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IGNASI DE $OLA-MORALES nuBid Do contraste a analogia: novos desdobramentos do conceito de intervencao arquiteténica A relagao entre uma nova intervengao arquitetonica € a arquitetura ja existente é um fendmeno que muda de acordo com os valores culturais atribuidos tanto a0 signifi- cado da quitetura hist6rica como as intengdes da nova intervenc4o. Daf se conclui que é um grande erro pensar que se possa formular uma doutrina permanente ou, pior, uma definigdo cientifica da intervengao arquiteténica. Ao con- trdrio, apenas compreendendo caso a caso os conceitos que fundamentam a ado ¢ possivel distinguir as caracteristicas que essas relagées assumiram no decorrer do tempo. O projeto de uma nova obra de arquitetura nao somente se aproxima fisica- mente da que jé existe, estabelecendo com ela uma relacdo visual e espacial, como cria uma interpretagdo genuina do material histérico com o qual tem de lidar. De modo que esse material é objeto de uma verdadeira interpretagéo que explicita ou implicita- mente se associa com a nova intervengao em toda a sua importancia. Quando Mies van der Rohe apresentou, em 1918, as autoridades governamentais de Berlim seu projeto para a construgéo de arranha-céus na Friederichstrasse, depois a forma dos novos edificios na Alexanderplatz em 1921, e Ludwig Hilberseimer criou seus projetos para o centro de Berlim em 1927, ou Le Corbusier os planos para a area central de Paris, em 1936 ~ para citar apenas os exemplos mais conhecidos -, todos tinham em comum, além de uma técnica de representagdo, uma mesma sensibilidade para com a definigdo de um tipo especial de ligacao entre a arquitetura existente € 0 que era projetado como novo. A técnica da fotomontagem, ou desenhos em perspectiva andlogos, é particular- mente adequada para ressaltar 0 contraste entre a velha e a nova arquitetura. Mas esse contraste, que evidencia as diferencas de geometria, materiais e textura, bem como de densidade da malha urbana, néo pretende ser um julgamento negativo, um reptidio da arquitetura histérica. Comentando seu projeto, Le Corbusier afirmou, ao contrério, qe “gs novas dimensGes modernas e o realce dos mel zem um efeito encantador”.! f£comum dizer que a arquitetura de vanguarda do movimento moderno ignorou por completo a arquitetura do passado, e que essa falta de interesse indicava uma ava- liago puramente negativa. E verdade que a arquitetura daquela época era produto de um sistema formal que se dizia autossuficiente, pelo menos em suas express6es progra- miticas, posto que baseado na geometria abstrata da forma e em figuras tridimensio- nais simples. Mas mesmo essa atitude nao deixava de fazer uma interpretagdo propria do material que lhe apresentava a cidade e a histéria, e definia de modo paradigmé- tico um tipo de relacdo caracterizado pela preponderancia do efeito de contraste sobre qualquer outro tipo de categoria formal. No comego do século xx, Alois Riegl analisou a postura moderna com relacdo aos problemas do patriménio monumental em uma série de artigos penetrantes ¢ esclare- cedores. Em um deles, escrito em 1903, Riegl descreveu uma categoria tfpica da nova sensibilidade para com os monumentos histéricos.2 Alteswert, a qualidade do antigo, € diferente de Denkmalswert, o valor do monu- mental ou monumentalidade, e de kunsthistorisches Wert, o valor histrico-artistico das construgdes conforme expresso pela cultura anterior ao século xx. Desde o Re- nascimento, a cultura europeia desenvolveu um sistema de avaliacao baseado nao sé no valor corrente das obras de arte, mas também em seu valor de exemplaridade como modelos prévios da boa arte do passado. A partir do século x1x, um outro valor se afirmou, 0 valor histérico do edificio ou do monumento como registro de uma situa- sao factual e documentada. A dicotomia entre valor monumental e valor documental surgiu com a cultura positivista do século xix. Mas na opiniao de Riegl, cuja andlise Partiu da crise do positivismo e da objetividade da nova linguagem da cultura do fim do século x1x, os primeiros anos do novo século teriam se caracterizado por uma cutra situacdo. De certo modo, a questo nao era sé de uma nova relacdo, mas de uma relacdo muito mais radical entre o material histérico e monumental ¢ o valor cul- tural a ele atribuido. A antiguidade, ou o valor do que ¢ velho, com toda a ambiguidade eimprecisio que este termo sugere, é uma inova¢4o tipica da sensibilidade contempo- "inea, uma atitude que relativiza toda espécie de padrao artistico estabelecido e que 'gnora a importancia factual das informagées contidas em uma obra de arte. A antiguidade é uma qualidade subjetiva que produz uma satisfardo puramente Psicolégica emanada de uma concepgao do velho como manifestagao da passagem do *empo histérico, aera tando-se na psicologia das massas, ndo est interessado em informaao eru' nt de um ornamento ou no arranjo de uma col ‘mica. O que atrai a atengao do homem mo lhores tesouros histéricos produ- Riegl compreendeu que 0 cidadao mo- dita passivel de ser decodificada no lunata, mas em uma visdo mais derno é 0 testemunho de uma m monumento propicia. Considerando PrECisamen, uma cultura urbi e tendo em vista " gem do tempo e que constituem uma imagem de in, sua forma, cor € acabamento, ess, poca que W determinada é a que o valor fundamenta) acabada dos novos edificios medida que desafiam a passa nidade a erosao da historia e mesma sensibilidade subjetiv s i i de o valor universa descobrir na antiguida in ; jo da arquitetura historica. A satisfagao estética fundamental provém da necesséri, a0 4 i ova e antiga. alternancia entre a arquitetura n\ . que tipifica a nova sensibilidade, 0 novo Kunstwollen ou “vontade da arte” dy entre Neuheitswert, ou valor de novidade, e Alteswert, ou a Isto é, 0 contraste entre 0 cardter do que é novo € 0 cardter ana estava, ¢ ainda esta, na pert iffci iy que os novos edificios s6 t¢m ui Or de permanéncia em a das massas, pouco afeitas & cogni¢ao racional, yy | que Ihe serve de base para a interpret, século xx, é 0 contrast antiguidade como valor. do que é velho. a Mas o valor atribuido ao antigo tem uma explicagao psicoldgica que Riegl enuncia no mesmo texto com grande precisao. Trata-se de uma satisfagdo puramente percep- tiva, que no busca qualquer ganho especifico de conhecimento e se exprime como puro sentimento de carater subjetivo, vago € reconfortante. ‘A comparacio com a atitude do final da era classica e com o subjetivismo rligioso que caracterizou os primérdios da cultura imperial serviu para que Rieg! definise, com grande detalhe, o tipo de perceptibilidade a que estava se referindo. A busca do antigo, um ponto de vista mais que tactil e mais interessado na condigao de vida ex- pressa pelo monumento do que em sua especificagao concreta, representa uma cerla reniincia ao conhecimento, mas também a afirmagdo de uma sensibilidade coletivae sintética, tipica do homem metropolitano de massas. A descrigao precisa de Riegl serve para explicar 0 tipo de sensibilidade que 0 cn inten acontece nos projetos de van; ay os phecene ic ce apenas — que devem lidar com a arquitetura do a nio seria dificil nos basearmos també, elperentosenbores le ona também nos modelos tedricos usados pelos intelee fundamentos psicolbgicos a a histéria da arquitetura ou procuravam S* a= embasaram suas eeiindiseaeis 08 tedricos eos protagonists * Giedion a hstorigrafia, ica evidente que, comecando por Riegl €até {siete pelo menos, principale »comegando por Riel € até [Si ¢ Kurt Behrendt, ahistria da arsine em OS estudos de [Gustav Adol Prod do passado em que tate do passado tende a ser analisads OM arquitetura do presente? Haha ey Suas inovagées e diferengas com respel? *scorter ao pasado de modo a 'storiadores néo somente superaram a relutancia Vivenciar 0 presente mais imediato e conte?” como compreenderam que essa ex oposigao radical, 0 contraste, mentos atuais. Os tratados de [Wolfgang] Kéeller(1p29) e de [Kurt] Koffka (1935) sobre a psi- cologia da forma organizam de modo sistematico os Principios mais gerais de uma concepgao segundo a qual as nocées de forma-fundo e de contraste séo fundamentais para a explicagao da percepgao e de sua significagao.