Está en la página 1de 196
Como ser crente em um mundo de descrentes JOHN MACARTHUR, JR. Como ser crente em um mundo de descrentes © 2003, Editora Cultura Crista. Originalmente publicado em inglés com o titulo How to Survive in a World of Unbelievers, Copyright © 2001 by John MacArthur, Jr. pela W Publishing, uma diviséo da Thomas Nelson, Inc., 501 Nelson Place, P.O.Box 141000, Nashville, TN, 37214- 1000, USA. Todos os direitos so reservados. 1* edigdo em portugués ~~ 2003 3.000 exemplares Tradugao Claudino Batista Marra, Jr. Revisdo Madalena Torres Editoragao Eliziane de Aratijo Capa Magno Paganelli Publicagiio autorizada pelo Conselho Editorial: Claudio Marra (Presidente), Alex Barbosa Vieira, André Luis Ramos, Mauro Fernando Meister, Otivio Henrique de Souza, Ricardo Agreste, Sebastiio Bueno Olinto, Valdeci Santos Silva ISBN 85-86886-88-2 €DITORA CULTURA CRISTA Rua Miguel Teles Junior, 394 — Cambuci 01540-040 - Sao Paulo - SP — Brasil C.Postal 15.136 ~ So Paulo ~ SP — 01599-970 Fone (0°11) 3207-7099 — Fax (0"*11) 3209-1255 ‘www.cep.org.br ~ cep@cep.org.br Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Claudio Antonio Batista Marra Sumario dak unere hoor: a ossssceecce ris piasssesccetrt ters aosreccr certo ceteris 1. A Humildade do Amor 2. Desmascarando o Traidor 3. As Marcas do Cristéo Dedicado. : 4, A Solugao para um Cora¢ao Perturbado .. 63 5. Jesus E Deus 6. O Espirito Vem para Consolar 7. A Paz de Cristo .. i. Sate 107 8. O que a Morte de Jesus Sigifcou paral Ele 121 9. A Videira e os Ramos... Bidet te +135 10. Os Beneficios da Vida. em Cristo | 7 11. Como Ser Amigo de Jesus .. 12. Odiado sem Motivo.. Guia para Estudo ............ INTRODUCAO wes Sem dtivida, um dos mais comoventes e poderosos ensinamentos em todo o ministério terreno de Jesus acon- teceu na tltima noite que ele passou com seus discfpulos antes de ser crucificado. A ocasiao foi a celebracao da Pas- coa, comumente conhecida como a Ultima Ceia. O minis- tério terreno de Jesus junto as massas havia terminado ha pouco e ele passou a dedicar exclusivamente aos apdsto- los o seu tempo de ensino (Jo 13—16). Esse ministério ocor- reu em um curto espaco de algumas horas, imediatamente antes de ser preso e levado a julgamento; e em um lugar, 0 Cenaculo. Durante aquelas horas, Jesus comunicou aos seus disci- pulos — e consequentemente a todos os crentes ao longo da Historia — sua 1iltima vontade e testamento. Essa é a he- ranga de cada crente em Cristo. Sera nosso privilégio olhar para aquelas palavras de encorajamento e desafio em Como Ser Crente em um Mundo de Descrentes. Mas nos iremos ape- nas arranhar a superficie de uma parte da rica promessa contida em apenas trés capitulos do discurso final do Se- nhor. Vocé ira ver facilmente que nem mesmo uma vida inteira de estudos alcangaria as profundezas de tudo que 8 Como Ser Crente ev uM Munno pe Descrenres ele nos ensinou sobre como viver para ele em um mundo descrente. Aqui vai uma antevisao das ricas verdades que estudaremos em Joao 13 — 16: Cristo deu provas do seu antor. Jesus... “levantou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu- se com ela. Depois, deitou agua na bacia e passou a lavar os pés aos discipulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido” (Jo 13.4,5). Depois, Pedro e os outros discipulos conheceriam o amor de Cristo através de sua morte expiatoria. No Cendculo, porém, eles tiveram uma rapida visdo desse amor no ato de Jesus lavar-lhes os pés. Jesus deu esperanca do céu. “Nao se turbe 0 vosso coragaéo; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai ha muitas moradas. Se assim nao fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vés também” (14.1-3). Naqueles dias em Israel, quando um filho se casava, no- vas instalagdes eram acrescentadas a casa de seu pai. Ge- ragdo apés geragdo da grande familia viviam conjuntamente em um lar. E assim que é 0 céu. Nos estare- mos todos na casa do Pai. Jesus esta preparando as nossas instalagGes. Nosso Senhor nos deu a garantia do poder. “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que cré em mim fara tam- bém as obras que eu fago e outras maiores faré, porque eu vou para junto do Pai” (14.12). Jesus nao quis dizer que os discipulos fariam obras que fossem maiores que as dele em qualidade ou tipo, mas que eles fatiam obras que eram maiores em extensao. Durante 0 ministério de Cristo na terra ele encarou principalmente rejeicao, e ele nunca dei- xou a pequena Palestina. Mas no dia de Pentecostes o Es- pirito de Deus desceu e os apdstolos comecaram a pregar e revolucionaram Jerusalém. Depois, quando a perseguigao veio sobre os cristaos em Jerusalém, eles se espalharam pela 9 Samaria e Judéia, pregando o Evangelho por onde passa- vam. Depois 0 apdstolo Paulo e seus companheiros espa- Tharam o Evangelho em muitas outras terras. Esse processo ainda continua em nossos dias. Jesus deu a garantia do atendimento. “... e tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei” (14.13,14). Orar em nome dele é trazer diante de Deus peticdes que sao condizentes com quem ele 6. A oragado nao é meramente para satisfazer nosso de- sejos egoistas e nao é para dissuadir Deus de fazer o que ele de qualquer modo fara. A oracdo é para dar a Deus a oportunidade de mostrar-se a si mesmo de modo que nés possamos louva-lo pelo que ele esta fazendo. O Salvador nos deu o dom do Espirito. “... e eu rogarei ao Pai, e ele vos dara outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, 0 Espirito da verdade...” (14.16,17a). Jesus prometeu um Consolador ou Confortador sobrena- tural, exatamente como ele. Esse Consolador € 0 Espirito, o Espirito de Cristo. Ele vive nos