigo quando, encontra numa das seguintes situacdes: ~ esté abandonada ou vive enti = sofre maus- sexuais; — nao recebe os cuidados ou a situago pessoal: ~ € obrigada a actividades ou dos a sua idade, dignidade e v regue a si propria; tratos fisicos ou psiquicos ou € vitima de abusos afei¢ao adequados & sua idade e wabalhos excessivos ou inadequa- situagdo pessoal ou prejudiciais 3 O Direito da Crianca sua formagio e desenvolvimento; ~ esté sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua seguranca ou o seu equilibrio emocional; — assume comportamentos ou se entrega a actividades ou con- sumos que afectem gravemente a sua satide, seguranga, for- mao, educagao ou desenvolvimento sem que os pais, 0 representante legal ov quem tenha a guarda de facto se lhes oponha de modo adequado a remover essa situagao.” (Lei 147/99 de 1 de Setembro, art. 3°, alfnea 2) Como se pode, para além das orientagdes da Lei, e a partir de coordenadas psicolégicas, chegar ao perigo a que uma crianga ou um jovem possam estar expcstos? Do meu ponto de vista, separando a nogéo de risco da de perigo. Se os maus-tratos a que uma crianga ou um jovem foram expostos tenham sido ocasionais ou acidentais, a ctianga deve ser considerada em risco, podendo, em circunsténcias ponderadas, permanecer no meio familiar, nunca devendo o diagnés- tico de risco exceder os trés meses, merecendo a sua permanéncia (ou recolocago) nesse meio, monitorizagdes constantes, ¢ uma Tevo- gacdo, pluridisciplinar, onde cada técnico disponha do direito de veto. Se os maus-tratos foram recorrentes e graves (seja por uma violago, maus-tratos fisicos ou psicolégicos violentos, por exemplo), deve uma crianca diagnosticar-se em perigo, devendo ser, nessas circunstincias — ¢ de imediato — retirada do meio familiar, e confiada a um centro de acolhimento, sem direito a visitas da familia (que, no seu todo, teré sido, maltratante), enquanto so avaliados os danos e 08 recursos emocionais que permaneceram preservados. No mesmo sentido vio outros autores quando referem que o maltrato infantil “compreende todas as acgGes dos pais, familiares ou outros que pro voquem um dano fisico ou psicolégico, ou que, de algum modo, lesionem os direitos e necessidades da crianga no que diz respeito a0 seu desenvolvimento psicomotor, intelectual, moral e afectivo. Com- preende ainda a negligéncia definida como 0 conjunto de caréncias de ordem material e/ou afectiva que lesionem igualmente os direitos e as necessidades psicoafectivas e fisicas da crianga” (Coimbra, Montano & Fatia, 1990, cit. por Alberto, 2004, p. 26). Abandon € Adopeao Em circunstancia alguma, uma avaliagéo diante de um perigo deve exceder os trés meses. Porqué trés meses, num e noutro caso? Porque seré um tempo mais que suficiente para se fazer uma anélise ponderada dos recursos emocionais de uma familia, e do seu contex- to social © econémico, enquanto nao se perpetua a violéncia (brutal) que representa a confianga de uma crianga as mios e rostos estra- nhos de um centro de acolhimento, mesmo quando a salvam de um perigo. No caso de confirmada a presuncao de perigo, e tomando a absoluta necessidade de uma crianga a uma familia, para 0 seu de- senvolvimento, no deveria haver lugar a limitagio mas a inibigto do poder paternal, com 0 conseqnente (¢ imediato) encaminhamento para uma familia de adopcao. Esteja em risco ou em perigo, uma crianga no deve perder esse estatuto de protecgao quando € confiada a um centro de acolhimento. Sinalizar um perigo nao o faz desaparecer, Essa designacao de pro- teccdo deve ser levantada, no mfnimo, 12 meses aps a crianga ser confiada a uma famflia que tenha recursos reparadores para todo o seu sofrimento anterior (seja a sua familia de origem, no caso de estar em risco, ou uma familia de adopeio, no caso de estar em perigo). Porqué 12 meses? Para que se deixe uma familia, que acolha uma crianga, mobilizar recursos de reparagao psicolégica e relacional que, s6 depois de estabelecidas rotinas, cuidados ¢ bases relacionais Seguras, faro com que todas as feridas emocionais dos maus-tratos — que, até af, estariam disfargadas pela adequacao, aparentemente, fria que a sobrevivéncia a experiéncias de terror emocional e a experién- cias de quase-morte sempre suscitam — comecem a surgit na relagao com quem a acolhe. Se, todavia, a avaliagio definitiva do risco ou do perigo exceder 0 prazo méximo de protecco que a Lei prevé para as medidas de protecgdo de uma crianga, deve a medida judicial defini- tiva ser o encaminhamento para adope%o, uma yez que, as medidas de protecgio para uma crianga, em caso de divida, nio podem pecar or excesso (sendo exigivel que se tome como negligéncia profissio- nal muito grave a auséncia de telat6rios e de decisées em tempo titil que protejam uma crianga, decorrendo daf as respectivas consequén- cias judiciais que a Lei prevé). Haverd maus-tratos fisicos sem maus-tratos psiquicos (que se traduzem pela experiéncia de quase-morte ¢ de terror) quando se é maltratado fisicamente? Nao. Quanto tempo essas sequelas levam a 0 Direito da Crianga Ed desaparecer? Duram para sempre. Como se manifestam? Por sinais de pinico ou de terror, em situagGes que, aos nossos olhos serio, aparentemente, banais: sejam um afago, um carinho, um olhar mais interpelante ou mais tenso, ou uma repreensio, por exemplo. Esses sinais manifestam-se logo que se ¢ protegido de quem maltratou? Nao. Manifestam-se muito depois de se confiar uma crianga maltrata- da a uma familia que, de forma coerente e constante, se prope voltar a protegé-la, Haveré uma multiplicidade de factores que convergem (¢ inter- ferem) na fungao parental — condicionando-a, em muitas circunstan- cias - que séo alheios 4 vontade fria ou calculada dos pais. Todavia, cabe ao Estado, depois de escutar os especialistas, definir qual poder ser © limiar de cuidados minimos exigfveis para um desenvolvimento emocional saudével, numa crianga, bem como Ihe compete definir um elenco de faltas ou de falhas, como o seu nivel de perigo, a ponto de o inibir ou inviabilizar (retirando dele ilagdes que se traduzam em medidas judiciais, que agilizem as medidas de proteccio e © exercicio da justiga, junto de criangas ou de jovens em risco ou perigo). Em quaisquer circunsténeias, sempre que os pais sobrepdem, repetida e inapelavelmente, os seus interesses individuais, ou os res- sentimentos que os separam, aos supremos interesses de um filho (instrumentalizando-o, porventura, em conflitos cumulativos) corre- ro © risco de expor uma crianga a experiéncias acumuladas de abandono, devendo, por isso, ponderar-se, duma forma adequada (e sem movimentos impulsivos) as medidas que protejam um menor (sem excluir, no limite, a declaragao do seu abandono, por forma a prevenir a perpetuagdo de medidas provisérias de protecg’o, acom- panhadas por experiéncias de institucionalizagao intermindyeis). 9. Queixas de maus-tratos e de abusos infundadas Como pode, & luz destes pressupostos, compreender-se uma queixa de abuso sobre um dos pais de uma crianga, protagonizada pelo outro? Como uma imputacaio de responsabilidades que, pela sua desmesurada gravidade, deve ser sustentada em actos inequivocos. Sendo assim, a limitagao do poder paternal deve dar-se a0 mesmo tempo que essa queixa € formalizada, como forma de proteger, 38 Abandono ¢ Adopeaio “—____Abandono eAdopeto urgentemente, uma crianga de um dos seus pais. E se, porventura, dessa queixa se conclui pela existéncia de mé-f€ do pai/mie que denunciou, em relag%o a0 outro? Sejam quais forem os outros moti- Yos que possam estar subjacentes a uma dentincia como essa, a0 correr 0 risco de instrumentalizar uma crianga, sujeitando-a a intme- ros exames periciais e ao fracturé-la entre os seus pais, 0 pai/denun- ciante expde uma crianga a um perigo que, pela sua gravidade, deve desencadear uma medida imediata de protecco que poderé incluir a inibigdo do poder patemal. Sera razoavel que, depois de contornada a presumivel fractura entre os pais de um menor, o poder paternal seja reposto na forma que prevalecia antes de um acto como este se ter dado? Nao, Uma ctianga deve ser considerada em perigo, devendo merecer 0 acompa- nhamento que essa situagdo tora exigivel. 10. A protecco das criangas ¢ dos jovens A Lei de Protecgtio de Criangas e Jovens regula a intervengaio do Estado © da Comunidade nas situagdes de menores em perigo. Perspectiva @ protecedo no mbito de uma pirlimide que, num pri- meiro nivel, confere & Seguranca Social, 2 Educacio, 4 Satide, as Autarquias, © as Instituigées Particulares de Solidariedade Social um Papel de triagem e de aconselhamento das situagdes que possam configurar um risco para as criangas. Num segundo nivel, para as Comissdes de Protecgdo de Criangas e de Jovens, convergem todas as sinalizages de perigo potencial, sempre que as entidades de pri- ‘meira instancia entendam que néo € possivel assegurar & crianga uma Proteccdo adequada ou suficiente, no Ambito exclusive das suas com- Peténcias. Para o Tribunal, devertio ser encaminhadas as situagdes de Perigo inacessiveis aos desempenhos das Comissées, aquelas que se confrontem com a necessidade de sobrepor os interesses da crianga a auséncia de consentimento dos seus pais ou de assentimento neces- sario & intervengao da Comissio de ProteccZo, ou quando, tendo aqueles sido prestados, 0 Acordo de Promogio e Protecedo nao seja Cumprido e, finalmente, quando 0 Ministério Publico considere que a decistio da Comissio é ilegal ou inadequada, em relagdo aos interes- ses do menor. O Diteito da Crianga 59. As Comissdes de Protecgéo de Criangas e de Jovens procuram Promover préticas baseadas na prevengdo, numa perspectiva interdis- ciplinar, integrada, solidéria para com as criangas e jovens de uma Comunidade, tentando optimizar ¢ rentabilizar os recursos existentes. Constituem-se como instituigses oficiais nao judicidrias que visam a proteccao de criangas e jovens em perigo, entre os 0 e os 18 anos Funcionam nas modalidades