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FECHO DE MATERNIDADES

O governo vai avançando na sua estratégia para


reduzir a oferta do Serviço Nacional de Saúde.
Ganham os negócios, perdem os doentes NAS PÁG. 2 E 3

ESQUERDA
Nº 11 | 50 CÊNTIMOS | JUNHO 2006 MENSAL | JORNAL DO BLOCO DE ESQUERDA
PAULETE MATOS

MARCHA PELO EMPREGO!


Trazer o emprego e a precariedade para o topo da agenda
T
política é o objectivo da maior iniciativa de sempre do
Bloco, que estará na estrada de 2 a 17 de Setembro . NA PÁG 6

UNIVERSIDADE EUROPEIA
O Partido da Esquerda Europeia debate as alternativas
para uma política que rompa com o neo-liberalismo.
O Bloco é o anfitrião deste encontro, que se realiza
em Tavira de 13 a 16 de Julho NA PÁG. I
2 | ESQUERDA JUNHO’06 | ENCERRAMENTO DE MATERNIDADES >>>>>>>>>>>>>>>>>

assim fosse, e que o autismo do


ministro da Saúde e da sua equipa
desse lugar a uma postura mais
dialogante.
A participação dos utentes nos
processos de mudança dos servi-
ços de saúde é indispensável para
que elas resultem e se traduzam
em avanços efectivos na quali-
dade dos cuidados dos serviços
prestados.
Mas isso obrigava o governo a
uma maior transparência. E ao que
assistimos foi exactamente ao con-
trário. O governo de José Sócrates
escondeu desde o primeiro mo-
mento o seu objectivo, aquilo que
o movia e determinava a encerrar
aquelas maternidades, e mais tarde
os SAPs e mesmo alguns hospitais:
apenas cortar na despesa, depressa
e quanto mais melhor, numa cor-
rida para diminuir a factura com a
saúde dos portugueses que, como
se sabe, é paga pelos impostos de
todos nós.
Se as maternidades fecharem,
deixará de ser necessário pagar aos
profissionais que lá trabalham e as-
seguram o seu funcionamento. Esse
é, sem dúvida, o leit motiv desta
política e do seu responsável, o mi-
nistro Correia de Campos. O que
este poupa em milhões, sobra em
mais problemas e dificuldades para
as futuras mães dessas localidades.

O ARGUMENTO
DA SEGURANÇA
Mas será mesmo assim? Então
não há maternidades que não
cumprem os requisitos técnicos
exigidos pelas competentes ins-
tâncias internacionais e nacionais,
pondo em risco a vida das par-
turientes e dos recém-nascidos,
sendo assim mais que legítimo o
seu fecho?

MATERNIDADES
De facto, todo o discurso do
governo repete à exaustão duas
palavras chave: segurança e qua-
lidade, como se fossem essas as
razões porque decidiu encerrar as
maternidades.
Então por que não manda fechar

PÚBLICAS VIRTUDES,
também as maternidades privadas,
quando apenas duas delas efectu-
am mais de 1 500 partos por ano,
o número mágico que o governo
invoca para justificar a sua decisão
no caso das públicas? E por que

NEGÓCIOS PRIVADOS
deixa em funcionamento mui-
tas outras maternidades públicas
que também não realizam aquele
número de partos, algumas delas

M
localizadas nas maiores cidades
uito tem sido dito (Elvas, nordeste transmontano, do país e onde até há mais de que
Se o governo quisesse, de e escrito sobre a
decisão do gover-
Beira Interior), ou em centro urba-
nos de dimensão limitada, como
uma maternidade aberta? E, por
último, se quer mais segurança e
facto, defender a segurança no de encerrar, de Barcelos, Santo Tirso ou Torres Ve- qualidade, por que não vai buscar
os profissionais que diz que faltam
uma só assentada, dras, onde o governo achou que
e a qualidade dos serviços mais de uma dúzia de materni- seria mais fácil conter e silenciar nas maternidades a encerrar, aos
de saúde materno-infantil, dades até ao fim do ano. Poucos
problemas suscitaram uma tão
as populações.
Está visto que se enganou. As
serviços em que eles se concen-
tram em excesso?
não teria liquidado serviços intensa polémica. Poucas situa-
ções mereceram uma tão gran-
portuguesas e os portugueses
querem e exigem participar nas
Se o governo quisesse defender
a segurança e a qualidade dos ser-
de forma avulsa e pontual. de mobilização das populações decisões que afectam directamente viços vocacionados para a saúde
materno-infantil, se o que o move
atingidas. Milhares e milhares de a qualidade das suas vidas, recla-
Teria começado por elaborar pessoas desceram às ruas, e de mam um papel activo na condução fosse efectivamente a elevação dos
e definir um mapa das Barcelos vieram mais de dez mil
mulheres manifestar-se a Lisboa.
da política de saúde e nas opções
sobre o funcionamento do SNS.
níveis de excelência dos cuidados
prestados à mãe e ao recém–nasci-
maternidades de que o país O governo não esperava tanto
protesto. Julgou que o povo “co- GOVERNO ESCONDEU O
do, então não teria começado por
liquidar serviços de forma avulsa
precisa TEXTO DE JOÃO SEMEDO mia e calava”, tanto mais que as VERDADEIRO OBJECTIVO e pontual. Teria começado por ela-
borar e definir um mapa das ma-
maternidades a “abater” se situam Será que o governo do PS apren-
FOTO DE PAULETE MATOS ternidades de que o país precisa.
ou no longínquo e pacato interior deu a lição? Seria desejável que
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O ministro da Saúde enche a matéria de política de saúde. zonas do país cujas maternidades
EDITORIAL NUNO RAMOS
DE ALMEIDA
boca com a palavra coragem. Au-
toproclama-se muito corajoso por
ousar e impor o encerramento das
Perante um problema, face às
dificuldades, fechar é sempre a
solução mais fácil. Difícil é en-
vão agora ser encerradas.
O fecho das maternidades terá,
no entanto, outro tipo de con-
A RAÇA DO FUTEBOL
maternidades. contrar as soluções, reunir os sequências cujo impacte se fará
Corajoso – e, já agora, bem meios necessários para superar sentir muito para além das popu- Estamos em tempos em que as bandeiras se confundem
mais inteligente e útil –, seria os problemas. Com este governo, lações agora directamente preju- com o futebol e são distribuídas como propaganda do
definir de forma organizada e sis- já todos percebemos que, ao pri- dicadas. Integrada numa política Banco Espírito Santo. Há poucos dias, o presidente do
temática a rede nacional de ser- meiro obstáculo, a resposta é in- de redução da oferta pública de
viços de obstetrícia e pediatria, variavelmente a mesma: fecha-se serviços de saúde, a decisão de Partido Nacional Renovador veio protestar, dizendo
ajustada e adequada às necessi- e não se fala mais no assunto! encerrar estas maternidades abre que a selecção nacional não era representativa dos
dades do país, ponderando fac- A concretizarem-se os desejos mais campo e novas oportunida- portugueses, devido à presença de negros e do brasileiro
tores demográficos, geográficos e de Correia de Campos, as conse- des de “negócio” aos grupos pri- Deco. Longe vão os dias em que os políticos queriam
de mobilidade, atendendo a cir- quências do encerramento destas vados interessados em grandes
selecções etnicamente “puras”, só com elementos da “raça
cunstâncias de natureza local e, maternidades vão muito para investimentos na área da saúde.
em função desse mapa, distribuir além do prejuízo directo e ime- Na saúde, a relação entre ser- superior”, como quando o presidente brasileiro Epitácio
os recursos técnicos e humanos diato das populações, sobretudo viços públicos e privados asse- Pessoa decretou, por razões “de prestígio pátrio”, que os
de que hoje dispomos e que, de das grávidas que a elas recorrem. melha-se e obedece à lógica dos negros não podiam jogar na selecção do Brasil, na Copa
uma forma geral, se concentram Esse será, naturalmente, o pri- sistemas de vasos comunicantes: da América de 1921. A pátria foi salva, já o Brasil foi
em excesso e irracionalmente meiro e mais visível resultado da de um lado, reduz-se a oferta do
nas cidades de Lisboa, Porto e decisão governamental. As partu- SNS e, do outro, aumenta a oferta goleado e derrotado.
Coimbra. E prever e assegurar a rientes passam a ter de deslocar-se privada. Não faltam notícias nos Apesar da distância temporal, em Portugal, os filhos
formação dos técnicos em falta para mais longe, logo que chegue jornais a anunciar novos inves- dos imigrantes continuam sem direitos, entre os quais
– médicos e enfermeiros destas a hora do parto, acrescentando timentos dos Mellos, do Espíri-
especialidades –, para que aquela novos factores de intranquilidade to Santo, do BPN/GPS e outros, o simbólico direito a jogar futebol no clube da sua
rede viesse no futuro a funcionar e insegurança a um momento de- em grandes clínicas e hospitais, terra: cada equipa só pode ter um número limitado
em pleno e com equilíbrio. licado e sempre intenso, em que obviamente, com maternidades de “estrangeiros”. Estranhos estrangeiros que nascem,
o que mais se deseja e procura é incluídas. vivem, estudam, trabalham e amam em Portugal, muitos
FECHAR É SEMPRE calma e confiança. Naquela hora, A este respeito, não deixa de
dos quais sem conhecer um qualquer outro país e a quem
O MAIS FÁCIL a proximidade é um factor impor- ser muito significativo que, no
O SNS precisa de planeamento e tante para que tudo corra bem, meio de toda esta controvérsia em lhes é negada a cidadania.
programação. A sua falta tem sido a mas que o governo desvaloriza e torno das maternidades, o porta- Recentemente, uma mulher que vive e trabalha, há mais
doença do SNS. Está à vista o resul- negligencia, irresponsabilidade tão voz dos prestadores privados de de nove anos, em Portugal, casada com um português e
tado do improviso, da precipitação, mais grave quanto são conhecidas cuidados de saúde tenha vindo
do imediatismo e do experimenta- as dificuldades de assegurar ambu- oferecer ao governo os préstimos mãe de dois filhos portugueses viu, segundo o Público,
lismo de sucessivos governos em lâncias com condições em muitas dos seus associados para gerir e recusada a nacionalidade por um tribunal que alegava
explorar as maternidades que que ela não se enquadrava na comunidade em que vivia,
Correia de Campos decidiu “aba- visto não saber de cor a letra do hino nacional.
AO CONTRÁRIO DO ANUNCIADO PELO GOVERNO ter” ao activo do SNS.
Temos uma “justiça” que não percebe que o critério para
FECHO DOS BLOCOS DE PARTOS DEFESA DO SNS ter direitos devia ser privilegiar aqueles que contribuem
É O FIM DE TODOS OS SERVIÇOS A “guerra das maternidades”
– recorrendo à expressão recen-
com o seu trabalho e com o seu esforço para a vida de

