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DICIONARIO DE TERMOS MASSAUD MOISES Copyright © 2004 Massaud Moisés. 1 edicao, 1974 Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Moisés, Massaud, 1928- Dicionério de termos literarios / Massaud Moises, — 12. ed. rev. ¢ ampl. — Sio Paulo : Cultrix, 2004 Bibliografia ISBN 85-316-0130-4 1, Literatura — Terminologia — Dicionirios 1. Titulo. 04-5394 cop-803 indices para catalogo sistematico: 1, Termos literarios : Literatura : Dicionarios 803 primeiro numero a esquerda indica a edicto, ou reedicao, desta obra. A primeira dezena a direita indica o ano em que esta edicdo, ou reedigao foi publicada. Edigao Ano 13-14-15-16-17-18-19-20 06-07-08-09-10-11-12 Direitos reservados EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA. Rua Dr. Mario Vicente, 368 ~ 04270-000 — Sao Paulo, SP Fone: 6166-9000 — Fax: 6166-9008 E-mail: pensamento@cultrix.com br httpy/www.pensamento-cultrix.com.br Nota prévia A primeira edicao deste dicionario veio a publico em meio a um processo de amplas e pro- fundas mudancas na esfera dos estudos literarios. O estruturalismo, nas suas varias facetas, 0 formalismo russo, emergente apds décadas de forcado isolamento, a retorica, ressurgindo depois de longo ostracismo, com nova roupagem, adaptada a modernidade, a disseminacao das pesquisas linguisticas, o desconstrucionismo, a semidtica, etc., desencadearam polémi- cas acesas em razao das suas propostas fecundas, embora passageiras, trazendo sélida con- tribuicdo para o equacionamento mais rigoroso ou mais pormenorizado, num compasso ajustado aos novos tempos, de antigos problemas ou conceitos. A revisio e atualizacao do livro impunha-se, por conseguinte, com o aproveitamento, na medida do possivel e respeitadas as coordenadas que presidiram a sua elaboracdo no inicio dos anos 70, das novidades sugeridas por essas tendéncias. Além disso, continuava viva a questao assinalada no prefacio a edicao de 1974, relativa ao que se deve entender por “ter- mos literdrios”. E tal como entao, parece-me que a solucao mais razoavel aponta para o mes- mo caminho trilhado na primeira edicao: acolher os vocabulos que a linguagem literdria emprega, incluindo os empréstimos, ¢ recusar os que pertencem a territérios nio-literdrios, nao obstante sejam usados por algumas das correntes mencionadas ou outras de espectfica orientacdo tedrica, como € 0 caso, por exemplo, da critica psicanalitica. Por outro lado, nao se consignam verbetes a termos facilmente encontraveis em dicionarios de lingua, ainda que presentes na linguagem literaria, ressalvada a hipotese de, em razio do seu especial interes- se, reclamarem tratamento critico endo meramente sinonimico. Abrangente, o espectro lexical envolve termos de critica e historiografia literdrias, ret6- ticos, versificatorios, etc., sem prejuizo de outros que, vindos de areas vizinhas, se tém mostrado relevantes para os estudos literérios. Casos ha em que o vocabulo podera sur- preender pelo fato de nao ser muito corriqueiro o seu emprego na area dos estudos litera- ios, como, por exemplo, “kitsch” ou “jOruri’. Ainda ha que observar que a terminologia apresentada e defendida pelas linhas criticas posteriores a Il Guerra Mundial somente foi incorporada quando se revelou encerrar uma contribui¢ao nova ou voltada para aspectos carentes de atencao especifica. Muitos dos termos entdo introduzidos nao conquistaram adesao suficiente para substituir, com vantagem, os antigos, ou nao se revelaram mais ade- quados do que eles. Nao raro, tombaram na armadilha do modismo, sem oferecer novida- de de monta, quando nao deixavam transparecer superfetacao, sem oferecer argumentos convincentes, a nao ser para aqueles que se haviam decidido a parecer atualizados por re- correrem a palavras abstrusas para designar velhos conceitos, ja identificados pela tradi- ao classica. DICIONARIO DE TERMOS LITERARIOS Enriquecido de novos verbetes, que a consulta revelou serem necessérios, e de novas in- formacdes com vistas a sua atualizagao, este vocabulario de termos literdrios pressupée que 0 leitor desejoso de alargar o conhecimento das questoes arroladas pode valer-se nao s6 das indicacoes bibliograficas contidas no corpo dos verbetes, como também das que figuram, em destaque, no seu término. Tanto umas como outras costumam trazer abundantes rele- réncias a outras fontes de consulta. Cada entrada fornece a etimologia do vocabulo e mais seus correspondentes alientgenas, quando divergem do vernaculo ou/e ostentam relevancia critica. Tais denominages apare- cem como remissiva no lugar proprio, de modo a facilitar 0 manuseio por parte do consu- lente que as tiver em mente. Quando idénticas ou semelhantes as utilizadas em portugues, dispensam-se as formas estrangeiras; entretanto, se universalmente empregadas, mantém- se na grafia original O asterisco a direita dos vocabulos funciona