discfpulos de Cristo, nao apenas perto deles. Ele os enche de poder e quando eles pregam converte aqueles que serao salvos. O seu trabalho éconvencer “o mundo do... pecado, porque nao créem em mim; da justica, porque vou para o Pai, e nao me vereis mais; do juizo, porque o principe deste mundo ja esta jul- gado” (16.8-11). O Senhor deu a cada verdadeiro seguidor a posse da verdade divina, a Palavra de Deus. “...o Consolador, 0 Espirito Santo, a quem o Pai enviard em meu nome, esse vos ensinara to- das as coisas e vos faré lembrar de tudo 0 que vos tenho dito” (14.26). Essa promessa tinha uma aplicacao imediata aos escritores do Novo Testamento, os apéstolos pregado- res da era inicial da igreja. Era uma promessa de inspira- cao verbal. O Espirito Santo lhes traria 4a lembranga tudo que Jesus hes havia ensinado, ¢ os ensinaria mais ao longo 10 Como Stk Ckente ev um Munbo op Descrentes dos anos a medida que 0 servissem. A Biblia é correta, por- que o Espirito Santo nunca mente. Nao existe mentira nele; ele 60 “Espirito da verdade” (14.17; 15.26; 16.13). Além disso, ele prometeu o dom da paz. “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; nao vo-la dou como a da 0 mundo. Nao se turbe 0 vosso coragao, nem se atemorize” (14.27). Um tipo de paz nas Escrituras é a paz com Deus. “Perto esta o Senhor”, Paulo escreve em Filipenses 4.5. Mas isso nao é uma referéncia 4 Segunda Vinda. E uma referéncia a pre- senca do Senhor na nossa vida hoje. Porque ele esta perto, nao deveriamos estar “ansiosos por coisa alguma” (v.6). Ele prometeu a ben¢ao do fruto espiritual. “Eu sou a videi- ra, vOs, OS ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse da muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). O fruto é 0 produto de uma vida que tem conti- nua vitalidade. Ele vive além de nés; é algo que nés re- produzimos. Os cristaos sao parte de um produto que ira pela eternidade como circulos em um lago eterno. Nés temos vidas que irao reverberar através de todos corre- dores do céu de eternidade em eternidade. De um modo tranqiiilizador, Cristo também prometeu a dor da perseguicao. “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vés outros, me odiou a mim. Se vés fésseis do mundo, o mundo amaria 0 que era seu; como, todavia, nao sois do mundo, pelo contrario, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia” (15.18,19). O servo nao é maior que o seu Senhor. O mundo odeia e rejeita a mensagem do pecado. Cristo desmascara 0 mundo e revela o seu pecado. Assim 0 mundo 0 odeia e odeia a nés. Jesus preveniu os seus disci- pulos: “Tenho-vos dito estas coisas para que nado vos escandalizeis” (16.1). Finalmente, ele prometeu a verdadeira alegria. “Tenho-vos dito estas coisas para que 0 meu gozo esteja em vés, e 0 vosso g0z0 seja completo” (15.11). A alegria 6 0 resultado de tudo quanto Jesus disse, tudo que eles nos deu. Uma un mulher tem agonia quando esta em trabalho de parto, mas quando da 4 luz a crianga ela nao se lembra mais da dor. Os crentes passarao por tristezas e passarao por circuns- tancias dolorosas, mas dessas mesmas circunstancias vird a maior alegria. Jesus diz, “outra vez vos verei; e 0 vosso coracgao se alegrard, e a vossa alegria ninguém podera ti- rar” (16.22b). A minha oragao ao apresentar este livro 6 que aqueles que conhecem Jesus Cristo como Senhor e Salvador cres- cam na compreensao das riquezas que sao suas, por causa do amor dele por vocés. E, se vocé nao 0 conhece, que o Senhor o convenga da sua necessidade de render-se com- pletamente a ele. Na medida em que juntos estudamos esses capitulos, que o Espirito de Deus imprima em cada um a importan- cia de se dar completamente a ele que livremente se entre- gou por nos. UM 1B A HUMILDADE DO AMOR Nos vivemos em uma geracaéo muito orgulhosa e egoista. As pessoas agora consideram aceitavel e até normal que os outros se promovam, se louvem e se coloquem em pri- meiro lugar. Muitos consideram 0 orgulho como uma vir- tude. Por outro lado muitos véem a humildade como uma fraqueza. Todo o mundo, ao que parece, esta reivindican- do seus préprios direitos e procurando ser reconhecido como alguém importante. A preocupacgao com a auto-estima, amor-préprio e autoglorificagado esta destruindo os préprios fundamentos sobre os quais a nossa sociedade foi construida. Nenhuma cultura pode sobreviver ao orgulho desenfreado, porque toda sociedade depende de relacionamentos. Quando as pessoas estao comprometidas consigo mesmas em primei- ro lugar, os relacionamentos se desintegram. E é exatamente isso que esta acontecendo na nossa cultura na medida em que amizades, casamentos e familias desmoronam. Lamentavelmente, a preocupagao egoista penetrou na igreja. Talvez o fendmeno que mais rapidamente cresce no Cristianismo moderno seja a énfase no orgulho, auto-esti- ma, auto-imagem, auto-realizacdo e outras manifestagdes 4 Como Ser Crenre ev UM MuNbo n Dascrenres de egoismo. Disso esta emergindo uma nova religiao de egocentrismo, orgulho e até arrogancia. Vozes de todas as partes do espectro teolégico nos chamam para nos unir- mos ao culto da auto-estima. Porém, as Escrituras deixam claro que 0 egoismo nao tem lugar na teologia crista. Jesus ensinou repetidamente contra o orgulho. Com a sua vida e com o seu ensino ele exaltou constantemente a virtude da humildade. Em ne- nhum outro lugar isso fica mais claro do que em Jodo 13. “ELE OS AMOU ATE O FIM” O capitulo 13 marca um momento decisivo no evange- tho de Joao e no ministério de Jesus Cristo. O ministério ptiblico de Jesus junto ao povo de Israel tinha completado oseu curso e terminado em completa rejeigéo da parte deles a Jesus como 0 Messias. No primeiro