Está en la página 1de 30
© capitulo 1 ESTAR LA A antropologia e o cenario da escrita A ilusao de que a etnogrtafia é uma questio de dispor fatos estranhos e irregulares em categorias familiares e orde- nadas — isto é magia, aquilo é tecnologia — foi demolida ha muito tempo. O que ela 6, entretanto, nao esta muito claro. Que talvez a etnografia seja uma espécie de escrita, um colocar as coisas no papel, é algo que tem ocortido, vez por outta, aos que se empenham em produzi-la, consumi-la, ou ambas. Mas seu exame como tal tem sido impedido por diversas con- sideragdes, nenhuma das quais é muito razoavel. Uma delas, de peso especial entre os produtores, tem sido, simplesmente, a de que fazer esse exame € antianttopo- ldgico. O que um etndégrafo propriamente dito deve fazer, propriamente, é it a lugares, voltar de 14 com informagdes sobre como as pessoas vivem e tornar essas informagées dis- poniveis 4 comunidade especializada, de uma forma pratica, em vez de ficar vadiando por bibliotecas, refletindo sobre & OBRAS E VIDAS questGes literarias, A preocupagao exagerada — que, na pratica, costuma significar qualquer preocupagéo — com a maneira como sao construidos os textos etnograficos parece constituir um ensimesmamento doentio, conducente 4 perda de tempo, na melhor das hipéteses, ou hipocondriaco, na pior delas. O que nos importa conhecer sao os tikopianos ¢ os talensis, e eee eee nao as estratégias narrativas de Raymond Firth ou 0 aparato retérico de Meyer Fortes. Outra objegao, esta proveniente sobretudo dos consu- midores, é a de que os textos de antropologia nao sao dignos dessa atengio esmerada. Uma coisa é investigar como um Conrad, um Flaubert ou até um Balzac obtém seus efeitos; investir numa empreitada dessas a respeito de um Lowie ou um Radcliffe-Brown, para falar apenas dos mortos, parece cémico. Alguns antropdlogos — Sapir, Benedict, Malinowski e, ultimamente, Lévi-Strauss — podem ser reconhecidos como dotados de um estilo literario singular, nfo se acanhando em usat uma ou outra figura de linguagem ocasional. Mas isso é inusitado e um tanto prejudicial para eles — sugestivo até de uma pratica ardilosa. Os bons textos de antropologia sao sim- ples e despretensiosos. Nao convidam a uma minuciosa leitura literocritica, nem tampouco a recompensam. Talvez a objecdo mais vigorosa, no entanto, proveniente de toda parte e, a rigor, bastante generalizada na vida intelec- tual dos ultimos tempos, seja a de que concentrat nosso olhar nas maneiras como sao enunciadas as afirmacgdes de um saber solapa nossa capacidade de levar a sério qualquer dessas afir- magées. De algum modo, supde-se_que atentar_pata coisas como imageria, as metaforas, a _frascologia ou_a_voz leva_a um relativismo corrosivo, no qual tudo nao passa de uma ex- o 12 6 ESTAR LA ° ptessio mais ou menos sagaz de opinides. A etnografia, dizem, torna-se um mero jogo de palavras, como se presume que sejam os poemas e os romances. Expor de que modo a coisa é feita equivale a sugerir que, tal como a mulher serrada ao meio, ela simplesmente nfo se faz. Essas concepg6es sao ittazoaveis, porque nao se baseiam na experiéncia de ameacas presentes e efetivas, ou que sequer estejam assomando, mas em imaginat as possiveis ameagas que ocorteriam se, de repente, tudo fosse diferente do que ¢ ago- ra. Se os antropédlogos parassem de informar como sao feitas as coisas na Africa e na Polinésia, se, em vez disso, gastassem seu tempo tentando encontrar tramas duplas em Alfred Kroe- ber ou natradores nio fidedignos em Max Gluckman, e se viessem seriamente a afirmar que as histérias de Edward Wes- termarck sobre o Marrocos e¢ as de Paul Bowles relacionam- se com seu tema do mesmo modo, com os mesmos recursos € as mesmas finalidades, as coisas realmente ficariam numa situagao lamentavel. Mas é dificil acreditar que tudo isso viria a ocorrer, se a esctita antropoldgica fosse levada a sério como escrita. As ratzes do temor devem estar noutro lugar: talvez no sentido de que, se houvesse um entendimento melhor do carater li- terArio da antropologia, alguns mitos profissionais sobre como ela consegue ser petsuasiva tornar-se-iam insustentaveis, Em particular, talvez fosse dificil defender a visao de que os textos etnograficos convencem, na medida em que chegam a set con- vincentes, pelo simples poder de sua substancialidade factual. A ordenacio de um imenso numero de detalhes culturais su- mamente especificos tem sido a principal maneira pela qual a aparéncia de verdade — a verossimilhanga, a vraisemblance, a ° 13° 6 © OBRAS E VIDAS Wahrscheinlichkeit — é buscada nesses textos. Qualquer divida induzida no leitor pela estranheza do material deve ser supe- rada por sua simples