DAS MATERNIDADES temente utilizada por um co-


nhecido jornalista –, apesar de
todos os que vivem em Portugal. Temos um país, em que
se acha normal que indivíduos, como o fascista Mário
salpicada aqui e ali por palavras Machado, acusados de crimes de extorsão com violência
NOS ÚLTIMOS meses tive a tra ou uma enfermeira-parteira
e movimentações de indisfarçá- e condenados no assassínio de Alcino Monteiro, possam
oportunidade de visitar, em se não tem partos para fazer? vel matriz populista, é na essên-
alguns casos revisitar, algu- Para muitos, a resposta está, ter acesso a armas mortais e declarar que as vão usar
cia dos seus objectivos mais um
mas das maternidades que o desde já, encontrada. Vão episódio, mais um momento, da contra os negros e os estrangeiros.
ministro Correia de Campos transferir-se para outros hospi- arrastada e difícil luta em defesa Portugal só será um país mais justo, quando todos os
pretende fechar. Falei com va- tais, nos quais possam exercer do estado social e dos serviços que cá vivem tiverem condições de existência condigna
riadíssimos profissionais, tanto plena e gratificantemente a sua públicos que lhe dão corpo e
médicos como enfermeiros, actividade, deixando as suas existência, neste caso, o Serviço e todos os direitos de cidadania, para poderem melhorar
com muitos anos de trabalho actuais maternidades sem obs- Nacional de Saúde. a terra onde vivem. E isto não se resolve com leis que
naqueles estabelecimentos de tetras nem parteiras. De facto, nesta questão do fe- tratem os imigrantes como mercadorias, nem com falsos
saúde. Esta é, naturalmente, uma ou- cho das maternidades, o que a moralismos.
Partilham da frustração e, tam- tra consequência da decisão política do governo põe em causa
bém, das palavras de revolta e do governo. Fechar blocos de é o SNS, o seu desenvolvimento Quem vive e trabalha em Portugal tem o direito de ter
protesto que todos os dias es- parto – usando a terminologia e modernização. “Emagrecer” o todos os direitos: do futebol ao voto. Enquanto isto não
cutam da boca das suas par- de Correia de Campos -, con- SNS, como pretende o PS, é mais acontecer, teremos juízes que aprenderam certamente
turientes. duz inevitavelmente, primeiro, um passo em direcção à sua su- a justiça de cor, mas recitam-na mal.
Recordo o que obstetras e en- ao esvaziamento dos cuidados balternização face ao rápido cres-
prestados numa maternidade cimento e multiplicação dos ser-
fermeiras-parteiras me disse-
viços privados. Pondo em risco o
ram sobre o seu futuro, tanto e, depois, ao encerramento de
próprio direito à saúde, tal como
em Elvas como em Barcelos: todos os seus serviços, em vir-
a Constituição o reconhece.
“Que sentido faz continuar tude da debandada dos seus Não admira, pois, que o PSD
aqui se vamos deixar de fazer profissionais. aplauda esta política, apesar de
os partos das mulheres que se- A promessa de Correia de algum “esbracejar” de autarcas
guimos durante a sua gravidez? Campos de manter em funcio- e figuras locais, para satisfazer
Que sentido tem uma materni- namento as consultas de gine- certas clientelas eleitorais. Ali-
dade sem partos? Que trabalho cologia e obstetrícia – isto é, o ás, o dossier maternidades está
vai ser o nosso?” seguimento das grávidas –, nas pronto desde o tempo de Luís
Perguntas simples, mas car- maternidades cujos blocos de Filipe Pereira, ministro da Saúde
regadas de lógica. Como pode parto mandou fechar até final dos governos PSD/PP de Durão
um profissional aceitar ampu- do ano, não passa disso mes- Barroso e Pedro Santana Lopes.
tar o seu trabalho, como pode mo, de uma promessa. Nes- Apenas lhe faltou tempo para o
exercer e aperfeiçoar o seu de- sa altura, já lá não estarão os concretizar.
sempenho se lhe retiram algu- profissionais habilitados para Dossier que, neste seu regresso
mas das tarefas que são parte o fazer. ao ministério, Correia de Campos
integrante da sua profissão, Hoje, são os blocos de parto. encontrou em cima da sua secre-
como acontece com os partos? Amanhã, serão as próprias ma- tária, lá deixado pelo seu ante-
ternidades a encerrar as suas cessor, como um presente enve-
Como pode realizar-se profis-
nenado. Que, desgraçadamente,
sionalmente um médico obste- portas.
o ministro não devolveu.
4 | ESQUERDA JUNHO’06 | INTERVENÇÃO E JORNADAS AUTÁRQUICAS >>>>>>>>>>>>>>>

INTERESSES IMOBILIÁRIOS
DESTROEM MATA DE SESIMBRA
Está em debate público o Plano de Pormenor da Zona Sul da Mata de
Sesimbra que pretende beneficiar interesses imobiliários e destruir a
mata de Sesimbra, o Bloco opõe-se a esta escandalosa violação do PDM
TEXTO DE CARLOS SANTOS. FOTO DE ANTÓNIO PROENÇA

RENOVAR O PODER
AUTÁRQUICO E A LUTA SOCIAL
Cerca de duas centenas e meia de autarcas e activistas locais articiparam
nas Jornadas Autárquicas do Bloco, no fim-de-semana de 6 e 7 de
Maio, em Lisboa. Com a colaboração de vários especialistas, técnicos e
eleitos locais foram realizados quatro painéis temáticos, para debate do
ordenamento do território, dos recursos naturais, das finanças locais
e dos serviços sociais nas autarquias. À margem destes painéis, foi
apresentado o “Manual do Autarca”, para apoio à intervenção local.
TEXTO DE CARLOS SANTOS. FOTO DE PAULETE MATOS

S
erá que algum as- vida local é o grande desafio que alinhadas pelo Governo que e veio dizer que o trabalho que
pecto desta febre os autarcas eleitos pelo Bloco se não resolvem nenhuma destas fazemos não é válido”. Acentuou
aquisitiva e destes propõem fazer. A política de so- situações. ainda que era fácil ser oposição
combates de titãs los e a lei que lhe está associa- Na sessão de encerramen- sem apresentar propostas, mas não
diz alguma coisa ao da - que é umas das principais to, a presidente da Câmara foi esse o caminho que o Bloco
comum dos cidadãos, na sua causas do caos urbanístico, e o de Salvaterra de Magos, Ana seguiu em Lisboa, concluindo que
qualidade de não-accionista abandono de matos e florestas Cristina Ribeiro, criticou as di- “somos muito incomodativos” e
das instituições envolvidas? A -, foram caracterizadas como ficuldades que o poder central não pactuaremos com a corrupção
resposta é sim. Será que as res- tipicamente “terceiromundista” está a colocar aos municípios e os corruptos.
postas às questões socialmente porque estimulam a especula- com “as transferências de com- Francisco Louçã, na conclu-
mais relevantes têm sido dadas ção e enriquecem quem pratica petências sem contrapartidas são das Jornadas, afirmou que se
ou sequer afloradas, por líderes, verdadeiros crimes ambientais e financeiras” e “com as limita- torna cada vez mais claro que a
comentadores ou envolvidos? A urbanísticos. ções ao endividamento e ao regionalização é necessária e tem
resposta é não. É preciso inverter uma po- aumento das despesas com papel na coesão social e territo-
Para o Bloco de Esquerda, é lítica de financiamento autár- pessoal”. rial. Referiu, igualmente, que o
necessário dar aos municípios quico que está a favorecer a José Sá Fernandes, vereador na Bloco é a “grande força da oposi-
e freguesias um papel cada vez “betonização” e o crescimento Câmara de Lisboa, criticou Carmo- ção e da renovação do poder au-
mais relevante no ordenamento urbano desmesurado. O Bloco na Rodrigues (PSD), que “prome- tárquico e da luta social em cada
do território, ambiente e apoio encara com muita preocupação teu 309 medidas, teve a desfaçatez município, que é exigida a uma
social. Esta democratização da as mudanças que estão a ser de dizer que não cumpriu metade esquerda de confiança”.
>>>>>>>>>>>>>>> INTERVENÇÃO E JORNADAS AUTÁRQUICAS | ESQUERDA JUNHO’06 | 5

O
plano prevê a cons- mar e da serra, ficou tristemente Foi partindo deste acordo que blicamente pelo jornal Expresso. o principal apoiante do acordo
trução de uma verda- famosa como um dos maiores cri- nasceu o actual Plano de Porme- O processo de consulta pú- promovido por Isaltino Morais,
deira cidade na Mata mes urbanísticos dos anos 70, da nor para a Zona Sul da Mata de blica é mesmo usado como um como ministro. Espírito Santo,
de Sesimbra, será autoria do construtor civil Xavier Sesimbra. expediente para publicitar o Isaltino e Pólvora tornaram-se
erigido um empreen- de Lima. projecto sem divulgar pareceres assim uma espécie de trindade
dimento turístico com um volu- A mata de Sesimbra é uma A MÃO DO ESPÍRITO SANTO E ou opiniões contrárias a ele. Um e santa aliança para a explosão
me de construção de um milhão área extraordinariamente bela e OS PARECERES CENSURADOS parecer negativo da Comissão de da construção urbanística no
de metros quadrados, mais de um pulmão da área metropoli- O actual projecto é da empresa Coordenação e Desenvolvimento concelho de Sesimbra.
8.000 unidades de alojamento tana de Lisboa. Antes do 25 de Pelicano e da ESPART (Espírito Regional de Lisboa e Vale do Tejo
e mais de 30.000 camas. A po- Abril, uma sociedade alemã, a Santo Participações Financeiras) (CCDRLVT) não é conhecido nem NÃO SÃO FAVAS CONTADAS
pulação de Sesimbra de 37.000 Sociedade Aldeia do Meco, re- e tem a chancela da WWF, sen- divulgado, tal como um parecer da No dia 16 de Maio, foi torna-
residentes e 67.000 pessoas de quereu a passagem de um alvará do reconhecido como projecto Direcção-Geral de Turismo (DGT) do público mais um parecer des-
população residente e flutuan- de loteamento sobre 67 hectares, no âmbito do programa mundial ao que parece “muito condiciona- favorável ao Plano, desta vez do
te, em 2001, pode duplicar até numa frente da costa sobre a fa- de sustentabilidade One Planet do”. Também a posição conjunta Instituto de Conservação da Na-
2011 e crescer até 175.000 pes- lésia, prevendo 315 mil metros Living. das organizações ambientalistas tureza (ICN), por integrar 1 200
soas em 2021. No plano estão quadrados de construção. Este Com a imagem de empreen- Quercus, Geota e LPN, contrária hectares do Parque Natural da Ar-
incluídos quatro estabelecimen- projecto desastroso foi travado dimento turístico de qualidade ao plano de pormenor, foi esca- rábida, violando o próprio regula-
tos hoteleiros e 11 aldeamen- após o 25 de Abril, tendo a área ambiental, o actual projecto vai moteada no processo de consulta mento do parque. Existe também
tos turísticos, 40 hectares para que englobava sido protegida no muito além de um projecto turís- pública. um processo em tribunal contra
equipamentos públicos, nomea- PROTAML (Plano Regional de tico, não destrinçando entre o que o acordo de 2003, que pode vir
damente, três campos de golfe, Ordenamento do território da será turismo e segunda habitação O TRIÂNGULO EXPLOSIVO a anulá-lo.
escolas de desporto, cultura, co- área Metropolitana de Lisboa e e englobando escolas, centro de Um dos factos mais espantosos A defesa do ambiente e o com-
mércio, igreja e clínica. Vale do Tejo) e declarada “não saúde, creches, quartel de bom- em todo este processo de urba- bate à urbanização desenfreada
Com o plano de pormenor, é urbanizável” no PDM de Sesim- beiros, GNR e centro clínico. nização desenfreada da Mata de são já hoje em Portugal frentes
violado o PDM de Sesimbra e au- bra. Apesar da empresa ter recor- Consegue aquilo que o sector Sesimbra tem sido o papel do de luta nas quais a cidadania se
mentado o índice de construção rido para os tribunais o processo imobiliário mais pretende hoje presidente da Câmara, Augusto afirma e, neste caso, o processo
na mata. estava enterrado, mas, em 2003, em Portugal: construir em zona Pólvora, e da CDU. de consulta pública mostrou
Isaltino Morais, então ministro proibida. Trata-se de construção Seria natural que a Câmara que há pessoas de Sesimbra
O DEDO DE ISALTINO do Ambiente, assinou um acor- violando o PDM, em áreas am- tivesse um papel distanciado dispostas a continuar a lutar
Sesimbra é um aprazível conce- do com a Câmara de Sesimbra, bientalmente protegidas. do projecto de investimento pela defesa do ambiente e dos
lho da Península de Setúbal, con- na altura do PS, e com a empresa Como tem sido usual nestes privado Pelicano/Espírito Santo. seus direitos.
tíguo à Serra da Arrábida e com Pelicano, que ficou com os direi- casos, o processo de consulta Não foi porém o que aconteceu. Também o Bloco de Esquerda
uma grande frente de mar, bem tos da antiga Sociedade da Aldeia pública tem sido atribulado, com É a Câmara a principal divul- de Sesimbra tem estado parti-
conhecido pelas suas praias: Se- do Meco. Este acordo decide que claras violações da legislação em gadora e defensora pública do cularmente activo em defesa da
simbra, Meco, Lagoa de Albufeira, os direitos de construção do fale- vigor. O processo não cumpriu os projecto, com o empenhamen- Mata de Sesimbra e realizou uma
entre outras. cido projecto da Aldeia do Meco prazos, mas no final do tempo a to pessoal e directo do actual acção de protesto no dia 4 de Ju-
Dadas as suas características sejam transpostos para a Mata de Câmara prolongou-o, certamen- presidente da Câmara, que já nho, na praia de Sesimbra.
atractivas, os crimes urbanísticos Sesimbra, somando o índice de te atemorizada pela intenção do em 2003, quando ainda era O plano de betonização masca-
e ambientais têm-se sucedido. A construção da Aldeia do Meco advogado José Sá Fernandes de vereador da habitação embora rada de verde não está decidido,
Quinta do Conde, freguesia na aos índices de construção da pró- avançar com uma providência não pertencesse à maioria PS que os cidadãos têm uma palavra a
área do concelho mais afastada do pria Mata de Sesimbra. cautelar, iniciativa divulgada pu- dirigia a Câmara na altura, foi dizer!