dia da semana Jesus tinha entrado em Jerusalém em triunfo aos gritos entusias- ticos do povo. Mas eles nunca entenderam verdadeiramen- te o seu ministério e sua mensagem. A época da Pascoa tinha chegado e na sexta-feira ele seria terminantemente rejeitado e depois executado. Deus, contudo, transforma- ria essa execucao no grande e final sacrificio pelo pecado, e Jesus morreria como o verdadeiro Cordeiro Pascal. Ele veio para 0 seu préprio povo, os judeus, “e os seus nao o receberam’ (Jo 1.11). Entao ele deixou 0 seu ministério pui- blico para dedicar-se a intima comunhao de seus discipulos. Agora era o dia anterior 4 morte de Jesus e em vez de estar preocupado com pensamentos sobre a sua morte, so- bre levar os pecado e sobre glorificagao, ele estava totalmente consumido pelo amor aos seus discipulos. Mesmo sabendo que logo iria para a cruz para morrer pelos pecados do povo, Jesus ainda estava preocupado com as necessidades de doze homens. Seu amor nao foi e nunca é impessoal — esse 6 0 seu mistério. A Humildade do Amor 15, Naquelas que foram literalmente as tiltimas horas antes da sua morte, Jesus continuou a mostrar repetidamente o seu amor aos seus discipulos. Joao relata uma demonstra- cao grafica desse amor: Ora, antes da Festa da Pascoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim. Durante a ceia, tendo ja 0 diabo posto no cora- cdo de Judas Iscariotes, filho de Simo, que traisse a Jesus, sabendo este que o Pai tudo confiara as suas maos, e que ele viera de Deus, e voltava para Deus, levantou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cin- giu-se com ela. Depois, deitou agua na bacia e passou a lavar os pés aos discipulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido. Aproximou-se, pois, de Simao Pedro, e este lhe disse: Senhor, tu me lavas os pés a mim? Respondeu-lhe Jesus: O que eu fago nao o sabes agora; compreendé-lo-ds depois. Disse-lhe Pedro: Nunca me la- vards os pés. Respondeu-lhe Jesus: Se eu nao te lavar, nao tens parte comigo. Entao, Pedro lhe pediu: Senhor, nao somente os pés, mas também as mos e a cabega. Decla- rou-lhe Jesus: Quem ja se banhou nao necessita de lavar senao os pés; quanto ao mais, esta todo limpo. Ora, vés estais limpos, mas nao todos. Pois ele sabia quem era 0 traidor. Foi por isso que disse: Nem todos estais limpos. Depois de lhes ter lavado os pés, tomou as vestes e, vol- tando a mesa, perguntou-lhes: Compreendeis 0 que vos fiz? Vés me chamais 0 Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque eu 0 sou. Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vés deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, fagais vés também. Em verdade, em verdade vos digo que o servo nao é maior do que seu senhor, nem 0 enviado, maior do que aquele que 0 enviou. Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes (Jo 13.1-17). E muito provavel que Jesus e seus discipulos tinham estado se escondendo em Betania nessa ultima semana 16 Como Sar CrenTe £4 UM MUNDO DE DEscrENTES antes da crucificagao. Tendo chegado de 1a (ou de algum outro lugar préximo de Jerusalém) eles haviam passado por estradas extremamente pocirentas. Naturalmente, ao final da viagem os pés deles estavam cobertos de poeira. Qualquer pessoa naquela cultura encontrava o mesmo problema. Sandalias pouco faziam para afastar a sujeira dos pés e as estradas eram uma grossa camada de poeira ou uma profunda massa de lama. Na entrada de todo lar ju- deu havia um grande pote de agua para lavar pés sujos. Normalmente, lavar os pés dos que chegavam era 0 traba- lho do escravo de mais baixa condicaéo. Quando os convi- dados chegavam ele tinha que ir até a porta e lavar-lhes os pés — 0 que nao era uma tarefa agradavel. De fato, lavar os pés provavelmente fosse o seu trabalho mais abjeto e so- mente escravos faziam isso para os outros. Mesmo os disci- pulos de rabinos nao eram obrigados a lavar os pés de seus mestres — essa era tarefa unicamente de escravo. Quando chegaram ao Cendculo Jesus e os seus discipu- los nao encontraram um escravo que lhes lavasse os pés. Apenas alguns dias antes Jesus havia dito aos doze: “ quem quiser tornar-se grande entre vs, sera esse 0 que vos sirva; e quem quiser ser 0 primeiro entre vés sera vosso servo” (Mt 20.26,27). Se eles tivessem se dedicado de men- te e coracdo aos seus ensinamentos, um dos doze teria lava- do os pés dos outros, ou teriam todos dividido a tarefa. Podia ter sido uma coisa bonita, mas por causa do seu ego- ismo isso nunca lhes ocorreu. Uma passagem paralela em Lucas 22 nos da uma idéia exata de quanto eles eram egois- tas e sobre 0 que eles estavam pensando naquela noite: Suscitaram também entre si uma discussao sobre qual deles parecia ser o maior. Mas Jesus lhes disse: Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade sao chamados benfeitores. Mas vés nao sois assim; pelo contrario, 0 maior entre vés seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve (Lc 22.24-26). A Humildade do Amor 17 Que triste cena foi aquela! Eles estavam brigando so- bre quem seria o maior. E numa discussao sobre quem é o maior ninguém se abaixaria até 0 chao para lavar pés. A bacia estava 14, a toalha estava ld e tudo estava pronto. Mas ninguém se moveu para lavar os pés dos outros. Se alguém naquele aposento devia estar pensando so- bre a gloria que viria a ser sua no reino, esse alguém era Jesus. Jodo 13.1 diz que Jesus sabia que a sua hora havia chegado. Ele seguia um cronograma divino e sabia que ia estar com o Pai. Ele tinha consciéncia de que brevemente seria glorificado: “... sabendo este que o Pai tudo confiara as suas mos, e que ele viera de Deus, e voltava para Deus...” (v.3). Mas em