abundancia. Mas a verdade é que o grau de credibilidade, alto, baixo ou de outra natureza, efetivamen- te conferido 4 ctnografia de Malinowski, Lévi-Strauss ou qual- quer outro nao se assenta, ao menos nao primordialmente, nessas bases. Se assim fosse, J. G. Frazer, ou pelo menos Oscar Lewis, seria de fato um rei, e seria inexplic4vel a suspensio da descrenga que muitas pessoas (inclusive eu) concedem aos Sistemas politicos da alta Birmania, de Edmund Leach, com sua pobreza de dados, ou ao ensaio impressionista de Margaret Mead intitulado Badinese character. Os etndgrafos talvez pensem, realmente, que ganham credibilidade pela extensio de suas des- crigdes. (Leach tentou responder aos ataques empiristas des fe- tidos contra seu livro sobre a Birmania escrevendo um livro cartegado de dados factuais sobre o Sri Lanka, mas este rece- beu muito menos atengao. Mead afirmou que as centenas de fotografias feitas por Gregory Bateson demonstravam suas teses, mas praticamente ninguém, inclusive Bateson, concor- dou muito com ela.) Talvez se devesse acreditar nos etnégrafos pela extensfo de suas descrigdes, mas nao parece ser assim que a coisa funciona. Por que persiste a idéia de que funciona assim, é dificil dizer. Pode ser que as concepg¢des antiquadas sobre como se “estabelecem” os “fatos” nas ciéncias mais exatas tenham algo a ver com isso. Seja como for, a principal alternativa pata esse tipo de teoria factualista sobre o que faz os textos de antropologia serem convincentes, a saber, que cles 0 sio pela forga de seus argumentos tedricos, é igualmente implau- sivel. O apatato tedrico de Malinowski, que em certa época o 14 6 ESTARLA & foi uma torre imponente como poucas, esta basicamente em ruinas, mas ele continua a ser o supta-sumo do etndgrafo. A qualidade algo ultrapassada que hoje parecem ter as espe- culagées psicoldgicas e de cultura-e-personalidade formuladas por Mead (Balinese character foi financiado por uma verba des- tinada ao estudo da deméncia precoce, que os balineses supos- tamente exibiriam numa forma ambulante) nao parece retirar gtande coisa do poder de convicgao de suas observacdes, das quais nenhum de nos fica 4 altura, sobre como sao os balineses. Ao menos uma parte do trabalho de Lévi-Strauss sobrevivera 4 dissolucio do estruturalismo em seus ardorosissimos suces- sotes. Todos continuarao a ler Os nuer, mesmo que, como vem tendendo a fazer, a teoria segmentar se cristalize num dogma. A capacidade dos antropélogos de nos fazer levar a sério © que dizem tem menos a ver com uma aparéncia factual, ou com um ar de clegancia conceitual, do que com sua capaci- dade de nos conyencer_ de que o que eles dizem resulta de haverem realmente penetrado numa outta forma de vida (ou, se vocé preferir, de terem sido penetrados por cla) — de real- mente haverem, de um modo ou de outro, “estado 14”. E é af, ao nos convencer de que esse milagre dos bastidores ocorreu, que entra a escrita. OOO: As peculiatidades cruciais da escrita etnografica, tal como a carta roubada,! encontram-se tao plenamente a vista que passam despercebidas: por exemplo, 0 fato de ela consistir 1 Alusio do autor ao célebre conto do mesmo nome, escrito por Edgar Alan Poe ¢ originalmente publicado em 1845. (N. daT.) © 15 © © OBRAS E VIDAS em grande parte em asseveracdes incortigiveis. A natureza altamente situacional da descricéo etnografica ~ um dado etnd- gtafo, em tal época e tal lugar, com tais informantes, tais com- promissos e tais experiéncias, representante de uma dada cultura e membro de uma certa classe — confere ao gtosso do que é dito um carater do tipo “é pegar ou largar”. “Focé echteve 14, Sharlie?”, como costumava dizer o Baraio de Munchausen de Jack Pearl? Ainda que, como vem acontecendo cada vez mais, outros profissionais trabalhem na mesma 4rea ou com o mesmo grupo, de tal sorte que se faz possivel ao menos uma veri- ficagao geral, é muito dificil invalidar o que foi dito por alguém que nao seja obviamente desinformado. Podemos tornat a examinat os azandes, mas, se nao for encontrada a complexa teoria da paixao, do conhecimento e da causalidade que Evans- Pritchard disse ter descoberto 14, é mais provavel que duvi- demos de nossos préprios poderes de observagio do que dos dele — ou, quem sabe, que concluamos simplesmente que os azandes j4 nao sio os mesmos. Seja qual for o estado da re- flex4o sobre a natureza das trocas do Kula no momento atual, e ela vem-se modificando rapidamente, a imagem fornecida dessas trocas em Os argonautas do Pacifico ocidental continua indelével, para todos os fins praticos. Aqueles dentre nds que desejarem reduzir sua forga terio de dar um jeito, de algum modo, de deslocat nossa atengio para outras imagens. Até