* Nos mesmos anos, os ensinamentos de [Vassili] Kandinski, Uoseph] Albers, [Laszlo] Moholy-Nagy e mesmo de Paul Klee, durante a primeira fase da Bauhaus, usaram exatamente as mesmas categorias Psicolégicas para a formacdo de desenhistas e projetistas. Nao apenas a arquitetura foi descrita - por Moholy-Nagy - como um fendmeno perceptivel tridimensionalmente com base em uma geometria e textura, que eliminava assim, completamente, toda espécie de significado, mas chegou-se até mesmo a afirmar que o fendmeno do significado, qualquer que fosse 0 campo das artes visuais, era produzido por justaposicao, inter-relacdo e contraste de formas, tex- turas ou materiais essencialmente heterogéneos. Assim como a colagem e a fotomontagem criam técnicas de extracdo de novos sig- nificados especificos a partir do confronto de fragmentos auténomos, a arquitetura, ao contrastar estruturas antigas e novas, descobre o fundo e a forma em que o passado €0 presente se reconhecem reciprocamente. Mas, se existe uma clara relacdo entre o diagndstico de Riegl, as perspectivas da historiografia e da psicologia da estética e o trabalho dos arquitetos do movimento moderno quando contrapostos aos materiais histéricos, vale chamar a aten¢ao para as conexées existentes com um outro campo que aparentemente tem pouca relacao com 0 debate das vanguardas - o da conservacao e restauracao profissional, que vinham desenvolvendo em seus debates e publicagées especializadas, um conceito de restauro de monumentos que a seu modo tinha algo em comum coma ideia de contraste como categoria fundamental da relacdo entre a velha e a nova arquitetura. Se, desde o final do século x1x, a literatura tedrica produzida pelos especialistas em Testauro, como Camillo Boito, vinha defendendo um critério bem definido de diferen- ciagao nas intervengées de restauro que inclufam um elemento de construsdo, foi justa- Mente essa ideia que se tornou o princfpio fundamental estabelecido na oe i Res- tauro de Atenas, de 1931. A Carta, dividida em dez pontos bésicos, defende mais de uma Vez a necessidade de definir uma clara nogio de contraste entre os edificios oe : idei wva-se nao s6 na recomendacao Protegidos e as novas intervengées. Essa ideia expressa\ hare rae 40 uso de materiais modernos em determinadas ocasides, mas SO a. lementos wie do criterio de obediéncia a diferenca na diversidade dos arranjos & Femello® Sete nados, no uso de diferentes materiais, na auséncia de Lemme mm tad = ; ica. Pode-se dizer, assim, que a Carta $5es,€ em sua simplicidade geomeétrica e tecnol6gica- Plicacao servia acima de tudo para evidenciar a entre 0 antigo eo Novo, entre a hist6ria e os aconteci- a generalizada € padronizada os critérios © estratégias que og Jado naquela época.. Arquitetos que, ainda que Pertencessen guarda ou a0 universo académico da Testaura ceram obrigados a uma idéntic bilidade ee amity i. sah ie de Ate. tana dos arguitetos do clam, de 1933 também insist He Possibbicade de aceita b pastiche histérico e buscou apoio no Zeitgeist para JOS 648 ® Me — de que as novas intervengdes em dreas histéricas utilizassem a linguagem da arquitetura do momento, essa declaragao nao ficava muito longe do que haviam postulado dois anog antes outros profissionais com os quais eles pareciam ter muito Pouca coisa em comum, © que, de fato, dferenciava as duas organizagées era 0 cardter militante e progressing de uma os interesses historicistas e conservadores da outra. Cinquenta anos depois, todavia, essas diferengas entre as duas categorias profis. sionais nao parecem tao absolutas quanto os interesses de seus protagonistas faziam crer na época. Na raiz das evidentes diferencas havia uma atitude comum em relacdo ao material histdrico e sua interpretagao. Em ambos os casos, a principal diretriz constituia-se do gosto estético da ultima fase do romantismo pelas texturas toscas e pela patina deixada pelo tempo nas edificag6es antigas, sem distingdes ornamentais ou estilisticas precisas, e no contraste global com a geometria abstrata, limpida e bem definida das novas obras de arquitetura. Desse modo, 0 contraste entre o velho e 0 novo foi trans- formado nao apenas como efeito de abordagens radicalmente opostas, mas também de uma mudanga no proceso perceptivo pelo qual cada tipo de arquitetura estabele- cido definia reciprocamente sua importancia dialética na cidade metropolitana. O predominio da categoria do contraste como principio estético fundamental nos problemas da intervencao ja € coisa do passado. Pelo menos, ndo se pode mais falar hoje em dia que cla tenha uma posigao privilegiada. Os efeitos de contraste permant- pres on e a apenas enquanto vestigio da poética Poucos arquitetos de hoje, ou entéo, como de Praxe, como uma das muitas figuras retéricas usadas na nova e mais complexa relacd0 entre a sensibilidade contemporanea ea arquitetura do passado. Vejamos agora alguns exem : todos serem muito Tecentes, ao a este problema. 