de Comisstio Alargada (constituida como uma rede social de apoio), vocacionada para acces de Ambito geral de promogio dos direitos ¢ de prevengio das situages de petigo ~ devendo assumir, por isso, um papel preponderante ao nivel da interven¢ao priméria — e de Comissio Restrita, com competéncia para intervir em situagdes concretas em que uma crianga ou jovem est em perigo. A sua intervencio tem como principios orientadores (em consonancia com as normas constitucionais ¢ com a Convencaio dos Direitos da Crianga): * Intervengao minima ¢ salvaguarda do interesse superior da crianga e do jovem; Privacidade: a intervengéio deve ser organizada de modo a respeitar a dignidade ¢ a imagem das criangas, dos jovens e das suas famflias € a reserva das suas vidas privadas; Intervencao precoce: garantindo a crianga a intervengao de ProtecgZio, sempre que (¢ logo que) se encontre em perigo; Proporcionalidade e actualidade: a medida adoptada deve ser proporcional a0 perigo em que a crianga se encontra, no mo- mento em que a decisio é tomada; Subsidiariedade: limitagio dos direitos dos titulares do poder paternal ¢ da prépria crianga. A intervengdo deve restringir-se aos aspectos estritamente necessirios & sua efectiva protecgio; Prevalencia da familia e da responsabilidade parental: aposta- se nas medidas que promovam a reintegragdo na familia ou o encaminhamento da crianga ou do jovem para adopedio, em detrimento da institucionalizagio; Obrigatoriedade da infermacio, audicio e participagéo dos pais, representante legal ou a pessoa que detenha a guarda de facto do menor. As ctiancas e os jovens tém o direito a ser informados dos seus dirzitos, dos motives que determinaram a intervengao e a forma como esta se processa, assim como o 60 Abandono e Adopgtio alone Adopgio direito a serem ouvidos. Procura-se, igualmente, que partici- Pem nos actos € na definigao da medida de promogio dos direitos e de proteccio. Deve, em circunstincias de maus-tratos, acidentais ou, no outro extremo, da mais absurda viol€ncia, ser uma crianga referenciada por uma Comissio de Criangas e de Jovens em Perigo? Sim! Se a Comis- sio representar um contributo adjuvante no encaminhamento das criangas para os servigos de pediatria, Isto é as Comissdes nao de- vem € no podem habilitar-se a diagnosticar de fotma empitica sobre © sofrimento das criangas. Quer isto dizer que a actuacZo das Comis- sdes, tal como hoje, muitas vezes, decorre, nao faz sentido? Nao, ~ Primeiro, porque se se trata, efectivamente, de proteger uma crianga (€ protegé-la dos seus pais é qualquer coisa de imen- samente gravel), esse gesto ndo pode depender da autorizagio dos progenitores. lids, se ~ no caso dos pais de uma crianca serem testemunhas de Jeova, se colocam os supremos interes- ses de uma crianga @ frente da interdigao dos seus pais, no sentido de se administrar uma transfusdo sanguinea ~ por que motivo, no caso de estar a ser maltratada, existird uma con- descendéncia com quem maltrata? Segundo, a proteccdio de uma crianga exige um diagnéstico de um servigo de urgéncia. Um servigo de urgéncia em pediatria, que pressuponha avaliagiio da satide fisica e da savide mental, Faz sentido que, tal como tém vindo a ser feitos, 0 diagndstico de perigo possa esperar meses ou anos por uma medida? Terceiro, a protecgao de uma crianga néio pode etermizar-se. Pais que em seis meses nao retinam recursos minimos para ter de volta os seus filhos devem, a bem das criangas, ver limita- do 0 poder paternal. Se, em doze meses nao reunirem os Fecursos adequados & parentalidade, devem ver inibido 0 po- det paternal (sob pena de, doutra forma, ser adiado, imepara- velmente, 0 projecto de vida de uma crianga), Nao poderao tais medidas esvaziar o trabalho das Comissoes? Podem. Mas talvez assim ficasse claro que cidados generosos ¢ de bem no aceitam ser, indecorosamente, instrumentalizados pelo Estado. 0 Direito da Crianga 6 2 Pireita da Crianga Primeiro, porque nfo se protegem criangas em voluntariado e em part-time. Segundo, porque as Comissdes nfio podem set uma medi- da de proteccaio de primeira linha. Mas de segunda. (Isto é: devem monitorizar as medidas que os Tribunais definam na sequéncia dos diagndsticos dos servicos de satide.) 11. Adopedio 11.1. Adopedo: definigdes As vezes, os reencontros com a nossa infincia so tormentosos e, quando a adopgao decorre na sequéncia de muitas tentativas de se Ser mae ou pai, torna quase insuportiveis todos os gestos com que se pretendam avaliar estes casais, Por vezes, toma-se uma adop¢io como um acto demasiado ptiblico, demasiado juridico, pouco intimo, © com muitos, muitos mal-entendidos. Ao contrério de n6s, estes casais tém de ser perfeitos. Ao contrario de nds, estes casais nio podem preferir um bebé a uma crianga mais crescida, uma menina a um rapaz (por exemplo). Ao contrério de nés, estes casais tém de ter disponivel um quarto para uma crianga que venham a ter (mesmo que os servicos do Estado s6 9 autorizem dai a alguns anos). Ao coniriitio dos nossos filhos (em relacdo a quem no hé quem Se questione se so nossos ov se fazem parte de nés), estas criangas sfo alvo duma colectivizagao insuportivel, onde os pequenos pode- Fes se sobrepdem a integridade fantéstica das criancas e & sua impo- nente generosidade (com a qual todos deviamos aprender). Proponho, pois, que em relagiio & adopc’o assumamos um con- junto de ideias que possam situar-nos perante a mesma: a) A adopgiio € um vinculo jurfdico; jamais uma realidade psi- colégica: b) Na relagao entre os pais e os filhos existe filiagdo e paternida- de, que é um processo recfproco e de paridade, ou abandono. Isto €, h4 muitos processos de adopeaio, que jamais colocam reservas aos servigos que as tutelam, onde as criangas nunca deixam de ser adoptadas. Mas, em verdade, muitos filhos que se desencontram irreparavelmente do desejo dos pais, tendo uma heranga genética, nao sio filhos, so adoptados: Abandono e Adopcao c) A filiagdo e a paternidade sao procedimentos essenciais & satide. Os cuidados de saiide merecem critérios objectivos, nos cuidados e nas avaliagdes. Uma crianga merece, quando necessita de cuidados que a protejam, um Servico Nacional de Emergéncia Infantil (semelhante ao Servigo Nacional de Urgéncia Médica, com refigios que sirvam como uma urgén- cia hospitalar), onde — em 72 horas — uma crianga tenha um diagnéstico psico-social, um parecer juridico, e uma avalia- cio pedisitrica, da qual resulte um diagnéstico, do qual ressal- tem as medidas urgentes a tomar nos dez dias seguintes. No maximo, ao fim de 15 dias, terd de existir um parecer claro ¢ vinculativo, com a medida explicita a levar por diante, no que respeita & recolocago na familia de origem ou no enca- minhamento para uma familia de adopgdo, do qual possa resultar responsabilidade civil de quem emite o parecer. Como reagiria cada um de nds se, ao entrarmos numa urgéncia hospitalar, estivéssemos anos aguardando que um servigo averiguasse relagdes familiares num ascendente ‘perdido’ numa aldeia da Beira Alta para, ao fim desse tempo, se deci- dir da mesma forma como se poderia ter feito ao fim de 15 dias? Quem assume a responsabilidade pelos danos causados nesse entretempo perdido em orfanatos, familias de acolhi- mento, e tudo o mais a que estas criangas sfio expostas? Como reagiriamos se, a0 entrarmos numa urgéncia hospitalar com 30 anos, de li saissemos 30 anos mais tarde? Como hao-de reagir as criangas de 4 anos que aguardam 4 anos (confiadas aos cuidados generosas de pessoas sem a forma- gdo adequada para as proteger) por um parecer, regra geral, emitido por técnicos sem a formagao exigivel (que se escon- dem em relatérios evasivos, pouco precisos, muitas vezes cobardes, e de uma banalidade assustadora)? 4d) Filiaglio e paternidade sio um tinico processo no Ambito de uma relagfio de intimidade, que retine os sucessos de todas as relagdes que foram vividas até af, mas que acolhe, também, as sequelas que foram ficando de outras experiéncias mais ou menos abortadas; ODireito da Crianca 63 ec) Num processo de filiagio © de patemidade saudavel, tem de haver momentos — repetidos — em que, se rejeite a individuali- dade do outro, aquilo que ele tem que nos faz recordar feri- das que suptinhamos adormecidas, e 0 que ele nos desvenda dos sonhos que adiimos (e que pensimos ser inexequivel); Um proceso de filiagiio ¢ de paternidade, s6 se inicia algum tempo depois de ser decretada a adopcao. Até li, criam-se lagos, surpreendem-se gestos, mas falta um sentimento de inreversibilidade e de posse (imagindria). Somente quando os pais se questionam se terdo feito bem ou mal em adoptar, quando o filho provoca os pais fantasiando que os outros seriam melhores, € que se inicia esse processo que, em rigor, vai durar, como em qualquer de nés, toda a vida; 2) Como em qualquer processo de maternidade e de paternida- de, nunca avaliamos 0 desejo, nem predizemos o futuro (em- bora, com probabilidades, tenhamos 0 compromisso ético de estimar recursos vitais € riscos possiveis). As vezes, os pais que parecem menos euféricos quando se dispéem adoptar no siio, por isso, mais hesitantes. A melhor qualidade dos pais nfo passa pela realizaco virtual do desejo mas pela maturidade que tenham para se surpreenderem com ele; h) Um processo de adopeao pode ser um cenério para fantasias omnipotentes dos técnicos, sejam eles juristas, assistentes so- ciais, psic6logos, ou outros quaisquer. Alguns téenicos ima- ginam-se Deus e, sem hesitagio e sem critica, decretam, do cimo da sua presungdo, quem deve ficar com quem, em que circunstincias, e ao arrepio seja do que for. Tudo 0 que contrarie uma paridade ética nao € um processo legal, mas uma manifestagéo celinquente, € com dolo (por vezes) que, se atiga as convicges de paternidade de um casal, deve, todavia, merecer procedimento criminal; Ninguém, seja por que for, pode ser a favor ou contra a Lei (e, a propésito da adopgao, alguns teimam em sé-lo). Caso no a entenda, um ‘écnico