na ? Jack Pearl foi um veterano dos palcos norte-americanos que, tendo estreado no radio em 1932, no programa “Ziegfield Follies of the Air”, teve uma onda de sucesso em 1933-1934, levando ao ar um Baro de Munchausen de sotaque carregado ¢ grande comicidade. (N. da T:) © 16 6 ESTARLA © situagaio do que, na maioria dos outros tipos de estudos em- piticos, seria considerado uma contradigao direta (Robert Redfield e Oscar Lewis falando de Tepotzlan, por exemplo), a tendéncia, quando se trata de dois estudiosos de renome, é considerar que o problema advém do fato de tipos diferentes de mentes abordarem partes diferentes do elefante — e uma terceita opiniao sd faria acentuar esse embaracgo. Nia significa que_tudo_o que os etndgrafos dizem seja aceito de uma vez pot todas, pelo simples fato de eles o dizerem. Uma enorme parcela, gragas a Deus, nao é aceita. Mas ocorre que as razOes ace - —— da accitagao_ou_da recusa_sio_extremamente especificas de cada pessoa. Impossibilitados de recuperar os dados imediatos do trabalho de campo para uma reinspe¢ao empirica, damos ouvidos a algumas vozes e ignoramos outras. Isso seria escandaloso, se déssemos ouvidos a uns e nao a outros — a questao é relativa, é claro — por capricho, por habito ou (0 que é uma das explicagées favoritas hoje em dia) por preconceito ou desejo politico. Mas, se_o fizermos por que alguns etndgrafos sio mais eficientes do que outros em criar a impressao, em sua prosa, de que tiveram um contato estreito cc com vidas distantes, a situagio talvez seja menos desespera- dora. Ao descobrirmos de que modo, numa determinada mo- nografia ou artigo, essa impressio € criada, descobriremos, ao mesmo tempo, por quais critérios juleé-los Assim como a cri- tica da ficgao e da poesia brota melhor do compromisso imagi- nativo com a propria ficc¢ao e com a poesia do que de idéias importadas sobre como estas devem ser, a critica dos escritos antropolégicos (que, num sentido estrito, nao sAo uma coisa nem outra, e, num sentido lato, sao ambas as coisas) deve bro- tar de um engajamento semelhante com es, e nao de pre- o 17 6 © OBRAS E VIDAS concepgées sobre como deve ser a antropologia pata se quali- ficat como ciéncia. Pela natureza de nossos julgamentos nessas questdes, que é especifica de cada pessoa (e nao “pessoal”), o lugar obvio para iniciar esse engajamento é a questao do que vem a ser um “autor” na antropologia. Pode ser que, noutros campos de discurso, o autor (juntamente com o homem, a histdria, o eu, Deus e outros petrechos da classe média) esteja morrendo, mas ele, ou ela, ainda esta vivissimo entre os antropdlogos. Em nossa ingénua disciplina, talvez uma episteme atrasada, como de praxe, ainda_é muito importante saber quem esta falando. Fago essas alus6es irreverentes ao famoso artigo de Mi- chel Foucault, “What is an Author?” (com o qual concordo, alias, a nao ser por suas premissas, suas conclusdes e sua mentalidade), porque, independentemente do que se pense de um mundo em que todas as formas de discurso se reduziriam ao “anonimato de um murmirio”, a bem da dispersio do poder, ou do que se pense da idéia de que Mallarmé marcou uma ruptura decisiva na historia da literatura, depois da qual a nogao de obra literaria vitia sendo sistematicamente substituida pela de modos textuais de dominacio, esse artigo situa a questao que estou propondo com uma cetta exatidao, Foucault distingue nesse texto, talvez com nitidez um tanto exagerada, dois campos de discurso: aquele — sobretudo o da ficgo (mas também da historia, da biografia, da filosofia e da poesia) — no qual o que ele chama de “fungdo-autor” continua razoavelmente forte, pelo menos por enquanto, ¢ outro, especialmente o da ciéncia (mas também das cartas patticulares, dos contratos legais e dos ataques © 2B 6 ESTARLA politicos verbais), em que, na maioria dos casos, tal funcdo nao se preserva. Esse nao é um dado constante, nem mesmo dentro de nossa prdpria tradigio: na Idade Média, a maioria das narrativas ficcionais - como a Cangéo de Rolando — no tinha autor, enquanto a maioria dos tratados cientificos — como o Almagesto — 0 tinha. Mas +» Ocorreu uma inversiéo no século XVII ou XVIII. Os dis- cursos cientificos comegatam a ser aceitos por eles mesmos, no anonimato de uma verdade estabelecida ou sempre rede- monstravel; sua inser¢io num conjunto sistemiatico, e nao a referéncia ao individuo que os produzita, colocou-se como sua garantia. A fungao-autor esmaeceu, servindo 0 nome do inventor apenas para batizar um teorema, uma proposicio ou um determinado efeito, propriedade, corpo, grupo de ele- mentos ou sindrome patolégica. Da mesma maneira, os dis- cursos literarios passaram a ser aceitos somente quando eram