como sinal de remiss4o para os termos co- nexos; disposto A esquerda, serve para caracterizar as formas lingiisticas hipotéticas. Para levar a bom termo a revisdo ¢ atualizacao empreendida, foram-me de grande valia as achegas recebidas de varias pessoas, as quais gostaria de manifestaro meu mais vivo agra- decimento: Albano Martins, Benedicto Ferri de Barros, Edith Pimentel Pinto, Fausto Cunha, Fernando Cristévao, Gladstone Chaves de Melo, José Pereira da Silva, José Willemann, Li- lian Lopondo, Luis Lisanti, Maria de Pompéia Duarte Santana e Sousa, Mario Chamie, Pau- lo Bomfim, Rodolfo A. Franconi, Rogério Chociay, Sanzio de Azevedo, Valter Kehdi. E de estrita justica agradecer de modo especial a Erwin Theodor Rosenthal, pelo ines- timavel auxilio de varia ordem, e aos funcionarios da biblioteca central da Faculdade de Fi- losofia, Letras e Ciencias Humanas da Universidade de Sao Paulo, cujo empenho solicito e constante tornou menos penosa a busca de obras indispensaveis 4 nova edicao deste dicio- nario. Agradeco também aos bibliotecarios da Academia Paulista de Letras, bem como da Fa- culdade de Direito da USP e do Centro Universitario Ibero-Americano, a prestimosa ajuda. Abreviaturas e sinais convencionais abr. = abril abrev. = abreviatura, abreviagao ant. = antigo anton. = antonimo arc. = arcaico(a) arg. = argentino bras. = brasileiro(a) c. = cerca de, canto(s), cena(s) CA = Cancioneiro da Ajuda cap. = capitulo cat. = catalao CBN = Cancioneiro da Biblioteca Nacional cel. = celta CGC = Cancioneiro Gallego-Castellano cit. = citado(a) coment. = comentado(a) CSIC = Consejo Superior de Investigaciones Cientificas CV = Cancioneiro da Vaticana D. =Dom der. = derivado(a) dez. = dezembro dim. liminutivo dir. = diregio, dirigido(a) ecl. = eclesidstico ed. = edicao, editado(a), editor(a) EDUSP = Editora da Universidade de S. Paulo esp. = espanhol(a) est. = estancia(s), estrofe(s) et al. = et alii, e outros EUDEBA = Editora da Universidad de Bue- nos Aires ex. = exemplo fac. = facsimile, facsimilado FAPESP = Fundacao de Amparo a Pesquisa do Estado de S. Paulo FCE = Fondo de Cultura Econémica fem. = feminino(a) fev. = fevereiro FFCL = Faculdade de Filosofia, Citncias e Letras FGV = Fundacao Getulio Vargas fr. = francés(a) gal.-port. = galego-portugués gt. = grego ibidem = no mesmo lugar ICALP = Instituto de Cultura e Lingua Por- tuguesa idem = 0 mesmo Instituto Nacional do Livro introd. = introducao it. = italiano U = Imprensa Universitaria jan. = janeiro jap. = japones jul. = julho jun, = junho lat. = latim lib. = libraitie, library liv. = livro loc. cit. = loco citato, no lugar citado DICIONARIO DE TERMOS LITERARIOS Ministério da Educacao e Cultura medieval mexicano(a) MIT = Massachusetts Institute of Technology MLA = Modem Language Association n ola nor. = noruegues jovernbro = occitanico organizagao, organizado(a) outubro P = press P. = pagina(s) passim = referéncias em varias passagens PMLA = Publications of Modern Language Association )p. = popular portugués(a) prél. = prologo provavelmente provencal publicado(a) PUF = Presses Universitaires de France rep. = Tepresentado(a) rev. = revisto(a) rus. = russo sansc. = sanscrito sem editora sel. = selecdo sep. = separata set. = setembro s. 1. = sine loco, sem lugar de publicagao s. n. = sine nomine, sem nome de editor 5s. = seguintes subs. = substantivo, substantivado suf. = sufixo s. v. = sub voce, na palavra t. = tomo tar. = tardio trad. = tradugao U = universidade, universidad, université, university UB = Universidade de Brasilia UF = universidade federal UFF = Universidade Federal Fluminense UNICAMP = Universidade Estadual de Campinas UP = university press USP = Universidade de S. Paulo vs. = versus, contra vulg. = vulgar ABECEDARIO (ou ABECEDARIUS) ~ v. AcROs- Tico. ABUSAO - Lat. abusio, onis. v. CATACRESE. ACADEMIA — Gr. akademta, pelo lat. acade- mia. Designava na origem o local onde Pla- to, em 387 a.C., inaugurou a sua escola fi- loscfica: era um parque publico, situado nos arredores de Atenas, cujo nome derivava de ‘Academos, herdi lendario atico, que teria possuido os terrenos onde se localizava 0 re- ferido jardim, e que em certa altura os teria cedido ao povo ateniense. A academia pla- tonica manteve-se até 529 d.C. Durante a Idade Média nio se registra- ram atividades semelhantes, ressalvadas as aljamas dos muculmanos em Espanha, reu- nides de letrados, cientistas e filésofos para debater questoes de cultura. Com o Huma- nismo*, renasce o ideal das academias, mas agora com sentido novo, analogo ao das al- jamas: congracamento de intelectuais com vistas a debater assuntos filos6ficos, cienti- ficos e, sobretudo, literarios. Na ltélia, orga- nizaram-se os primeiros grupos, votados & discussio de problemas relativos ao saber dos Antigos: Chorus Academiae Florentinae (1454), Accademia Platonica (1474), Acca- demia Pontaniana (1483). Cedo, porém, a