tem a legitimidade civica de insu- bordinar 0 sossego de magistrados, mas nao pode trespassar © sofrimento de pessoas, escondendo-se cobardemente em pareceres inconclusivos, nem nas vicissitudes de tribunais, nem na impoténcia perante os maus-tratos do Estado. Vendo Abandono & Adopedo a filiagdo e a paternidade como essenciais & satide, quem por ignorancia, por doenca, ou por mé-fé atente contra os recur- sos de satide de uma pessoa (tenha que idade tiver), forgan- do-a a que os delapide (por vezes, até & exaustio), deve a meu ver, incorrer em procedimento criminal. A avaliacao dos pais que procuram um fitho Sera, no entanto, ético que alguns entre nés (sabe-se 14 com que experiéncias de parentalidade), investidos da necessidade de despis- tar recursos relacionais que possam traduzir-se em atitudes parentais que magoem as suas criangas, possam, hoje ainda, decidir de formas, tantas vezes, to empiricas, acerca de circunstincias to essenciais para a vida e para o sofrimento de duas pessoas? Sera legitimo e, talvez até, constitucional, que um casal que pretenda adoptar seja (por exemplo) submetido, as vezes sob alguma chantagem, a provas de diagnéstico psicolégico, quando esse procedimento discriminaté- rio jamais é exigido a quaisquer candidatos a pais? Seré legitimo continuarmos a invadir a privacidade de um casal em relacao aos seus recursos econémicos mensais e, sobretudo, a existéncia de espago para um bebé que se adopte, quando uma condigio do género desta Giltima, levaria a que alguns técnicos da Seguranga Social ¢ alguns magistrados fossem interditados de assumir a sua parentalidade? Sim, & legitimo, nalgumas circunstincias, como parte das medidas cautelares — nfo como o essencial ~ em relagiio a uma crianga. ‘Como haveremos de proteger as criangas dos cuidados dos pais que procuram ser pais? Deixando-os entregues & tutela da Seguranca Social ou obrigando-os a articular-se com servigos de satide crediveis que, esses sim, tergo recursos para, através de avaliagdes do desen- yolvimento de uma crianga, estimarem a qualidade dos cuidados efectivos que Ihe sdo prestados? Deixando as criancas entregues a instituigoes de emergéncia infantil para que sejam testituidas & fami- lia (como as vezes acontece, quatro anos depois), ou assumindo a nossa negligéncia para com pequenos cidadiios sem provedoria, que sofrem sequelas gravissimas que decorrem de uma experiéncia institucional, algumas sem quaisquer remiss6es, sé porque uma equi- pa opta por trabalhar uma familia ou um tribunal acha que se pode- O Direito da Crianga 65 rio presumir recursos num progenitor (mesmo contrariando parece- res téenicos)? A quem poderemos imputar os danos de violencia e de ‘maus-tratos para com estas criangas: = aos pais que, pela limitago dos seus recursos, as remetem para uma instituigao? — aos servicos que tutelam as instituigdes? — ao Estado, que no thes confere meios mfnimos para proteger estas criangas e que, sendo o tutor mais negligente e maltrante, continua assumindo, através dos seus técnicos, fungdes fami- liares perante 14 000 criangas de diversas idades? a alguns magistrados que, nalgumas circunstancias, as conde- nam sem culpa formada e sem quaisquer ciimulos juridicos as vezes, por falta de pareceres, com engenhosa prudéncia; 4s vezes, perante multiplos pareceres confluentes, ignorando-os — olimpicamente — sob a vertigem da irresponsabilidade que os abrange)? A avaliagao dos pais que desistem de um filho Ninguém abandona sozinho, tenho tentado alertar. So as fami- lias, no seu todo, que criam convexidades que, aos poucos, expul- sam, por abandonos cumulativos, uma mulher da sua familia, Como “gato escaldado...”, quem é abandonado cria, sem que disso tenha consciéncia, condigées para procurar... quem a abandone, e torna-se, por tudo isso, potencialmente abandonante. Familia, num plano psiquico, nfo so as pessoas consanguineas, mas as pessoas sem omisses destrutivas na sua bondade para connosco. Acreditem que se tomarmos os actos de abandono como actos de violéncia como deverfamos tomar os actos delinquentes, por exemplo, como mediadores do sofrimento psiquico, todas as pessoas que maltratam seriam, apesar de maltratantes, vitimas inequivocas. Apesar de nao ter registos de lesio nos raios-x, um abandono é sempre um maltrato violentissimo que deixa sequelas, para sempre. Se somos tio cuidadosos a identificar a violéncia familiar, porque seremos to negligentes para com as criangas maltratadas pelo aban- dono dos seus pais? 66 Abandono ¢ Adopcao “a ——________Abandonoe Adopgto 11.2. A guarda de Criangas Teremos consciéneia dos danos que uma institucionalizagio de meses provoca numa crianga? Teremos nocio que uma barbaridade como a guerra dos Balcas, vivida em companhia dos pais, tem me- hos consequéncias destrutivas no desenvolvimento de uma crianga, que uma experiéncia de institucionalizagio? Teremos nogao que uma instituigio é, somente, como um intemamento hospitalar, um. servigo de urgéncia e que, apds estancar-se a hemorragia de softimento, cada dia a mais implica um més de cuidados reparadores? Teremos nogdo do que isso tem de bérbaro para uma crianga? Teremos, por tltimo, nogio do que representa de violento, para uma pessoa que apoie estas criangas em instituigio, confrontar-se com quem Ihe solicita, simplesmente, que seja sua mie? E como poderd sentir, essa crianga, os movimentos de distancia que essa pessoa mobilize para se. proteger? Nao sera mais razoavel que se assuma que as familias que reinem Fecursos para uma ajuda so aquelas de onde nao € necessério que se retirem as criangas para que o seu crescimento se dé, acompanhado Por algumas instituigées ou por alguns técnicos? Nao seré de bom senso assumirmos que a retirada da crianga em relagdo @ sua famflia deverd ser uma medida tendencialmente definitiva? Nao seré pruden- te que nos perguntemos porque sio os servigos que tutelam os cuida- dos as criangas to céleres em relacio as “providéncias limitativas” do poder paternal, em relagtio as criangas de meios sécio-econémicos desfavorecidos, ¢ tio omissos em relagio a situagées familiares igual- mente gritantes de outros niveis sociais e econémicos? Nao ser4, afinal, dbvio, que as criangas que nao disponham desses recursos deverdo ter os cuidados de satide de que necessitam, tutelados. por uma instituigdo, apds os quais devam ser confiadas a um casal referenciado? Nao serd, por fim, urgente que deixemos de tomar a vida destas criangas e destas famflias como questdes jurfdicas ou Sociais ¢ as tomemos como procedimentos de satide? Quem cuida dos direitos da Crianga e do Jovem em acolhimento? 0 Dreito da Crianca 61 2 bweito da Crianpa 8 11.3. Colocagéo Familiar A colocagio familiar tem merecido, desde sempre, os meus maio- res reparos. No plano do Estado, a colocagio familiar talvez repre- sente uma medida a meio-caminho interessante entre a organizagio duma familia, a titulo definitive, e a institucionalizagao de criangas, No plano social, talvez as familias de colocagao devessem represen. tar um primeiro momento num proceso de adopeao. Mas, na reali- dade, nada € assim, Tomando em consideragéo a satide das criangas, a colocagio familiar é uma medida da mais absoluta gravidade, Gra. vidade, porque a selecgio destas famflias continua a ser demasiado empirica. Gravidade, que decorre da leviandade com que se colocam criangas em familias que, por vezes, s6 t8m disponibilidade para “gatas borralheiras”. Gravidade, porque se colocam criangas numa familia A qual ela sente absoluta necessidade de se vincular (embora, Para muitos servigos do Estado, se imagine que as criancas chamem mie ou pai de forma inconsequente ou, mais ou menos, passagcira). Gravidade ainda porque, os processos de protecgio de uma crianga em relagio & sua famflia sao demasiado transitérios, como se. nao ficassem sequelas destes maus-tratos protagonizados por ténicos que se péem de menos em causa. Gravidade, por fim, porque apesar da transitoriedade de algumas medidas do Estado, para as criangas 0 Provisério niio existe. Nao existem pais provisérios; vinculagdes pro- visorias; relages familiares provisérias; expectativas, sonhos e pro- jectos de vida provis6rios. E, sior, sempre que 0 provisério da Lei no contempla os direitos das criangas, delapida, cumulativamente, fecursos de satide que, pelos danos irrepardveis que promove, 6 compagindvel com maus-tratos graves. Em resumo, aquilo que, aos olhos da Lei, setia um prudente tempo de espera, tendente a promo- ver medidas judiciais sensatas, corre o risco de representar, na maio- rin dos casos, uma hipoteca irrepardvel dos projectos de vida de uma crianga. Nao poderé parecer uma tal perspectiva, perigosamente, funda- mentalista? Nao. Se compararmos os danos de uma institucionaliza- $40 com os de uma colocagiio, estes diltimos serto, potencialmente, maiores. Porqué? Em primeiro lugar, porque uma institucionalizagio deve cingir-se a critérios sérios (onde a proteegio de uma crianga, em relagao a sua familia de origem, deva ser, tendencialmente, defi. 68 Abandono ¢ Adopetio nitiva, com limites de tempo que nunca excedam aquilo que é previsto na Lei). Em segundo lugar, se a institucionalizagéo em Centros de Acolhimento — humanos e restritos, que no sejam albergues de crian- gas ~ pode preservar 0 romance familiar que cada ctianga, privada de familia, elabora a propésito dos seus putativos pais (constituido por fantasias ¢ idealizagdes para onde faz convergir todos os pequenos gestos de parentalidade que tenha usufruido, sejam protagonizados por quem forem), uma familia de acolhimento estrangula e erode quaisquer idealizagdes que ela venha a fazer. Em terceiro lugar, uma colocacio familiar introduz numa famflia relacdes fracturantes, que distinguem os filhos de um casal que acothe, das criangas em coloca- GH, © que, por si s6, representa um maltrato que se junta a todos os outros que uma crianga j4 teré acumulado, Foi publicado, recentemente, um novo enguadramento legal Para a