OUVIR E
DEBATER COM
A POPULAÇÃO
Entrevista com Joaquim Raminhos, vereador
do Bloco de Esquerda na Câmara da Moita
“A nossa opção de fundo é o debate com a Dos primeiros seis meses após a eleição
população”, afirmou-nos, logo de início da da Câmara salientou: “conseguimos evitar
entrevista, Joaquim Raminhos, salientando um abate de sobreiros que já tinha sido
a demarcação que fez na discussão do or- aprovado no plano de pormenor”. Está
çamento, em que expressou a opinião do igualmente atento a outros projectos de
Bloco de Esquerda que a Câmara da Moi- urbanização, sobre os quais tem sérias
ta deve, ao contrário do que faz a maioria dúvidas.
CDU, evoluir para práticas de democracia “Os primeiros seis meses foram de grande
participada como o processo do “orça- aprendizagem”, afirma Joaquim Raminhos,
mento participativo”, em que a população acrescentando que verificou que as condi-
é parte activa na decisão dos investimentos ções para o desempenho do cargo não são
para a sua terra. nada fáceis. Sendo director do Centro de
O concelho da Moita, situado na Península Formação de Professores da Moita, para o
de Setúbal, tem 56 mil eleitores e a compo- trabalho de vereador conta apenas com a
sição da Câmara é: de cinco vereadores da flexibilidade da sua actividade profissional
CDU (maioria absoluta), dois do PS, um do e rouba tempo ao descanso. O seu gabine-
PSD e um do BE. te é um cubículo de 2 por 3 metros, onde
O vereador do Bloco está a preparar tam- cabem apenas uma pequena secretária,
bém um projecto museológico para o con- duas cadeiras e um computador.
celho da Moita que vai apresentar breve- Apesar dessas dificuldades, Joaquim Ra-
mente e que pretende que seja debatido minhos vai também criar um atendimento
com a população. Preservar o passado e público aos munícipes, no sentido do que
a identidade é uma questão que valoriza, considera uma marca essencial da diferen-
de acordo com a sua prática de dirigente ça do Bloco: a defesa da participação da
associativo cultural. população.
6 | ESQUERDA JUNHO’06 | MARCHA PELO EMPREGO >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

A MARCHA PELO EMPREGO CALENDÁRIO DA MARCHA

PASSO A PASSO
DIA 1: Braga (noite) CONCELHO A CONCELHO
DIA 2: Guimarães
DIA 3: Famalicão
DIA 4: Valongo – Maia
DIA 5: Maia – Matosinhos
Braga, na noite de 1 de Setembro, será o palco para a DIA 6: Gaia – Porto
DIA 7: Feira – S.João Madeira
apresentação da Marcha, que a partir daí percorrerá DIA 8: Ovar
trajectos nos distritos de Braga, Porto, Aveiro, Coimbra, DIA 9: Espinho
Leiria, Santarém, Lisboa e Setúbal, terminando no DIA 10: Coimbra
dia 17 com uma iniciativa nacional em Lisboa. DIA 11: Leiria Marinha Grande
DIA 12: Abrantes Tramagal
DIA 13: Entroncamento – Torres Novas – Santarém
DIA 14: Vila Franca de Xira
DIA 15: Loures – Moscavide
DIA 16: Sintra - Oeiras / Moita – Barreiro – Seixal
DIA 17: Queluz – Amadora – Lisboa / Corroios – Cacilhas – Lisboa

tiva política global: é uma Marcha Descentraliza a preparação das


pelo Emprego e, portanto, pelos iniciativas de animação de cada
direitos sociais. Não trata de todas dia da Marcha.
as questões nem responde a todas Desse modo, a Marcha tem dois
as inquietações. Mobiliza sobre a objectivos políticos:
O MAPA final questão essencial do desemprego O primeiro objectivo é atacar de
será definido e concentra-se nela. frente a ideologia da inevitabilidade
com as organi- A Marcha não é, pois, um ins- do desemprego, com o seu cortejo
zações locais, a trumento de propaganda abstrac- de aceitações das falências e das
partir de esco- ta ou de divulgação ideológica. deslocalizações, que é o principal
lhas sobre cada É muito mais do que isso: é um fundamento da passividade do
um dos trajectos meio de agitação directa, simples, trabalhador ameaçado. Queremos
e sobre as inicia- perceptível e mobilizadora e, por demonstrar como o capitalismo
tivas que promove- isso, privilegia o contacto próximo gera desemprego, como se baseia na
rá: visitas a fábricas, com as populações. injustiça e na violência da repartição
centros de formação, A Marcha não resolve o pro- do rendimento. Queremos apontar
centros de emprego, ac- blema das pessoas que estão os nomes e os casos dos capitalis-
ções de protesto, comí- desempregadas. Não cria expec- tas que dirigem a vida económica,
cios de rua, festas, sessões tativas falsas e insiste sempre na mostrar como enriquecem e como
de debate e outras. condição fundamental que é a da governam o país.
Nos distritos onde não há mobilização colectiva para mudar O segundo objectivo é mos-
percursos da Marcha, serão a relação de forças na sociedade. trar que se podem tomar desde
igualmente promovidas iniciati- Não pretende criar um movimen- já medidas concretas para reduzir
vas de debate e mobilização para to artificial e episódico que suscite o desemprego e para proteger di-
a apresentação dos objectivos e do esperanças que venham a ser frus- reitos sociais. Queremos por isso
programa contra o desemprego. tradas. apresentar um programa concreto,
Os aderentes do Bloco e os Responde aos problemas das pormenorizado, credível e por isso
apoiantes da Marcha que se lhe pessoas com uma ideia de mobili- mesmo mobilizador, que inspire a
quiserem associar, a partir do zação colectiva, que é a única for- acção social, os cadernos reivin-
Nordeste, serão convidados a vir ma de conseguir qualquer reforma dicativos e a luta dos desempre-
a Braga, os das Beiras poderão vir concreta nas políticas económicas gados e que influencie o debate
a Coimbra ou Santarém e os do ou de protecção social e organiza, político.
Alentejo e Algarve a Setúbal. com o Bloco, a continuidade da Deste modo, a Marcha pretende
A Marcha é uma acção promo- luta por esse programa. ser um desafio poderoso lançado
vida pelo Bloco de Esquerda, não A Marcha promove formas de contra o governo e as políticas
é uma iniciativa do movimento acção que são novas no Bloco de económicas dos últimos anos.
sindical ou de algum movimento Esquerda. Envolve muito mais Porque quer demonstrar que há
social. Não é contra o movimento pessoas do que uma campanha alternativas e que a destruição dos
sindical nem o substitui; apresen- eleitoral e dá-lhes mais responsa- empregos é um crime económico.
ta o programa de um movimento bilidade. Porque quer combater a desespe-
político sobre a questão do em- Compete às organizações lo- rança, mostrando que se pode me-
prego. cais definir o modo de actuação lhorar a vida das pessoas. Porque
A Marcha não apresenta um pro- em cada lugar e contribuir para a quer apontar um caminho para a
grama de governo ou uma alterna- selecção do tema de cada acção. luta social.
JORNAL DA DELEGAÇÃO DO BLOCO DE ESQUERDA NO GUE/NGL NO PARLAMENTO EUROPEU

A UNIVERSIDADE DA ESQUERDA
GLOBAL
EUROPEIA REALIZA-SE EM TAVIRA
Cerca de 200 activistas dos
partidos da Esquerda Europeia e
de movimentos vão participar na
primeira grande iniciativa europeia
de reflexão sobre a situação da
Europa e a construção de uma
alternativa de Esquerda a nível do
continente. TEXTO DE MANUEL MORAIS

O
Partido da Esquerda pantes poderão ouvir um conjunto
Europeia (PEE), que alargado de conferências, em que
engloba várias for- participam conhecidos dirigentes
mações da esquerda e activistas da Esquerda Europeia.
europeia, muitas das Participam ainda Leila Shahid,
quais presentes no grupo parla- antropóloga palestiniana, que é
mentar do Parlamento Europeus actualmente embaixadora do seu
GUE/NGL, designadamente o Bloco país junto da União Europeia, e
de Esquerda, realiza a sua primeira Leila Zana, militante curda que
Universidade em Portugal, de 13 foi eleita pelo PE como Prémio
a 16 de Julho próximo. Sakharov em 2005. Boaventura
No último congresso do PEE, de Sousa Santos, Francisco Louçã,
em Outubro de 2005, em Atenas, Miguel Portas, Alda Macedo e José
foi aprovado um vasto plano de Manuel Pureza participam em al-
iniciativas comuns, no qual se in- gumas das conferências.
seria a realização de um momento A iniciativa de Tavira será uma
de estudo e reflexão comum entre oportunidade única de estar pre-
os militantes dos vários partidos sente numa série de workshops,
da Europa. conferências e mesas redondas,
A primeira Universidade terá assim como de ouvir especialistas
como tema “Esquerda Europeia: e activistas dos partidos políticos
Conteúdos e Práticas de uma Al- e dos movimentos sociais fora do
ternativa”, decorre na localidade habitual quadro das reuniões in-
algarvia de Tavira e reunirá cerca ternacionais.
de 160 participantes de toda a Os seus principais objectivos
Europa, dando a oportunidade de são avançar o debate político e te-
aprofundar o debate conjunto so- órico sobre as principais questões
bre alternativas políticas e sociais. que dizem respeito à construção
O encerramento desta iniciativa de uma alternativa política de
estará a cargo de Fausto Bertinoti, esquerda para a União Europeia
líder do PEE e presidente da Câ- e promover uma ampla troca de
mara dos Deputados do parlamen- experiências sobre políticas na-
to italiano. cionais e transnacionais e práticas
Durante quatro dias, os partici- sociais.