vez de estar preocupado com a sua gloria e a despeito do egoismo dos discipulos, ele se dedicou inteiramente a revelar 0 seu amor pessoal aos doze para que nele pudessem estar seguros. O verso 1 diz: “... tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim.” “Até ao fim” em grego € eis telos, que significa que ele os amou “perfeitamente”. Ele os amou ao extremo. Ele os amou com todaa inteireza do amor. Essa éa natureza do amor de Cristo e ele mostrou isso repe- tidamente — mesmo na sua morte. Quando foi preso ele pro- videnciou para que os discipulos nao fossem presos. Enquanto estava na cruz, ele se certificou de que Joao cui- daria de sua mae pelos anos vindouros. Ele alcancou um ladrao moribundo e o salvou. E espantoso que naquelas ul- timas horas, carregando pecados sobre si, no meio de toda aquela dor e sofrimento, ele tenha notado aquele possivel discipulo pendurado préximo a ele. Ele ama completamen- te, absolutamente, perfeitamente, totalmente, completamen- te, sem reservas. No momento em que a maioria dos homens estaria totalmente preocupada consigo, ele altruisticamente humilhou-se a si mesmo para atender as necessidades dos outros. O genuino amor é assim. E aqui esta uma grande licdo de todo esse relato. So- mente a absoluta humildade pode gerar 0 amor absoluto. 8 Como Str Crente Ev um MuNDo be Descrentes E da natureza do amor ser altruista, doador. Em 1 Corintios 13.5, Paulo escreveu que 0 amor “nao procura os seus interesses”. Para destilar toda a verdade de 1 Corintios 13 em uma afirmacao, poderiamos dizer que a grande virtude do amor é a sua humildade, porque é a humildade do amor que 0 prova e o faz visivel. O amor de Cristo e a sua humildade sdo inseparaveis. Ele nao poderia estar tao consumido com uma paixao por servir os outros se estivesse antes de tudo preocupado consigo mesmo. “AMOR... EM AGOES E EM VERDADE” Como pode alguém rejeitar esse tipo de amor? As pes- soas fazem isso continuamente. Judas fez. “Durante a ceia, tendo ja o diabo posto no coragao de Judas Iscariotes, filho de Simao, que traisse a Jesus” (Jo 13.2). Vocé pode ver a tragédia de Judas? Ele estava constantemente se deliciando na luz, ainda que vivendo trevas. Experimentando 0 amor de Cristo, embora ao mesmo tempo 0 odiasse. O contraste entre Jesus e Judas era arrasador. E talvez seja essa exatamente a razao pela qual o Espirito Santo in- clui o versiculo 2 nessa passagem. Posto contra o pano de fundo do édio de Judas, 0 amor de Jesus vai brilhar ainda mais. Nés poderemos melhor compreender sua magnitu- de quando entendermos que no coracao de Judas estava a mais sombria espécie de ddio e rejeigéo. As palavras de amor com as quais Jesus gradualmente marcou 0 coragéo dos outros discipulos para ele, somente empurraram Judas cada vez para mais longe. O ensinamento pelo qual ele elevava as almas dos outros discipulos parece que apenas fincava mais e mais uma estaca no coragao de Judas. E tudo que Jesus disse em termos de amor deve ter se tornado como ardentes cadeias em Judas. De sua cobiga escraviza- da e sua ambicao frustrada comegaram a saltar citimes, A Hutnildade do Amor 19 maldade e 6dio — e agora ele estava pronto para destruir Cristo, se necessario fosse. Mas quanto mais as pessoas odiavam Jesus e desejavam feri-lo, mais parecia que ele hes mostrava amor. Do ponto de vista humano, seria facil de entender se Jesus tivesse re- agido com ressentimento ou amargura. Mas tudo que Jesus tinha era amor ~ ele enfrentou até a maior injtiria com su- premo amor. Logo ele estaria ajoelhado aos pés de Judas, lavando-os. Jesus esperou que todos estivessem sentados e a ceia servida. Entao, em um inesquecivel ato de humildade que deve ter deixado os discipulos pasmos, “[Jesus] ... levan- tou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois, deitou agua na bacia e passou a lavar os pés aos discipulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido” (Jo 13.4,5). Com calma e majestade, em total siléncio, Jesus se le- vantou, pegou 0 jarro e despejou agua na bacia. Entao ti- rou 0 seu manto, seu cinto e muito provavelmente sua tunica interna — ficando vestido como um escravo — pds uma toalha em volta da cintura e se ajoelhou para lavar os pés dos seus discipulos, um por um. Vocé pode imaginar 0 quanto isso deve ter ferroado o coracao dos discipulos? Que dor, pesar e tristeza deve ter atravessado a todos quando eles estavam na iminéncia de aprender um grande licao. Um deles poderia ter tido a ale- gria de se ajoelhar e lavar os pés de Jesus. Eu tenho a certe- za de que eles ficaram embaragados e com o coragao partido. Nés também podemos aprender desse incidente. Tris- temente, a igreja esta cheia de pessoas que estao apruma- das em sua dignidade quando deveriam estar curvadas aos pés de seus irmaos e irmas. O desejo de proeminéncia é morte para o amor, morte para a humildade e para o ser- vico. Aquele que é orgulhoso ou egocéntrico nao tem ca- pacidade para o amor ou humildade. Conseqiientemente, 20 Como Ser CRENTE EM UM Munpo be DescreNTES qualquer servico que ele possa pensar que estd apresen- tando para o Senhor é um desperdicio. Quando vocé estiver tentado a pensar em sua dignida- de, em seu prestigio, ou nos seus direitos, abra a sua Biblia em Joao 13 e dé uma boa olhada em Jesus — vestido como um escravo, ajoelhado, lavando os pés de homens pecado- res que estao completamente indiferentes 4 sua morte tao proxima. Ir desde a sua deidade em gloria (v.3) até 0 lavar os pés de discipulos inglérios e pecadores (vs.4,5) é um longo passo. Pense nisso. O majestoso, glorioso Deus do universo vem a terra — isso é humildade. Entao ele se ajoe- Tha no chao para lavar os pés