colocagio familiar com que se pretende retirar um ntimero significative de criangas das instituigdes, confiando-as a pessoas que as queiram acolher em suas casas, a troco de um subsidio mensal. Para além de serem definidas, para estes candidatos, caracteristicas de personalidade que parecem exigir uma tal esterilizagio dos afec- tos que os tomar humanos de menos para as criangas, estima-se que um més sera quanto baste para que uma crianga passe de uma situa- 40 de colocagio, para um regresso & vida familiar de que foi prote- gida, € incorre-se no erro de imaginar os perfis de quem acolhe, sem se ponderar sobre as consequéncias que a colocago familiar tem para quem € acolhido. Sera saudavel que a colocacio familiar viabilize os primeiros momentos de um processo de adopcio? Sim. E poder sé-lo se, numa situagZo de emergéncia, garanta a protecedo de uma crianga, transitéria e subitamente, desamparada da sua famflia (por acidentes ou hospitalizagdes de quem a cuida, por exemplo)? Também. Mas permitir que se tirem criangas de instituicdes (onde deviam, unicamente, estar de passagem) para permitir que estejam, alguns anos, numa familia de acolhimento, que nunca a poderé adoptar, seré dar com uma mao 0 que se tira com a outra, Neste contexto, aquilo a que se tem chamando apadrinhamento civil nao serd, do ponto de vista dos custos para as criangas muito diferente daqueles que a colocagio familiar Ihes provoca. Ha, em Portugal, 12 245 criangas em situagdo de acolhimento. Destas, 1 400 criangas estio registadas nas listas de adopedo, em O Direita da Crianca 69 situagtio de adoptabilidade, embora em 2007 somente tenham sido decretadas 278 adopgdes. Acresce que, a esmagadora maioria destas criangas esti, muito para além dos limites definidos pela lei, em condigdes de adoptabilidade (bastava que, para tanto, a Seguranga Social ¢ os Tribunais cumprissem 0 que esté legislado e decretassem © abandono de quem esté protegida da sua familia vérios anos, para além dos limites previstos, para as medidas provisérias de protecedo). Para além disso, muitissimas criangas sio, em diversas circunstancias, atropeladas pelos pequenos poderes dos técnicos que deviam olhar melhor por elas (e, sempre que disputam protagonismos, as negligen- ciam) ou pelos interesses econémicos de algumas instituigdes que protelam adopgdes (como forma de, com isso, nao perderem os sub- sidios que essas criancas Ihes garantem). Apesar de se falar, pomposamente, em “projectos de vida” (como se, para além do diteito a uma funilia sua, houvesse outros projectos que concorressem com esse) haverd — a partir de agora — muitas mais ctiangas colocadas em familias que nunca serio suas, como se a colo- cago familiar de uma crianga maltratada e abandonada fosse o bonus que © Governo concede a muitos meninos e a muitas meninas, iguais 08 nossos filhos, como forma de, 20 menos nisso, se cumprirem os programas eleitorais, sufragados nas urnas. Nem que, para tanto, se tome o inferno dessas criangas mum purgatério onde até podem cha- mar “mie” © “pai” a duas pessoas, embora nunca deixem de ser “filhos de segunda” (ou uma espécie de “gatas borralheiras” a quem nunca ninguém aparecerd, de surpresa, para as banhar de sol). Fard sentido que 0 Estado, em nome do bem comum e da ordem social, protagonize, em fungio das omissGes dos seus pais, os cuida- dos dedicados as criangas? Faz! Porqué? Porque as criangas so um patriménio da Humanidade? Nao! Porque todas as criangas sto nossos filhos! Deve, entéo, 0 Estado tomar em consi leracaio os direitos das criangas mesmo que, em determinadas circunstincias, se observem negligéncias intermindveis ou se criem impasses juridicos (demasia- das yezes em nome de interesses egofstas de pais que, nao olhando a meios, as maltratam, entre batalhas judiciais sem fim e na guerrilha da vida de todos os dias)? Claro. “Os supremos interesses das crian- as” so, afinal, uma forma de, em fungio de enovelamentos juridicos que as prejudiquem, se considerar que, em determinadas circunstan- cias, 0s direitos das criancas estiio acima da Lei. Abandono ¢ Adopgao Mas, com medidas como esta, em Portugal, os direitos das crian- gas voltam a estar, outra vez, “fora da lei”, Nao é por se diminuir o néimero de criangas em orfanatos (imaginando que o direito a um titulo de habitacdo periédica é uma familia), que Portugal se transfor- ma num pais amigo das criangas. E jamais seremos pais de verdade enquanto houver criangas de primeira e bastardos. 11.4. A adopedo restrita ‘Tem vindo a falar-se, de novo, de adopgao restrita. Esse perfil juridico — previsto na Lei mas caido, felizmente, em desuso, até agora ~ permite que uma crianga, protegida da sua famflia de origem (por motivos que se imaginam relevantes e significativos), possa ser confiada a uma outra famflia, sem que com isso quebre os vinculos que tenha com a primeira (mas sem que, para efeitos de heranga, por exemplo, esteja em igualdade de circunstancias com os filhos da familia que, entretanto, a ted adoptado), O modo como a ideia tem sido acolhida, como forma de combater a institucionalizagio das ctiangas, preocupa-me muito. Em primeiro lugar, queria acreditar que o Estado se estava a tomar mais responsdvel, percebendo que a satide das criangas nfo se promove com solugdes minimalistas. E que ser feliz em servigos mfnimos — sobretudo quando essa mirabolante solugio parece facil, a0 decidir sobre a vida de criangas que nao as nossas — faria parte de um passado que nos deve envergonhar a todos. Em segundo lugar, arrepia-me a forma como se vai passar da repeticao dessa solugo aos actos, como se a justiga ainda tomasse a limitagdo ¢ a inibigtio do poder paternal como se fosse uma qualquer expropriagao. Em Portugal, progenitor, pai ¢ proprietério sio, vezes demais, sinénimo umas coisas das outras. (Recordo, de novo, que nem quando se deu como provada a violaglo de uma bebé de dois meses, pelos seus progenitores, 0 Estado os inibiu do poder paternal. Pergunto-me, acidamente, 0 que serd necessdrio que os pais fagam mais, para além de violar um filho, por exemplo, para que sejam inibidos do poder paternal...). Dirsito da Crianga u Em terceiro lugar, pergunto-me se ninguém pararé para pergun- tar que coeréncia de cuidados existe na Justi¢a que, por um lado, protege uma crianga da sua famflia de origem (presumindo que a expOe, perigosamente, a maus-tratos que comprometem, gravemente, © seu desenvolvimento) e, por outro, acha bem que a mesma crianga se reparta entre uma familia cue a adopta e outra que a maltratou, como se nada chocasse com nada. Em quarto lugar, seré que se ponderam os custos que uma medida destas tera, para uma crianga que se adopta, de forma restrita? Para alguns efeitos, é filha da sua nova familia, Para outros, simplesmente, adoptada. Convivendo com outros filhos do casal, sera, portanto, pacifico — para quem promova esta medida - que umas criangas sejam filhos de primeira, e outras de segunda categoria, Umas sejam Cinderelas; outras, Gatas Borralheiras. Como se nada as magoasse Em quinto lugar, imagino as famflias que adoptem neste regime. As que querem ter um filho, nunca aceitario repartit um filho com outros “pais” que, antes, a malirataram. As que querem uma crianca, para uma exibigao, publica ou privada de compaixao, encontram af um argumento que deixa claro que ela nunca serd sua filha. 11.5. Adopeao de irméos confiados @ guarda de instituigées Sempre que uma crianga é protegida da sua famflia de origem, presume-se que a equipa técnica que tera recomendado esse procedi- mento (¢ © magistrado que o teré deliberado), agin com a consciéneia da medida extrema que um acto de proteccio desses pressupde, 0 que 86 ser possfvel quando os pergos a que ela esteve exposta sio da maior gravidade, Ao executar-se uma tal medida de proteccio sobre uma crianga, ela deverd ser, naturalmente, extensa a todos os membros de uma fratria, pois nfo 6, cientificamente, credivel, que pais sem competén- cias essenciais para a parentalidade actuem de forma diferente diante dos seus diferentes filhos. Ao serem protegidas da sua familia de origem, as criangas devem estar em instituigdes de acolhimento 0 tempo estritamente essencial ara serem encaminhadas para familias de adopedo, jé que a retirada de uma crianga do seu meio familiar de origem tem de ser, pela 2 Abandono © Adopeao gravidade que pressupde, uma medida tendencialmente definitiva, Todo o tempo de privacio familiar que exceda o limite méximo Previsto na Lei, sem que se tenha chegado a uma decisio definitiva em telagdo as criangas retiradas & sua familia de origem, é um maltrato Protagonizado por omissio (na melhor das hipéteses). Se, apés a retirada, as criangas de uma fratria sto repartidas por familias diferentes, ou por Centros de Acolhimento distintos, esse Procedimento, quebrando lagos de fraternidade fundamentais, & Compaginével com uma situago de maltrato psicolégico. Existindo uma situagao como a anteriormente referida, essa se- Paragio deve ser minima, e esbatida por contactos pessoais frequen. tes, devendo supor que, dentro dos prazos previstos pela Lei, as criangas sejam adoptéveis, em conjunto, Nao sendo os irmaos, que tenham sido privados do seu meio familiar de origem, adoptéveis, em conjunto, dentro dos prazos pre. vistos na Lei, ¢ mantendo relagdes distantes, mesmo que coabitem numa mesma instituieto, € ponderdvel que a adopedo de um dos membros da fratria nao condicione a de todos os outros. Nao sendo adoptéveis em conjunto, € razodvel que a adopedo individual de um dos membros da fratria se dé, sem que, contudo, deixem de contactar uns com os outros, sempre que os ganhos de um tal contacto niio Superem os respectivos custos psicoldgicos. Deixando que se perpetue uma situagio de separagdo, de facto, ha dnsia de uma solugao idilica que, para mais, no cicatrizard os maus-tratos cumulativos que decorem de um longa (e ~ do ponto de vista dos supremos interesses das criangas — absurda) institucional. zagio, impoe-se que — entre esperarem por uma reunido familiar, correndo © risco de se Perpetuar a institucionalizagio, ¢ encontrar-se uma solucdo sensata e urgente, mesmo que essa premissa nao seja cumprida, se possa optar por esta tiltima. Uma familia nunca € uma situagao de facto. Mas, antes, um Processo de “casamento interior”, s6 possivel quando as. pessoas se dao, com perseveranca ¢ autenticidade. Sendo assim, comprometer, gm nome de uma situagao ideal, uma medida transit6ria de protecgas gue, desde hé muito, ultrapassou todos os limites que a Lei considera ajustdveis aos interesses de uma crianga, néo seré um acto nem de justiga nem satide. 