PROGRAMA UNIVERSIDADE DE VERÃO DA ESQUERDA EUROPEIA TAVIRA-ALGARVE-PORTUGAL, JULHO DE 2006


QUINTA-FEIRA, 13 DE JULHO contradições da globalização capitalista SÁBADO 15 DE JULHO 22:00 – Acto público cultural pela paz, contra a
14:00 - 1ª Conferência – Boaventura Sousa Santos 12:00 - Almoço guerra preventiva
Reinvenção do estado social – Yves Salesse (França) 15:15 – Intervalo 14:30 – 3ª Conferência 23:00 – Fim
15:15 – Intervalo 15:30 – 2ª Mesa Redonda Democratizando o Século XXI – Francisco Louçã
15:30 – 1ª Mesa Redonda: Globalização capitalista e precariedade do trabalho (Portugal) DOMINGO, 16 DE JULHO
Direitos sociais e ambientais, sustentabilidade e - Raoul-Marc Jennar (Bélgica), WTO 15:15 Intervalo 09:30 - 4ª Mesa Redonda
serviços públicos europeus - Peter Fleibner (Áustria) Conhecimento e 15:30 – 3ª Mesa Redonda: Mediterrâneo e Médio Oriente: a alternativa
- Robin Blackburn (Inglaterra), Segurança social sociedade de informação Democracia, cidadania e integração europeia europeia à guerra preventiva
- Anna Marie Rivera (Itália), Imigração - Alexandra Wagner (Alemanha), Género e - José Manuel Pureza (Portugal) - Miguel Portas (Portugal), Introdução
- Ulii Gschwandter (Áustria) precariedade - Rigos Alkis (Grécia) - Leila Zana (Curdistão), As questões turca e curda
- Alda Macedo (Portugal) - Birgit Mannkopf (Alemanha), Precariedade do - G. Buster (Espanha), Tratado Constit. Europeu - Leila Shaid (Palestina), A questão palestiniana
17:00 - Intervalo trabalho: variações nacionais sobre um tema - Nicole Borvo (França) - Manuel Monereo (Espanha)
17:30 – Workshops simultâneos - Alfonso Gianni (Itália), Mudanças da organização - Masko D. Kunden (Alemanha), a questão Rumi 12:30 - Encerramento – Fausto Bertinotti
do trabalho 17:00 - Intervalo
SEXTA-FEIRA, 14 DE JULHO 17:00 – Intervalo 17:30 – Cinco workshops simultâneos sobre os
12:00 Almoço 17:30 – Workshops simultâneos temas do dia
14:30 – 2ª Conferência 20:00 – Fim 19:30 – Noite livre
A esquerda ante as novas tendências e
II | GLOBAL JUNHO’06 | FÓRUM SOCIAL EUROPEU - ATENAS 2006 >>>>>>>>>>>
TEXTO DE MADALENA QUEIROZ. FOTOS DE NUNO RAMOS DE ALMEIDA

ARTE COMO FORMA DE INTERVENÇÃO


“Estou sentada nas costas de um homem que está a sofrer por causa do
peso. Farei qualquer coisa para ajudá-lo excepto sair das suas costas”.
A escultura do dinamarquês Jens Galschiot’s mostra uma mulher gorda
do ocidente sentada nas costas de um homem africano esfomeado. Uma
estátua de três metros que representa o desequilíbrio na distribuição
dos recursos do planeta baseado num sistema de comércio injusto. A
acompanhar 20 escultoras de crianças esfomeadas.
Uma das obras de arte que marcou o Fórum Social Europeu acabou por
integrar a manifestação. Pode encontrar-se toda a informação sobre este
projecto em www.aidoh.dk/athens2006.

GÁS CONTRA MANIFESTANTES


A REVOLUÇÃO É FEMININA Os Vigilantes do sistema só entraram em acção quando um grupo de
“A revolução é feminina”. A t-shirt com esta anarquistas (que não tinham nada a ver com a organização da manif)
inscrição foi uma das que mais se vendeu no lançaram coktails molotov, incendiaram um carro e partiram montras dos
Fórum Social Europeu. “Mulheres em movimento, símbolos da globalização: Macdonalds; Zara; Sephora. Os efeitos do gás
mudamos a Europa, mudamos o Mundo”, foi o lacrimogénio acabaram por causar mal-estar em todos os manifestantes.
mote da Assembleia das Mulheres no Fórum
Social Europeu.
O objectivo deste reunião foi articular redes dos
movimentos feministas na Europa pela defesa
da igualdade de gênero e para acabar com
a violência contra as mulheres. Os números
revelados pela Amnistia Internacional são
assustadores: em Espanha, em 2004, cerca de
72 mulheres foram assassinadas pelos seus Mais de cem mil pessoas desfilaram
companheiros; nas ruas da Atenas contra o racismo,
Duas mulheres por semana são mortas pelos seus a guerra e a globalização no último
companheiros no Reino Unido; cerca de 14 mil dia do Fórum Social Europeu. Uma
mulheres foram mortas na Federação Russa em manif que também teve palavras
1999; no mundo cerca de 40 a 70% das mulheres de ordem em português ao som da
foram assassinadas por um parceiro íntimo. Grândola Vila Morena.
>>>>>>>>>>> FÓRUM SOCIAL EUROPEU - ATENAS 2006 | GLOBAL JUNHO’06 | III

CAFÉ REBELDE ZAPATISTA AS ENORMES


Café plantado em Chiapas pelos zapatistas era um dos muitos
produtos de comércio justo que se podiam comprar na Fórum
POTENCIALIDADES DO
Social Europeu.
Grãos plantados pelos “milhares de produtores de café
MOVIMENTO GLOBAL
zapatista, que se revoltaram contra a injustiça e exclusão que YANNIS ALMPANIS*
estão a criar estruturas autónomas para gerir a sua vida”. O A participação no Fórum Social Europeu de Atenas excedeu to-
processo passa pela venda direta a grupos de solidariedade das as esperanças mais optimistas: poucos de nós poderíamos acre-
na Europa e nos Estados Unidos, conseguindo preços mais ditar que cerca de 35 mil pessoas, de todo o mundo, se inscreve-
altos no mercado global de café. riam no Fórum e que 100 mil pessoas desfilariam na manifestação
Formando uma rede, a RedProZapa, que subordina de 6 de Maio de 2006 ( a polícia falou de 35 mil pessoas, os jornais,
o aspecto do comércio a outros objectivos mais por sua vez, avaliaram os manifestantes em cerca de 70 mil).
importantes: solidariedade política e económica com a Este resultado inesperado, mostrou mais uma vez as enormes
luta dos zapatistas. potencialidades deste movimento global, que abriu um novo espa-
ço de lutas que não pode ser ignorado.
A manifestação de 6 de Maio constitui um marco histórico do
movimento social grego. Foi a maior demonstração de sempre,
sem a participação do Partido Comunista Grego. A participação
massiva nesta acção demonstra não só a crescente popularidade do
movimento global, mas é sinal da emergência de uma nova cultura
CLASSE DE PRISIONEIROS política de participação na sociedade helénica.
Para além do repúdio à possível Guerra no Irão, os inúmeros
A Amnistia Internacional não quis fazer esquecer que existem inúmeros manifestantes expressaram também a sua mobilização massiva em
casos de prisioneiros de guerra que ilegalmente são transferidos parta favor de uma mudança social.
países onde enfrentam tortura e maus tratos. A utilização de milhares manifestantes como escudos humanos
Um interior de um avião foi recreado em pleno Fórum Social Europeu para por parte de alguns grupos do black block é um acto autoritário
representar um símbolo destes vôos secretos que usam muitas vezes por parte de elementos que sempre afirmaram ser inimigos do Fó-
aviões alugados e violam a lei internacional em nome da “guerra ao rum.
terror”. O sucesso do FSE, foi ainda mais impressionante, tendo em con-
Uma prática que foi iniciado pelos Estados Unidos, que transferem ta os problemas específicos que o Comité Organizador teve de fazer
suspeitos de terrorismo para países conhecidos pelas suas frente:
práticas de tortura, como o Egipto, Jordânia e Síria. Um sistema - Os grupos que compunham o Comité Grego são relativamente
utilizada para levar prisioneiros dos Estados Unidos para fracos e não tinham nenhuma experiência de organização de uma
Guantanamo, em Cuba, e centros de detenção no Iraque e iniciativa deste tipo.
Afeganistão, ou para bases secretas espalhados pelo - A esquerda grega é umas das mais fragmentadas e sectárias da
mundo como “pontos negros”. Europa.
Durante o protesto, foi lançada uma campanha - Durante quatro meses o processo do FSE esteve quase blo-
queado por gente que vetava todos os esforços para dar passos
para que em cada país os movimentos pressionem
adiante.
os governos a proibir o regresso ou transferência de
- Depois do FSE de Londres o processo de preparação tornou-se
prisioneiros para locais onde enfrentem riscos de ineficiente e com alguns aspectos anti-democráticos.
tortura e maus tratos. Evitar que os espaços aéreos de - A existência de um certo cansaço das pessoas devido à mul-
cada país sejam utilizados para passagem destes vôos tiplicação dos Fórum Sociais, em menos de 6 meses, (nacionais,
e que os executivos inspecionem cada avião suspeito policentricos, Mediterrâneo, Europeu, etc...).
de transportar prisioneiros, assegurando que as vítimas - A participação da Refundação Comunista Italiana (uma das
da rendição sejam protegidas de todas as formas de tortura, são mais importantes organizações do movimento) na coligação de
outras das linhas de acção propostas pela Amnistia Internacional. centro esquerda, encabeçada por Prodi, criou algum sentimento
de desapontamento num largo número de activistas, especialmente
na juventude mais radicalizada.
Pelo contrario, o nosso trabalho foi facilitado pela vitória do
“não” à Constituição europeia, em França. Pelo massivo movimen-

PORTUGUESES EM ATENAS to de contestação ao CPE, também em França.


