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wr MOISES, Montnnd, HPurenansinnnes Lan ——— AM der trode. Lad: S89 “Poulet 38H, HUMANISMO be A época do Humanismo inicia-se em 1418, quando D. Duarte * nomeia Ferndo Lopes para as funcdes de GuardaMor da Térre do Tombo, ¢ termina em 1527, quando S4 de Miranda, retornan- do da Itélia, enceta em Portugal a campanha em prol da cul- tura cléssica. No seu decurso, em que se opera a implantagio das idéias humanisticas, cultivam-se a historiografia, a prosa doutrindria, a poesia, o teatro e a novela de cavalaria (Amadis de Gaula), A Historiografia A atividade historiogréfica, que na época do Trovadorismo nfo passara’da fase embrioné- tia e improvisada, entra agora em sua fase madura, gragas es- pecialmente a Fernao Lopes, seguido de Gomes Eanes'de Azurara e Rui de Pina. Ferwio Loves Pouco se conhece de sua biografia. Como vimos, em 1418 D. Duarte nomeia-o Guarda-Mor da Térre do Tombo, ¢ em 1434 38 ro, oleh wre 1930, P incumbeo de escrever a crénica dos reis da primeira dinastia, Faleceu depoi De suas obras, apenas trés nos resta: ram: Cronica d'ELRei D. Pedro, Cronica’ d’ELRei D. Fernando e Cronica d'EtRei D. Joao I (até 1411). CRONICA DE D. PEDRO Fitho de Afonso IV, D. Pedro I reinou entre 1357 ¢ 1367. Aos vinte anos, casou-se com D. Constanca, filha do Infante Joio Manuel, regente de Castela, Entre as damas de companhia de D. Constanga contavase Inés de Castro, filha do fidalgo galego Pedro Fernandes de Castro, da qual D. Pedro logo se apaixonou. ‘Mas seu pai, que entdo reinava, interpés-se. Com o falecimento de D. Constanga em 1345, os enamorados ‘passaram a entreter livremente os seus améres. Todavia, o rei se deixa convencer or seus conselheiros, a permitir o assassinio de Inés, que se consumou a7 de janeiro de 1355. Enfurecido de dor e de indigna- ‘sG0, D. Pedro, quando jé erguido ao trono, conseguindo aprisionar 0s matadores de Inés, ordenou que morressem com tal sadismo que éle acabou merecendo os epitetos de “O Cruel” e“O Justiceiro”. ‘Nem por isso amainaram as saudades de Inés: totturado pela auséncia, passava noites © noites de horrores e pressentimentos, de que se julgava livrar saindo s ruas para dangar e confrater: nizar com 0 # precisamente uma cena como essa que se vai ler a segui Em tés cousas, assinadamente, achamos, pela mor parte, que d Pedro de Portugal gastava seu tempo. A. saber: em fazer justiga e desembargos do Reino; em monte ¢ caca, de que era mui querengoso; ¢ em dangas e festas segundo aquéle tempo, em que’ tomava grande sabor, que adur € agora para ser crido, E estas dancas eram a som de umas longas que entio usavam, sem curando de outro instrumento, pésto que 0 af hou- vesse; ¢ se alguma vez lho queriam tanger, logo se enfadava déle € dizia que o dessem a0 demo, € que Ihe chamassem os trombeiros. Ora deixemos os jogos ¢ festas que cl-Rei ordenava por de- senfadamento, nas quais, de dia e de noite, andava dangando por mui grande espaco; mas véde se era bem saboroso jogo. Vinha el-Rei em batéis de Almada para Lisboa, e salam-no a receber 08 cidadios, e todos os dos mesteres, com dangas ¢ trebelhos, se- gundo entio usavam, ¢ éle sala dos batéis, ¢ metia-se na danca com éles, ¢ assim ia até 0 pao. Paral mentes se foi bom sabor! jazia el-Rei em Lisboa uma noite na cama, ¢ no Ihe vinha sono para dormir, E féz le- » vantar os mogos, ¢ quantos dormiam no pago; ¢ mandou cha- mar Joio Mateus ¢ Lourengo Palos, que trouxessem os trombas de prata, E féz acender tochas, e meteu-se pela vila em danga com 0s outros. ‘As gentes, que dormiam, safam as janelas, a ver que festa era aquela, ou por que se fazia; e quando viram daquela guisa i, tomaram prazer de o ver assim ledo. E andou el-Rei ‘gr parte da noite, e tornou-se ao pago em danga, € pe- iaho e fruta, € langou-se a don E nfo curando mais falar de tai as div jogos: ordenou el-Rei de fazer conde ¢ armar cavaleiro Joio Afonso ‘Telo, irmio de Mar- tim Afonso Telo, ¢ féz-lhe a mor honra, em sua festa, que até aquéle tempo fra visto que rei nenhum fizesse a seme- Thante pessoa; pois el-Rei mandou lavrar seiscentas arrbbas de cra, de que fizeram ci jos e tochas; ¢ vieram do térmo de Lisboa, onde estava, cinco mil homens das vintenas para terem os .. E quando o conde hou- ve de velar suas armas, no mosteiro de S. Domingos dessa ci- dade, ordenou el-Rei' que desde aquéle mostciro até os seus pasos auc, € assaz grande capac, exiveniem quedos aquéles jomens todos, cada um com seu cirio aceso, que davam todos mui grande lume; ¢ el-Rei, com muitos fidalgos ¢ cavaleiros, andava por entre éles, dancando e tomando sabor. E assim despenderam gra parte da noite, Em outro dia, estavam mui grandes tendas armadas no Rossio, acérca daquele mosteiro, em que havia grandes montes de