sua pomposidade gerou rebeldia e a implan- tacdo de outras academias, com titulos irre- yerentes: a dos Oziosi (1563), Insensati (1561), Fantastici (1625). Ao mesmo tem- pO, surgia uma operosa agremiacao literdria, a Accademia della Crusca (1552). O exemplo italiano logo se difundiu por toda a parte, notadamente entre os povos romanicos: na Franca, a Académie de Poésie et de Musique, em 1570, e seis anos mais tar- de, a Académie du Palais; na Espanha, a Aca- demia de los Nocturnos (1591-1593), em Portugal, a Academia dos Generosos (1649- 1668), Academia dos Singulares (1663- 1665). Aos paises nérdicos ¢ anglo-saxdes, a moda académica chegou posteriormente: a Inglaterra, em 1901 (Britsh Academy), a Irlanda, em 1786 (Royal Irish Academy), aos EUA, em 1780 (American Academy of Arts and Sciences), parcialmente dedicada as letras) € em 1904 (American Academy of Arts and Letters). No entanto, a Alemanha j& possuia, em 1617, a sua corporagao: Fruchtbringende Gesellschaft. Outros paises europeus, bem como asiaticos e sul-ameri- canos, inauguraram as sas academias, nos séculos XIX e XX. Entre nds, 0 gosto pela atividade acadé- mica data do século XVII. Por influencia das associagdes portuguesas, mas de certo modo como reptdio ao seu exclusivismo, aqui se funda, em 1724, a Academia Brastli- ca dos Esquecidos, seguida, em 1736, pela Academia dos Felizes, em 1752, pela Acade- mia dos Seletos, em 1759, pela Academia dos Renascidos, em 1768, pela presuntiva Arcd- dia Ultramarina, etc. No geral, 0 termo “academia” rotulava, até o século XVIII, todo agrupamento de escritores visando a discutir assuntos de in- teresse comum ou homenagear destacadas ACATALETICO ACMEISMO. personalidades politicas ou sociais. Podia durar um dia, um més ou anos, mas sempre tinha existéncia limitada. Os “atos académi- cos”, ou “sessies académicas”, apenas refe- riam o encontro de homens de letras nortea- dos por objetivos comuns. Atingindo-os, dispersavam-se. Carater de instituigdo séli- da e perene, a academia ganhou coma Aca- démie Francaise, iniciada por um pequeno grupo, em 1626, ¢ oficializada por Richelieu, em 1635, Dotada de quarenta membros, tor- nou-se modelo de um sem-numero de con- generes espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Em Portugal, a Academia das Cién- cias de Lisboa, fundada em 1779; entre nés, a Academia Brasileira de Letras, em 1897. Porque o ingresso nas academias pressu- poe obra realizada e, portanto, varios anos de producio intelectual, 0 vocabulo “acade- mia” e correlatos (“académico”, “academi- cismo”, etc.) tendem a adquirir sentido pe- jorativo, ou seja, denotam pose, excessivo respeito ao passado ¢ apego as convencoes. Todavia, a palavra “académico”/“académi- ca” ainda se empregaa propésito da filosofia platonica e da vida no campus universitario. ACATALETICO — \. CATALEX! A CLEF — v. ROMAN A cL SCANSAO. AGAO - Lat. actio, onis, acao, atividade, mo- vimento. Nao raro confundido com “assunto”*, “enredo”*, “historia”, “argumento"*, 0 vocé bulo “ago” designa a sequigncia de aconteci- mentos ou de atos no transcurso de um con- to* , novela*, romance*, peca teatral ou poema* narrativo. Uma vez que se enca- deiam segundo a lei da causa e efeito, os acontecimentos ou atos organizam-se num enredo, que pelo seu turno apresenta come- 0, meio e fim. Ressalvados casos especificos, a acio sempre engloba mais de uma persona- gem. Assim, a narracdo de uma obra consti- tui a totalidade dos acontecimentos ou atos que envolvem todos os figurantes em cena. Entretanto, pode ser concebida como a soma de acées das personagens individualmente consideradas ou em pequenos grupos. Aristoteles, o primeiro dos tedricos a doutrinar acerca da matéria, postulava a unidade da ago, pois “tal como é necessi- rio que nas outras artes mimeéticas haja uni- dade de imitacao, dada a unidade de objeto, assim também a fabula, porque é imitacdo de acdes, deve mimar as acdes que sejam unas e completas, e todos os acontecimen- tos se devem suceder em conexao tal que, uma vez suprimido ou deslocado um deles, tambem se confunda ou mude a ordem do todo. Pois nao faz parte de um todo, o que, quer seja quer nao seja, nao altere esse to- do” (Poetica, 1451 a 29). Aceita por Horacio ¢ a maioria dos preceptistas da Renascenca ¢ séculos posteriores, essa nogao veio a in- tegrar, com a de tempo ¢ espago, a chamada regra das trés unidades*. Para os formalistas russos, 0 vocabulo “agao” seria substituido com vantagem por “fabula"*, na medida em que este rotula “o conjunto de acontecimentos ligados entre si ‘e que nossdo comunicados ao longo da obra” (Todorov 1966: 268). E para designar a acao particular de cada protagonista, sugerem 0 vocdbulo “fungi”: “entende-se por funcdo um ato [ou acdo] da personagem, definido do ponto de vista de sua significacao no cur so da agao [ou intriga]” (Prop 1970: 21). Etimologicamente, a acdo implica