Estas vitórias encorajaram os activistas e aumentaram o interesse
pelo FSE em Atenas.
Mais de uma centena de portugueses participaram falou numa das conferências sobre o futuro da Eu- É de sublinhar também, como aspecto positivo, a significativa
no FSE. Destes, mais de metade deslocaram-se a ropa e Mónica Frechaut da Mesa Nacional do BE presença de activistas da Europa de leste, Balcãs e Turquia (mais de
Atenas aproveitando uma visita ao Parlamento Euro- apresentou as conclusões, sobre direito de Asilo, na 2000 pessoas), foi a maior participação destes países num FSE.
peu, a convite do eurodeputado do GUE/NGL, Miguel Assembleia Europeia dos Migrantes. Renato Soeiro, O novo conceito de programa do FSE provou ser positivo. A
Portas. Os bloquistas tiveram intervenção destacada que esteve em Atenas na equipa do GUE/NGL, fez abolição das Conferencias (todo o FSE foi auto-organizado) faci-
nos seminários sobre Imigração, LGBT, Juventude uma intervenção sobre a construção de uma alterna- litou a preparação do FSE e impediu, ao mesmo tempo, a criação
Educação e contestação à politica universitária saída tiva ao capitalismo na Europa. José Soeiro, da Mesa de uma falsa ideia de “representatividade” dos conferencistas, em
do processo de Bolonha, estratégia dos movimentos Nacional e do Núcleo de Jovens, fez uma comuni- relação ao movimento. Verificou-se a necessidade de existência de
sociais e o futuro da Europa. cação sobre a resposta do movimento estudantil às um site permanente do FSE que permita ajudar a preparação des-
O deputado João Semedo, do Bloco de Esquerda, reformas do Ensino Superior em curso na Europa. centralizada e participada do Fórum.
Foi importante a aposta na cultura, do comité organizador: mais
de 150 iniciativas culturais realizadas durante o FSE. Estamos con-
vencidos que esta convergência entre arte e politica não só permite
aos jovens artistas apresentarem o seu trabalho a mais gente, como
auxilia a emergência de novas formas e culturas de acção e comu-
nicação politica.
Ao contrario do artistas, a presença de intelectuais em Atenas
revelou-se menos conseguida. O FSE de 2006 não conseguiu ser
uma ponte entre intelectuais e activistas.
No futuro, estou convencido que se deve prosseguir o caminho
apostando em numa agenda comum de mobilizações, como as ac-
ções de contestação a cimeira do G8 na Alemanha. Melhorar a
metodologia de preparação do FSE tornando-a mais eficiente e
inclusiva. Continuar a apostar no alargamento geográfico a leste,
à Turquia e Balcãs.
O sucesso do FSE provou mais uma vez a importância deste
espaço e do movimento alter-global, sejamos nós capazes de con-
tinuar a melhorá-lo e adaptá-lo à permanente mudança das con-
dições politicas.
(*) Membro do Comité Organizador Grego. Excertos de um balanço
feito pelo autor para a rede do FSE.
IV | GLOBAL JUNHO’06 | FÓRUM SOCIAL EUROPEU - ATENAS 2006 >>>>>>>>>>>>>>>

NUNO RAMOS DE ALMEIDA


POIS É | Miguel Portas
A memória
é danada
O
taxista não gostava de padres. A culpa nem
foi deles, mas de uma tia beata lá para os
lados de Gouveia. Miúdo e órfão, o velhote
teve infância atribulada, entre confissões,

DECLARAÇÃO DA ASSEMBLEIA
castigos e terços enraivecidos. Mal pôde, pisgou-
se para a cidade. A sua terra sabe-lhe a sotaina e é
quanto lhe basta para nunca mais lá ter posto os
pés. Isto contava ele enquanto a rádio debitava as
primeiras informações do dia chegadas de Timor. DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

N
Continuava o pandemónio e a mulher de Xanana
ós, mulheres e ho- contra os direitos e a dignidade dos um amplo debate a fim de decidir,
atirava-se ao governo. Um excelente pretexto para mens dos movimen- imigrantes e das minorias. em conjunto, as próximas activida-
que o meu condutor juntasse à culpa dos padres a tos sociais de toda a Apesar da União Europeia ser des conjuntas, nos próximos meses
nacionalidade da senhora. Europa, viemos a Ate- uma das regiões mais ricas do mun- nas estruturas do processo do FSE.
Quando o rádio passou para o capítulo do fute- nas depois de anos do, dezenas de milhões de pessoas Certos acontecimentos importan-
de experiências comuns na luta vivem na pobreza, seja por causa tes estão já na ordem do dia:
bol, ainda o lugar da frente rosnava. Agora com contra a guerra, o neoliberalismo, do desemprego em massa, seja pela Vamos mobilizar-nos para a retira-
o povo de lá, e também com o de cá, que “quase todas as formas de imperialismo, precarização do trabalho. As polí- da completa das tropas estrangeiras
chorou por aquela gente, para agora acabar nisto”. de colonialismo, de racismo, de ticas da UE, baseadas na extensão do Iraque e do Afeganistão, contra a
Os padres, pois. E os australianos. E o petróleo. E discriminações e de explorações, sem limites da concorrência fora e ameaça de uma nova guerra no Irão,
contra todos os riscos de catástro- dentro da Europa, constituem um contra a ocupação da Palestina, pelo
a miséria. E ainda a interrogação: “o que vão para fe ecológica. Neste ano de vitórias ataque contra o emprego, os tra- desarmamento nuclear, pela elimi-
lá fazer os gêéneérres”? As manhãs mal dispostas significativas de algumas lutas so- balhadores, os direitos sociais, os nação das bases militares norte-ame-
devem ser um petisco naquele táxi. Eu é que estava ciais e de campanhas para parar serviços públicos, a educação, o ricanas na Europa e apelamos para
mal dormido e dispensava a coisa. Bem como as os projectos neoliberais, como a sistema de saúde... A UE planifica a que se realize por todo o continente
proposta do Tratado Constitucio- baixa dos salários dos trabalhado- uma semana de acção entre 23 e 30
más notícias.
nal Europeu, a Directiva Portuária res e dos subsídios de desemprego, de Setembro de 2006.
Descontado o tom, a irritante criatura dizia coisas da União Europeia e o CPE em assim como a generalização da pre- Apelamos para a realização de
com nexo. Pelo meu cansaço passaram imagens da França. cariedade. uma jornada interncional de acção
semana louca em que tomámos as ruas em solida- Os movimentos de oposição ao Nós rejeitamos esta Europa ne- e mobilização a 7 de Outubro de
riedade com os timorenses. Lembro-me de passar neoliberalismo desenvolvem-se e oliberal e o desejo de relançar um 2006, na Europa e em África, pela
opõem-se ao poder das multinacio- Tratado Constitucional que já foi regularização incondicional dos
um megafone vermelho ao bispo para ele se fazer nais, ao G8 e a organizações como rejeitado. Nós lutamos por uma imigrantes e pela defesa de direitos
ouvir. E da religiosidade pagã que desenhou no o OMC, o FMI e o Banco Mundial, outra Europa, feminista e ecológica, iguais para todos; pelo encerramen-
chão da praça da liberdade um altar de velas. E assim como às políticas neoliberais uma Europa aberta, uma Europa de to de todos os centros de detenção
das tensões que emergiam ao fim de alguns dias de levadas a cabo pelos estados da paz, de justiça social, por uma vida na Europa, para pôr fim às expul-
União Europeia. sustentável, pela soberania alimen- sões e deportações; contra a preca-
ocupação da praça. Esperanças tão contraditórias Mudanças políticas importantes tar e a solidariedade, o respeito dos riedade e pela supressão da obriga-
quanto genuínas chegavam a Portugal pela luta de aconteceram na América Latina, direitos das minorias e a autodeter- toriedade de contrato de trabalho
um povo que escolhera a independência. E ago- quebrando as ofensivas neoliberais, minação dos povos. para aceder ao direito de cidadania
ra... e mobilizações populares consegui- Nós condenamos a repressão e e residência.
ram anular, em alguns países, pro- a criminalização dos movimentos Vamos mobilizar-nos contra a
... Agora é essa memória que nos leva de novo a cessos de privatização. altermundialistas e de outros movi- precariedade, contra o desmantela-
GNR para Timor. Apenas essa memória. Chegará A situação actual está plena de mentos progressistas da Europa de mento dos serviços públicos e dos
ela? É duvidoso. A ONU não foi verdadeiramente oportunidades, bem como de im- Oeste e de Leste. direitos sociais, coordenaremos a
a jogo. Enviou uma carta de conforto para quem portantes perigos. A oposição e a Com o FSE, de Atenas, demos nossas lutas à escala de toda a Eu-
resistência à ocupação do Iraque um passo em frente para uma me- ropa, durante o próximo mês.
fosse, depois de de lá ter saído bem antes de tempo revelaram o falhanço da estratégia lhor coordenação entre movimen- Em Janeiro de 2007, o FSM reali-
e por pressão dos que preferiam “soluções bilate- dos norte-americanos e britânicos. tos sociais de toda a Europa, com zar-se-à em Nairobi. O desenvolvi-
rais”. Em Bruxelas vêm diminuindo os apoios, en- O mundo afronta, neste momento, a determinação de lutar pela paz, o mento dos movimentos sociais afri-
quanto em Estrasburgo a direita opera no sentido a possibilidade de uma nova catás- emprego e uma existência estável. canos é um objectivo crucial para
trofe de uma guerra no Irão. Concretizemos a nossa agenda eu- todo o mundo. Construir o FSM
de favorecer um dos lados do conflito. A verdade
A decisão arbitrária da UE de cor- ropeia de campanhas e de mobiliza- será uma oportunidade de lutar
é que o poder real se encontra na ponta das ar- tar os fundos à Autoridade Nacional ção sobre as questões princípais da contra a exploração imposta pela
mas dos dois mil militares australianos que, como Palestiniana é inaceitável e agrava a nossa plataforma comum, desen- Europa e o neocolonialismo.
se encarregou de explicar o seu primeiro ministro, situação. A situação de opressão do volvida nas redes do FSE. Em Junho de 2007, vai decorrer
têm uma leitura muito própria do que possa signi- povo Curdo nunca foi resolvida. Temos necessidade de coordenar uma reunião do Conselho da União
As forças conservadores do Norte o nosso trabalho e de definir uma Europeia e do G8 em Rostock, na Ale-
ficar “restabelecer a ordem”. e do Sul encorajam o « choque de estratégia eficaz para o próximo manha, após a reunião deste último,
Por causa da memória, um contingente partiu. Que civilizações » que tem por objectivo período, reforçando e alargando os em Moscovo, em Julho deste ano.
ela o traga de volta quanto antes. Sem sangue na dividir os povos oprimidos, o que nossos movimentos. Aproveitaremos estas oportu-
consciência, nem de calças nas mãos. Também isso provoca uma violência inaceitável, Apelamos a todos os movimentos nidades para edificar uma melhor
barbárie e ataques suplementares sociais europeus para que iniciem convergência das nossas lutas.
a memória recomenda.
ESQUERDA/GLOBAL | JORNAL DA DELEGAÇÃO DO BLOCO DE ESQUERDA NO GUE/NGL NO PARLAMENTO EUROPEU | WWW.MIGUELPORTAS.NET
EDIÇÃO: MIGUEL PORTAS DIRECTOR: NUNO RAMOS DE ALMEIDA EDITOR GRÁFICO: LUÍS BRANCO EDITORA FOTOGRÁFICA: PAULETE MATOS REDACÇÃO: CARLOS SANTOS,
CARMEN HILÁRIO, LUÍS LEIRIA E RENATO SOEIRO IMPRESSÃO: RAINHO & NEVES, LDA / STA. Mª DA FEIRA DEP. LEGAL: 219778/04 DISTRIBUIÇÃO: GRATUITA TIRAGEM: 10 MIL EXEMPLARES
> > > > > > > > > > > > > ENTREVISTA: LUTA ESTUDANTIL EM FRANÇA | ESQUERDA JUNHO’06 | 7