0 Direito da Crianga 11.6. Novos desafios da adopgito Os novos desenvolvimentos das tecnologias de reprodugio me- dicamente assistida e as grardes transformagées sociais que tém vin do a decorrer, trouxeram novos desafios as adopgdes. De todos, a menos complexa serd a que se relaciona com a adop¢o em familias monoparentais, Como sucede habitualmente, em intimeros servigos de adopgio, é banal que se tenha como aceitéi vel que uma mulher que assume individualmente um processo de adopgao 0 faga como consequéncia do seu desejo de maternidade, Quando, pelo contrério, um homem pretende assumir uma adopgao, raros sfio os técnicos que nao associam isso a uma qualquer perversi dade mal assumida. Sera justo esse pressuposto? Parece-me que nio. Todavia, a adopgio monoparental encobre, nalgumas circuns- tancias, a adopgZo em familias homossexuais. Faré sentido o pressu- Posto de que so necessérios um pai ¢ uma mie ao desenvolvimento de uma crianga, quando a maioria das pessoas que se assumem homossexuais tiveram, regra geral, um pai e uma mie? Por mais que se resguardem de o fazer com clareza, que paridade definem os servigos para enquadrar tais solicitagdes no Ambito das suas rotinas? Tenho, repetidamente, afirmado que a biologia nao funda o sen- timento familiar. Quem nos transmite um legado genético torna-se Pai ou mae se o bioldégico “abrir” para o relacional. A falta de um enquadramento legal para a fecundagdo medicament assistida, rela- cionada, também, com os embrides excedentérios, cada vez mais, hd hipotese de virem a decorrer adopgdes de embrides. Como, se nao poem de identidade jurfdica? A adopgao de um embriio no po- dera representar a possibilidade de associar dois pais num vinculo onde as significagdes se aprofundam com uma gravidez? Acho que sim. E deverd ser “disponibilizada” como adopgio.... monoparental? Nao. E os dadores do embrido sao pais abandénicos ou pais benevo- lentes? Como se ird gerir a informagao do dadores de gimetas que viabilizaram a “adopeao”? 4 Abandono ¢ Adopeio 12. A natureza humana Existiré, partindo do que sentimos (¢ das formas como pensa- mos), uma natureza... humana? E engracado o termo em si. Nio tomo a natureza como um estado idilico, desenhado por Deus. Do ponto de vista da vida que a compée, a natureza é, muitas vezes, profundamente agressiva. Mas é comovente observar como ela se transforma, sempre que consegue ligar complexidade ¢ simplicidade A natureza, se a quisermos imaginar com rosto humano, tem a sabe- doria de aprender com a experiéncia. Mas, sendo assim, haveré um estado origindrio de bondade, que nos torna semelhantes? Os bebés que nao passam por grandes sobressaltos na gravidez, nem so expostos a sofrimentos violentos (acidentais - como a Prematuridade, a angustia ou depressio do pés-parto da mac — ou cumulativos ~ como a precariedade econémica ou a debilidade de quem 0 cuide, por exemplo), tém um olhar bondoso e cativante. Escutam-nos, Iéem-nos e sentem-nos. Nio me choca, por isto, que a esta disponibilidade inicial para nos ligarmos, para nos conhecermos, © para amarmos, chamemos natureza humana. ‘Mas, sendo assim (se as pensarmos em abstracto) porque é que aS pessoas se desencontram da sua natureza, e se tornam feias ¢ azedas, 4 medida que crescem? Porque, ao contrério da natureza, sio escassas as vezes em que aprendem com a experiéncia. Porque nao querem? Nao, porque a complexidade dos seus sentimentos e do seu pensamento € grande. E, enquanto a natureza metaboliza as diferen- gas em ciclos de tempo onde caberiam muitas geragdes humanas, é Taro que uma pessoa encontre quem transforme, num periodo cir- cunscrito da sua vida, sofrimentos enquistados, sentiments por legendar, ¢ pensamentos que, simplesmente, se intuiram, sem nunca se terem formulado. Disse, a propésito da educagao, que a escola foi a invengio mais bonita da humanidade. E que o ensino obrigatério talvez tenha Sido a mais universal das revolugdes. E por isso que aplaudo todos 6s contibutos, diferentes, que a tornem melhor. E anseio pela segun- da das revolugdes universais: uma revolug%o para o amor (que nos leve de regresso & disponibilidade para nos ligarmos e para nos conhecermos, a que talvez possamos chamar natureza humana), Em nome de todas as criangas. E de todos nds, @ Direito da Crianga REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALBERTO, I. (2004). Maltrato e Trauma na Infancia. Coimbra: Almedina. Barteur, A. (2007). 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Essa luta mereceu a assisténcia (mais ou menos divertida) — & 0s comentarios jocosos — dos restantes colegas, tendo 0 video sido colocado na internet ¢, mais tarde, em toda a comunicagao social. Faro estes episddios a regra nas escolas? Nao! Ainda assim, um episddio tio grave merece ser pensado, a parte de quaisquer oportu- nismos parentais, partidérios ou sindicais, que dele possam surgir. 2. Em primeiro lugar, a fungio de um professor é demasiado precio- sa para que possa merecer maus-tratos. Maltratar um professor € um atentado contra 0 direito & educagio. Em segundo lugar, 6 importante que se estabelega uma diferenca entre 0 direito & mé-educagio (com maneiras), propria da insoléncia adolescente, a violéncia verbal 2 0 maltrato fisico a um professor. Se a primeira merece a condescendéncia que, acto a acto, deve merecer, a segunda e a terceira no. Alids, 6 hd dois tipos de criancas que assumem estes tiltimos comportamentos: aquelas que reproduzem na escola a auséncia de regras familiares ou as que, sendo tiranizadas pelos pais, se vingam, pela tirenia, junto dos professores. Em quais- quer circunstancias, violéncia verbal e maltrato fisico sobre um pro- 8 Abandono ¢ Adopedo fessor merecem que as criangas que protagonizam tais actos sejam consideradas, de imediato, em perigo, e os seus pais responsabiliza- dos, © punidos (judicialmente, se for 0 caso) por isso. Mas sejamos razodveis; nfo ha criangas sensatas que vandalizem uma relagao. peda- g6gica, unicamente, por influéncia de um grupo. Por outras palavras os bons alunos portam-se mal (porque aprendem com os erros). Os maus alunos sto exemplares, porque néo podem errar, Se os bons alunos aprendem com os erros, os maus alunos esto acima deles, 14 aqueles que se acham acima dos alunos (porque, porventura, terio acumulado bons exemplos de maus-tratos) vandalizam o direito de todos a aprender. Castigé-los, afastando-os do ensino obrigatério, é paradoxal: supde que haja uma regra para o desenvolvimento saudé- vel e que ela se ignore sempre que ele se enviesa. Tomar insoléncia, actos delinquenciais e atitudes psicopdticas como sindnimos € populista. Jé considerar que os actos delinquentes @ as atitudes psicopaticas que decorram em meio escolar (sejam Protagonizados por quem forem) deveriam ser do ambito da justiga educativa e estar fora do meio judicial seré um belissimo exemplo da forma como se pretende educar para a democracia protegendo actos fora-da-lei. Em terceiro lugar, se a aluna que assumiu uma luta corpo-a- ~corpo foi justamente punida, os colegas que a presenciaram mere- cem-no ser mais (j4 que, pela sua passividade cimplice, privaram do dever de auxilio a professora e a colega). B aquele que as teré filma- do mais ainda, porque as maltratou, com a sua cobardia, é violou o direito & privacidade da turma e da sua professora (extensa aos seus momentos mais infelizes) que, a partir da difusio pablica das ima- gens recolhidas, teré consequéncias irrepardveis, para sempre. Para as duas. Em quarto lugar, 0 exerefcio da autoridade de um professor nao comportard, nem em desespero, uma luta corpo-a-corpo. Por mais que seja temtador, reagir & violéncia com violéncia faz ruir o sentido de justica, jé que a autoridade se legitima com bons exemplos. De- pois dos pais e da familia, um professor é 0 bem mais precioso para © desenvolvimento humano. Desprezé-lo € atentar contra os direitos de todas as criangas. E se é verdade que a escola é a primeira comis- sido de protecgio de criangas em perigo, diante de cada uma delas sao os 6rgios da escola que devem fazer a mediagao entre uma 0 Direito da Crianga 9 familia e um tribunal (se for 0 caso) e nao cada professor per si a fazer de curador de menores, de psicdlogo e de assistente social (para além, é claro, de ser professor). Sempre que o deixa entregue A sua sorte, uma escola atenta contra 0 direito educagio. 3. Ha proceso educativo sem autoridade? Nao! Mas a autoridade também se conquista. E, por mais que sejam necessérias regras que a estruturem, a autoridade € uma consequéncia da sabedoria e do senti- do de justia de um professor. Comegando pelas regras de boa edu- cago que, a pretexto de uma incompreensivel tolerincia, so maltra- tadas no dia-a-dia de uma escola, Autoridade e autoritarismo sio o contrério uma da outra, Talvez porque muitos pais tenham sido edu- cados com autoritarismo as confundam, ¢ no percebam que a auto- tidade € a melhor amiga da tolerancia e da democracia, e o laxismo. da prepoténcia e da ma educagiio, A autoridade pressupée regras e tolera a sua transgressio; 0 autoritarismo estimula a disciplina e acarinha todos os actos que a exorbitem. Mas se, a pretexto deste epis6dio, surgem professores a relatar alguns episédios proximos do s6rdido, nao € o estatuto do aluno nem a autoridade do professor que devem ser esclarecidos, mas é a fung&o da escola que tem ser pensa- da, (Que devia ser o lugar onde se constroem pessoas melhores ¢ nao uma “linha de montagem” de jovens tecnocratas, razoavelmente ins- trufdos e, inquietantemente, mal-educados). 