movi- mento, € neste sentido encontra no teatro 0 seu lugar mais adequado. Nas estruturas nar- rativas (conto, novela, romance) duas moda- lidades de acao podem ser observadas: a acao exterior, quando as personagens se movem No tempo no espaco; € a acao interior, quan- do o conflito transcorre na sua mente. ACMEISMO - Gr. akmé, plenitude, apogeu. Movimento de jovens poetas russos, de- flagrado por volta de 1910, contra a poesia simbolista, de inflexdo mistica, evanescente ACRONIMO ACROSTICO e musical, Defendiam, em seu lugar, a cla- reza ea harmonia dos classicos, em combi- nacao com as novidades trazidas pelas van- guardas entao dominantes (V. FUTURISMO). Reuniam-se em torno da revista Apollon, em que publicavam poemas e paginas de doutrina estética. Dentre os seus membros, salientavam-se Osip Mandelstam (1891- 1938), Anna Akhmatova (1889-1966) ¢ Nikolay Gumilev (1886-1921). Com a morte deste ultimo, o movimento perdeu folego; nado obstante, os remanescentes continuaram a denominar-se acmeistas até o fim. ACRONIMO - Gr. akon, ponta, extremidade; onoma, nome. Espécie de acréstico*, formado pelas le- tras iniciais de uma série de palavras, como “radar” (radio detecting and ranging), ou DE- TRAN (Departamento Estadual de Transito). Um dos acronimos mais famosos é 0 vocabu- lo inglés cabal (cabala), composto das ini- ciais dos nomes dos ministros do rei Charles Il da Inglaterra (séc. XVI): Clifford, Ashley, Buckingham, Arlington ¢ Lauderdale. ACROSTICO - Gr. akrostikhion; dkros, extre- midade, stilthos, verso. Prov. pelo fr. acros- tiche (Corominas s. v.). Designa as composicoes poeticas nas quais certas letras formam uma palavra ou frase, no geral um nome proprio. Quando se juntam as letras iniciais, tem-se 0 acréstico propriamente dito, que se lé na vertical, de cima para baixo ou no sentido inverso. Se a combinagao se processa no meio dos versos, tem-se 0 meséstico; se no fim, o teléstico. Quando as primeiras letras compoem 0 al- fabeto, tem-se o abecedarius (V. ABECEDARIO) ou 0 acréstico alfabético. Se o nome € forma- do da primeira letra do primeiro verso, da segunda letra do segundo verso, da terceira letra do terceiro verso, € assim consecutiva- mente, tem-se 0 acréstico cruzado, Pode assumir a forma de polindromo* Poesia* de circunstancia, expediente ti- pico de poetas menos inspirados que virtuo- ses, 0 acréstico remonta a Antiguidade gre- co-latina. Cicero asseverava que os oraculos enigmaticos eram organizados em acrosti- co, e no Velho Testamento se lhe nota a pre- senca no Salmo 118. Durante a Idade Mé- dia, além de poetas, que o empregavam para ocultar discretamente 0 nome da bem-ama- da, papas e prelados cultivaram-no, inclusi- ve para, na época das perseguicdes, manter vivo o nome de Cristo, como no vocabulo icthys (peixe): lesous-Christos-THeou-(H) Yios-Soter, Jesus-Cristo-Filho-de-Deus-Sal- vador. Apés 0 século XVIII, oacréstico tom- bou no esquecimento em toda a parte. Dois exemplos de acrostico se tornaram célebres: o primeiro, que deu origem ao ter- mo “cabala” (v. ACRONIMO); € 0 que Chabrol dedicou a Francois de Bassompierre, na tra- gédia Oriselle ow les Extrémes Mouvements d Amour (1633), que funde 0 acréstico, o te- léstico e 0 acréstico cruzado nos dois senti- dos, de modo a formar um X dentro de uma estrofe* tendo como centro a letra *B” Em Portugal, o acréstico circulou entre o século XV ¢€ 0 XVII, entrando depois no os- tracismo; entre nés, tem sido cultivado epi- sodicamente, sem maior interesse literario. Frei Antonio de Santa Maria Jaboatao, his- toriador do século XVIII, transcreve no preambulo do Novo Orbe Serdfico Brasilico (1858: 366) um curioso Epitaphium Acrosti- chon, de Frei Jodo do Rosario (séc. XVIII), formado pelo nome JOANNES: Inclytus exanimis Orbis Res ingens Absque pari exemplo Jacet sub hac sede sepulchr 1 Olimmemorsbilemund — O Aleides virtute stupend A Numine reetrici Notus, lapsisque levame —-N Norma,et virtutis Nutrix, pacisque nutrime —N Esolio ad solium Erectus, pacisque quiet. = E s Sydera subpeditans Sapiens dominabitur astr. um Inscriptio Acrostichon, “que se compoe de outros sete versos herdicos, em que co- ACUMULACAO ADYNATON mecando cada um pelas mesmas sete letras do nome JOANNE, todos constam de cinco diccdes, que também principiam pelas le- tras do préprio nome deste modo: Ingemat Interitu Ioannis Jactet_—_‘Inbres Omnis Olyssipo Officiosis Obrutus Orbis Astipuletur Aquis Assistat_ America Amanter Necnon Naiadum Nutum —Nonnulla Negare Nolit_ _NobiscumNune _—Notificare Necesse Exitium Euge ——_Effugiunt Epicedia Epodon Succedat Subiit Supremus Sydera —_Salvus ACUMULACAO - v. AMPLIFICACAO. ADAGIO — Lat. adagium, ditado, provérbio. Designa os ditos, provérbios*, sentengas ou méximas*, que transmitem um saber de modo conciso e claro. Via de regra, 0 addgio registra a experiéncia culta dos Antigos, uni- versalmente difundida. Quando de