“A LUTA CONTRA O CPE MOSTROU


QUE É POSSÍVEL TER VITÓRIAS”
A vitória contra o CPE faz parte de um processo que passou também pelo
“não” à Constituição Europeia e por uma onda de greves radicalizadas em
França, disse Laurent Bauer ao Esquerda. Nesta entrevista, o estudante da
universidade de Paris I Tolbiac, de 22 anos, que participou da direcção
do movimento, relata como foi organizada e funcionava a coordenação
nacional e explica as semelhanças e diferenças com o Maio de 68.
ENTREVISTA DE LUÍS LEIRIA, FOTO DE PAULETE MATOS

Conta-nos como foi os mesmos? UNEF e que é maioritário na mi- perto da Gare de Lyon, nós organi- social: no Outono, antes das rebe-
formada a coordenação As coordenações nacionais reu- nha faculdade, faz parte de uma zámos equipas de estudantes que liões dos subúrbios, houve greves
nacional dos estudantes. niam-se semanalmente, numa ci- grande confederação ligada a sin- se encontraram com os ferroviá- importantes dos trabalhadores do
As coordenações são órgãos dade diferente – a primeira foi em dicatos dos trabalhadores e, por- rios, fomos às reuniões sindicais, Porto de Marselha. Greves muito
que permitem a auto-organização, Rennes, depois Toulouse, em se- tanto, já tem ligações. Depois, as e eles ficaram muito contentes de duras, os marinheiros desviaram
para que seja a base a controlar guida Paris, depois Poitiers, etc. –, centrais sindicais convidaram a nos ver, ficaram motivados para navios e entraram em conflito com
democraticamente os destinos e todas as semanas as assembleias UNEF a participar na Intersindi- fazer greve, a vinda dos estudan- as forças de elite do Exército e da
do movimento. Historicamente, gerais das universidades reelegiam cal. As próprias assembleias ge- tes convenceu-os, houve uma boa Polícia. Foi um conjunto de acon-
em França, são as JCR (Juventu- uma delegação, porque a cada mo- rais estudantis criaram comissões troca de pontos de vista. tecimentos que fez com que as lu-
des Comunistas Revolucionárias, mento as discussões evoluíam nas responsáveis por se reunir com as Conseguimos mostrar aos traba- tas se radicalizassem em França.
ligadas à Ligue Communiste Ré- universidades. Por isso, havia tam- uniões sindicais locais. A nível da lhadores que não era apenas uma
volutionnaire, LCR) que estão na bém uma batalha política em cada coordenação nacional foram elei- questão de solidariedade com os A coordenação
origem das coordenações. Neste universidade para saber quem ia tos porta-vozes para ir às reuniões jovens, como diziam as direcções nacional dos estudantes
caso, conseguimos o apoio de cer- ser eleito.Mas isto era feito com o da Intersindical. sindicais. Explicámos que o que posicionou-se pela
tas correntes libertárias. No início, debate, com a base, porque eram queríamos era uma luta em co- demissão do governo
foi difícil. Para que a coordenação as pessoas que escolhiam directa- E como era a recepção mum, porque tratava-se de um Villepin...
funcionasse era preciso o apoio e a mente quem queriam. nas fábricas? ataque ao Estado social e os alvos No início foram sobretudo as
participação de todas as correntes Houve também um debate sobre Muito boa. No Maio de 68, são todos, jovens e velhos, e se ga- JCR, contra a opinião dos burocra-
políticas, desde as mais à direita, o tipo de mandato que tinham os quando os estalinistas eram mui- nharmos será todos juntos. Dizía- tas da UNEF, que só pensavam nas
como os socialistas, que domi- delegados. Os anarquistas defen- to fortes no movimento operário, mos: se não travamos agora o CPE, eleições de 2007 e dos anarquistas,
nam o sindicato estudantil mais diam que os delegados só podiam nas fábricas recebiam os estudan- vai atingir depois todos. Pouco a que diziam que se o governo fosse
importante, a UNEF, às correntes pronunciar-se sobre o que tinha tes de pedras na mão. Agora, fo- pouco, fomos ganhando os traba- derrubado haveria novas eleições
mais esquerdistas, como os anar- sido discutido e posto em acta na mos sempre muito bem recebidos, lhadores para esta perspectiva. e eles o que queriam era destruir
quistas. Mas à força de discutir e assembleia geral. Não tinham de houve secções locais da CGT que o Estado... A nossa argumentação
de organizar reuniões, foi possível forma alguma direito a se pronun- alugaram autocarros para levar os Quer dizer que os foi abrindo caminho e convencen-
convencê-los todos a participar. O ciar sobre assuntos que não tinham estudantes às empresas. Como a trabalhadores também do. Na assembleia geral na nossa
que fizemos foi levar as discussões sido debatidos na assembleia. Os minha fa- culdade fica retiraram lições? faculdade ganhámos a proposta
políticas ao interior desta coorde- burocratas da maioria da UNEF Esta luta mostrou que é possível de acrescentar a demissão de Vil-
nação, para permitir que todos defendiam mandato livre, isto é, ganhar. Não são só as eleições lepin à lista de reivindicações. Na
os estudantes, estivessem ou não os delegados poderiam fazer o que permitem mudar as coi- coordenação em Poitiers, fui eu a
organizados politicamente, pudes- que quisessem na assembleia. sas. E isso dá confiança a fazer a primeira intervenção, mas
sem participar das decisões. Nós defendemos uma terceira milhões de trabalhado- foi claramente rejeitada. Nas ruas,
A primeira reunião da coordena- alternativa, que chamámos de res em França. A úl- à medida que a luta se radicali-
ção ocorreu em Rennes, no início semi-imperativa, em que os tima vitória parcial, zava, os slogans iam mudando.
do mês de Fevereiro. Nessa altura delegados deviam defender em 1995, quando No início eram apenas contra o
havia três faculdades em greve e o que fora decidido na assem- houve uma greve CPE, mas depois foram ganhando
foi possível reunir delegações des- bleia, mas tinham o direito de quase geral que conteúdo político. Por exemplo:
tas três e mais representantes de iniciativa em relação a novas paralisou toda a “Quem semeia a miséria recolhe a
outras 40 como observadores. A questões, às discussões que sur- economia do país, cólera” e ainda “Chirac, Villepin,
UNEF sentiu-se obrigada a par- giam na coordenação. também iniciou um Sarkozy, acabou o vosso período
ticipar, porque viu que se ficasse novo ciclo de lutas. de experiência”. Rapidamente os
ausente iria perder a direcção polí- Como fizeram a Tivemos o “não” à socialistas foram ultrapassados
tica. Cada universidade elegia uma ligação com os Constituição Euro- pela radicalização do movimento.
delegação com números precisos: trabalhadores? peia, uma vitória Até que a coordenação aprovou a
sete representantes por universida- Houve várias etapas. No início eleitoral que veio reivindicação de demissão de Vil-
de que estivesse em greve e cinco era feita por organizações estudan- do movimento lepin, três reuniões.
por universidade mobilizada mas tis que já tinham ligações com sin-
que ainda não estava em greve. dicatos de trabalhadores. Por
exemplo, o sindicato
Qual o motivo desta estudantil em
diferença? que eu parti-
Achámos que era legítimo que cipo, o Sud
as universidades em greve, que fa- Étudiant,
ziam piquetes e bloqueavam a sua mais à es-
faculdade, tivessem mais peso do querda
que as que não estavam em greve. que a
Era uma questão de legitimidade.

As delegações à
coordenação eram
eleitas antes de cada
reunião, ou eram sempre
8 | ESQUERDA JUNHO’06 | CRISE NUCLEAR IRANIANA E A GUERRA ANUNCIADA >>>>>>> >>>
EPA/ABEDIN TAHERKENAREH

OS CANTOS DE SEREIA ATÓMICA

A VEZ DO IRÃO
O Irão está agora na mira da máquina de guerra norte-americana. Acusação:
o país dos aiatolas estaria a desenvolver armas nucleares. Os factos não confirmam,
mas isso pouco importa ao guião de guerra que já está em marcha TEXTO DE LUÍS LEIRIA

D
urante uma conferên- Apesar das dificuldades que o de Abu Graib no Iraque –, os EUA A administração Bush está a se- como autor de ataques a tropas
cia de imprensa na Conselho de Segurança da ONU já infiltraram no Irão unidades de guir o mesmo guião com que en- norte-americanas no Iraque. Para
Casa Branca, em 18 tem encontrado para chegar a um combate e reconhecimento, res- cenou a invasão do Iraque há três o embaixador dos EUA na ONU,
de Abril passado, jor- acordo em relação ao dossier Irão, ponsáveis por fazer uma lista de anos: o vice-presidente discursa John Bolton, “a ameaça é um novo
nalistas perguntaram as engrenagens da máquina de alvos e entrar em contacto, no sobre a ameaça aos EUA vinda de 11 de Setembro, desta vez com ar-
a George W. Bush se, quando guerra norte-americana já come- terreno, com forças antigover- um país rico em petróleo no Mé- mas nucleares”.
falava do Irão e dizia que todas çaram a girar. Não se trata só de namentais. Foi o próprio Hersh dio Oriente; a secretária de Estado Mas, afinal, o que torna subita-
opções estão sobre a mesa, in- ameaças verbais. De acordo com que denunciou que a Força Aérea diz ao Congresso que esse país é mente o Irão o número 1 a abater
cluía nelas um ataque nuclear. o jornalista Seymour Hersh – fa- norte-americana encara a possi- o maior desafio global aos EUA; na lista do “Eixo do Mal”? Que cri-
A resposta de Bush foi a de que moso, entre outras coisas, pela de- bilidade de usar armas nucleares o secretário da Defesa acusa esse me cometeu para que Bush admita
“todas as opções estão sobre a núncia do massacre de My Lai na tácticas para atingir instalações país de ser o principal apoio do usar armas nucleares? O Irão es-
mesa.” guerra do Vietname e das torturas subterrâneas iranianas. terrorismo; o presidente aponta-o taria a construir armas nucleares.