dotados da fungio-autor. Hoje indagamos, sobre cada texto poético ou ficcional, de onde ele veio, quem o escreveu, quando, em que circunstancias ou a partir de que propésito. O sentido que lhe é atribuido e 0 status ou valor que lhe é conferido dependem da maneira como respondemos a essas perguntas. (...) Como resultado, a fungao-autor desempenha hoje um papel importante [embora, na visio de Foucault, também decrescente] em nossa visdo das obras literarias. (Foucault, 1979, p. 149-150)° Fica claro que, nesses termos, a antropologia esta prati- ‘camente toda do lado dos discursos “literarios”, e nio dos “cientificos”. Os nomes de pessoas sao ligados a livros ¢ arti- gos e, mais ocasionalmente, a sistemas de pensamento (o “funcionalismo radcliffe-browniano”, o “estruturalismo straus- siano”). Salvo pouquissimas excegGes, eles nio se vinculam °M., Foucault, “What is an author?”, in J. V. Harari (org,), Textual strategies, Ithaca, N.Y. © OBRAS E VIDAS a descobertas, propriedades ou proposigées (um “casamento murdockiano” seria uma piada polémica; “o efeito wester- matck” — deixando de lado sua realidade — talvez se quali- ficasse). Isso nao nos transforma em romancistas, do mesmo modo que construir hipdteses ou escrever formulas nfo nos converte, como alguns parecem pensar, em fisicos. Mas de fato sugere algumas semelhangas de familia que, tal como a mula norte-africana que sempre fala do irmZo da mie, 0 ca- valo, mas nunca do pai, o burro, tendemos a omitir em favor de outras, supostamente mais bem-vistas. oo Oo Se admitirmos, portanto, que os textos de etnografia ten- dem a parecer romances, pelo menos tanto quanto laudos laboratoriais (embora, como acontece com nossa mula, nao sejam realmente iguais a nenhum dos dois), levantam-se ime- diatamente duas perguntas, ou, talvez, uma mesma pergunta, duplamente formulada: (1) Como se evidencia no texto a “fun- cio-autor” (ou, visto pretendermos ser literatios a esse res- eee peito, que tal dizer apenas “o autor”?); (2) De que — além da tautologia 6bvia, “uma obra” — o autor é autor? A primeira pergunta — chamemo-la de questao da assinatura — é uma questiio de construcio de uma identidade autoral. A segunda, digamos, a questio do discurso, é uma questao de desenvolver um modo de enunciar as coisas — um vocabulario, uma retd- rica, um padriio de argumentagiio — que esteja de tal maneira ligado a essa identidade que pareca provir dela, assim como um comentario provém de uma mente. A questao da assinatura, 0 estabelecimento de uma pre- senca autoral num texto, tem atormentado a etnografia desde o 20 ESTARLA © seus primordios, embora o tenha feito sob forma disfargada na maioria dos casos. Disfarcada porque, em geral, nado tem sido apresentada como _um problema da ordem da _narrativa, uma questéo da melhor maneira de fazer com que uma histdéria honesta seja contada honestamente, mas como um problema epistemoldgico, uma questao de como impedir que visdes sub- jetivas distorcam fatos objetivos. O choque entre as conven- ges expositivas dos textos saturados e as dos textos esvazia- dos de autor, que brota da natureza particular da empreitada etnografica, é tido como um choque entte ver as coisas como se deseja que elas sejam e vé-las como realmente sao. Diversos resultados lamentaveis decorreram desse sepul- tamento da questao de como os textos etnograficos sao “autori- zados” por baixo das angustias (a meu ver, bastante exage- radas) a respeito da subjetividade. Entre eles encontra-se um empitismo exagerado até para as ciéncias sociais, porém um dos resultados mais nocivos é o de que, embora as ambigiii- dades implicitas nessa questao sejam profunda e continua- mente sentidas, tem sido extremamente dificil aborda-las de modo direto. Os antropélogos estao imbuidos da idéia de que as questdes metodoldgicas centrais envolvidas na descrigao etnografica tém a ver com a mecanica do conhecimento — a legitimidade da “empatia”, do “insight” e¢ coisas similares en- quanto formas de cogni¢ao; a verificabilidade das descrigdes internalistas dos pensamentos e sentimentos de outras pessoas; 0 estatuto ontoldégico da cultura. Em consonancia com isso, atribuem suas dificuldades para construir_tais descticgées a problematica do trabalho de campo, e nao 4 problematica do discurso. Se for possivel administrat a relacio entre o observa- dor e o observado (rapport), a relagéo entre o autor e€ 0 texto (assinatuta) se seguira por si s6 — ao que se supde. o 21 6 © OBRAS E VIDAS Nao se ttata apenas de que isso seja inveridico, de que, por mais delicada que seja a questo de enfrentar o outro, ela nfo seja igual a enfrentar a pagina. A dificuldade esta em que a esttanheza de construir textos ostensivamente