4, Maus-tratos fisicos e verbais & parte, é de esperar que os episé- dios violentos aumentem na escola? E. Porqué? — Porque ha muitas criangas que, pela vida fora, crescem em auto-gestao. — Porque, por vezes, muitos pais se demitem, pelos maus exem- plos que dao € pelo medo com que lidam com 0 “nio”, na definigéo de uma regra para a relagiio. E as escolas também. — Porque uma escola, saudavelmente, plural, ao integrar todos 6s alunos num mesmo espago (que nao distingue ragas, classes ou 80. Al \bandono ¢ Adopeao credos) no pode contemporizar com a necessidade dos professores fe adaptarem 2 ma educaedo com que muitos alunos chegam 2 esco, la. A escola nfo substitui a familia mas ~ vale para todos os alunos escola e familia educam de forma mai assim, cada professor deve ser, també cxemplos) um provedor da boa educagéo, Por outras palavras: nfo é 86 © ensino que deve ser obrigatério; a boa edueagao também Ou, outra maneira, o sentido de justica é inimigo da “tolerancia zero”! "m (escorado pelos seus bons ~ Porque as familias mais democraticas felizmente, corresponde cada vez uma ideia obsoleta de uma tecno¥ que as criangas tém, mais stress didrio (em fungao de cracia educativa), menos espaco e inenos tempo para brincar. Isto 6: educamo-las para a democracia nes Uranizamo-las com tempos de aulas e agendas extra-curticulares cada vez mais esmagadores, © tempos de convivio familiar e de brincar cada vez mais raros e de fim-de-semana. Ora, fazer de conta aie Se mata um amigo e, de seguida, jogar bola com ele, faz com sue A fratemidade se possa chegar com a agressividade que. se trocn com wari. (A agressividade, recordo, faz bem a satide. Eo melhor anti-depressivo ¢ © melhor ansiolitico do mundo. E é da culpabilida- de pela dor que provocamos em alguém a quem estamos igados que aprendemos a agredir com equilibrio e com maneiras, to util pela vida fora). Mas a agressividade & proporcional A dor: quanto. maior | a dor mais exuberante © impulsiva 6 a agressividade que a cicatriza, Por mais que se estranhe, pressupe a esperanga em alguém que a descoditique. Quanto mais se acumula a dor, mesmo que ela resulte de pequenas experiéncias dolorosas que se guardam ¢ nao se trocam, mais a agressividade se transforma em violéncia, e o édio que a Scompanha serve para afirmar um triunfo de morte sobre a falta de €speranga que esmorece e mortifica, iho se vive, se guarda e se fantasia, transforma-se em violencia conti dt, Que, no havendo espagos dirios de meditagio, de crativisnia pu de brincar, se torna mais impulsiva, mais destrutiva © mais itvepardvel. Reeeio que seja por isso que muitas criangas, muna familias © muitas escolas se repartam entre a exigéncia do exemplar ¢ & iminéneia do violento, & margem da humildade de aprender com cx erros dos que se portam mal, ALIENACAO PARENTAL Ebuarvo SA i, A alienaco parental como indemnizagio sob coaccio O conceito de alienagao parental parece guardar em si muito do que tem sido a confusdo, que o direito da familia deixa mais exposta, entre © que € pattiménio e 0 que serdo relagSes familiares. Na verdade, se num divorcio, por exemplo, dividir significa, por vezes, alienar (uma parte do patriménio, por exemplo) no que respeita as relagdes, 'uma sepatago pode representar uma melhor forma de compattilhar. Se, num plano juridico-judicial, um divércio representa, tam- bém, uma divisdo de bens, num plano psicolégico, representaré uma forma de tornar a familia mais familia, 4 que pais libertos de um stress crénico © de um sofrimento insidioso, tornam mais exequiveis as relagdes familiares do que clas seriam até af. Aliés, ser por isso que, muitos divércios representam uma forma de uma crianga passar 4 usultuir de mais pai e a contar com melhor mae do que foi tendo até ele se dar (e, mesmo entre os seus pais, nao sao raras as vezes em que o divércio viabiliza a convivéneia da individualidade dos pa que passam a escutar-se e a considerar-se mais do que até af tetio sido capazes de o fazer) Dai que, entre custos © prejuizos em softimento, um divércio, quando gerido com sensatez, pode representar um ganho para uma familia, Infelizmente, muitos pais vivem um divéreio através de uma atmosfera de desespero, Talvez porque sintam o seu amor-préprio maculado com ele. Talvez porque se tenham desprezado de varias formas e, com um divércio, essa consciéncia se tome abrasiva, levan- 82 Abandono ¢ Adapedo do-os a supor que a alternativa a um mau casamento serd uma soli- dao intermindvel. Talvez porque os ressentimentos que acumularam se transformem em rancores que os atormentam. Nessas circunstanci- as, um divércio é, mais facilmente, acompanhado pela confusio en- tue © patrimonial e o relacional, transformando uma crianga num bem quantificdvel e susceptivel de repartigéio, e levando a que, por repre- salia, 0 pai que se vitimiza e se imagina lesado se sinta no direito a ter, como contrapartida indemnizatéria, e sob coacgdo (para além de tudo 0 que terd sido acordado em sede de justiga) a exigéncia de alienagaio do outro pai, por parte de uma crianga. Ou seja: aquilo que poderiam ser ganhos relacionais que, dai por diante, viessem a beneficiar uma crianga, sdo transformados, unilateralmente, em custos extra-judiciais, irrepardveis, irressarciveis € para sempre. z Extorsio Parental Ao pretender que uma crianga prescinda de um dos pais, aquele que a coage nesse sentido, nfo podendo apagar a partilha da progenitura (como, porventura, setia 0 seu desejo) exige-Ihe que, de forma inconfundivel, ela afirme (por actos e declaragdes) preferir, de modo inequfvoco, um pai a0 outro, intimidando no sentido de uma orfandade em vida. Na verdade, a alienagio parental representa, com mais rigor, a meu ver, uma extorsio parental (sem lucros para nin- guém). 3 Cativeiro Parental Um pai deixa de ser um pai quando ele decepciona e magoa, sem reparagio. Quer isto dizer que, quando isso sucede, um pai morte, devagarinho, em vida? Morre. A ponto de, quando morte de facto, os filhos se limitarem a atestar 0 Gbito que se foi dando deva- garinho. Isso quer dizer que, quanto mais importantes so as. pessoas, mais sao susceptiveis de nos decepcionarem? Sim. Ainda assim, o 0 Direito da Crianga lugar de um pai, dentro de um filho, pode desaparecer s6 porque alguém pretenda que ele desaparega? Nio, Pelo contrério: fazer por esquecer alguém sera 0 melhor modo dessa pessoa nos tornar presos A sua presenga. Mesmo que a negligéncia e os maus-tratos predominem, por toda a vida, numa relagao parental, 0 buraco insuportavel que a auséncia de um pai representa é tio insuportavel que tamanha dor s6 6 disfargada por um ror de idealizagdes (que, na maioria das vezes, esperam pela experiéncia parental de quem foi abandonado para que uma crianca seja sua filha e seu pai ao mesmo tempo). O que leva, enti, uma crianga a evitar, activamente, um dos pais? O terror que os enredos do outro a propésito daquele que seré, putativamente, abandonante the despertam. Representaré essa colagem a tais argumentos uma identificag3o ao agressor ou um exemplo tipico do sindrome de Estocolmo? A meu ver, sim. Na verdade, para que uma crianga hostilize e aliene um pai precisa de ter vivido com ele intimeros maus-tratos violentos ou maus-tratos muito graves graves, ou viva num cativeiro parental (junto de quem Ihe disponibiliza enredos terriveis) com tudo 0 que essas experiéncias de tortura psicolégica acabam por representar. Para que sucedam movimentos de alienagdo parental, 6 (triste- mente) habitual que um pai seja diabolizado pelo outro, atribuindo- The um conjunto de caracteristicas que levam uma crianga a que se sinta fracturada entre aquilo que viveu © sente a propésito desse pai e aquilo que Ihe disponibilizam como sendo actos que ele seré capaz de protagonizar, Sera essa fractura interna um guido mais ou menos louco de onde nunca se sai sem danos irrepardveis? Sim. No fundo, quando um pai diaboliza o outro pai esta a pedir a uma crianga, sob coacgao, que mate aquilo que & diabolizado, dentro de si. E, pior, que 0 mate pelo amor que tem em relagio a quem Iho pede. Neste enredo vertiginoso de intimidaga0 e coac¢ao, ainda, cha- mo a atengdo para as formas frustres de alienagao parental, Os incumprimentos das decisdes judiciais acerea das responsabilidades dos pais em relagio ao poder paternal representam formas preparaté- rias de alienagao parental. E, pior, muitos desses incumprimentos representam atitudes assumidas com a benevoléncia judicial. Abandono ¢ Adopetio 4 Parentalidade sob vigilancia E razodvel, como sucede nalgumas circunstancias, que — depois de argumentar com o leite e com as fraldas ou depois de reclamar acerca de mudangas de hébitos de um bebé, se va de manobra dilatoria em manobra dilatéria até que, finalmente, 0 pai subtraido seja assumido como estranho, passando a sua vida a estar completa- mente condicionada 4 coacgao ou ao livre arbitrio do outro pai? E deveré pai subtraido por tamanhas manobras dilat6rias, sem nunca ter sido maltratante, vir a sujeitar-se a visitas ao seu filho, sob a vigilancia de técnicos da Seguranga Social (que, muitas vezes, sem formagio para 0 efeito, atestam a adequagaio do pai subtraido ao que consideram expectivel)? Também niio. Mesmo que tudo isso se pre- tenda fazer sob os auspicios da Lei e com a conivéncia do pai subtraido. Alids, € da mais absoluta gravidade que esta parentalidade sob vigilancia judicial, sem motivos (de saiide ou judiciais) que o justifi- quem (nomeadamente, sem a existéncia de queixas, fundamentadas, de maus-tratos) se banalize. E, pior, € absurdo, aviltante e humilhante que, nas parcas vezes em que o pai alienado pode aceder ao seu filho, se sinta coagido a0 Gnus da prova da boa parentalidade (foto- grafando, amitide, as suas actividades