de homens pecadores — isso é humildade indescritivel. Um pescador lavar os pés de outro pescador é um sa- crificio de dignidade relativamente pequeno. Mas que Je- sus Cristo, em cujo coracgao pulsa a eterna divindade, curvar-se e lavar os pés de homens comuns - essa é a mai- or espécie de humilhacao. E essa é a natureza da genuina humildade, bem como uma prova de genuino amor. O amor tem que ser mais do que palavras. O apdstolo Joao escreveu: “... ndo amemos de palavra, nem de lingua, mas de fato e de verdade” (1Jo 3.18). O amor que é real é expresso em ago, nao apenas em palavras. “SE EU NAOTE LAVAR, NAO TENS PARTE COMIGO” Em seguida Joao nos apresenta uma das mais interes- santes percepcSes da personalidade de Pedro que nés po- demos encontrar em qualquer parte das Escrituras. Na medida que Jesus ia amorosamente de discipulo em disci- pulo, ele finalmente chegou a Pedro. Pedro deve ter ficado completamente desconcertado e disse em um misto de re- morso e incredulidade: “Senhor, tu me lavas os pés amim?” (v.6), talvez os puxando para tras. A Humildade do Amor 2 Jesus respondeu a Pedro: “O que eu faco nao o sabes agora; compreendé-lo-ds depois” (v.7). A essa altura Pedro ainda pensava que 0 reino estava chegando e que Jesus seria o rei. Como poderia ele permitir ao rei que lhe lavas- se os pés? Somente depois da morte, ressurreicao e ascen- sao do Salvador foi que Pedro compreendeu a total humilhacao de Jesus. E Pedro ficou mais decidido: “Nunca me lavards os pés!” (v.8). Para enfatizar as suas palavras, o evangelho de Joao usou a forma mais forte de negativa na lingua grega. Ele chamou Jesus de Senhor, mas nao se submeteu ao seu senhorio. Esse nao foi um gesto louvdvel de mo- déstia da parte de Pedro. “Respondeu-lhe Jesus. Se eu nao te lavar, nao tens parte comigo. Entao, Pedro Ihe pediu: Senhor, nao somente os pés, mas também as maos e a cabeca!” (vs. 8,9). Isso era tipico de Pedro — ele foi de um extremo (“Nunca me lava- ras os pés!”) ao outro (“Nao somente os pés, mas também as maos e a cabega!”) Existe um significado profundo nas palavras de Jesus, “Se eu nao te lavar, nao tens parte comigo”. A mentalida- de tipica do judeu nao podia aceitar o Messias humilha- do. Na mente de Pedro, portanto, nao havia Jugar para Cristo ser humilhado como estava sendo. Entio Jesus teve que fazer com que ele entendesse que Cristo veio para ser humilhado. Se Pedro nao pudesse aceitar esse ato de lavar os pés, ele certamente teria problemas para aceitar o que Jesus faria por ele na cruz. Existe ainda uma outra verdade mais profunda nas pa- lavras de Jesus. Ele mudou da ilustracao fisica de lavar os pés para a verdade espiritual de lavar a pessoa interna- mente. Em todo o evangelho de Joao, quando ele tratava com as pessoas, Jesus falou da verdade espiritual em ter- mos fisicos. Foi assim quando ele falou com Nicodemos, com a mulher junto ao poco e com os fariseus. Agora ele fez isso com Pedro. 22 Como Sex Caente em UM MUNDO pe DescRENres Ele estava dizendo: “Pedro, a menos que vocé permita que eu o lave de um modo espiritual, vocé nao estara lim- po e nao tem parte comigo”. Toda purificagaéo no reino es- piritual ver de Cristo e a tinica maneira de qualquer pessoa estar limpa é ser lavada pela regeneracao por meio de Je- sus Cristo (Tt 3.5). Ninguém tem um relacionamento com Jesus Cristo a menos que Cristo tenha lavado os seus peca- dos. E ninguém pode entrar na presenga do Senhor a me- nos que primeiro se submeta a essa purificagao. Pedro aprendeu essa verdade — ele proprio pregou isso em Atos 4.12: “... néo ha salvacaio em nenhum outro; por- que abaixo do céu nao existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos”. Quando uma pessoa pée sua fé em Jesus Cristo, ela se tor- na limpa, mas nao antes disso. “QUEM JA SE BANHOU ... ESTA TODO LIMPO” Pensando que o Senhor estava falando de limpeza fisi- ca, Pedro ofereceu as maos e a cabeca — tudo. Ele ainda nao tinha entendido o completo significado espiritual, mas ele disse em esséncia: “Qualquer tipo de purificagao que 0 se- nhor tem para me oferecer que me faga ter parte com 0 senhor, eu quero”. Ainda falando de purificagado espiritual, Jesus disse: “Quem ja se banhou nao necessita de lavar sendo os pés; quanto ao mais, esta todo limpo. Ora, vés estais limpos ..” (Jo 13.10). Existe uma diferenga entre um banho e uma lavagem dos pés. Na cultura daquele tempo, a pessoa deveria tomar um banho pela manha para ficar comple- tamente limpa. A medida que o dia avangava, ela perio- dicamente tinha que lavar os pés, por causa das estradas poeirentas, mas nao tinha de tomar banho de novo du- rante o dia. Tudo que ela tinha de fazer era lavar a poeira dos pés quando entrasse na casa de alguém Jesus esta dizendo isso: Uma vez que o interior da sua pessoa foi banhado na redengao, vocé esta purificado. Par- A Humildade do Amor 23 tindo desse ponto, vocé nao precisa de um novo banho — vocé nao precisa ser redimido novamente — cada vez que vocé comete um pecado. Tudo que Deus tem que fazer é tirar a poeira de seus pés todos os dias. Do ponto de vista da sua posigaéo com Cristo vocé esta limpo (como ele dis- se a Pedro no verso 10), mas pelo lado pratico, vocé deve se lavar todos os dias, a medida que vocé anda pelo mun- do e fica com os pés cheios de poeira. E aquela purificacao espiritual dos pés que 1 Joao 1.9 se refere: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e jus- to para nos perdoar os pecados e nos purificar [literalmen- te, continuar nos purificando] de toda injustiga”. Jesus sabia qual dos discipulos estava verdadeiramente purificado pela redencao. Além disso, ele sabia quais eram os planos de Judas para aquela