cientificos a partir de experiéncias em_grande parte biograficas, que ¢ 0 que fazem os etnégrafos, afinal, fica inteiramente obscurecida. A questo da assinatura, tal como o etndgrafo a confronta, ou tal como ela confronta o etndgrafo, exige o olimpianismo do fisico nio-autoral e a consciéncia soberana do romancista hiper-autoral, sem de fato permitir nenhum dos dois. O primeito suscita acusag6es de insensibilidade, de tratar as pessoas como objetos, de ouvir a letra, mas nao a musica, e, é claro, de etnocentrismo. A segunda, acusagdes de impressionismo, de tratar as pessoas como fantoches, de ouvir uma musica que nao existe e, é claro, de etnocentrismo. Nao admira que a maioria dos etndgtafos tenda a oscilat, insegura, entre as duas coisas, ora em livros diferentes, ora, com mais freqiiéncia, no mesmo livro. Para comeco de conversa, descobrir onde se situar num texto do qual, ao mesmo tempo, espeta-se que seja uma visio intima e uma avaliacio fria é quase tao desa- fiador quanto chegar a essa visio e fazer a avaliacao. E claro que, para se ter uma idéia desse desafio — de que — maneita soat como um peregrino e um cartégrafo, ao mesmo tempo — e do mal-estar que ele produz, bem como do grau em que ele é representado como decorrente das complexi- dades das negociagGes entre o eu € 0 outro, e nao entre o eu e 0 texto, s6 mesmo examinando os prdprios escritos etno- graficos. E, visto que o desafio e o mal-estar se fazem sentir, obviamente, desde a orelha da sobrecapa, um_bom lugar para examin4-los, ao analisar os livros de etnografia, sao_os come- cos — as paginas de abertura que situam o cendrio, descrevem O22 eo ESTAR LA ° a tarefa e apresentam a obra. Portanto, pata que eu indique com mais clareza aquilo sobre o que estou falando, permitam- me tomar dois exemplos, um de um texto etnografico classico, merecidamente visto como um estudo modelar, sereno e pro- fessoral, e outro de um livro muito recente, também muito bem feito, que recende 4 nervosa atualidade. A obra classica é 0 livro de Raymond Firth, We, the Tiko- pia, otiginalmente publicado em 1936, Apds duas introdugées, a cerca uma de Malinowski, para quem o livro de Firth “reforca nossa convic¢io de que a antropologia cultural nao precisa ser uma misturada de lemas ou rétulos, uma fabrica de atalhos calcados em impressGes gerais, ou de reconstrugées feitas sobre conjec- turas, [mas sim] uma ciéncia social — sinto-me quase tentado a dizer a Unica ciéncia entre os estudos sociais”, e outra de Firth, que frisa a necessidade de “um prolongado contato pes- soal com as pessoas [estudadas]” e se desculpa pelo fato de “esta exposic¢4o tepresentat nado um trabalho de campo de ontem, mas o de sete anos atras”, o livro em si comeca seu primeiro capitulo, “Na Polinésia primitiva”: Na friagem da manhazinha, pouco antes do alvorecer, a ptoa do Southern Cross embicou para o leste do horizonte, onde era tenuemente visivel um minusculo contorno azul- escuro. Aos poucos, ele se avolumou numa escarpada massa montanhosa que se erguia a prumo do oceano; depois, ao chegarmos a uma distancia de poucas milhas, essa revelou em sua base uma estreita faixa de terras baixas e planas, de vegetacao espessa. O dia cinzento e soturno, com suas nuvens baixas, reforgou minha impressdo intimidante de um pico solitario, bravio e tempestuoso, erguendo-se verticalmente numa vastidao de agua. Em cerca de uma hora, estavamos bem perto da costa e podiamos ver canoas vindo do sul, da orla do recife, onde a maré estava baixa. Essas embarcagGes, com estabilizadores o 23 6 © OBRAS E VIDAS fixados paralelamente ao costado, chegaram mais perto, tra- zendo em seu interior homens de tronco nu, com tangas de tecido da casca da amoreira, grandes abanadores presos na parte posterior da cinta, argolas de casco de tartaruga ou cilindtos de folhas no ldébulo das orelhas e no natiz, barba longa e cabelos compridos, que lhes desciam soltos sobre os ombros. Alguns manejavam os remos pesados e toscos, alguns levavam tapetes de folhas de pandano delicadamente tranga- das, apoiados nos bancos a seu lado, outros tinham nas mios porretes ou langas pesados. O navio ancorou com amarras curtas na baia aberta prdéxima ao tecife de coral. Quase antes de a corrente acabar de descer, os nativos comegaram a subir a bordo, escalando 0 costado por todos os meios que ele ofe- recia, e gritando furiosamente uns com os outros e conosco, numa lingua da qual nem uma s6 palavra foi entendida pelos que no navio missionario falavam mota. Perguntei a mim mesmo como um material humano turbulento como aquele poderia jamais ser induzido a se submeter a um estudo cien- tifico. Vahihaloa, meu “camateito”, olhando do convés superior para o