parentais, como quem retine argumentos para demonstrar, em sede de justica, os seus recursos de pai). O que, jamais, deveria fazer. A meu ver, no Ambito do direito das criangas, a competéncia Para a fungGo parental € inerente A assumpc%o da parentalidade por qualquer pai. Isto é, um pai nao tem de provar, previamente, em sede de justiga, que retine competéncias para ser pai. Jé ao Tribunal, em nome de um bem comum, devem ser confiadas, como so, as com- etnias para deliberar sobre presumfveis perigos que sejam imputa- dos a qualquer desempenho parental, depois de avaliadas as queixas que, porventura, existam, e depois de fundamentadas por peritagens pedidtricas psicolégicas crediveis, Doutro modo, ao pretender-se que um pai comprove, previamente, as suas competéncias para a parentalidade, um Tribunal incorre no risco de exigir o nus da Prova antes de um cidadio ser constituido arguido, incorrendo num vicio de forma que (ao contrério do que se passa no direito penal, em que, até ser declarado culpado, em sede de justica, um cidadio & © Dirsito da Crianca 85 inocente). O que leva o pai subtrafdo a ser constituido como presumfvel culpado, antes de qualquer condenacdo judicial. Para ci- mulo, este desempenho justiceiro, tantas vezes protagonizado por milicias familiares, passa-se com a condescendéncia, incompreensi- vel, da sociedade civil e do meio judicial, e com a agrayante dos recursos do Estado, em vez de estarem ao servigo do bem comum, serem mobilizados, num con‘uio de omissdes que protege, vezes demais, as malfeitorias parentais. a Alienagio como subtraccio de menor Nao representaré a alienago parental, de facto, uma subtraccdo, sem rapto, de um menor? Sim, Afinal, ao multiplicarem-se manobras dilatérias que adiam os contactos do pai subtraido com o seu filho, a sucederem intimeros incumprimentos de decisdes judiciais (sem consequéncias em relagao & guarda de uma crianga), ou a0 darem-se varias mudangas de residéncia ou de cidade, por parte do menor e do pai maltratante, sem que disso se dé conhecimento ao Tribunal ou 20 pai subtrafdo, estaremos perante varias estratégias insidiosas que, tendencialmente, parecem equiparar-se a actos de subtraccdo de me- nor, por parte de um dos seus pais. 6. Parentalidade sob chantagem Nao seri, dramaticamente, habitual que, de coacgo em coagio, 0 pai subtraido viva a parentalidade sob chantagem, com mensagens judiciais que the disponibilizam um contaeto fortuito (algumas de um dia para o outro) que 0 tomam como se tivesse de ter uma disponibili- dade total para que se adeque, sem critica, as atitudes instrumentaliza- das com que 0 pai maltratante © domina? E, Nao se toma, tristemente, comum que, ao fim de anos de humilhagdes, com a condescendéncia judicial, ele vacile e, depois, vé desistindo de um filho, a ponto de, nessa altura, essa desisténcia ser interpretada como “A Prova” de que jamais terd estado motivado para a parentalidade? Toma, sem diivida. 86, Abandono ¢ Adopeao 7. Alienagio © mau-trato Poderd ser a alienagdo parental equi iparada a maus- score a a ai equip: maus-tratos muito Sim. Sendo assim, a exemplo dos maus-tratos violentos, deveria Ierecer, pela perversidade, pela mé-fé que o sustenta e pela den cumulativa que promove, uma decisto que vé, no fundamenta, on Sentido da limitagio ou da inibigéo do poder paternel, . Alienar representa, por parte do pai que instrumentaliza um filho Contra 0 outro, uma espécie de homicidio de caricer do pai satan = ri aide, © ue, pela gratuitidade que promove, ndo pode, sejam luais forem as feridas que uma relagio de progenitun i os at a conivéncia judicial, ms aha do, ter A NOVA LEI DA ADOPCAO! Maria Ciara Sorromayor A politica de infiincia tem sido centrada numa ideia de recupe- ragdo da familia de origem, que fomenta situagées de confianga da guarda de criangas a instituigdes ou familias de acolhimento, em detrimento da adopgao. A institucionalizagio vem, assim, a prolon- gar-se por muitos anos, durante os quais as eriangas continuam pri- vadas de uma familia propria, adoptiva ou biol6gica, até 4 maiorida- de ou até uma idade que torna improvavel a adopeio. O proceso de confianga judicial, com vista a futura adopeao, tem padecido, tam- bém, na prética, de um excesso de garantismo, a favor dos direitos dlos pais biolégicos. A interpretagao e a aplicacao da lei, por parte da magistratura, tem variado sendo, mais flexivel ou mais presa A letra da lei, mas reflectindo, sempre, no fundo, as concepgdes pessoas dos jufzes acerca do que € a infincia e a familia. Verifica-se que persiste, no sistema judicial, uma mentalidade que encara a crianga como um objecto, que necessita apenas de uma casa e de alimentagio, € que, desconhece a importincia do afecto e da relacao emocional, para seu crescimento e felicidade. A pritica tem sido a de muitas criangas, em condigdes de serem adoptadas, nao estarem sinalizadas para adopedo, ou esperarem anos, depois de serem abandonadas, até que o Estado desista da reabilitagao dos pais biolégicos. O princfpio da prevaléncia da familia, como critério orientador da intervengao do ' Texto que serviu de base & Conferéncia proferida na Associagio Portuguesa de Mutheres Juristas, em 16 de Novembro de 2003, intiulada “A Nova Lei da Adopeao, Aspectos Substantives", publicado na Revista da Faculdade de Direito da Universidade Catélica Portuguesa, Vol. XVIII, 2004, Tomo II, pp. 241-258. 88. Abandono & Adopeito Estado (art. 4.°, al. g) da Lei de Proteegaio de Criangas ¢ Jovens em Perigo), nfio deve ser entendido no sentido de uma primazia da fami lia biolégica, mas antes no sentido de uma preferéncia por uma solugo que implique a insergao da crianga numa familia fancional, seja a familia de origem, a familia de facto ou a adoptiva. Com a nova lei da adopedo, deu-se um passo em frente na protecedo das criangas sem familia e vitimas de maus-tratos. A lei afirma expressamente que a adopgao visa realizar o superior interesse da crianga (art. 19742, n° 1), algo que jé estava subjacente a0 espirito do anterior regime juridico da adopgao, mas cuja consagragio nas normas do cédigo civil tem um importante valor simb6lico suscepti- vel de fornecer orientagdes coneretas ao intérprete e, de o vincular a uma concepedo da adopggo como um instituto centrado nos interesses da crianga e no seu direito a ter uma familia, Esta nova legislago tem 0 mérito de assentar em prine{pios justos, mas que a falta de recursos econémicos adequados e a menta- lidade dos intervenientes no processo, em todas as suas fases, pode frustrar. A afirmagio de direitos tem um valor simbélico muito im- portante, mas sem um compromisso sério do Estado e da sociedade nna afectagdo de recursos , na educagio dos cidadios, ndo chega para tomar os direitos efectivos. Eo que tem sucedido com as anteri- ores reformas da adop¢io, 0 instituto mais alterado, no direito da familia, desde 1977. Confianga judicial com vista a futura adopeao © instituto da confianga judicial com vista a futura adopedo Passa a ser entendido, pela lei, como um instituto que visa a realiza- go dos interesses da crianga. Diz 0 mimero dois do art. 1978.° do Cédigo Civil que, na verificagao das situagdes que dio origem a uma decisfio de confianga judicial, o tribunal deve atender prioritariamente 0s direitos e interesses do menor, Havendo um conflito de interesses * Sobre estas alteragses, vide Hoxsree, Heinrich Ewald, Evolugdes legislativas. no Direito da Familia depois da Reforma de 1977, in ComemoragSes dox 35 Anos do Codigo Givil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, Volume 1, Direito da Familia das Sucessées, Coimbra, 2004, p. 63-66. 0 Direito da Crianga 89 entre os pais biolégicos a manter os lagos de filiagfio e 0 direito da crianga a ser amada e, a viver com um adulto ou casal que se respon- sabilize por ela no dia-a-dia, prevalecem os interesses da crianca. O poder paternal € visto pela lei como um conjunto de deveres de responsabilidades parentais, cujo valor central é a afectividade & no os lagos de sangue. A lei pretende difundir na sociedade e nos meios judiciais uma cultura de responsabilizagio dos pais ¢ de reali- zacdo das necessidades afectivas dos filhos. Pais sio aqueles que cuidam dos filhos no dia-a-dia. A linguagem legal, “poder paternal”, no traduz a relagio quotidiana de cuidado e de amor pelos filhos*. Verdadeiros pais so os pais psicolégicos, ou seja, aqueles que cui- dam da seguranga, da satide fisica e do bem-estar emocional das criangas, as suas pessoas de referéncia. A nova lei da adopeao dé mais um passo no sentido da equipa- taco da familia afectiva familia biolégica e valoriza mais as crian- gas como pessoas. O respeito pela crianga como pessoa significa respeito pelas suas relagdes afectivas. Este respeito prevalece sobre a empatia que possamos ter, como adultos, com os sentimentos dos pais. © centro do instituto da adopedo é a crianga. Neste sentido, a andlise da exist€ncia de lagos afectivos entre os filhos e os pais bioldgicos, pressuposto decisivo para decretar a confianga judicial da crianca com vista a futura adopcao, deve ser realizada do ponto de vista das criangas’, O afecto dos pais, para uma crianga de tenra idade, nada significa quando separado dos cuidados e das atengdes de que esta necessita constantemente no dia-a-dia. A finalidade da lei € a protecedo das criangas e no a punig&o dos pais. Consequente- mente, as causas da confianga judicial sto claramente motives objec- 5 Para uma definigdo da natureza juridica do “poder patemal” como euidado ou sesponsibilidade parental, vide Sorromayor, Maria Clara, O poder paternal como euidado parental © 05 direitos da crianca, in Cuidar da Justica de Criangas ¢ Jovens, A Fungao dos Juizes Sociais, Actas do Encontro, coordenagao de Sorromavok, Maria Clara, Fundagao para o Desenvolvimento Social do Porto/Universidade Catélica Portuguesa — Porto, Coimbra, 2003, pp. 44-54. * A tendéncia geral dos tibunais tem sido a de apreciar a existéneia ou a quebra dos lagos afeetivos na perspectiva unilateral dos progenitores, como informam Jaros, Ménical ASCENSAO Siva, Nuno, Relatério da Mesa temitica Relativa & adopefo, 21 de Outubro de 2002, Lex Familiae, Revista de Diteito da Famitia, Centro de Direito da Familia, Ano 1 - no 1 ~2004, p. 94 90 Abandono e Adopeao fivos, cuja verificagao nao depende de culpa dos pais’. Ficou, assim, afastada uma anterior corrente jurisprudencial, que exigia, da parte dos pais, comportamentos culposos, para que estivessem preenchi- dos os requisitos de adoptabilidade da crianga, sem o consentimento destes. A lei esclarece, logo no n.