pio cozido, e assaz de tinas cheias de vinho, e logo prestes por que bebessem. E fora estavam ao fogo vacas inteiras em espetos a assar, e quantos comer queriam daquela vianda, ti- nham-na muito prestes, e a nenhum nio era vedada. E assim estiveram sempre, enquanto durou a festa, na qual foram armados outros cavaleiros, cujos nomes nfo curamos di- (Cronicas de D. Pedro e Bor Agostinho de Camp ertrand, 1921, cap. * assinadamente = notadamente; monte = caca 58; querencoso = apreciador; adur = apent Iongas; mesteres = offi se fot bom sabor = det tenas = de cada © rel; terem = trazerem. ‘a atengio se vos agra‘ ite homens destacava-se um pera servir Esta passagem,’ das mais sugestivas de quantas oferecem igualmente psicol6gica, visto que Ihe estA preo- cupando a sondagem do interior do monarca, ainda que s6 do i istas e descontroladas manifesta: -giocéntrico, Ferndo Lopes recer 0 povo no palco dos acontecimentos, lado rei, duma forma tal que os plebeus “tomaram prazer de o ver Jedo”. 3) © historiador descreve as cenas como se as lismo dinamico que semelha 0 movimento de uma cimara cinematogréfica surpreendendo os pormenores m: flagrantes da personagem central, por fora .e por dent -seia um visualismo ao mesmo tempo cenogréfico psi 4) Atente-se para a humanidade que Fernio Lopes itoso rei, denotadora duma sincera compreenséo do seu profundo drama e de seu irremedivel tormento: nem por se tratar de um monarca o cronista foge ue encarélo antes de tudo como homem. 5) Vejamosshe o estilo ¢ a estrutura narra: por heranca da novela da cavalaria e mercé do talento de fino prosador que posstia Fernéo Lopes, o estilo caminha com uma naturalidade e um vigor realmente *modernos", pré- prios de um ficcionista, corroborados pela andamento das cenas, obediente a um tipico ritmo novelesco; alguns arcafsmos, como “trebelho" ¢ outros, cooperam para conceder ao trecho um sopro de narraco viva e espontdinea, quase se diria coloquial. 6) Esse estilo ficcional, porém, nfo empana, pelo contrério, emoldura, a propensto inata do visse, num vi ista para aterse & verdade histérica com base no documents, a qual se pater no referido trecho, tudo com uma serenidade que assinala um historiador seguro no seu método ¢ infenso a quaisquer extremismos ou paixdes desnorteantes, CRONICA DE D. JOAO I D. Jofo I, filho bastardo de D. Pedro I, que o elevou a Mes- tre de Avis com apenas sete anos, ascendeu ao trono por meio duma revolugio popular, em 13835, Antes disso, reinava o seu meio- irmfo, D. Fernando: casado com Leonor Teles, espanhola de a nascimento, em pouco tempo a perigosa influéncia de Castela se fez notar, sobretudo por causa dos améres ilfcitos entre a ra nha e um seu compairiota, o Conde Joo Fernandes de Andeiro. Inconformado com a situagéo, 0 povo insurgese contra o trono, comandado pelo Mestre de Avis. Este, vitoriosa a sublevacdo, é aclamado rei (641385) e d4 inicio & dinastia de Avis e a um reinado de proficuas realizag6es, acima de tudo culturais, O trecho selecionado corresponde a um dos momentos mais dramé- ticos da revolta, quando o Mestre de Avis assassina o amante de Leonor Tel Em outro dia pela manha partiu o. Mestre daquela aldeia uu dormira, ¢ comegou de andar seu caminho, sem triganga al- guma desacostumada; e no caminho dizem que descobriu o Mestre esta cousa a alguns seus, convém a saber: 20 Comenda- dor de Jerumenha, ¢ a Fernando Alvares, e a Lourengo Mar- tins de Leiria, e 2 Vasco Lourengo que depois foi Meirinho, ¢ a Lopo Vasques que depois foi Comendador mor, e a Rui Pe- reira que o foi receber. E disse a um dé —Ide-vos diante quanto puderdes e dixei a Alvaro Paes que se faca prestes, ca eu vou por fazer aquilo que dle sabe. © Escudeiro andou a pressa e deuthe 0 recado ¢ tornov-se pera o Mestre de onde vinha. E éle wazia uma cota vestida ¢ até vinte consigo com cotas e bracais e espadas cintas como ho- mens caminheiras; ¢ chegou a0 Pago a hora de térca ou pouco mais, sem deter porém em outra parte. E quando descavalgou ¢ ‘comecaram de subir acima, disseram uns aos outros mui manso: — Séde todos prestes, ca 0 Mestre quer matar 0 Conde Joo Fernandes. ‘A rainha estava em sua clmara e donas algumas assentadas no estrado, ¢ 0 Conde de Barcelos seu irmio, ¢ 0 Conde Dom Alvaro Peres, Fernando Afonso de Samora, e Vasco Peres de Cathdes ¢ outros, estavam em um banco; e © Conde Joo Fer- nandes que diante estava em cabeceira déles, estava entio ante cla © comecava de the falar passamente. E em Ihe sendo assim falando, bateram 3 porta, ¢ o porteiro como entrou o Mestre, quis cerrar a porta por néo entrar nenhum dos seus, ¢ disse que 0 Perguntaria & Rainha, nao por déles haver nenhuma suspeita, mas porque a Rainha estava com dé, ¢ nio era costume de ne- nhum entrar, salvo ésses senhores, sem Iho primeiro fazer sa- ber, E o Mestre respondeu ao porteiro: = Que as tu assim de dizer? 