costado, disse com um tiso nervoso: “Palavra, mim muito assustado; mim acha que esse sujeito ta querendo me kaikai”. Kaikai € 0 termo do inglés pidgin equivalente a “co- mer”. Talvez pela primeira vez, o rapaz tenha comegado a duvidar da sensatez de haver deixado o que era, pata ele, a civilizacao de Tulagi, a sede do governo, situada a quatrocentas milhas dali, a fim de passat um ano comigo nesse local remoto, em meio a selvagens de aparéncia tao feroz. Sem ter, eu mes- mo, muita certeza da recepgio que nos esperava — embora soubesse que ela nfo chegaria ao canibalismo —, tranqlilizei- 0, € comegamos a trazer as provisdes para fora, Mais tarde, fomos até a praia numa das canoas. Ao nos aproximarmos da orla do recife, nossa embartcagao se deteve, por causa da maré vazante. Descemos pela borda, pisamos nas rochas de coral e comegamos a chapinhar rumo a praia, de maos dadas com nossos anfitrides, como criangas numa festa, trocando sortisos, em vez de qualquer coisa mais inteligivel ou tangivel naquele momento. Fomos cetcados por bandos de garotos nus e barulhentos, com sua bela pele aveludada, de um tom o 24 © ESTARLA © castanho-claro, e de cabelo liso, muito diferentes dos mela- nésios que haviamos deixado. Eles corriam de um lado pata outro, espadanando agua como cardumes, e alguns, em seu entusiasmo, deixavam-se cair de corpo inteiro nas pogas. Por fim, terminou a longa caminhada pelas aguas tasas, subimos a ladeira ingreme da praia, atravessamos a ateia macia e seca, salpicada de agulhas das casuarinas — um toque da terra natal, parecia uma alameda de pinheiros —, e fomos conduzidos a um velho chefe, que vestia com grande dignidade um manto branco e uma tanga e nos recebeu em seu trono, sob uma arvore grande e frondosa. (Firth, 1936, p. 1-2)4 A julgar por esse trecho, nao ha dtwida de que Firth, em todos os sentidos da palavra, esteve “la”. Todos os porme- nores delicados, reunidos com exuberancia dickensiana e fa- talismo conradiano — a massa montanhosa azul, as nuvens baixas, o falatério agitado, a pele de veludo, a subida ingreme da praia, o tapete de agulhas, o chefe em seu trono -, levam 4 convicgio de que o texto que vira a seguir, com suas 500 pa- ginas de desctig&o resolutamente objetivada dos costumes sociais — os tikopianos fazem isto, os tikopianos acreditam naquilo —, pode ser aceito como um fato. As inquietacdes de Firth quanto a induzir “um material humano turbulento como aquele (...) a se submeter a um estudo cientifico” revelaram- se tao exageradas quanto 0 medo de ser comido, manifestado por seu “camareito”. Mas essas inquietagGes nunca desapareceram por comple- to, tampouco. As énfases no “isto aconteceu comigo” ressut- gem periodicamente; o texto é nervosamente_assinado ¢ *R. Firth, We, the Tikopia, Londtes. Para uma contextualizagao desse trecho nos “escritos de viagem”, ver M. L. Pratt, “Fieldwork in common places”, in J. Clifford e G. E. Marcus (org,), Writing culture: the poetics and politics of Ethnography, Berkeley, California, 1986, p. 35-37. o 25 6 © OBRAS E VIDAS reassinado em toda sua extensao, Até a ultima linha, Fitth se debate com sua relagio com o que escreveu, continuando a vet o problema em termos de metodologia de campo. A maior necessidade — diz essa ultima linha —, nas ciéncias sociais de hoje, é de uma metodologia mais refinada, tao objetiva ¢ desapaixonada quanto possivel, na qual, embora os pressupostos decotrentes do condicionamento € do inte- resse pessoal do investigador influenciem seus resultados, esse viés seja conscientemente enfrentado, a possibilidade de outros ptessupostos iniciais seja reconhecida e as implicagdes de cada um deles sejam levadas em conta no decorrer da anilise. (Ibid, p. 488) Num nivel mais profundo, talvez as angustias de Firth e as de seu “camareito” nao fossem, na verdade, tao comple- tamente diferentes. “Forneco este relato um tanto egofsta”, escreve ele, em tom apologético, depois de reexaminat suas técnicas de campo, sua proficiéncia lingiifstica, seu estilo de vida na ilha e assim por diante, .. no por considerar que a antropologia deva ser convertida numa leitura leve, (...) mas porque uma certa descrigio das relacdes do antropdlogo com o povo por ele estudado é relevante para a natureza de seus resultados. Ela € um indi- cador da digest&o social de ambos — alguns povos nao con- seguem engolir uma pessoa de fora, enquanto outros a absor- vem facilmente. (Ibid., p. 11) O texto recente cujas paginas de abertura queto usat co- mo um exemplo do mal-estat que surge no autor, em virtude da obrigatotiedade de produzir textos cientificos a partir de experiéncias biograficas, € The death rituals of rural Greece, do jovem etndégrafo Loring Danforth. Como