noite: “... ele sabia quem era o traidor. Foi por isso que disse. Nem todos estais lim- pos” (Jo 13.11). Isso deve ter feito Judas sentir-se culpado. Judas entendeu. Aquelas palavras, combinadas com o ato de Jesus lavar-lhe os pés, constituiram o que seria 0 ultimo apelo amoroso para que Judas nao fizesse o que ele estava planejando fazer. O que tera passado pela mente de Judas quando Jesus se ajoelhou para lavar seus pés? O que quer que tenha sido, nao deteve os seus planos malignos. “TAMBEM VOS DEVEIS LAVAR OS PES UNS DOS OUTROS” Observe o que aconteceu depois que Jesus terminou de lavar os pés dos discipulos: Depois de lhes ter lavado os pés, tomou as vestes e, vol- tando 4 mesa, perguntou-lhes: Compreendeis 0 que vos fiz? Vos me chamais 0 Mestre e o Senhor e dizeis bem; por- que eu o sou. Ora, se eu, sendo o Senhor e 0 Mestre, vos lavei os pés, também vés deveis lavar os pés uns dos ou- tros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, facais vés também. Em verdade, em verdade vos digo 24 Como Ser CRENTE EM UM MUNDO oF DEscreNTES, que oservo nao é maior do que seu senhor, nem o enviado, maior do que aquele que 0 enviou. Ora, se sabeis estas coi- sas, bem-aventurados sois se as praticardes” (Jo 13.12-17). Depois de abrir um paréntesis e inserir nele uma ligao de salvacao - um tipo de interltidio teolégico — Jesus vol- tou a verdadeira ligao que ele estava ensinando aos seus discipulos: que eles tinham que comegar a demonstrar humildade. Ele partiu do maior para o menor. Se o Senhor da Gl6- ria estava pronto para cingir-se com uma toalha, assumir a forma de um servo, agir como um escravo e lavar os pés empoeirados de discipulos pecadores, era de se espe- rar que os discipulos se dispusessem a lavar os pés uns dos outros. O exemplo visual que Jesus apresentou foi cer- tamente mais eficaz do que teria sido uma palestra sobre humildade. Foi algo que os discipulos nunca esqueceram (Provavelmente dali em diante eles tenham passado a dis- putar para ver quem pegaria a agua primeiro!). Muitas pessoas acreditam que Jesus estava instituin- do uma ordenanga para a igreja. Algumas igrejas prati- cam 0 lava-pés de modo ritual semelhante a pratica do batismo e da comunhao. Eu nao nada tenho contra essa pratica, mas nao acredito que essa passagem esteja ensi- nando isso. Jesus nao estava advogando um servico de lava-pés formal e ritualista. O verso 15 diz: “... eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, fagais vos também”. A palavra “como” 6 uma traducao da palavra grega kathos, que quer dizer “de acor- do com”. Se ele estivesse estabelecendo o lava-pés como uma ordenanga a ser praticada na igreja, ele teria usado a palavra grega ho, que significa “o que”: “Eu lhes dei um exemplo e vocés devem fazer 0 que eu lhes fiz”. Ele nao esté dizendo: “Fagam o mesmo que eu fiz”. Mais que isso: “Ajam do mesmo modo que eu agi”. O exemplo que nés devemos seguir nao é lavar os pés. Ea humildade. A Humildade do Amor 2 Nao minimizem a licdo de Jesus tentando fazer do lava- pés 0 ponto central de Joao 13. A sua humildade é a verda- deira ligéo — e é uma humildade pratica que governa cada area da vida, cada dia da vida, cada experiéncia da vida. O resultado dessa humildade é sempre um servico de amor - realizando as tarefas menores e humilhantes para a gloria de Jesus Cristo - 0 que derruba a maior parte das idéias populares sobre o que constitui espiritualidade. Algumas pessoas parecem pensar que quanto mais perto vocé chega de Deus, tanto mais vocé tem que se distanciar da humanidade, mas isso nao é verdade. A genuina proxi- midade de Deus é servir ao préximo. Nunca houve qualquer servi¢o sacrificial em beneficio dos outros que Jesus tivesse ma vontade de realizar. Por que seria diferente? Nés nao somos maiores que o Senhor: “Em verdade, em verdade vos digo que 0 servo nao é mai- or do que seu senhor, nem 0 enviado, maior do que aquele que o enviou. Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes” (vs. 16,17). Vocé quer ser abencoado com satisfacao e felicidade? Desenvolva um coracao de servo. Nés somos seus servos e um servo nao é maior do que o seu mestre. Se Jesus pode descer de uma posicado de divindade para se tornar ho- mem e humilhar-se ainda mais para ser um servo e lavar os pés de doze pecadores sem merecimento, nds deveria- mos estar prontos a sofrer qualquer indignidade para ser- vi-lo. Isso é verdadeiro amor e verdadeira humildade. DOIS BOB DESMASCARANDO O TRAIDOR Judas Iscariotes, que traiu Jesus com um beijo, tornou-se a pessoa mais desprezada da Histéria da humanidade. Sua personalidade é uma das mais sombrias de que existe registro e o nome Judas traz em si mesmo um estigma, refletindo o desprezo que todos sentem por ele. Os escrito- res do Novo Testamento desdenham Judas a tal ponto que em todas as listas dos discipulos dadas nos evangelhos, Judas aparece por ultimo, com uma nota de desprezo de- pois do nome. O édio por Judas Iscariotes era tao profundo nos anos seguintes ao encerramento do canon do Novo Testamento, que diversas lendas incriveis sobre ele se desenvolveram. Elas descrevem ocorréncias bizarras, caracterizando Judas como feio, maligno e totalmente repugnante. Uma delas, no apécrifo Narrativa Céptica, diz que Judas, tendo traido Cris- to, foi infestado de larvas. Conseqiientemente, seu corpo fi- cou téo grande e inchado que, numa ocasiao, quando ele tentava passar em um veiculo por um portao, seu corpo aci- ma do normal bateu no portao, explodiu e fez chover ver- mes em todo o muro. Obviamente, a histéria nao é verdadeira, mas ele ilustra vivamente 0 alto nivel de des- prezo por Judas nos primeiros séculos. 