origem nao literaria, diz-se addgio popular. Um dos adagiarios mais famososé ode Erasmo (Add- gios, 1500-1506), que compila mais de qua- tro mil espécimes colhidos nos autores da Antiguidade greco-latina. O termo “adagio” (it. adagio, 4 vontade) ainda se usa na linguagem musical, para indi- car um movimento vagaroso e gracioso, me- nos lento, porém, que 0 denominado largo. ADNOMINATIO - v. PARONOMASIA. ADONIO - v. verso. AD USUM DELPHINI - Lat., para uso do Delfim. Locucao latina empregada para designar as famosas edices* de classicos latinos que, sob a direcdo de Bossuei ¢ Huet, se destina- vam a formacdo do Delfim, filho de Luis XIV (1638-1715), portador do mesmo nome e fa- lecido em 1711. Sugeridas pelo Duque de Montausier, preceptor do jovem principe, as edicdes foram confiadas a latinistas de escol, que se incumbiram de eliminar dos textos as passagens consideradas improprias ou aten- tatorias do ponto de vista da moral, da reli- giao e dos costumes. Graficamente prepara- da por Frédéric Leonard, impressor do Rei, a colecdo abrangia sessenta e quatro volu- mes, publicados entre 1670 e 1698. Modernamente, a locugao ad usum del- phini adquiriu sentido ironico ow pejorati- vo: assinala as obras que sofreram emendas ou mutilagées arbitrarias, fruto de precon- ceitos morais ou interesses momentaneos. Uma edicdo de Os Lustadas, expurgada das estrofes lirico-amorosas, sobretudo no epi- s6dio da Ilha dos Amores, constitui exem- plo de censura textual para fins pedagégicos ou éticos. Com analogo significado utiliza-se em ingles 0 termo bowdlerize ou bowdleriza- tion, derivado de Thomas Bowdler, médico que publicou, em 1818, uma edigdo das pe- gas de Shakespeare, ‘suprimindo-lhes to- dos os vocabulos e expressdes que nao po- deriam ser proferidos em voz alta no interior das familias”. ADYNATON - Gr. impossivel; lat. impossibilia. Figura de linguagem, consiste numa hi- pérbole* que traduz impossibilidade. Peri- frase* de sentido paradoxal, o adynaton em- prega-se notadamente em poesia* amorosa: por seu intermédio, o poeta exprime o paro- xismo do sentimento que o habita, ou 0s tor- mentos provindos da indiferenca ou incor- respondencia da mulher amada. O contraste, a colisdo entre idéias ou imagens evidencia o clima de absurdo e sem-raz4o em que mergu- Tha o poeta: jura ser mais facil ocorrerem im- possiveis na ordem do mundo que diminuir a sua avassalante paixdo (V. DESCORDO). © adynaton também foi empregado em contextos humoristicos ou satiricos, a exemplo da “parédia da homérica viagem ao Hades”, pois “da seriacao de impossibilia nasce 0 topos* do ‘mundo as avessas””. E “como tal aparece em Luciano (Menippos) e, segundo esse modelo, em Rabelais (Panta- gruel, cap. 30)" (Curtius 1957: 100). As- sim, em provérbios referentes ao mundo AFERESE ALBA OU ALVA animal: “é 0 burro que toca alatide, 0 boi que danca, o carro adiante dos bois, a lebre intrépida, o ledo timido e casos semelhan- tes, Muitas dessas locucdes, formadas jé na Antiguidade, interpretam o carater gndmico do povo” (idem: 101). “De origem antiga”, o adynaton “parece que surge pela primeira vez em Arquiloco”, poeta grego do século VII a.C. (idem: 99), ¢ perdura ao longo das centtirias medievais gracas sobretudo aos exemplos de impossi- bilia colhidos em Virgilio. Em vernaculo, re- gistra-se a “persisténcia do topico desde os nossos quinhentistas petrarquizantes até os chamados poetas pré-romanticos, cuja forma- ao literaria € ainda classica, passando pelos poetas da fase barroca” (Coelho 1961: 636): “Eu deixar-te (ai de mim)! Primeiroa Terra Mostre as fundas entranhas Por larga boca horrivel, que me trague; Primeiro 0 Mar e o Céu me facam guerra, Despenhem-se primeiro estas montanhas Eo meu corpo infeliz seu peso esmague; Primeiro se confunda a Natureza Que eu cesse de adorar tua beleza” (Bocage, Cangao IY, “O Delirio Amoroso”). Pedro Canga, poeta popular do Rio Gran- de do Sul, de meados do século XIX, também nos fornece um exemplo de adynaton: “Pode o céu produzir flores, A terra estrelas criar; Nao pode o meu coracao Ser vivente sem te amar” (Meyer 1958:76). Eno século XX, Jorge de Lima fez uso do adynaton. AFERESE — V, ESCANSAO; METAPLASMO. AFORISMO — Gr. aphorismds, definicao pre- cisa, pelo lat. aphorismus. Empregado inicialmente por Hipécrates (séc. Va.C.) em seus Aforismos, o termo de- signava toda proposig4o concisa encerrando um saber medicinal baseado na experiénciae que podia ser considerado norma ou verdade dogmatica. Com o tempo, o vocabulo esten- deu-se a outros ramos do conhecimento, co- moas Leis, a Politica, a Agricultura, as Artes. Exemplos: Les Aphorismes de Droit (séc. XVI), de Denis Godefroy, Aphorisms Politi- cal (1659), de James Harrington. Erasmo (séc. XVI), Francis Bacon, Baltasar Gracidn, Pascal (séc. XVII), La Rochefoucauld, La Bruyére, Montesquieu (séc. XVIII), Schope- nhauer, Nietzsche (séc. XIX) também