2 ae ales eu passamente contra onde estava a Rai ela se levantou, ¢ todolos outros que eram presentes. E depois que o Mestre {¢z reveréncia & Rainha e mesura a todos, € les a éle recebimento, disse a Rainha que se assentas- sem, ¢ falou ao Mestre dizendo: —E pois, irmao que é ito a que tornastes de vosso ca- minho? — Tornei, Senhora, disse Ble, porque me pareceu que nio ia desembargado como cumpria. Vés me ordenastes que tivesse cargo da comarca de Entre Tejo ¢ Odiana, se por ventura el-Rei de Castela quisesse vir ao reino e quebrar os trautos entre v6s e éles; € porque aquela fronteira é grossa de gentes € gran- des senhores, assim como do Mestre de Santiago, e do Mestre de Aleéntara e doutros e bons fidalgos; ¢ aguéles que vés assi- nastes pera a guardarem comigo, me parecem poucos; por ende tomnei pera me dardes mais vaslos, pera voi eu poder servir, segundo cumpre a minha honra e vosso servigo. ‘A Rainha disse que era mui bem, ¢ mandou logo chamar Joio Gongalves seu Escrivéo da Puridade, que visse 0 livro dos vassalos daquela comarca, e que Ihe desse quantos € quais 0 Mestre requeresse, ¢ que fésse logo desembargado de todo. Joao Gongalves foi chamado & pressa e foi-se assentar com seus e crivaes a prover os livros pera desembargar o Mestre. Nisto comesaram de o convidar os Condes cada um per sis « isso mesmo 0 Conde Joao Fernandes se aficava mais que co- messe com éle que os outros. O Mestre nio quis tomar convite de nenhum, escusando-se per suas palavras, dizendo que jé. tinha prestes de comer que mandata fazer ao seu Vedor; porém dizem que disse mui escusamente 20 Conde de Barcclos que 0 nao sentiu nenhum: — Conde, i-vos daqui, ca eu quero matar 0 Conde Joto Fernandes. E que éle respondeu que se néo iria, mas estaria af com éle pera o ajudar. — Nio sejais, disse 0 Mestre, mas rogo-vos todavia que vos vades dagui, me aguardeis pera o jantar; ca eu Deus querendo tanto que isto fér feito, logo irei comer convosco. ‘A ventura por melhor azar a morte do Conde Joio Fer- andes, comegou de lhe fazer recear a vida do Mestre; per tal guisa que Ihe pds em vontade, que mandasse a todolos seus B que se f6ssem armar ¢ se viessem pera tle; ¢ de qualquer jeito que foi, partiram-se os seus todos do Pago, assim fidalgos que © acompanhavam como os outros, ¢ foram-se armar pera se vi- rem per le; ¢ esta foi a razi0 por que éle ficou s6 de todos éles, ¢ nenhum estava ai quando morreu. ‘A rainha isso mesmo pbs femenga nos dos Mestres; ¢ ven- do-os todos armados, no lhe prougue em seu coracio, e disse falando contra todos: — Santa Maria vall como os Ingléses hao mui bom cos- tume, que quando sto no tempo da paz, nao trazem armas, nem curam de andar armados, mas boas roupas ¢ luvas nas mios como donzelas; e quando sio na guerra, entdo costumarm as armas ¢ usam delas como todo 0 mundo sabe. — Senhora, disse 0 Mestre, é mui grande verdade. Mas isso fazem dles porque hio mui amidde guerras, e poucas vézes pas, ¢ podem-no mui bem fazer; mas ands € polo. contrério, ca havemos mui amidde pax e poucas vézes guerra; ¢ se nO tempo da pax néo usarmos as armas, quando vietse a guerra nio as poderiamos suportar. E falando em isto e em outras cousas, chegavam-se as ho- ras do comer, e despediu-se 0 Conde de Barcelos, e desi os ou- tros, ca os mais déles dava a vontade aquilo que se depois féz. Ficando assim o Conde Joao Fernandes, gastava-selhe o corasio, ¢ tornou a dizer a0 Mestre: ~ Senhor, vés todavia comereis comigo. — Nao comerci, disse 0 Mestre, ca tenho feito de comer. — Se comerdes, disse tle, e enquanto v6s falais, irei ew man- dar fazer prestes. — Nao vades, disse o Mestre, ca vos hei de falar uma cousa antes que me v6, ¢ logo me quero ir, que j6 & horas de comer. Entio se despediu da Rainha, ¢ tomou o Conde pela mao ¢ sairam ambos da clmara a uma grande casa que era diante, € 0s do Mestre todos com éle, ¢ Rui Pereira e Lourengo Mar- tins mais actrea, E chegando-se 0 Mestre com 0 Cénde acérea de uma fresta, sentiram os seus que o Mestre Ihe co- megava de falar passo, ¢ estiveram todos quedos Eas pala- vras foram entre les tio poucas € tio baixo ditas, que ne- um por entio entendeu quais eram; porém afirmam que foram desta guisa, —Conde, eu me maravilho muito de vés serdes homem a que eu bem queria, ¢ trabathardes vb: de minha desonra ¢ morte, ca — Eu, senhor! disse tle, quem vos tal cousa disse, men- tiu-vos mui grande mentira. © Mestre que mais vontade tinha de o matar que de-estar com @le em razées, tirou logo um cutelo comprido, ¢ enviou- lhe um golpe A cabeca; porém nfo foj a ferida tamanha que dela morrera, se mais ‘nao houvera, Os outros que estavam de arredor, quando viram isto, langaram logo as espadas