Aberto para adesão em 1968 e Israel não estão entre os 187 inalienável direito de todas as para o uso pacífico da energia
com entrada em vigor em 1970, o signatários do TNP. A África do Partes do Tratado de desenvol- nuclear. As Partes do Tratado que
Tratado de Não Proliferação Nuclear Sul renunciou ao seu progra- verem investigação, produção e estão em posição de o fazer tam-
O QUE DIZ estabelece o monopólio sobre as
armas nucleares por parte dos cinco
ma nuclear e assinou o TNP
em 1991, depois de destruir o
uso de energia nuclear para fins
pacíficos, sem discriminação e
bém cooperarão para contribuir,
isoladamente ou em conjunto, com
O TRATADO países membros permanentes do seu pequeno arsenal. A Coreia em conformidade com os Artigos outros Estados ou organizações
Conselho de Segurança da ONU. do Norte ratificou o Tratado em I e II deste Tratado. internacionais para desenvolver
DE NÃO Mas também reconhece o direito 1985, mas retirou-se em 2003 e aplicações de energia nuclear para
PROLIFERAÇÃO inalienável de todos os seus signatários
de desenvolverem investigação,
dois anos depois anunciou que
possuía armas nucleares.
2. Todas as Partes deste Trata-
do comprometem-se a facilitar,
fins pacíficos, especialmente nos
territórios da Parte de Estados sem
NUCLEAR produção e uso de energia nuclear
para fins pacíficos. ARTIGO IV
e têm o direito de participar, no
mais amplo intercâmbio possível
armas nucleares, com a devida
consideração pelas necessidades
Actualmente, países nucleares 1. Nada neste Tratado será in- de equipamentos, materiais e in- das áreas em desenvolvimento
como a Índia, o Paquistão ou terpretado como impeditivo do formação científica e tecnológica do mundo.
>>>>>>>>>> CRISE NUCLEAR IRANIANA E A GUERRA ANUNCIADA | ESQUERDA JUNHO’06 | 9

fiscalizações intensivas, que não

AVAN Ç OS E RECUOS
há no Irão recursos ou materiais
nucleares declarados que tenham
sido usados no desenvolvimento

DO PROJECTO NUCLEAR IRANIANO


de um programa de armamento
nuclear.
Diante deste facto, diz-nos a ad-

EPA/ABEDIN TAHERKENAREH
ministração Bush que o Irão deve 1967: Construção do Centro de
provar que não tem um programa Investigação Nuclear de Teerão
militar atómico oculto. É a lógica
JULHO DE 1968: O Irão assina
kafkiana da inversão do ónus da
e ratifica o Tratado de Não-Pro-
prova. Se o que se sabe não serve
liferação Nuclear.
de prova, exige-se a prova do que
não se sabe. Mais uma vez se re- ANOS 70: Sob o xá Reza Pahlavi,
pete aqui o guião já aplicado com fazem-se planos de construir até
as supostas armas de destruição 20 centrais nucleares no país com
maciça do Iraque. o apoio dos EUA. A empresa alemã
Em rigor, o actual debate até Kraftwerk Union (subsidiária da
excede o do Iraque em cinismo. Siemens) começa a construção
O Irão pode estar à beira de ser da central de Bushehr (na foto)
atacado por persistir numa prer- em 1974.
rogativa que lhe é dada pelos tra- 1979: O novo regime saído da
tados internacionais. Em contra- revolução iraniana congela o
Central nuclear de Bushehr, no sul do país
partida, Índia, Paquistão e Israel programa nuclear. Em Julho,
tornaram-se potências nucleares a Kraftwerk Union abandona o
programa deixando um reactor Outubro de 2003, de suspender Segurança Nacional dos EUA
e nada levou os EUA, na altura, a
50% e outro 85% construídos. o enriquecimento de urânio. condena abertamente o Irão,
desencadear ataques. Muito pelo
A empresa recebera 2.500 mil 18 DE SETEMBRO 2004: A dizendo que este “violou as sal-
contrário. Note-se que nenhum
dólares, mas nada devolveu. AIEA adopta uma resolução pe- vaguardas do TNP e recusa-se a
destes três países é signatário do
dindo ao Irão que suspenda o dar garantias objectivas de que
TNP. Pior, um país, a Coreia do 1982: As autoridades iranianas
enriquecimento de urânio. o seu programa nuclear tem fins
Norte, retirou a sua adesão ao anunciam planos para construir
exclusivamente pacíficos.”
TNP e pouco depois anunciou a um reactor nuclear, usando o seu 22 DE NOVEMBRO 2004: O Irão
posse de armas atómicas. Mas não próprio urânio no Centro Tecno- declara a suspensão voluntária 16 DE MARÇO 2006: Zbigniew
se equaciona qualquer ataque a lógico Nuclear de Isfahan. do programa de enriquecimento Brzezinsky, ex-conselheiro de
do urânio para abrir negociações segurança nacional de Jimmy
este país. 1990: O Irão começa negocia-
com a União Europeia. Carter, diz num discurso no Cen-
Último facto, para completar o ções com a União Soviética para
tro para o Progresso Americano:
ramalhete: se há um país que está retomar a construção da central JUNHO 2005: Condoleezza Rice
“Porque é que a nossa política
a violar o TNP, esse país chama-se de Bushehr. afirma que El Baradei deve ou
em relação ao Irão é tão dife-
Estados Unidos da América. Por- JANEIRO 1995: Teerão assina endurecer a sua posição ou desistir
rente da que temos em relação
que os primeiros artigos do TNP um contrato de 800 milhões de de se candidatar a um terceiro
à Coreia do Norte? A Coreia do
dispõem sobre o desarmamento dólares com a Rússia para com- mandato à frente da AIEA. Mas
Norte está talvez a fazer mais
nuclear e os EUA não só não se pletar os reactores de Bushehr em 9 de Junho os EUA recuam
coisas que não queremos do
desarmam como investigam e de- sob as salvaguardas da AIEA. e El Baradei é reeleito.
que o Irão. Mas com a Coreia
senvolvem novos tipos de armas 29 DE JANEIRO DE 2002: 9 DE AGOSTO 2005: Ali Khame- do Norte estamos envolvidos em
atómicas. George W. Bush faz o discurso nei anuncia uma fatwa proibindo negociações multilaterais directas.
do “Eixo do Mal”. a produção, armazenamento e Quanto ao Irão, recusamo-nos
FORA DA LEI uso de armas nucleares. a fazê-lo. Será que estamos a
DEZEMBRO 2002: A Casa Branca
Na interpelação ao governo que 15 DE SETEMBRO 2005: O querer evitar um compromisso?
acusa o Irão de tentar construir
o Bloco de Esquerda fez no dia 3 novo presidente do Irão, Mah- Queremos realmente que o Irão
uma bomba atómica.
de Maio sobre a política face ao moud Ahmadinejad (eleito em desista, ou queremos empurrá-lo
Irão, a deputada Ana Drago lem- 16 JUNHO 2003: Mohamed El
Agosto), declara na ONU que para o extremismo? Não pode
brou como Freitas do Amaral, Baradei, director da AIEA, diz
o seu país tem o direito de de- certamente ser a nossa intenção
antes de ser ministro e diante da que o Irão “não relatou certos
senvolver um programa nuclear deliberada fundir o nacionalismo
agressão do Iraque, denunciou a materiais e actividades nucleares,
civil nos termos do TNP. Oferece iraniano com o fundamentalis-
Mas que dados levam a Casa Bran- ambição desmedida dos EUA em mas em nenhum momento de-
uma solução de compromisso que mo. Mas é precisamente o que
ca a acenar esse espantalho? Tal querer mandar nos seus aliados. clara que o Irão violou o Tratado
permitiria empresas estrangeiras estamos a fazer.”
como ocorreu no caso do Iraque, “É assim que se começa, normal- de Não-Proliferação.
de participar no programa nu- 11 DE ABRIL 2006: O presidente
não há qualquer facto que leve a 11 DE NOVEMBRO DE 2003:
mente, a descer o plano inclina- clear iraniano, garantindo assim
essa conclusão. Mas a verdade é Mahmoud Ahmadinejad anuncia
do da conciliação ao seguidismo, A AIEA diz não ter provas de que que não poderia ser usado para
irrelevante, o que é necessário é o oficialmente que o Irão se juntou
deste ao servilismo, e deste último o Irão esteja a tentar construir fabricar armas.
pretexto. ao grupo dos países que têm
à servidão”, dizia então, o actual uma bomba atómica.
JANEIRO 2006: O Irão apresen- tecnologia nuclear. “Baseados
OS FACTOS ministro dos Negócios Estrangei- 13 DE NOVEMBRO 2003: ta aos negociadores europeus nos regulamentos internacionais,
Os elementos do dossier nucle- ros. Hoje, Freitas do Amaral já ali- Washington afirma que é “im- uma proposta de seis pontos que vamos continuar o caminho até
ar do Irão são claros: o país está nha na espiral de ameaças contra possível acreditar” no relatório inclui uma oferta de suspender atingir a produção à escala in-
a desenvolver tecnologia nuclear o Irão. da AIEA. de novo o enriquecimento de dustrial do enriquecimento [do
para fins pacíficos, ao abrigo de Bem diferente do ex-conselheiro 18 DE DEZEMBRO 2003: O urânio por um período de dois urânio]”, reafirmando que os fins
todas as exigências do Tratado de de Segurança Nacional de Jimmy Irão assina o Protocolo Adicional anos, em troca da manutenção do enriquecimento são exclusi-
Não Proliferação Nuclear. O trata- Carter, Zbigniew Brzezinski (na do TNP. de negociações. A proposta é vamente civis e pacíficos.
do não proíbe o enriquecimento altura considerado “falcão”), que rejeitada e não relatada na im-
JUNHO 2004: O ministro de 12 DE ABRIL 2006: Condoleezza
de urânio para fins pacíficos. Pelo defendeu recentemente que qual- prensa europeia.
contrário, considera um “ �direito Negócios Estrangeiros do Irão Rice diz que o Conselho de Se-
quer ataque norte-americano ao afirma: “Não aceitaremos quais- 4 DE FEVEREIRO 2006: A AIEA
inalienável � a investigação, a pro- gurança deve dar “passos fortes”
Irão que não tivesse uma decla- quer novas obrigações. O Irão vota por 27 a 3 apresentar um para induzir Teerão a mudar de
dução e o uso de energia nuclear ração de guerra formal prévia do
para fins pacíficos” (ver destaque). tem altas capacidades técnicas relatório sobre o Irão ao Conselho curso quanto às suas ambições
Congresso seria inconstitucional e tem de ser reconhecido pela de Segurança da ONU. Depois nucleares.
Mais, como demonstração de boa
e mereceria o impeachment do comunidade internacional como da votação, o Irão anuncia a
vontade, o Irão já suspendeu vo- 26 DE ABRIL 2006: O líder su-
luntariamente, por um período presidente. “Da mesma forma, se membro do clube nuclear. É um intenção de acabar a coopera- premo do Irão, aiatola Ali Kha-
de tempo, o enriquecimento de [o ataque] for lançado sem a san- caminho irreversível.” ção voluntária com a AIEA, para menei, diz que os americanos
urânio, embora nada o obrigasse ção do Conselho de Segurança da além das exigências básicas do
27 DE JULHO 2004: O Irão devem saber que se atacarem
a isso (ver cronologia). ONU, seja isoladamente [pelos TNP, e reatar o enriquecimento
retoma a construção de centrifu- o Irão os seus interesses serão
A própria Agência Internacional EUA] ou com a cumplicidade de gadoras em Natanz, rompendo um de urânio. atacados em qualquer lugar do
de Energia Atómica (AIEA) reco- Israel, iria marcar os agressores compromisso voluntário, feito em MARÇO 2006: A Estratégia de mundo.
nheceu, depois de três anos de como foras-da-lei internacionais.”
10 | ESQUERDA JUNHO’06 | MORADORES EM LUTA NO BAIRRO DAS AMENDOEIRAS >>>>>>>>>>