0 projet i _ ee : dia que [Eric Gunnar] Asplund trabalhou durante um longo pertodo borpamens ies 21937) Para a ampliagéo do prédio da municipalidade de GO" de fato parece defini fae Por uma nocao simples de contraste. Ao contrario, 0 sucessivos € a sua inte, inha tomada pelo arquiteto sueco no curso de cinco Pri modo a fazé-las res. Pretagio das caracterfsticas dominantes do antigo edifice Soar na parte que devia ser acrescentada. de Atenas aceitou de form: arquitetos jd tinham formul xperimentagao de vany ao mundo da e ; a sensil plos significativos dessa nova situagao. Apesar de nem Parecem caracterizar bem a nova sensibilidade com re ‘Tanto na organizagao da planta, que estende o sistema de arcadas, como na dis- posigho da fachada, que prolonga o padrao de pilastras e espacos vazios, a divisio horizontal tripartite, €m um caso como no outro, é desdobrada em uma estrutura formal dominante. Em todas as sucessivas versdes do projeto 0 processo de aproxi- magao a uma solugao satisfatoria foi desenvolvido por meio da similaridade entre os elementos considerados mais importantes na antiga estrutura do prédio e as formas propostas para a nova ampliacdo. Diferenca e repeticdo passaram a ser simultanea- mente observadas a partir da manipulacao controlada das relagGes entre similaridade ¢ diversidade, como convém a toda operacao analégica. Quando Carlo Scarpa transformou o Castelvecchio de Verona em museu da ci- dade, também ele precisou lidar com o prestigio da construgéo medieval e com a ne- cessidade de adapté-la aos requisitos de um museu moderno. Menos por uma ampla anlise da composicao do edificio do que por um processo narrativo e fragmentario, a intervengao de Scarpa insere figuras historicistas na autenticidade histérica do prédio existente. Mediante um recurso de exibigao de tipo cinematogréfico, Scarpa acumula imagens redesenhadas de obras arquiteténicas do passado, provenientes da Idade Mé- dia € de outros periodos talvez ainda mais remotos, ainda que evocando experiéncias curopeias mais recentes, como as da virada do século em Glasgow ou Viena. O processo analdgico, no caso de Scarpa, nao se baseia na sincronia visivel de ordens de formas interdependentes, mas na associagao feita pelo observador no decor- rer do tempo. Criam-se assim situagoes de afinidade e, gracas & capacidade conota- tiva das linguagens evocadas na intervencao, estabelecem-se relacées e nexos entre 0 edificio hist6rico ~ real e/ou imaginério - e os elementos de projeto que servem para tornar o edificio efetivamente dependente. ‘Alguns dos mais penetrantes escritos tedricos de Gior de explicar sua abordagem da restauragao do castelo de Abbiategrasso, em 1970.° Baseando-se, ele mesmo, em escritos de Ambrogio Annoni e na mais refinada tradi- cao da restauracdo, bem como no mais alto grau de profissionalismo, Grassi desco- briu que a chave metodolégica para a organizagao da intervengao se encontrava na propria arquitetura do edificio existente. Isso corrigiu o tipo de idealismo praticado por [Eugene Emmanuel] Viollet-le-Duc, que tentow encontrar uma base para a in- terven¢ao na ideia oculta na construgao. Grassi transformou esse idealismo em um realismmo totalmente ligado & materialidade espacial, fisica e geografica do objeto com © qual estava trabalhando. : we Extraindo da andlise tipol6gica uma primeira aproximagao as suas leis internas, 0 Projeto surge como um compromisso entre 0S modos peculiares & tradi¢ao moderna, que se baseiam na independéncia da nova ¢ da velha estrutura, ¢ a correspondén- Gia dimensional, tipoldgica e figurativa entre novas € as velhas ae na ae criar uma correlagao mutua capaz de unificar a totalidade do complexo arquitet6nico. Grassi tém 0 objetivo £ mais um exemplo do modo dialético de exprimir a sincronia entre similarig lade ¢ a. pe ore de 1980 de Rafael Moneo para a ampliacao do edificio do Banco de py, pajia, em Madri, situa-se quase no extremo oposto. Como Grassi, Moneo avanca pelo estreito caminho definido pelas leis do pr6prio