fora pera Ihe dar, © @le movendo pera se colhér A cimara da Rainha com aquela ferida, e Rui Pereira que era mais actrca, meteu tum estoque de armas per le de que logo caiu em terra morto. s outros quiseram-lhe dar: mais feridas, ¢ 0 Mestre dis se que estivessem quedos, ¢ nenhum foi ousado de the dar; e mandou logo Fernando Alvares ¢ Lourengo Martins que f€ssem cerrar as portas que nao entrasse nenhum, e disses- sem a0 seu pajem que fOsse a pressa pela vila bradando que matavam o Mestre, e éles fizeram-no assim. E era 0 Mestre quando matou 0 Conde, em idade de vinte ¢ cinco anos e andava em vinte ¢ seis; e foi morto seis dias de dezembro, era jé escrita de quatrocentos ¢ vinte ¢ um. (Cronica de D. Joao I, or _Anténio . ps Sérgio, 2 vols... Porto, Liv. Civilizacio, 1945, vol. I, cap. IX, pp. 19:22). Como se vé, confirmam-se as caracteristicas da passagem anterior, algumas se intensificam e outras se acrescentam: de um lado, a estrutura novelesca da historiografia de Fernio Lo prosa de ficcio; de outro, o dramatismo da cena, pésto em re- Tévo por essa mesma estrutura ficcional, em que o diélogo, de homem audacioso, intemerato, astucioso, dotado duma ina- + u = onde; triganca = pressa; que s¢ Jaca prestes = que se pre- ere; ca = porque; passamente = vagarosamente; de guisa = de trautos = tratos, tratados; assinastes = deslgnastes; ende caficava = telmava; mandasse = mandasse dizer; femen- sngio; contra todos = para todos; prougue = agradou; val = valha (como na expressio “Valha-me Deus"); dest = de- pols; vontade = pressentimento; todavia = sempre, complela- mente; acérea = préximo de; quedos = quietos; era 44 excrita de ‘quatrocentos ¢ vinte © um = 1983, 5 balével retidao de cardi jideranca de povos e exé nascide para a ago esportiva e @ fos: tudo se passa como se fosse a descrigao da psicologia dum herdi novelesco, pleno de forca in- tima e de poder de presenca, “vivo” enfim a frente do leitor. A descrigio do modo como o Mestre de Avis executa o Conde de Andeiro (no antepentiltimo parégrafo) impressiona por sua conciséo e precisio: Fernio Lopes possuia o sentido agugado para a economia ica e para a impressio que ela deveria causar no Animo dos leitores. Em resumo: um extraordinério cronista, iniciador da historiografia portuguésa a sério, ¢ um notdvel escritor. Gomes Eanes Nascido depois de 1410 ¢ falecido entre 1473 ¢ de Azurara i 1474, como segundo CronistaMor do Reino pro- curou continuar a obra de Fernao Lopes. Es- creven a 3" parte da Cronica de D. Joao I (ou Cronica do Tomada de Ceuta), Cronica dos Feitos de Guiné, Cronica do Infante D. Henrique (ou Livro dos Feitos do Infante), Croni- ica de D. Duarte de Meneses, Crénica de D. Fernando, Conde de VilaReal (desaparecida). CRONICA DOS FEITOS DE GUINE Como declara o titulo, esta cronica trata da emprésa de conquista da Guiné, em seguida A instalagio da Escola de Sagres, do Infante D. Henrique. Lé chegados, apés ultrapassa- rem as superstig6es em t6rno do Cabo Bojador, os nautas por- tuguéses travam seguidas batalhas contra os mouros, as quais so narradas em tddas as suas minudéncias. Mas outros pon- tos da Africa e arredores também se tornam cenério de diver- 50s cometimentos, como o Rio Nilo, as ilhas atlanticas (as Candrias, as Palmas, a Madeira), etc. Até que, por fi novas terras acabam sendo conquistadas para a Coroa portu- ‘guésa. O paso que se vai ler, contém o relato das crendices fantasias que, no creptisculo da Idade Média, desencorajavam os navegantes de intentarem contornar 0 Cabo Bojador, e corres- onde ao capitulo 8", intitulado “Por que razom nom ousavam 0s navios passar além do Cabo do Bojador”: Pésto assim o infante em aqueste movimento, segundo as razées que j4 ouvistes, comesou de aviar seus navios e gentes, gusis a necttidade do cato requri: mas tanto podeis apren- , que pero a enviasse muitas vézes, ¢ ainda homens que per experiéncia de grandes feitos, entre os outros haviam no off- 16 cio das armas avantajado nome, nunca foi algum que ousasse passar aquéle cabo do Bojador pera saber a terra de além, se- gundo o Infante desejava. E isto por dizer verdade, nem’ era fom mingua de fortaleza, nem de boa vontade, mas por a no. vidade do caso, misturado com geral e antiga fama, a qual ficava j& entre os mareantes de Espanha, quase por sucesso de geragbes. Ej seja que fOsse enganosa, porque a experitncia disto ameagava_com 0 postumeiro dano, era grande diwvida qual seria o primeiro que quisesse pér sua vida cm semelhante ventura. Como passaremos, diziam éles, os térmos que puseram nossos padres, ou que proveito pode trazer ao Infante a perdigio de nossas al tamente com os corpos, ca conhecidamente seremos homicidas de nés mesmos? Por ventura nfo foram em Espanha outros principes, nem senhores tio cobigosos