28 Como Ser CrenTe eM UM MUNDO be DescreNres Quando estava no seminario, eu escrevi minha disser- tacdo sobre Judas. Desde entao, eu tenho achado extrema- mente dificil escrever ou ensinar sobre o homem que traiu Jesus. O pecado nunca é mais grotesco do que ele foi na vida de Judas. Quando estudamos Judas e suas motiva- ¢6es, nos colocamos muito perto das atividades de Sata- nas. Mas ha raz6es valiosas para se examinar Judas e seu pecado. Por um motivo, que é entender o amor de Jesus em sua plenitude, avaliar a vida de Judas pode ser de boa ajuda. Ali aprendemos que apesar da enormidade do pe- cado de Judas, Jesus estendeu a mao para o alcangar em amor. JESUS E JUDAS Em Joao 13.18-30, Jesus e Judas vém lado a lado. Nesse ponto vemos claramente 0 mal de Judas contrastado com a absoluta pureza de Jesus Cristo. O feito diabélico que tinha estado inchando o coragao de Judas — a traigéo que ele jé havia comecado a perpetrar — era levado ao climax e Jesus desmascarou Judas como o traidor. Jesus esta falando no inicio dessa poderosa passagem: Nao falo a respeito de todos vés, pois eu conhego aque- les que escolhi; 6, antes, para que se cumpra a Escritura: Aquele que come do meu pao levantou contra mim seu calcanhar. Desde jé vos digo, antes que acontega, para que, quando acontecer, creiais que Eu Sou. Em verdade, em ver- dade vos digo: quem recebe aquele que eu enviar, a mim me recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me en- viou. Ditas estas coisas, angustiou-se Jesus em espirito e afirmou: Em verdade, em verdade vos digo que um den- tre vés me traird. Entao, os discfpulos olharam uns para os outros, sem saber a quem ele se referia. Ora, ali estava conchegado a Jesus um dos seus discipulos, aquele a quem ele amava; a esse fez Simao Pedro sinal, dizendo-lhe: Per- gunta a quem ele se refere. Entao, aquele discipulo, recli- Desmascarando 0 Traidor 29 nando-se sobre o peito de Jesus, perguntou-lhe: Senhor, quem 6? Respondeu Jesus: £ aquele a quem eu der o pe- dago de pao molhado. Tomou, pois, um pedaco de pao e, tendo-o molhado, deu-o a Judas, filho de Simao Iscariotes. E, aps o bocado, imediatamente, entrou nele Satands. Entao, disse Jesus: O que pretendes fazer, faze-o depres- sa. Nenhum, porém, dos que estavam a mesa percebeu a que fim lhe dissera isto. Pois, como Judas era quem trazia a bolsa, pensaram alguns que Jesus lhe dissera: Compra o que precisamos para a festa ou Ihe ordenara que desse alguma coisa aos pobres. Ele, tendo recebido 0 bocado, saiu logo. E era noite. Ali nés vemos Jesus e Judas como o resumo dos opos- tos: o Perfeito e o completamente desgracado; 0 melhor e o pior. A pureza de Jesus e a vilania de Judas estavam de- monstradas agudo contraste. A histéria de Judas 6 0 maximo da tragédia — provavel- mente a maior tragédia que ja foi vivida. Ele é 0 exemplo primario do que significa ter a oportunidade e entao perdé- Ja. Sua hist6ria se torna mais terrivel por causa do inicio glorioso que ela teve. Por trés anos, dia apds dia, ele se ocupou com Jesus Cristo. Ele viu os mesmos milagres, ouviu as mesmas palavras, desempenhou alguns dos mes- mos ministérios, era estimado da mesma maneira que os outros discipulos eram estimados — apesar de ele nao ter se tornado 0 que os outros se tornaram. De fato ele se tor- nou exatamente 0 oposto. Enquanto eles estavam crescen- do em verdadeiros apéstolo e santos de Deus, ele estava progressivamente se tornando em uma ferramenta de Sa- tands, vil e calculada. Inicialmente, Judas deve ter partilhado da mesma espe- ranga de reino que os outros discipulos tiveram. Ele pro- vavelmente acreditava que Jesus fosse o Messias. Certamente em um determinado momento ele se tornou avarento, mas é duvidoso que ele tenha se juntado aos apés- tolos meramente pelo dinheiro que ele pudesse conseguir 30 Como Ser CRENTE EM UM MUNDO DE DESCRENTES porque eles na realidade nada tinham. Talvez, no inicio, seu motivo fosse apenas receber os beneficios do reino messianico. Qualquer que fosse no comeco o seu carater, Judas gradualmente se tornou 0 traidor que entregou Cris- to, tornou-se um homem que nao pensava a nao ser em si mesmo, que enfim queria apenas pegar tanto dinheiro quanto pudesse e entao fugir. No final, avareza, ambicgéo e mundanismo tinham ras- tejado para dentro do coragao de Judas e a insacidvel cobi- ¢a se tornou seu pecado fustigante. Talvez ele estivesse também desapontado por causa das expectativas néo cum- pridas de um reino terreno. Pode ser que ele estivesse ator- mentado pela insuportavel repreenséo da presencga de Cristo. Certamente criou uma tensao em seu coragao 0 es- tar contentemente na presenca da pureza sem pecado e mesmo assim estar tao infestado de vileza. Talvez, tam- bém, ele tenha comecado a sentir que o olho do Mestre pudesse discernir a sua verdadeira natureza. Todas essas coisas ao que parece tinham comegado a corroé-lo. Sejam quais forem as razGes, a vida de Judas terminou em desastre absoluto, 0 maior exemplo de oportunidade perdida que o mundo ja viu. Na noite em que ele traiu Jesus, ele estava tao preparado para cumprir a vontade de Satands que o deménio pode entrar nele e tomar completo controle. Poucos dias antes disso, em Betania, ele tinha se encontrado com os lideres de Israel e negociado por trinta pecas de prata, o prego de um escravo — coisa de vinte e cinco a trinta délares. Agora seu feito maligno frutificou completamente as vésperas da crucificagao. Jesus e seus discipulos (inclusive Judas) estavam no Cenaculo. O vil traidor estava 14 sentado tendo ja iniciado a sua trama para trair Jesus e agora passando aqueles mo- mentos com os outros discipulos, procurando a melhor oportunidade