edificio, pela légica de sua composicig ¢ pela organizacao existente da estrutura e do espaco. Sem deixar quase espago algum para a ironia e sem qualquer tipo de separagao que delimite = caracteristicas de cada operacao estética, o projeto de Moneo completa o edificio existente ao mesmo tempo em que apaga ao maximo os sinais da intervengao, ressaltando unicamente os aspec. tos em que o prédio impés as suas préprias exigencias. Nesse caso, a analogia é ténue, quase imperceptivel, tornando-se mera tautologia. Esses quatro exemplos compartilham uma série de tragos caracteristicos. A crise cultural é uma crise de modelos universais. A diferenca entre a situacao atual ea da cultura académica ou da ortodoxia moderna se encontra no fato de que hoje é im- Possfvel articular um sistema estético com validade suficiente para ser aplicavel para além das circunstancias individuais. A critica da metafisica formulada por [Friedrich] Nietzsche e a critica da lingua- gem de [Ludwig] Wittgenstein desnudaram toda pretensdo a generalidade ou a per- manéncia nos processos da cultura. E a mesma situacdo em si mesma radicalmente histérica que o conhecimento pés-foucaultiano reconhece. Embora a cultura acadé- mica tenha logrado criar procedimentos de intervencao de aplica¢ao universal a par- tir da nogao de estilo, e nao obstante a cultura moderna tenha conseguido criar um sistema de fragmentos entremeados mediante 0 subjetivismo psicolégico, na situacao atual é muito dificil reconhecer qualquer coisa além da natureza factual da obra con- creta com que nos deparamos e devemos trabalhar, por um lado, e o sistema infinito de referéncias que povoa o imaginério coletivo da arquitetura, por outro lado. O otimismo liberal de Colin Rowe permite-Ihe confiar ainda na eficdcia da colagem, Pois para ele um desmembramento fragmentério nao entra em conflito com determi- nado tipo de estratégia mais abrangente que autoriza uma certa dose de controle sobre a cidade e sua arquitetura.* Mas o que se passa com Colin Rowe ea colagem é 0 mesmo que aconteceu com a aterrorizada Pandora, mulher de Epimeteu, quando ela deixou escapar de sua caixa dourada todos os males que afligiam a humanidade, e somente lhe Testou 0 recipiente com o qual ela ainda contava para manter a sua esperan¢a. Mas a esperanca da colagem, como técnica, se baseia unicamente numa compo sigdo gestatista com a qual nossos implacéveis artistas do frottage e do dripping se so mat muito bem. A realidade atual é, de certa forma, muito mais reducionista pora mais cic. S6 que, pelo mesmo motivo, ela é bern mais precisa na hora de agit a sua agudeza de percepca ébe is i da arquitetura nos ensine, © acerca do que o edificio nos transmite e do que a histri@ Mais recentemente, o conhecimento sobre as estruturas mais {ntimas dos edificios conduziu a0 desenvolvimento de técnicas eferramentas tio sofisticadas quanto precisas, A anilise tipo-morfol6gica Propugnada por Aldo Rossi em seus ensaios dos a 1960 produziu uma cultura genuinamente enciclopédica sobre a representagao, a comparacao dimensional e a consciéncia estrutural de todos os problemas da forma apresentados pelos edificios existentes. Desde a década de 1960, a cultura arquiteto- nica tem se imbufdo de uma verdadeira obsessio Pela andlise, fazendo uso de instru- mentos cartogrdficos, planimétricos e tridimensionais de extraordindria eficdcia. Nao € menos verdade, todavia, que hoje estamos em condicées de reconhecer que esse mecanismo analitico tem muito pouco a ver com a criagao de um patamar sufi- ciente para 0 projeto. Enquanto os protocolos analiticos do Projeto chegaram a um grau de refinamento praticamente imposstvel de alcangar em épocas hist6ricas anteriores, justamente essa preciso mostrou que a criatividade do projeto representa um nivel de operacao completamente desembaracado e independente da necessidade da andlise. O conhecimento instrumental do objeto nao nos permite escamotear os riscos do Projeto e, no caso, o risco da representacao e das novas estruturas de linguagem que a intervengao deverd introduzir. Mas, nessa situacao, a histéria nao é mais como antes uma magistra vitae. Tam- pouco serve como instrumento ldgico para explicagdes tendenciosas do presente. Ao contrério, paralelamente a drdstica historicizagao do presente, esté havendo