desta sabe- dotia como o Infante nosso senhor? Por certo nio & de presu- mir que entre tantos € to nobres, e que tio grandes € tio altos feitos fizeram por honra de sua meméria, nio fora algum que se dello néo atremetera. Mas sendo manifestos do perigo, ¢ fora da esperanga da honra nem proveito, cessaram de 0 fazer. Isto € claro, diziam os mareantes, que depois déste cabo nio hé i te nem povoacio algumas a terra nio € menos arcosa que os sertos de Libia, onde nfo h4 4gua, nem Srvore, nem erva ver- de; ¢ 0 mar € to baixo, que a uma légua de terra nio hé de fundo mais que uma braga, As correntes sio tamanhas, que navio que Id passe, jamais nunca poderd tornar. E portanto os nnosids antecessores nunca se entremeteram de o passar. E por certo nfo foi a ales o seu conhecimento de pequena escuridéo, quando © néo souberam assentar nas cartas, por que se Tegem todolos mares, per onde gentes podem navegar, Ora qual pen- sais que havia de ser o capitio do navio, a que pusessem seme- Ihantes dtividas diante, ¢ mais per homens a que era razio de dar fé € autoridade em tais lugares, que ousasse de tomar tal atrevimento, sob to certa esperanca de morte como Ihe ante os olhos apresentavam? Ou tu virgem Témis, diz 0 autor, que entre as nove rusas do Monte Parnaso, havias especial prorro- gativa de escoldrinhar os segredos da cova de Apolo! Eu duvido s= 0 teu, temor era tio grande de pr os teus pés sSbre aquela sagrada ‘mesa, onde as revelagées divinas te davam trabalho Pouco menos de morte, quanto era em aquestes, ameacados nZo smente de médo, mas de sua sombra, cujo grande engano foi causa de mui grandes despezas, ca doze anos continuados durou © Infante em aqueste trabalho, mandando em cada ano aquela a parte seus navios, com grande gasto de suas rendas, nos quais nunca foi algum que se atrevesse de fazer aquela passagem, Bem € que éles néo se tornavam sem honra, ca por emendar o que faleciam em no cumprir perfeitamente 0 mandado de stu st- nhor, uns iam sbbre a costa de Granada, outros corriam per 0 mar de Levante, até que filhavam grossas présas de infigis, com que se tornavam honradamente pera o reino.* (Cronica dos Feitos de Guiné, Lisboa, Agen: cia Geral das Colonias, 1949,’ pp. 47-52.) A primeira observacdo que cumpre fazer, diz respeito & lin- guagem de Azurara: comparandoa com a de Fernao Lopes, per- cebe-se que houve algo como um retrocesso, pois que o estilo do segundo Cronista-Mor se caracteriza por ser pétreo, complicado, so. Numa palavra, dirseia que volveu et historiogré- ico (no sentido menor desta palavra) e ‘que perdeu a feicéo ferdria adquirida com o autor da Cronica de D. Pedro. Quais jam as causas désse empobrecimento esti falto que era de 0 que significa vante, De outro, a influéncia pronunciada dos prosadores la- tinos, cuja sintaxe procurou assimilar ¢ imitar, Bem por isso, a presenca de elementos clissicos j4 se estadeia nftida, inclusive pelo gésto duvidoso e postico da citagéo erudita € meramente omamental, (vejase a referéncia a Témis, Monte Parnaso © ‘Apolo), e via de regra bebida em segunda mo, Ainda Ihe com- promete a visio das coisas o fato de historiar acontecimentos muito recentes, apolandose mesmo em testemunhos of bora submetendoos a rigoroso crive. Paradoxalmente, ésses depoimentos, dado 0 seu carster subjetivo e fantasista, a0 invés de estimularem as aptidées literdrias de cronista, mais the acen- tuam a auséncia de imaginacdo plastica e a sua inclinagko para ia predominantemente descritiva, Salva, po- do a crOnica dos descobrimentos, er longa carreira nas décadas , que tais restrigdes se atentam de Ceuta, com uma ufania que viri seguintes. Observe-se, por no caso da Cronica da Tom aviar = preparar; pero = psto at ‘atremetera = arriscar: apossavam-se de. ‘ico? De um lado, . Rui de Pina Quarto Crénista-Mor do Reino, viveu entre 1440 € 1522. Das nove crénicas que escreveu (Sancho I, Afonso I, Sancho II, Afonso IH, D. Dinis, Afonso IV, D. Duarte, ‘Afonso Ve D. Jodo II), sdmente a derradeira parte da ante- pentiltima e a tiltima Ihe’pertencem: as demais seriam refun- digo de-obra alheia, inclusive de Fernio Lopes. CRONICA DE D. JOAO II D. Jofo I, filho de Afonso V, reinou entre 1481 ¢.1495. De- nominado 0 “Principe Perfeito”, déle conta Rui de Pina que, sur bido ao trono com 26 anos (nasceu em 1455 ¢ faleceu em tratou logo de consolidar o poder régio em suas mfos ¢ wt as questées internas, sobretudo no que toca as finan cas. A seguir, cuidou de estimular a emprésa dos descobrimen- tos em Africa. © trecho que se transcreve, foi extrafdo do pe- niltimo capitulo da crénica intitulado “Feigdes, virtudes, cos- tumes e manhas d’ElRei D. Joio", e parece resumir, pelo re trato do, monarca, 0 que havia sido'o seu reinado: Foi el-Rei D. Joio homem de corpo, mais