para delatar o paradeiro de Jesus para os Iideres dos judeus. Desmascarando 0 Traidor 31 Jesus tinha revelado que conhecia o coracao de Judas ao dizer: “... vés estais limpos, mas nao todos” (Jo 13.10,11). Ele sabia quem era o traidor. Judas tinha estado 1a durante toda a maravilhosa ligdo de Jesus sobre a hu- mildade, ensinada com 0 ato de lavar os pés dos discipu- los. Jesus tinha lavado até os pés dele. O hipocrita desprezivel tinha deixado o bendito Senhor lavar seus pés, enquanto mal podia esperar para p6r as maos naquelas trinta moedas. Mesmo sabendo o que Judas estava para fazer, Jesus ainda lavou os seus pés. Foi apenas um exemplo do mara- vilhoso amor de Cristo e do modo como ele estendeu a mao para Judas. As medidas que ele tomou para ganhar Judas, mesmo nessa hora tao adiantada, tornou 0 seu amor ainda mais maravilhoso. Alguém poderia pensar que a ex- periéncia de ver Jesus lavando seus pés teria sido suficien- te para quebrar 0 coragéo de qualquer homem. Mas o coracao de Judas era tao frio e duro que ele continuou de- terminado a vender o Senhor aos executores. O ABENCOADO E O MALDITO Tendo ensinado pelo exemplo uma maravilhosa ligao de humildade, Jesus entaéo cuidadosamente explicou o seu significado. Ele concluiu 0 seu discurso dizendo: “... se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes” (Jo 13.17). “Bem-aventurados”, naturalmen- te, é sinénimo de feliz. Aquele que aprende como mos- trar amor humilde, esta pronto a se inclinar até 0 chao e servir outro crente 6 aquele recompensado com a verda- deira felicidade. Quando vocé condescende com esse tipo de amor, quando vocé esta querendo fazer um trabalho humilde pelo bem de outra pessoa, quando vocé nao se preocupa em ter preeminéncia em todas as situag6es — quando vocé se humilha — vocé seré feliz. 32 Como Ser Crenre EM UM MUNDO pe DescreNtEs Mas Jesus nao podia falar de bem-aventurangas sem falar do contraste. Ele nao pensou em felicidade sem pen- sar na tragédia e infelicidade. Nessa visdo, sua mente co- megou a se encher com pensamentos sobre o maldito Judas sentado ao lado dele. Portanto, ele girou 0 seu foco dos felizes discipulos para o amaldigoado, Judas (Jo 13.18). Dos versos 18 a 30 0 didlogo se concentra no préprio Judas. Essa é a confrontagao entre Jesus e Judas, deixando ape- nas um beijo para depois. E importante compreender por que Jesus abordou 0 as- sunto de sua traicao a essa altura. A menos que Jesus ti- vesse de algum modo preparado os discipulos para 0 que estava por acontecer, a traigdo poderia ter tido um efeito sério, adverso sobre eles. Se Judas tivesse trafdo Jesus su- bitamente e sem aviso, os discipulos podiam ter concluido que Jesus nao era tudo 0 que ele dizia ser; de outro modo teria sabido que Judas era assim e nunca 0 teria escolhido. Entao Jesus disse: “... eu conheco aqueles que escolhi; é, antes, para que se cumpra a Escritura: Aquele que come do meu pao levantou contra mim seu calcanhar. Desde ja vos digo, antes que acontega, para que, quando acontecer, creiais que Eu Sou” (v.18). Jesus queria se certificar de que eles nao o imaginariam surpreso com o que Judas estava para fazer. Portanto, ele efetivamente lhes disse: “Eu sei que escolhi Judas. Eu fiz isso, mas nao por acidente, nem em desconhecimento, mas para que as Escrituras pudes- sem ser cumpridas”. Ele escolheu Judas porque Judas era necessério para causar a sua morte, por sua vez necessaria para que ele efetuasse a redencao. Como estamos a ponto de ver, a profecia era clara que um amigo chegado trairia Cristo. Porque Jesus escolheu Judas entao? Ele o escolheu para cumprir a profecia — nao somente a profecia especificamente sobre Judas, mas tam- bém as profecias sobre a morte do préprio Cristo. Alguém teria de fazer essas coisas acontecerem e Judas estava mais Desmascarando 0 Traidor 33 do que pronto. Deus usou a ira de Judas para o seu louvor e trouxe a salvacéo por meio de seu ato. Judas quis fazer para o mal, mas Deus 0 usou para 0 bem (cf. Gn 50.20). O PLANO DE DEUS E A TRAMA DE JUDAS Judas se encaixou perfeitamente no plano soberano da redengao. A traig&o de Judas foi prevista detalhadamente no Antigo Testamento. O Salmo 41.9 diz: “Até o meu amigo intimo, em quem eu confiava, que comia do meu pao, levantou contra mim o calcanhar”. Esse salmo tem significacdo historica bem como profética. E o lamento de Davi sobre sua propria traigdo, que sofreu de seu conselheiro e amigo Aitofel em quem confiava. Davi tinha um filho voluntarioso chamado Absalao. Absalao decidiu comecar uma rebeliao, despojar 0 seu pai e tomar o trono. Aitofel virou-se contra Davi e se juntou 4 rebeliao de Absalao. O quadro de Davi e Aitofel no Salmo 41 6 cumprido em um sentido maior em Jesus e Judas. A frase “levantou seu calcanhar” retrata uma violéncia brutal -levantar o calcanhar eo colocar no pescoco da vitima. Esse é 0 retrato de Judas. Tendo ja ferido o seu inimigo, que agora esta deitado no chao, com o enorme calcanhar lhe esmaga 0 pescogo. O Salmo 55 contém outra profecia clara de Judas e sua traigéo. Imagine Jesus falando essas palavras: Com efeito, nao é inimigo que me afronta; se o fosse, eu o suportaria; nem é 0 que me odeia quem se exalta contra mim, pois dele eu me esconderia; mas és tu, homem meu igual, meu companheiro e meu intimo amigo. Juntos andé- vamos, juntos nos entretinhamos e famos coma multidao a Casa de Deus. ... Tal homem estendeu as maos contra os que tinham paz com ele; corrompeu a sua alianga. A sua boca era mais macia que a manteiga, porém no coragao havia guerra; as suas palavras eram mais brandas que o azeite; contudo, eram espadas desembainhadas (vs. 12-14,20,21).

También podría gustarte