uma dis- perso policéntrica da consciéncia histérica. Desde os anos 1960 vem ocorrendo um desmascaramento das ilusdes de uma histéria ideolégica que nao apenas parece ter tendido a disseminar a ansiedade do presente quanto a justificar as suas escolhas. Essa histéria nao pode mais se aferrar a uma pretensdo de veracidade. Nao hé nenhum fio condutor ligando 0 passado ao. presente. Manfredo Tafuri, o mais importante pensador da natureza holistica do ciclo da histéria da arquitetura na era moderna, construiu um modelo tao eficiente para a critica quanto tautolégico no que diz respeito A representagao da passagem do tempo hist6rico. Se, de um lado, a ideia da origem da modernidade foi recuada ao infinito, nao mais se detendo no século passado ou no Iluminismo, mas alcangando as fontes da cultura moderna no Renascimento, de outro lado, os problemas levantados por [Fi- lippo] Brunelleschi teriam levado ao maneirismo e a cultura da Contrarreforma, assim como na crise do pensamento esclarecido ou no declinio da vanguarda. A ideia de que a arquitetura e 0s arquitetos um s6 tempo produzem asua afir- Maco e a sua negacao, e, por conseguinte, 0 significado : a contradi¢ao de sua logica, constitui ndo sé uma hipétese central da obra de Tafuri, mas também o paradigma Predominante na maior parte da historiografia recente da arquitetura. A conscitncia da hist6ria, tal como as técnicas analiticas do projeto, foi pega na contradicao entre o complexo desenvolvimento de suas 4reas de conhecimento e 0 ‘s absoluto empobrecimento da metodologia. Micro-histéria, historia antropo. mais absol italidades constituem, no fundo, respostas fragmentérias Jégica ou a historia das ment onst : ani e particularistas a impossibilidade de defender modelos interpretativos de alcance mais amplo.” oe Em seu livro Lo Bello y lo Siniestro, Eugenio Trias discute 0 significado e 0 alcance da produgao estética contemporanea.® Se toda a estética europeia posterior a (Imma. nuel] Kant é pensada a partir das barreiras que o proprio Kant lancou em torno do objeto estético, isto é, isolando apenas o elemento sinistro do campo da cria¢ao, hoje, em umaera pés-freudiana, a criacao parece constituir-se em um claro confronto entre o sinistro e a sua expressao artistica. ‘A desordem que o pensamento contemporaneo distingue na realidade esté na ori- gem da experiéncia do sinistro. A tarefa da arte é aquela do véu de Maia, um manto de pureza que recobre o horror do Caos com um tecido transparente e que ao mesmo tempo deixa ver o que esté encoberto. ‘A compreensio linguistica dos fenémenos artisticos, que se origina no forma- lismo lingu{stico, possibilitou-nos entender com mais precisdo as condi¢ées nas quais o significado pode mudar, ser transformado e metamorfoseado pelas relacées estruturais, Essa estrutura linguistica que, reconhecivel na trama dos objetos, per- mite 0 seu jogo e liberacao, é a mesma que, no campo da interven¢ao arquiteténica, define a situacdo atual. Os significados que nos foram sugeridos pelas obras discutidas no inicio deste artigo sé podem ser explicados se houver plena liberdade na manipulacao do sentido, €, a0 mesmo tempo, se as estruturas de significado manifestadas no edificio concreto existirem apenas como suporte para essa manipulagao. Cabe acrescentar a tudo isso a acumulacao de referéncias histéricas que substituem o antigo conhecimento sistemd- tico e eficiente da histéria por um multiplo estoque de imagens. Como operagao estética, a intervencao é a proposta livre, arbitraria e imaginativa Pela qual se procura ndo s6 reconhecer as estruturas significativas do material hist6rico ce enn eee mee do tinico sistema possivel, o sits ga e a similaridade, a comparagao no interit : , 0 sistema especifico que o objeto existente define, a base de toda analogi ihe re ae Todo significado possivel e imprevisivel se ergue SO [“From Contrast to Analogy: . foi extrafdo de Lotus int logy: Developments in the Concept of Architectural Intervention fernationaln. 46,1985, pp. 37-45. ortesia do autor e da eitor#] 1. Le Corbusi et Ocurre Compete 19341939, Zurique: 1946, 2. A. Riegl, Der moderne Denkmalkultus, sein Wesen, seine Entstehung (Enleitung zum Denkmal- schutzgeset2). Viena: 1903. 4. M.L.Scalvini e M. 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