grande que pe- queno, mui bem feito, e em todos seus membros mui proporcio- nado; teve o rosto mais comprido, que redondo, e de barba em boa conveniéncia povoado. ‘Teve os cabelos da cabega castanhos, € corredios; e porém em idade de trinta ¢ sete anos, na cabesa, ¢ na barba era jé mui cio, de que mostrava rece! tentamento, pola muita autoridade que a sua suas cis acrescentavam: ¢ 0s olhos de_perfeita mostrava nos brancos déles uma veias, e mégoas de sangue, com que nas cousas de sanha, quando era dela tocado, The fa- ziam 0 aspecto mui E porém nas cousas de hon prazer, ¢ gasalhado, mui alegre, e de mui real, ¢ excelente graga: © nariz. teve um pouco comprido, ¢ derribado algum tanto sem fealdade. Era em todo mui alvo, em boa mancira, E até idade de das carnes, e de} i ravilhoso engenho, ¢ subida agudeza, co pera t6da- las cousas; ea confianga grande que di muitas vézes Ihe fazia confiar mais de seu saber, e creio conselhos de outrem menos do que devia. Foi de mui viva, ¢ esperta meméria, e teve 0 jutzo claro, ¢ profundo: e porém suas sentengas, ¢ falas que in- ventava, e’dizia, tinham sempre na invengio mais de verdade, 9 agudeza, ¢ autoridade, que de dogura, nem elegincia nas pa- lavras, cuja pronunciagao foi vagarosa, entoada algum tanto pe- los narizes, que Ihe tirava alguma graga. Fi de mui alto, esforgado © sofrido coragio, que Ihe fazia suspirar por grandes, ¢ estranhas emprésas; polo qual conquanto seu corpo pessoalmente em seus reinos’andasse polos bem reger como fazia, porém seu espirito sempre andava fora déles, com de- sejo de os acrescentar. Foi principe mui justo, € mui amigo nat executes dela mais rigors, e aevero, Gee nunca tirou de sua prépria seeda, por assentar nela sua von- tade, nem apetites; porque as Ieis que a seus vassalos condena- vam, nunca quis que a si mesmo absolvessem; ca sendo senhor das ies, © facia logo’ servo delas, pois Ihe primeiro. obedeoa, E porém de sua condigio com pena, e dificuldade entendia nas petigdes, e despachos das partes, o que pareceu ser em seu tem- Po com muito bem de seus reinos, vassalos; porque com: isso dava causa, cessarem entre dles demandas, e grandes litigios, € inci ie desordenados, e cobicosos requerimentos, pera idade do despacho muitas vézes convida; porque aquilo, que nos homens cobica, e perfia despertavam pera requererem, igarem, a tardanca do despacho que esperavam, Iho fazia com paciente assosségo © honesto contentamento feprimir, € es- usar, Foi o principe de seu tempo mais privado de privados, e no devidos familiares, de que se esperasse, que contra razio, honesti- dade, e justiga, e com quebra de sua honra, estima, ¢ estado se go- vernasse, ¢ regesse; porque como mui perfeito rei, assim ordenou sua vida, € neste passo tio livre de reprensio, que sendo senhor de senhores nunca quis ser, nem parecer servo dos servidores: disto_principalmente procedia, que em sua vida foi havido por s&o de condigao, e no humano, nem pareceu em vivendo de todos assim amado, ¢ estimado, como o foi depois de sua morte. Mas éste névo, tao grande, ¢ tio geral amor, que a éle, ¢ a sua meméria per todos depois sobreveio, nfo nasceu tanto dos mere- cimentos de seu corpo, em que houve muitos, e de grande lou- vor, como da gloriosa salvacéo, e bem-aventuranga de sua alma, a que éste privilégio de graca +6 Deus por sua misericérdia de- pois de sua morte quis conceder. Foi principe sObre todos em suas determinagSes to constante, ¢ nas palavras tio verdadeiro, que em sua sé palavra, quando a dava, iam os homens mais 50 contentes, ¢ seguros, do que poderiam ir nos assinados, ¢ sé-los de muitos. Foi rei de tio grande, e tio geral nobreza, sem mégoa, nem vicio de prédigo, que nunca péde, nem soube dar pouco, nem a poucos, mas muito, ¢ a muitos. [...]* (Cronica d’El Rei- D. Joao Il, pref. e notas de A. M. de Carvalho, Coimbra, Atlantida, 1950, cap. LXXXII, pp. 202-204.) Observese que 1) 0 estilo de Rui de Pina difere do de seus antecessores na medida em que se caracteriza por fluéncia, so- briedade e espontaneidade, apesar de tender para os_periodos Jongos, fruto de o cronista ressentirse, mais do que Azurara, do impacto classico sobre a sua formagio; note-se como 0 ta do pensamento, numa l6gi dor procura a ordem ples, metédica, act ponto de vista historiog as fraquezas, o que denotaria um recri ‘© seu mecenas, D. Manuel, primo e cunhado de D. Joio I; as sim, compromete-se a verdade hist6rica © acentuase a impressio de pouco honesto que cerca Rui de Pina desde o século XVI; 3) © cronista semelha acariciar ia de fazer histéria moral, ou pagem de doutrinador, como se pode I do primeiro parégrafo; e quando o faz, o seu estilo ganha de obscuro; na verdade, éle j4 transpirava o cli ta que se adensava desde 0 luscofusco do século XV;_ mais do que