muitos de sua gera- ——————— cao, criados na Positivismuskritik’ e no anticolonialismo, Dan- 5 Critica ao positivismo. (N. da T:) > © 26 0 ESTAR LA o forth parece mais preocupado em saber se engoliré seus objetos de investigagao do que se sera engolido por eles, mas o problema continua a ser visto como essencialmente epis- temoldgico. Com uma boa dose de elipses, cito um trecho de sua introdugao, intitulada “O Eu e 0 Outro”: A antropologia implica, inevitavelmente, um encontro com o Outro. Nao raro, porém, a distancia etnografica que separa do Outto o leitor de textos antropolégicos e 0 prdprio antro- pologo é rigidamente mantida e, as vezes, até artificialmente exagerada. Em muitos casos, esse distanciamento leva a uma concentragao exclusiva no Outro como primitivo, bizarro e excéntrico. O abismo entre o “nds” conhecido e o “eles” ex6tico é um grande obstaculo 4 compreensio significativa do Outro, um obstaculo que s6 pode ser superado através de alguma forma de participagéo no mundo do Outro. A manutencao dessa distancia etnografica tem resultado (..) na banalizagio ou na folclorizagdo da investigagio an- tropolégica da morte. Em vez de confrontar a importancia universal da morte, muitas vezes os antropdlogos a trivia- lizam, preocupando-se com as praticas ritualisticas exdticas, curiosas e, vez por outta, violentas que acompanham a morte em muitas sociedades. (...) Entretanto, quando é possivel redu- zir a distancia entre 0 antropdlogo e o Outro, langar uma ponte sobre o abismo entre “nds” e “eles”, a meta de uma antropologia verdadeitamente humanista pode ser alcangada. (...) [Esse] desejo de reduzit a distancia entre o Eu e o Outro, que instigou [minha] adogio desta [abordagem], provém de meu trabalho de campo. Todas as vezes em que assisti a rituais da morte na Grécia rural, tive aguda consciéncia de um sen- timento paradoxal de distancia e proximidade simultaneas, de alteridade e identidade pessoal. (...) Para meus olhos, os lamentos fiinebres, os trajes negros do luto e¢ os ritos de exu- macao eram exdticos, No entanto, (...) em todos os momentos eu tinha consciéncia de que nao sao apenas os Outros que morrem. Eu tinha consciéncia de que meus amigos e parentes motrerio, de que eu mesmo morretei, de que a morte chega para todos, o Eu e os Outros. o 27 © © OBRAS E VIDAS No decorret de meu trabalho de campo, esses ritos “ex6- ticos” adquiriram sentido, tornaram-se até alternativas atraentes para a experiéncia da morte tal como eu a conhecia. Sentado junto ao cadaver de um homem que havia morrido horas antes, e ouvindo sua mulher, suas irmias ¢ suas filhas prantearem sua motte, imaginei aqueles titos sendo praticados e aqueles lamentos sendo entoados na morte de meus parentes, em minha prdpria morte. (...) Quando o irmao do morto entrou no aposento, as mulheres (...) comegaram a entoar um lamen- to sobre dois irmaos que eram violentamente separados quando se agarravam um ao outto, sentados nos galhos de uma atvore atrastada por uma enxurtada furiosa. Pensei em meu itmio e chorei. A distancia entre o Eu e 0 Outro havia- se tornado realmente pequena. (Danforth, 1982, p. 5-7)° Ha grandes diferencas, € claro, nessas duas desctigdes do cenario e nesses posicionamentos do sujeito: uma é um modelo de romance realista (Trollope’ nos mates do Sul), a outra, um modelo de meditagio filoséfica (Heidegger na Gré- cia); uma € a preocupacao cientifica de nao ser suficientemente neutro, outta, a preocupacio humanista de nao estar suficien- temente engajado. Expansividade retdrica em 1936, seriedade 61, Danforth, The death rituals of rural Greece, Princeton, N. J. Para uma queixa moderna ou pés-moderna semelhante sobre “a antropologia da morte”, nascida de uma experiéncia pessoal — a morte acidental de sua esposa no campo -, vet R. Rosaldo, “Grief anda headhunter’s rage: on the cultural force of emotions”, in E. Bruner (org,), Text, play, and story, 1983, Proceedings of the American Ethnological Society, Washington, 1984, p. 178-195: “[Na] maioria dos estudos antropoldgicos da morte, os analistas simplesmente eliminam as emocoes, assumindo a posigio do mais neutro observador. Sua postura também equipara o ritualistico ao obtigatério, desconhece a relagio entre o titual ea vida cotidiana e mistura o ptocesso ritual com o processo do luto. A regra geral (...) parece consistir em que se deve arrumar as coisas ao maximo, secando as lagrimas e ignorando os acessos de raiva” (p. 189). 