BAIRRO DAS AMENDOEIRAS PROM


Há revolta no bairro: há mais de 30 anos que mais de 2.500 pessoas vivem
aqui, em 933 habitações. As casas foram ocupadas por gente humilde no
ano de 1975. Depois de vários anos de negociações, ficou acordado com
as várias instituições do Estado que durante 30 anos os habitantes das
Amendoeiras pagariam rendas fixas e no final deste período as casas passa-
riam para os moradores. Passado este tempo, o Estado entregou as casas a
uma Fundação Privada (D. Pedro IV) que agora quer obrigar os moradores a
pagar rendas astronómicas, com aumentos superiores a 2.000 por cento.
Estranho negócio com uma, não menos, estranha fundação que tem o estatuto
de IPSS, e que ganhou, sem dar nenhuma contrapartida ao Estado, o direito
de ficar com o dinheiro dos moradores. Um relatório da Inspecção-Geral da
Segurança Social - entretanto misteriosamente arquivado e posteriormente
substituído por outro mais favorável - considerou que “a fundação tem
vindo a ser gerida por pessoas que não desenvolvem actividades tendentes
a concretizar os seus fins, desenvolvendo antes outras actividades que nada
têm a ver com os mesmos, das quais retiram proveitos pessoais”.
O relatório denunciava, entre outras coisas, tentativas de aliciamento por
dirigentes da fundação para a realização de vultuosos negócios imobiliários
e concluía pela necessidade da extinção da mesma.
O Esquerda faz um pouco da história deste Maria Amália é dona da mercearia, esta
bairro, em luta pelo direito à habitação, através pequena loja foi comprada com o dinhei-
ro ganho pelo marido que trabalhou na
dos seus comerciantes Suíça, como jardineiro, durante 10 anos.
Neste momento, a mercearia quase não
TEXTO DE NUNO RAMOS DE ALMEIDA dá para sustentar a família. “A crise é
muito grande, as pessoas ficam a dever,
FOTOS DE PAULETE MATOS ou então pedem para comprar um ou
dois ovos e uma cebolinha, em vez de
gastarem o que costumavam”, diz Amá-
lia, concluindo que, “está muita gente
com medo de perder a sua casa e há
muita falta de emprego”.

Américo Oliveira, 44 anos, trabalha na grandes e talvez fosse melhor serem


Farmácia, já viveu no bairro. Conhece realojados noutros bairros, em casas
todo o mundo. Diz que a população mais pequenas. À porta da farmácia,
do bairro é gente trabalhadora e muita encontrámos Filomena Costa, tem a
gente reformada. “São pessoas que cargo um filho deficiente, com 47 anos.
não têm muito dinheiro, eu vejo que Os técnicos da fundação disseram-lhe
muitas vezes não conseguem comprar que teria certamente um bom apoio no
os remédios receitados pelos médicos, processo de atribuição de uma renda
devido a terem muito pouco dinheiro da subsidiada pela instituição. Neste
reforma”. Américo acha que as pessoas momento, Filomena paga 9,5 euros de
idosas estão assustadas. Segundo sabe, renda, a sua renda aumentada passou
técnicos da fundação disseram a alguns para 372 euros, a fundação dá-lhe um
moradores que eles tinham casas muito euro de apoio!
>>>>>>>>> MORADORES EM LUTA NO BAIRRO DAS AMENDOEIRAS | ESQUERDA JUNHO’06 | 11

ESSA, DESENCANTO E REVOLTA


Eugénio Grilo, 73 anos,
é o dono do quiosque,
Pertenceu à primeira
comissão de morado-
res que acordou com o
Estado o montante das
rendas a pagar durante
30 anos e o compromis-
so que, findo este prazo,
seriam entregues aos
moradores. Mostra-se
revoltado com as nego-
ciatas que pretendem
fazer à custa dos habi-
tantes das Amendoeiras.
“Esta gente pensou que
como muitos dos mora-
dores são velhos poderia
facilmente enganá-los,
esqueceu-se que nes-
te bairro as pessoas já
conquistaram uma vez o
direito à habitação e que
isso não se esquece”.
Benjamim Marco, é o dono do Café. ros. Como fez com todas as casas, a prédios, foram à conta dos moradores.
Vive no Bairro há 32 anos. O café foi fundação considerou que o café se en- Da fundação só se conhece o asfalta-
comprado ao IGAPHE, ainda não tem contrava em excelente estado, avaliou-o mento e pintura das imediações da sua
escritura. A renda da sua casa passou como se fosse novo. O que mais revolta delegação no bairro. Foi no seu café que
de 11,55 euros por mês (quantia que Benjamim é a consciência que as pou- os primeiros comunicados foram sendo
pagou durante 32 anos) para 523 eu- cas obras que foram sendo feitas nos colocados para alerta dos moradores.

Alcides tem 55 anos e uma loja de executava pequenas obras e vendia e dinheiro dos habitantes. Como a
ferramentas. Há 27 anos saiu da Ma- material de construção. Ele sabe, maioria dos moradores, recusa-se a
rinha e foi para uma das casas das como ninguém, que ao longo de 30 pagar o aumento das rendas pedido
Amendoeiras. Estava ainda tudo em anos, o bairro não foi abaixo porque pela fundação. A fundação ameaça
obras. Chegou com a filha, recém- os moradores foram cuidando dele multar, pesadamente, os contestatá-
nascida, deitada numa alcofa. Na e que mesmo grande parte dos es- rios. Alcides comenta que o dinheiro
altura, fez muitas obras na casa até paços comunitários foram reparados da multa “daria para pagar 10 anos
a tornar habitável. Na sua profissão e preservados à custa do trabalho de renda”.
as nossas lutas
Os Escravos da
Ciência Neoliberal
Rui Borges é bolseiro há 10 anos. Os bolseiros tornaram-se os precários da investigação
científica, vão de projecto em projecto sem conseguirem assegurar um posto de trabalho:
“não há vagas”, repetem-lhes. TEXTO DE CARLOS SANTOS. FOTO DE PAULETE MATOS

“D
esenvolver projectos
sérios não pode ser Nome: Rui Borges
continuamente feito
por pessoas com a
Idade: 32 anos
corda na garganta”, Naturalidade: Português
afirma Rui Borges. Se há atra-
so, o investigador ou a investi- Profissão: Investigador.
gadora, porque são precários, Percurso académico: Licenciou-se em Físi-
vêem-se obrigados a mudar de
projecto para poderem publi- ca, na Universidade do Porto, em 1995.
car artigos. A precariedade não Em 1996, foi para a Irlanda como bol-
ajuda ao desenvolvimento da in-
vestigação. Na ciência, como no seiro de um projecto de investigação e
resto, produtividade não rima
com precariedade. doutorou-se em Física do Estado Sólido, na
Irlanda, em 2000. Em 2001, com um novo
40% DA MÉDIA
DA UE E EM QUEDA projecto, agora britânico, foi para Oxford
Portugal está longe da média já como bolseiro de pós-doutoramento. Em
europeia em gastos com a in-
vestigação. As despesas em I&D 2002, voltou para Portugal e desde então
(Investigação e Desenvolvimen-
to), em percentagem do PIB,
trabalha como bolseiro de pós-doutoramento
representam 40% em relação à na Faculdade de Ciências da Universidade
média da UE a 25 e as despesas
reais caíram 4,3% por ano, entre de Lisboa. Tenta conseguir nova bolsa até ao
2001 e 2004 (ver caixa – dados final deste ano para poder prosseguir o seu
do Eurostat).
O primeiro-ministro, José Só- trabalho de investigação. Foi fundador da
crates, prometeu* “viabilizar a ABIC (Associação dos Bolseiros de Investi-
contratação pelas instituições
científicas de 500 novos investi-
gadores doutorados até ao final de
2007”. A Associação de Bolseiros
BILHETE DE gação Científica, www.bolseiros.org)

CAUSA: A luta contra a


de Investigação Científica (ABIC)
considerou a medida positiva, mas
apenas “um primeiro pequeno
IDENTIDADE precarização dos bolseiros.
passo no sentido da recuperação
do nosso enorme atraso”.
Em Portugal há cerca de 8 000
bolseiros de investigação científi-
ca, quase um quarto das pessoas
que trabalham na área de inves- inquérito recente referia que só 1% reito a férias, mas sem subsídio, tal presentes, foi criada a “Associação Rui Borges quer continuar a fa-
tigação. Os artigos publicados das empresas se mostram interes- como não têm subsídio de Natal. de Bolseiros de Investigação Cien- zer investigação científica e, para
pelos bolseiros representam cerca sadas em colaborar com as Univer- Para a segurança social descontam tífica”. No seu site www.bolseiros. além de achar que o sector priva-
de 25% dos trabalhos publicados, sidades e 60% não querem de todo pelo salário mínimo e não pagam org a ABIC refere que tem como do português está pouco interes-
havendo áreas em que essa percen- colaborar com elas. É a mentalida- IVA. objectivos “dinamizar e congregar sado na investigação, é claro na
tagem chega aos 50%. Segundo a de de dinheiro fácil e call-center da Tudo isto os deixa um pouco à esforços para melhorar o estatuto sua opção: “enquanto puder quero
ABIC, Portugal tem em relação à burguesia portuguesa”. margem, semi-excluídos e reduzi- do Bolseiro de Investigação Cien- trabalhar no sector público”.
média da UE um défice de 10 000 damente protegidos. tífica, numa tentativa de alterar o A terminar questionámo-lo so-
investigadores. NÃO PODEM ESTAR DOENTES Este sistema de investigação panorama actual e contribuir para bre o que fará se até ao fim do ano
Para Rui Borges, falta investi- Os investigadores/bolseiros, precária desenvolveu-se nos úl- o reconhecimento e dignificação não conseguir um novo projecto:
mento sério para recuperar do porque precários, fazem um pou- timos 10 anos. Rui Borges inter- dos profissionais que exercem “Numa situação dessas o mais
atraso, quer no sector público, co de tudo. Estima-se mesmo que roga-se: qual o futuro? Quanto investigação científica enquanto provável seria ir trabalhar no es-
quer no privado. mais de 1 500 bolseiros, quase tempo aguentará este sistema que bolseiros”. trangeiro”.
No sector público, os 500 lu- 20%, estejam a fazer trabalhos de não serve aos investigadores nem Rui Borges foi um dos funda- A falta de investimento na in-
gares prometidos “são largamente secretariado, incluindo atendi- à investigação? dores e salienta: “este ano a ABIC vestigação, para além de agravar
insuficientes para cobrir as neces- mento telefónico. apelou à participação no 1º de o atraso do país, tem uma con-
sidades e estão muito aquém do Os bolseiros não têm acesso ao INVESTIGADORES Maio e na manifestação esteve sequência inevitável: a fuga de
número de doutorados que se de- subsídio de desemprego, nem têm NO 1º DE MAIO um pequeno contingente, afinal “cérebros”, mesmo daqueles que,
dicam à investigação científica”. direito ao subsídio de doença. Só Em 2003, numa reunião na- somos trabalhadores com vínculo como o Rui, gostavam de não ser
Quanto ao sector privado, “um no ano passado passaram a ter di- cional com mais de 200 bolseiros precário”. forçados a fugir de Portugal.

* «UM COMPROMISSO COM A CIÊNCIA, PARA O FUTURO DE PORTUGAL» INTERVENÇÃO DE JOSÉ SÓCRATES NA AR EM 29 DE MARÇO DE 2006, DEBATE MENSAL.

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