Azurara, sua historiografia é descritiva, narrativa, Tinear e isenta de dramaticidade. Prosa Doutrindria Durante a vigéncia do Humanismo, entrou a desenvolverse a prosa doutrinéria, vol tada para a formagio integral do Homem, sobretudo o perten- cente a fidalguia, em razio de serem reis e aristocratas os seus autores (D. Jogo I, D, Duarte, D. Pedro, o Regente, Péro Menino), e de a educago ser ento privilégio das classes abastadas. D. Duarte Filho de D. Jofo I, nasceu em 1391 € faleceu em 1438, e subiu ao trono em 1433, A éle se devem os fatos que propiciaram a Fernio Lopes criar sua notavel obra historiogréfica, Escreveu 0 Leal Consetheiro e 0 Livro da Ensi nanga de Bem Cavalgar Téda Sela. * cio = grisatho, com eabelos brancos; seeda = cadeira, lugar; ca = porque. st — LEAL CONSELHEIRO Redigida entre 1437 ¢ 1438, esta obra sdmente foi dada a piiblico em 1842. Dividida em ‘cento e trés capitulos, consiste numa espécie de tratado moral para a edificaco da aristocracia, girando em térmo de temas fundamentais, como 0 entendimento, a meméria, a vontade, 0 siso, a soberba, a vangléria, a inveja, fa samha, a avareza, a gula, a caridade, 0 amor, a prudéncia, etc. A doutrina moral de D. Duarte se resume em fazer a apologia das virtudes e a admoestagio dos pecados. Dentre os varios t6- picos de que se compde a obra, escolheuse o referente & sai dade, que integra 0 capitulo XXV: E a saudade nfo descende de cada uma destas partes, mas um sentido do coracao que vem da sensualidade, e nio da razio, e faz sentir 3s vézes os sentidos da tristeza ¢ do E outros is cousas que a homem praz que sejam, e alguns ibranga que traz prazer e nao pena. E em casos certos se mistura com tao grande nojo, que faz ficar em tristeza. E pera entender isto, nio cumpre ler’ per outros livros, ca pou- cos acharéo que déle falem, mas cada um vendo 0 que excrevo, consiire seu coragio no que jé per feitos desvairados tem sen- tido, e pudera ver ¢ julgar se falo certo. Pera maior declaragio ponho disto exemplos. Se alguma pessoa por meu servigo ¢ mandado de mim se parte, e dela sin- to saudade, certo € que de tal partida no hei sanha, nojo, pe- sar, desprazer nem aborrecimento, ca praz-me de set, e pesar- -me-ia se nio fOsse. E por se partir algumas vézes vem tal saudade, que faz chorar e suspirar, como se f6sse de nojo, E porém me parece @te nome de saudade tio préprio, que 0 La- tim nem outra linguagem que eu saiba nio é pera tal sentido se- melhante. De se haver algumas vézes com prazer, € outras com nojo ou tristeza, isto se faz, segundo me parece, por quanta saudade prdpriamente he sentido que o coragio ‘filha por se achar partido da presenca de alguma pessoa, ou pessoas que muito per afeigo ama, ou o espera cedo de ser. E isso medés ddos tempos e lugares em que per deleitagio muito folgou. Digo afeigao ¢ deleitacéo, por que séo sentimentos que ao coracfo pertencem, donde verdadeiramente nasce a saudade mais que da razio nem do siso. E quando nos vem alguma lembranga dalgum tempo em que muito folgamos, nao geral, mas que traga rijo sentido, e por conhecermos o estado em que somos 52 ser tanto melhor, no desejamos tornar a éle por leixar o que possuimos, tal lembramento nos faz, prazet. Ea mingua do de- scjo per julzo determinado da razio nos tira tanto aquéle sen- tido, que faz a saudade, que mais sentimos a folganga por nos Iembrar © que passamos, que a pena da mingua de tempo ou pessoa, E aquesta saudade € sentida com prazer mais que com ojo nem tristeza. Quando aquela lembranga faz sentir grande desejo, outor- gado per t8da maior parte da razio, de tornar a tal estado ou conversacéo, com esta saudade vem nojo ou tristeza mais que prazer. E por que sobre eta lembranga que tan saudade mu tos incorrem em pecado, tristeza e desordenanga da. vontade, Iembrando-lhes por vista de homens ¢ mulheres casadas, canti- gas, cheiros, ou per saltamento doutras falas ¢ cuidados algu- mas pessoas com que houveram algumas folgangas quais néo deviam, ou puderam compridamente haver como destjavam, ¢ o leixavam de fazer, e por ello Ihes vem desejo de tornar a tal estado ¢ conversagio, no havendo reprendimento do mal que fi- zeram, mas hio desprazer do que néo cumpriram, éstes provei- tosos avisamentos pensei declarar da boa mancira que devemos ter em tal caso.