7 Anthony Trollope (1815-1882), romancista inglés, (N. da T:) o 28 4% ESTARLA O retorica em 1982. Mas existem semelhangas ainda maiores, todas derivadas de um /opos comum — o estabelecimento delicado, mas bem-sucedido, de uma sensibilidade familiar, muito parecida com a nossa, num lugar intrigante mas des- conhecido, que em nada se assemelha ao nosso. O drama fir- thiano da chegada ao pais termina em seu encontto com o chefe, que é quase uma audiéncia real. Depois disso, sabemos que eles se entenderao e tudo ficar4 bem. As reflexdes ator- mentadas de Danforth sobre a Alteridade terminam em seu luto em eco, que é mais fantasia do que empatia. Depois disso, sabemos que o abismo se teduzira, que a comunhio esta prd- xima, Os etndgrafos precisam convencet-nos (como fazem esses dois, de maneita muito eficaz) nao_apenas de que eles mesmos realmente “estiveram 14”, mas ainda (como também fazem, se bem que de modo menos dbvio) de_que, se hou- véssemos estado 14, terfamos visto o que viram, sentido o que sentiram e concluido o que concluiram. OO Mas nem todos os textos etnograficos, e nem sequet a maioria deles, comegam travando um combate com o dilema da assinatura de maneita tao enfatica quanto esses dois. A maioria, ao contrario, tenta manté-lo a distancia, comegando por descric6es extensas ¢, nao raro (em vista do que vira a seguir), excessivamente detalhadas sobre 0 meio ambiente natural, a populacao e coisas semelhantes, ou por extensas discuss6es tedricas 4s quais nao se volta a fazer muita refe- réncia. As representagdes explicitas da presenga do autor ten- dem, como outros embaragos, a ficar relegadas aos prefacios, notas ou apéndices. Mas a questio sempre aparece, por mais que se resista a ela, por mais que seja disfatcada. “O viajante da Africa Oci- © 29 0 © OBRAS E VIDAS dental que penetra nesta regiao, vindo do sul’, escreve Meyer Fortes na primeira pagina de seu estudo sobre os talensis (tal- vez o mais rigorosamente objetivado de todos os grandes textos etnograficos — ele soa como um texto de direito escrito por um botanico), “impressiona-se com o contraste com 0 cinturio florestal. Conforme suas preferéncias, ele a vera com prazer ou desalento, depois da escuriddo maciga e gigantesca da floresta” (Fortes, 1967, p. 1).° Nao ha duvida sobre quem é esse “viajante” ou a quem pertencem essas ambivaléncias, nem sobre o fato de que voltaremos a ouvir essa mesma nota, mais ou menos abafada como nesse ponto. “A Rodovia 61 estende-se por trezentos e vinte quilémetros de ricas terras negras, conhecidas como o Delta do Mississipi”, comega 0 belo livro que William Ferris escreveu, alguns anos atras, sobre os musicos negros do Sul rural, Biues from the Delta, “onde fileiras de quilémetros de algodao e soja irradiam-se de suas margens e cercam cidadezinhas ocasionais, como Lula, Alli- gator, Panther Burn, Nitta Yuma, Anguilla, Arcola ¢ On- ward” (Fertis, 1979, p. 1).° Fica bem claro (mesmo para quem n&o sabe que Ferris nasceu no Delta) quem € a pessoa que veio percortendo essa rodovia. Entrar em seus textos (isto é, introduzir-se neles repre- sentacionalmente) talvez_seja_tio_dificil para os etndgrafos quanto entrar numa cultura (ou seja, penetrar nela imaginati- vamente). Para alguns, é€ possivel que isso seja ainda mais dificil (vem-nos 4 lembranca Gregory Bateson, cujo classico 8M. Fortes, The dynamics of clanship among the Tallensi, Londres. °W, Ferris, Blues from the Delta, Garden City, N. Y. © 30 ° ESTARLA excéntrico, Naven, parece consistit sobretudo em largadas frus- tras e reconsideragGes — preambulo apdés predmbulo, epilogo apos epilogo). De um_ modo ou de outro, contudo, ainda que de maneira irreflexiva, e sejam quais forem os receios a respeito fo todos os etndgrafos conseguem fazé- lo. Existem livros sumamente magantes na antropologia, mas poucos (se algum) murmurios anénimos. oo 9 A outra questao preliminar (“de que o autor é autor?”, ou o problema do discurso, como a chamei) também é pro- posta, de maneira mais geral, no ensaio foucaultiano “Que é um autor?” e num texto de Roland Barthes (mais sutil, a meu ver), “Autores e escritores”, publicado cerca de dez anos antes. (Barthes, 1982, p. 185-193)."° Foucault enuncia a questéo em termos de uma distingao entre os autores (a maioria de nds) “a quem a produgao de um texto, um livro ou uma obra pode ser legitimamente atri- buida” e aquelas figuras, de peso bem maior, que “sao autoras (...) de muito mais do que um livro”; séo autoras de “(...) uma teoria, uma tradi¢aéo ou uma disciplina em que outros livros € autores, por sua vez, encontrarao seu lugar” (Foucault, op. cit., p. 153). Ele faz uma sétie de afirmagées discutiveis sobre esse fendmeno: diz que seus exemplos dos séculos XTX e XX (Marx, Freud etc.) sao tio radicalmente diferentes dos ante- riores (Aristételes, Santo Agostinho etc.) que nao devem ser R. Barthes, “Authors and writers”, in S. Sontag (org), A Barthes reader, Nova York.

También podría gustarte