° 1 do art. 1978.°, que o tribunal Pode confiar, com vista a futura adopgao, quando nio existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vinculos afectivos. proprios da filiagio, pela verificagio objectiva de qualquer das seguintes situa- goes. A actual redacedo do n° 1 do art. 1978°, na medida em que se refere 2 ndo existéncia ou ao sério comprometimento dos vinculos afectivos préprios da filiago, levanta uma nova questi de interpre- tagdo, que € a de saber se a quebra ou a auséncia de vinculos afectivos consiste num requisito auténomo, para além dos factos que integram cada uma das alfneas do n° 1 do art, 1978.°, ou se basta a Prova da verificagdo destes, presumindo a lei, irrefutavelmente, a quebra dos lagos afectivos. A doutrina mais recente’ defende que a acco de confianga judicial tem uma causa de pedir complexa, com- Posta ndo s6 pela prova de uma das situagées das cinco alineas do art, 1978°, mas também pela prova da ruptura dos vinculos afectivos, A pertinéncia desta questo tem relevancia para 0 conceito de abandono, previsto na al. c) do n.°l do art, 1978.°. Nas primeiras alineas, que prevéem como causa de confianga judicial, a filiagao desconhecida ou o falecimento dos falecidos [al. a)] e consentimento prévio dos pais para a adopezo [al.b)], embora a lei nada diga a este Propésito, dadas as caracteristicas inequivocas da situacao, parece Sbyio nao ser exigivel a prova da quebra dos lagos afectivos. O conceit de abandono nos termos do art. 1978° al. c) & distinto da situagio em que os pais poem a crianga em perigo, por accao ou * Defendendo, ao abrigo da lei anterior, que o julgador se deve colocar na perspectiva a crianga para aferir acerca da existéncia de lagos afectivos entre a erianga © os pais biolégicos ¢ que a lei ndo exige um comportamento culposo dos pais, eft. SorroMAvon, Maria Clara, Quem sio os verdadeiros pais? Adopedo plena de menor e oposigio dos pais biolégicos, Direito e Justiga, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Catdliea Portuguesa, Volume XVI, 2002, Tomo 1, pp. 206-207. * Cff, Pereira Cos.no/Gui. nerves De Ouiveira, Curso de Diteito da Familia, Volume 1, IntrodugHo, Direito Matrimonial, 3." edigao, Coimbra, 2003, p. 64, nota (30). oo 0 Direito da Crianga 91 omissao [art, 1978°, n.°1, al.d)] e da situagao em que os pais revelam manifesto desinteresse pelo filho acolhido em instituigao fart. 1978.°, n° 1, al. e)], casos em que a lei exige’o comprometimento dos vinculos afectivos entre pais e filhos, pressupondo que estes vinculos existiram no passado, mas que ficaram, devido a situagdes de perigo, ou manifesto desinteresse, provocadas pelos pais, irremediavelmente afectados. Relativamente & prova do abandono, os elementos gramatical ¢ hist6rico de interpretagao da lei apontam para que se trate de requisi- tos cumulativos. Com efeito, se o legislador acrescentou, no n.° | do art. 1978.°, da auséncia de vinculos afectivos, tal significa que ele se aplica a todas as ai situagdes previstas, inclusivamente a0 abandono. Contudo, esta questo nao pode ser analisada exclusivamente de um ponto de vista juridico-formal. Importa ter em conta qual 0 conceito de abandono para as ciéncias humanas’. Neste dominio, a experiéncia jurfdica e social revela que a entrega de uma crianga recém-nascida aos servigos ptiblicos, como 0 caso de uma mae que declara nao querer assumir os deveres inerentes as responsabilidades parentais, manifesta, por si, uma situagao de ruptura ou de inexisténcia dos lagos afectivos prdprios da filiagao, Julgo que a lei, com a referéncia logo no primeiro nimero do art. 1978.°, & quebra dos lacos afectivos préprios da filiagio, quis tornar claro que a falta de condigées econémicas dos pais nunca pode constituir um requisito para que a crianga seja confiada judicial- mente com vista a futura adopgiio. Estes problemas, sociais e econd- micos, terdo de ser resolvidos por uma politica de apoio do Estado & familia e os factores econémicos, desacompanhados de situagdes de incapacidade parental, nio sio a medida dos sentimentos. A hipotese seguinte, prevista na alinea d) do n° 1 do art. 1978.°, foi alterada, em virtude da indeterminacao dos conceitos utilizados pela lei, “perigo” ¢ “gravidade” e, da dificuldade em integrar, nestes conceitos, situagdes que, na pratica, se verificavam definitivamente comprometedoras dos vinculos afectivos de filiagdo. A nova lei, espe- 7 Sobre o conceito de abandono vide, Fernsna, Teresa, Em defesa da crianga, Teoria, prdtica psicanalitica da infancia, Lisboa, 2002, pp. 43-50 143-151. "Cir. Rocka, Maria Duce, Adopgio — Consentimento ~ Conceito de Abandono, Revista do Ministério Pablico, n-° 92, 2002, pp. 102. 92. Abandono ¢ Adopeao cificou, como situagdo de perigo grave para os filhos, a incapacidade dos pais, devida a razées de doenga mental, frisando, mais uma vez, que © conceito de maus-tratos a crianga, para efeitos de medidas de Protecedo, nao depende de um comportamento culposo dos pais, mas que basta a incapacidade destes assumirem as responsabilidades parentais. Daf que a lei remeta, quanto ao conceito de crianga em perigo, para a Lei de Protecgiio de Criangas e Jovens em Perigo (Lei n° 147/99, de 1 de Setembro), considerando que o menor se encontra em perigo quando se verifique alguma das situagées qualificadas como tal pela legislagao relativa & protecgiio © A promogao dos direi- tos das criangas (art. 1978.°, n° 3): a crianca ou o jovem esté aban- donada ou vive entregue a si prépria; sofre maus tratos fisicos ou psfquicos ou € vitima de abusos sexuais; nao recebe os cuidados ou a afeicio adequados & sua idade ou situagao pessoal; & obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados & sua idade, dignidade ou situagao pessoal ou prejudiciais & sua formagao e de senvolvimento; esta sujeita, de forma directa ou indirecta, a compor- famentos que afectem gravemente a sua seguranca ou o seu equilf- brio emocional; assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua satide, seguranca, for- macio, educagio ou desenvolvimento. No art. 1978°, n.° | alinea e), a lei refere-se as criangas acolhi- das, por um particular ou por uma instituigéo, e tem em conta os. danos emocionais causados ao desenvolvimento da crianga pelas medidas de colocagao, prevendo a confianca judicial com vista a futura adopgdo, se os pais tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade ¢ a continuidade dos vinculos afectivos préprios da filiacto, durante, pelo menos, os trés meses que precederam 0 pedido de contianga, A lei, informada pelo princfpio da celeridade do processo de adopgao, consagrado no art. 36°, n.° 7 da Constituigao, reduziu o prazo de revelagiio do manifesto desinteresse de seis para trés meses, Mas 0 aspecto mais importante para que a nocao de tempo da crianga seja respeitada e reduzida a duragio da institucionalizagdo, & a possi- bilidade de apreciagio da continuidade ou qualidade dos vinculos afectivos. Ou seja, tomna-se agora claro que nio & necessério, como exigiam alguns tribunais, para que os requisitos desta norma estejam Preenchidos, uma auséncia completa de visitas durante um periodo 0 Direito da Crianca de és meses, anterior ao pedido de confianga. As equipas técnii das instituigdes, que acompanham as visitas dos pais, podem decidir que, apesar da regularidade das visitas, estas nao sao gratificantes para a crianga, que rejeiia os pais e/ou no os identifica como tal. A Tei reconhece os dados da psicologia, que demonstram que a crianga que vive em instituigdes sofre de depressao, sentimentos de solidio & falta de afecto, 0 que atrasa, irreversivelmente, 0 seu desenvolvimen- to fisico, intelectual e emocional’. A légica de recuperacdo da familia bioldgica, que preside ac nosso sistema de protecco, tem que ter um limite no tempo, ap6s 0 qual deve ficar definido, em termos definiti- ‘Vos, 0 projecto de vida ca crianga. $6 se € crianga uma vez, e € cruel deixar as criangas num limbo & espera que os pais bioldgicos possam cuidar delas ou estabelegam uma vinculago afectiva que nunca chega a existir. Medida de promocio e protecciio de confianga a pessoa seleccio- nada para a adopcio ou a institui¢ao com vista a futura adopgio A lei introduziu, no elenco das medidas de promogio e de protecgaio, enumerado no art, 35° da Lei de Protecedo de Criancas e Jovens em Perigo, uma nova medida ~ a confianga a pessoa seleccio- nada para a adopedo ou a instituigaéo com vista a futura adopeao {art. 35°, al. g)] — cuja aplicago € da competéncia exclusiva dos tuibunais [arts. 11° al, a), 21° al. ) e 38°. A nova lei optou por revogar a norma do art, 44.° que, previa a Ppossibilidade de as Comissées de Protecgao de Criangas e Jovens em Perigo ou, no caso de falta de acordo dos pais, os tribunais (art. 11.), aplicarem a medida de confianga a pessoa idénea prevista na al. c) do n° 1 do art 35.°, como uma medida de colocagdo da crianga ou do jovem sob a guarda do candidato seleccionado para a adopcio. Esta nova medida s6 € aplic4vel quando se verifique algumas das situagdes previstas no art. 1978.° ¢ consiste: a) na colocagéo da crianga ou do jovem sob a guarda de candidato seleccionado para a ? Cir. Mxooxis, Robert H/Watssrxo, D. Kelly, Child, Family and State, Problems and Materials on Children and the Law, New York, 2000, pp. 509-510.

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