* (Leal Consetheiro, ed. crit. e an. por Joseph M. Piel, Lisboa, Bertrand, 1942, pp. 94-96). Com esta pégina, em que revela um agudo senso das max zelas morais que acometem o homem, D. Duarte realiza pela primeira vez a anélise psicolégica do complexo sentimento da saudade. Que éle existia antes, desde o despontar da poesia trovadoresca, provowo & saciedade Carolina Michatlis de Vascon- © sensualidade = sensibilidade, sensacio; nojo = sofrimento; ho: mem = a gente; casor certos’ = certos casos; ca = pols; consitre = ‘considere; feitos desvairados = circunstincias diversas; ca praz-me de ser = pois me agrada de haver-me separado; por = por isso; espera cedo de ser = espera de cedo separar-se; medés = mesmo (ou seje: a soudade viria do afastamento dos Jugares e tempos em que a pessoa fol feliz); sito = julzo; ‘do geral, mas que traga rijo sentido = nfo vaga, mas deter- ‘mingua = diminulgfo; desordenanga = ‘perturbagéo; saltamento = associago; ello = isso; reprendimento = arrepen- ento, remorso; proveitosos avisamentos = D. Duarte tece, seguls, consideracées acérca de como vencer 0 apélo da saudade mérbida por meio do exercfclo da vontade. 3 cclos (A Saudade Portuguése, 2* ed. rev. € acrese., Pérto/Lis- Renascenga Portuguésa/Seara Nova/Anué- ‘mas o primeiro que empreendeu 0 seu exame foi D. Duarte.’ E félo, como declara no primeiro paré- no “per outros livros”, ou seja, baseouse na propria duzivel a palavra “saudade” para qualquer outra lingua, ao afir- mar “que o Latim nem outra linguagem que eu saiba nio ¢ pera tal sentido semelhante”, Observese que o escritor dis- praz que sejam”. fidalgo, esquadrinhou a esséncia désse sen lavra "sensualidade”, dum tal modo que acabou equacionando antinom glosadas por poetas de vérias tendéncias e fe fundamentou na experiéncia, suas palavras ad talidade ¢ uma di serva ainda hoje Como se A Poesia A poesia na época do Humanismo desligase do for- ‘malismo trovadoresco gracas ao divércio havido entre 6 ilancete) ¢ novos temas’ Cnthocnee grecolatina e italiana). Encontrase compendiada nO Cancioneiro Geral, organizado por Garcia de Resende e vindo a lume em 1516, Garcia de Resende Nasceu em toro de 1470 ¢ faleceu em 1536. Favorecido por sucessivos monarcas (D. Joio II, D. Manuel e D. Joao III) mercé de seus varios dotes pessoais € artisticos, além do privilégio de compiler 0 Cancio neiro Geral, escrevé selanea (1554), longo poema composto em trezentas e onze décimas, e Vida e Feitos de D. Jodo II (1545), amas as obras de menor interésse que sta colaboragiio nO Can- cioneiro Geral, da qual se ressaltam suas TROVAS A MORTE DE D. INES’ DE CASTRO Senhoras, se algum senhor vos quiser bem ou servir, quem tomar tal servidor eu the quero descobrir © galardio do amor. Por Sua Merct saber © que deve. de fazer, ojo que féz esta dama, que de si vos daré fama, se estas trovas quereis ler, Fala D. Inés: Qual seré 0 cora to cru, e sem pieda que lhe no cause paixio ! Uma tam gra crueldade ¢ morte téo sem razio? ‘Triste de mim, inocente, que por ter muito fervente lealdade, £, amor, 20 principe meu senhor, me mataram cruamente! ‘A minha desaventura, no contente de acabar-me, por me dar maior tri me foi por em tanta altura, para d'alto derribar-1 chamas nfo ardera, pai, filhos, nao conhecera, nem me chorara ninguém. Eu era méca, menina, por nome dona Inés de Castro, ¢ de tal doutrina e virtudes, que era dina de meu mal ser 20 revés. Vivia sem me lembrar que paixdo podia dar nem déla ninguém a mim: foi-me 0 olhar por seu nojo e minha fim! 35 56 Comegou-me a desejar, trabalhou por me servir, fortuna foi ordenar dous coragées conformar iia vontade vir. Conheceu-me, conheci-o, quis-me bem, ¢ eu a él perdeu-me, também unca até i morte foi co bem que, triste, pus néle. nfo senti perda de fama; pus néle minha verdade, guis fazer sua vontade, sendo mui fremosa dama, Por me estas obras pagar, nunca jamais quis casar; polo qual, aconselhado Rei, que era forgado, polo seu, de me matar. Estava mui acatada, como princesa servida, ‘em meus pagos mui honrada, de tudo mui abastada, de meu senhor mui querida. Estando mui de vagar, bem fora de tal cuidar, em Coimbra d'assosségo, polos campos de Mondego cavaleiros vi somar. Como as cousas que héo de ser logo di i € comigo 36 diz “Estes homens, d’onde irdo?” E tanto que perguntei soube logo que era el-Rei: quando 0 vi tio apressado, meu coracio trespassado i, que nunca mais falei. E quando vi que des. saf A porta da sala; comm gra chéro, € cortesis Ihe fiz fa triste fala. Meus filhos pus derredor de mim, com gri humildade; Nao possa mais a paixio que o que deveis fazer; | meteis nisso bem a mao, que & de fraco coragio sem porqué matar mulher. Quanto mais a mim, que dio culpa nao sendo razio, por ser mie dos inocentes que ante vés estio presentes, (08 quais vossos netos sio. E tém tio pouca idade que, se nao forem criados 86 com saudade ¢ sua gra orfandade, morreram desemparados. Othe bem quanta faré nisto Vossa Al Lembre-vos o grande amor que me vosso filho tem, ¢ que sentiré gra dor tal servidor, por the querer grande bem; que, se algum érro fizera, fora bem que padecera ¢ que éstes filhos ficaram érfaos tristes, buscaram que déles paixio houvera

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