culti- varam 0 aforismo em suas obras doutrinais ou filosoficas. Desse alargamento de sentido resultou a sinonimia quase completa entre os vocébu- los “aforismo” e “maxima"*. Livre de erudi- ¢ao, o aforismo caracteriza-se por ocultar “um elemento afetivo, mistico, aldgico, in- tuitivo, irracional: certo esprit de finesse, em oposicdo ao sistematico esprit de géometrie”, ¢ revelar “a bipolaridade entre légica e intui- go, inteligéncia e sentimento, esprit e coeur” (Vossler 1960: 60). A obra de Hips- crates principia com um aforismo que se tornou célebre e exemplar: ars longa, vita brevis (“a arte é longa, a vida, breve”). AGLOMERACAO -— v. amPLiricacio. AGUDOS - x. verso. ALAZON - Gr., jactancioso, fanfarrao. v. IRONIA. ALBA (ou ALVA) ~ Prove. alba; fr. aube; al. Tagelied: ing. aubade. Composicao poética medieval, de proxi- ma origem provencal (séc. XII) e remota origem desconhecida, provavelmente ligada a primitivos cantos liturgicos. Gravitava em torno do tema* da separacaéo dos amantes ao nascer do sol. Em provencal, restaram quinze albas, das quais sete apenas mere- cem, na verdade, o apelativo (Jeanroy 1925: 64); em francés, quatro. Denire os trovado- res que praticaram tal espécie de poesia, sa- ALCAICO ALEGORIA lienta-se Giraud de Borneil (séc. XII), autor de algumas das mais belas pecas no genero. E Wolfram von Eschenbach (c. 1200) desta- ca-se, no circulo de poetas germanicos me- dievais, como um auténtico mestre da alba (Boesch 1967:78). De extracdo aristocratica, a alba focaliza- va os amantes ao raiar do dia, avisados pelo sentinela (denominado gaita na alba pro- vencal) de que a noite terminara ¢ era pre- ciso estar atento a qualquer perigo, notada- mente 0 aparecimento do conjuge traido. A cena é ainda preenchida pelos lamentos ¢ pelas promessas que os amantes trocam en- tre si. As mais das vezes, 0 vocabulo “alba” aparece no estribilho. Na versio francesa, a alba “permaneceu proxima da sua fonte po- pular; a personagem do sentinela (...) com- parece numa sé das quatro albas que resta- ram” (Jeanroy 1925: 76-77). O quadro de flagrante erotismo é raro, se nao inexisten- te, na lirica galaico-portuguesa, se tivermos em conta que a cantiga de Nuno Fernandes Torneol (CV, 242; CBN, 641), geralmente lembrada como exemplar dessa modalidade trovadoresca, nao constitui a rigor uma al- ba, mas uma composi¢ao em que a amiga re- clama do amigo, que continua a dormir apés o despontar do dia, o fim do amor (Ta- vani s. d.) BIBL.: Asensio 1970; Beltran 1995; Dio- nisio 1903; Lapa 1952 ALCAICO - v. VERSO. ALCMANICO - v, verso. ALEGORIA - Gr. allegoria (outro, agoreuo, Allos, falar em publico), discurso acerca de uma coisa para fazer compreender outra, pelo lat. allegoria Nogao controvertida, quer pelo conceito, quer pelo lugar que ocupa nos quadros re- toricos, a alegoria tem suscitado copiosa bi- bliografia, empenhada em deslindar aampla rede terminologica na qual se insere e se di- funde, a comegar pela metafora* até chegar a satira*, passando pelo simbolo*, a fabu- la*, 0 apélogo*, o mito*, a pardbola*, a prosopopéia*, o emblema*, o paradoxo*, 0 adynaton*, ou implicando a ironia*, osci- lante entre a polissemia e a antifrase* (Tes- key 1994; Lausberg 1966-1968, II: 294; 1998: 406; Morier 1975: 65-84). O vocabulo “alegoria” surge entre os gre- gos, que o empregam correntemente. Platao usa-o na Republica (II, 378 b). E Plutarco re- ferir-se-a, em Da Leitura dos Poetas (4, 19), “ao que os Antigos chamavam ‘significagoes secretas’ ¢ que atualmente recebe o nome de ‘alegorias” (Pépin 1958: 87-92). Corres- pondia a uma figura de estilo, denominada inversio em latim, que “designava uma coi- sa pelas palavras e uma outra coisa - quan- do nao uma coisa inteiramente oposta - pe- lo sentido”, como assinala Quintiliano (VII, 6, 44), de cuja pena brotao conceito que se tornaria classico: “a alegoria € composta de uma metéfora continua” (IX, 2, 46). A alegoria constitui, por conseguinte, uma “espécie de discurso inicialmente apre- sentado com um sentido proprio e que ape- nas serve de comparacao para tornar inteli- givel um outro sentido que nao € expresso” (Lausberg 1966-1968, IH: 311), — um dis- curso que, como revela a etimologia do vo- cabulo, faz entender outro ou alude a outro, que fala de uma coisa referindo-se a outra, — uma linguagem que oculta outra, uma his- toria que sugere outra. Empregando ima- gens, figuras, pessoas, animais, o primeiro discurso concretiza as idéias, qualidades ou entidades abstratas que compdem 0 outro. O aspecto material funciona como dis- farce, dissimulacdo, ou revestimento, do as- pecto moral, ideal ou ficcional. De onde exi- bir duplo sentido, “um sentido literal e um sentido espiritual ao mesmo tempo” (Fon- tanier 1968: 114), equivalendo, o primeiro, ao conteudo manifesto, € o outro, ao con- tetdo latente, segundo os conceitos que Freud elaborou para interpretar o significa- ALEGORIA ALEGORIA do dos sonhos. 0 acordo entre o plano con- creto € 0 abstrato processa-se minticia a mi- mucia, ¢ ndo em sua totalidade. Em razao dos complexos liames entre es- sas camadas semanticas, a alegoria apresen- ta varios tipos, conforme seja o angulo pelo qual se focaliza a dualidade radical. Alguns tedricos postulam a existéncia de uma ale- goria poética e uma alegoria hermenéutica ou interpretativa, de modo que, dependen- do da natureza do texto em que esteja pre- sente, a alegoria ¢ propriamente literaria, no primeiro caso, ou biblica ou teologica, no segundo. E pode ser intencional, deliberada- mente empregada como ilustragao de um pensamento que se pretende infundir no lei- tor ou espectador, ou involuntdria, quando “nasce da situac3o, sem que o autor parega que a premeditou” (Morier 1975: 83-84). Tomando-a como tropo*, “por meio do qual se diz uma coisa para fazer entender outra”, outros estudiosos (Santo Agostinho, Isidoro de Servilha, Beda) consideram dois tipos de alegoria, a das palavras (allegoria in verbis), e a dos fatos (allegoria in factis), ca- racterizada por ‘um simbolismo extralin- giiistico, que se situa num espaco para além do discurso, de que somente a teologia pode ou pretende dar conta” (Strubel 1975: 344), ¢ representada notadamente por figuras hu- manas, como as duas filhas de Abraao. Ou- tros propéem que a segunda modalidade de alegoria consiste na personificacao (“toda narrativa que personifica conceitos”), ao mesmo tempo que classificam a outra de “classica” (Vandendorpe 1999: 75-79). Ainda se descortina a alegoria perfeita (tota allegoria), quando nao se notam tracos do pensamento implicito; e a imperfeita (permixta apertis allegoria ow allegoria im- perfecta), quando se encontram pistas do pensamento oculto (Lausberg 1966-1968, Ik: 284-285; 1998: 403). No primeiro caso, por ser “uma alegoria ndo-irnica, cujo ne- xo com a idéia seria em questao € particu- larmente opaco” (idem: 287, 400), pode tornar-se obscura, gerando 0 enigma*. Durante séculos perfilhada e glosada pe- los teéricos, de certo modo acompanhando © miiltiplo e variado emprego da alegoria, a doutrina de Quintiliano entrou a ser comba- tida no século XVIII, a0 mesmo tempo que 0s estudos retoricos mergulhavam num os- tracismo que duraria mais de uma centri Seja como figura, seja como tropo, a alego- ria era especialmente visada, a exemplo do juizo de Diderot, em Jacques le Fataliste et son maitre (2000: 68): “recurso ordinario dos espiritos estéreis [...], quase sempre fria ¢ obscura”. Por muito tempo cercou-a uma aura depreciativa, até que, com o renasci- mento da Retérica, desencadeado pela onda estruturalista que varreu a segunda metade do século XX (v. critica), voltou a ser enca- rada seriamente como objeto de estudo e instrumento de anilise. Em Les Figures du discours (1830), Pierre Fontanier nio esconde a sua discordancia de Quintilizno ¢ seguidores, assinalando que a alegoria é uma figura de expressdo que consiste “numa proposigao de duplo senti- do, um sentido literal e um sentido espiri- tual, por meio do qual se apresenta um pen- samento sob a imagem de um outro, destinado a torna-lo mais sensivel e mais surpreendente do que se fosse apresentado diretamente € sem nenhuma espécie de yéu” (Fontanier 1968: 114). E para mais sublinhar o seu ponto de vis- ta, procura distinguir a genuina alegoria da sua imitacao (alegorismo), que “nao oferece mais do que um sentido verdadeiro, o sen- tido figurado”, porquanto “consiste em uma metafora prolongada e continua que, embo- ase estendaa toda a proposicao, da lugar a um s6 ¢ tinico sentido, como se nao houves- se Sendo um $6 € tnico objeto oferecido 20 espirito” (idem: 114, 116). E mesmo em nossos dias ha quem argumente haver ca- deias metaforicas que nao engendram ale- ALEXANDRINO gorias (Vandendorpe 1999: 76) ou que, “em realidade, a alegoria nao é constitufda de metéforas, mas duma conjuncdo de stmbo- los*” (Morier 1975: 69). Visto que a narrativa consiste no expe- diente mais adequado 4 concretizacao do mundo abstrato, tem-se como certo que a alegoria implica freqtientemente um enre- do*, Mas pode também ser expressa em ver- sos, bem como ser nao-verbal, empregando recursos plasticos, desde a escultura até a pintura, tendo‘de permeio o desenhoe a ar- quitewura, a exemplo da arte gotica medie- val, que sinalizava o movimento ascensio- nal para as alturas, proprio do misticismo da época, ou a caveira pintada ou esculpida com uma foice em punho, para representar a morte. E na medida em que se funde com o simbolo, encontra nos meios concretos ou nos expedientes plasticos uma mediacao ainda mais sugestiva e direta que os versos ow a prosa. Como técnica de representagao de esfe- ras abstratas ou imagindrias, a alegoria pa- rece remontar ao comeco da propria especie humana, As inscricdes pré-historicas, gra- vadas no interior de velhas grutas, ou os hieroglifos testemunham o afa de emprestar forma aos conteudos mentais, fruto da ela- boracao intelectual ou da fantasia. Recorde- se que o mito platonico da caverna (Republi- ca, VII) constitui um exemplo classico de alegoria metafisica, por servir de base a es- peculacio filoséfica Do mesmo passo, as Escrituras seriam en- trevistas por Rabanus Maurus como textos que apresentam quatro niveis exegéticos: 0 historico, ou literal; o alegorico, ou figurado, que encerra o sentido cristoldgico e eclesio- légico; 0 tropalégico, que contém “o sentido individual, ascético”, “por meio do qual o Senhor censura ou louva a alma humana”, e © anagégico, que contém “o sentido escato- logico”, referente ao conteudo metafisico ou moral, tendo em vista a vida futura, 0 Juizo ALITERACAO Final (Lausberg 1966-1968, II: 288; 1998: 401-402; Morier 1975: 73, 75). Empregada desde a Antiguidade, nao sé entre os classicos greco-latinos, mas também entre os persas, judeus e arabes, proverbial- mente dotados de imaginacdo exuberante, a alegoria foi com frequéncia cultivada na Ida- de Média cavaleiresco-crista, a exemplo do Roman de la Rose (séc. XIII), Divina Comédia (séc. XIV), de Dante, Boosco Deleitoso (1515), Auto da Alma (1518), de Gil Vicente. Sem esmorecer de todo com o Renascimen- to, 0 emprego do discurso alegorico encon- trou nos séculos subsequentes, marcados pe- la estética barroca, um clima ideal, como se pode ver em Pilgrim's Progress (1678), de John Bunyan, Historia do Predestinado Pere- grino e seu Irmao Precito (1682), de Alexan- dre de Gusmao, Compéndio Narrativo do Pe- regrino da América (1728), de Nuno Marques Pereira, — obras centradas na idéia segundo a qual a vida humana se resume numa longa ¢ fatigante jornada em busca da salvagao. Embora menos apreciada do que antes, a alegoria estard presente no lirismo romantico e na poesia simbolista, e ainda no século XX, como em Lile des Pingouins (1908), de Anatole France, ou Animal Farm (1945), de George Orwell, ou em Grande Sertao: Veredas (1956), de Guimaraes Rosa, cujo tecido narrativo, de complexa imbrica- ao simbolica, como se realizasse a idéia de que “o universo é uma inesgotavel alegoria” (Hugues de Saint-Victor, séc. XII, apud Van- dendorpe 1999: 90), ganha em ser interpre- tado a luz da alegoria. BIBL.: Boulluec 1975; Bruyne 1958; Chydenius 1975; Curtius 1957; Fletcher 1990; Hansen 1986; MacQueen 1970; Spi- vak 1971; Tuve 1977; Vossler 1960. ALEXANDRINO - v. verso. ALITERACAO - Lat. alliteratio; ad, a + litte- ra, letra. Vocabulo criado pelo humanista italiano Giovanni Pontano, em fins do s¢cu- ALITERAGAO: lo XV, Até essa data, empregavam-se os vo- cabulos gregos paromocon, homoeopropho- ron ou polysigma. Al. Stabreim, Anreim, An- fangsreim. Consiste na repetico do mesmo som ou silaba em duas palavras ou mais, dentro do mesmo verso* ou estrofe*. Via de regra, a tecorréncia da-se entre fonemas ou silabas iniciais, mas pode ocorrer no meio ou no fim dos vocabulos. Quando se processa en- we as sflabas finais, tem-se o fenomeno do eco*. A base da aliteracao € sempre um fo- nema consonantico, mas nao se exclui a hi- potese de fonema vocalico (v. assonANcia) E contrariamente ao que permite supor a etimologia do vocabulo “aliteragao”, a sime- tria opera-se entre sons, nio entre letras: o objetivo é imprimir musicalidade ao verso ou, mesmo, a um trecho de prosa. Dai que fonemas cognatos, como “b” e “m”, possam constituir aliteracao, ainda que implicita (Burke 1973: 369-378). De efeito onomatopaico, pode instaurar- se de propésito ou por acaso, e gerar resulta- dos musicalmente positivos (eufonia*) ou negativos (cacofonia*). E a razao esta em quea aliteracdo exerce “uma funcao de cons- trugio e de ritmo; uma fungdo de sinal pela criagdo de uma cadeia sonora particular que vale por ela propria (...); a funcao semantica de colocar em relevo, de redundancia de sentido, é apenas sensivel secundariamente, em importancia e em frequéncia, confundi- da que ¢ as vezes com uma funcao imitativa” (Meschonnic 1970, I: 79). Vejamos um exemplo, colhido num dos nossos poetas que mais langaram mao do re- curso (Cruz e Sousa): “Vozes veladas, veludosas vozes, Voltipias dos violées, vozes veladas, Vagam nos velhos vertices velozes Dos ventos, vivas, vas, vulcanizadas”. Manuel Bandeira, julgando tal fragmen- to (s. d: 3241), considera-o “o mais longo 17 ALITERAGAO exemplo de aliteracdo em Lingua Portugue- sa”. Na verdade, assertiva tao categorica de- certo se ajustaria melhor ao poema acrésti- co* que Alvaro de Brito Pestana, poeta do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (1516), ofereceu a D. Fernando, composto de oito oitavas, cada uma das quais abrigan- do palavras iniciadas com uma das letras in- tegrantes do nome do homenageado, como, por exemplo, a estrofe introdutoria: “Forte, fiel, facanhoso Fazendo feitos famosos, Florescente, frutuoso, Fundando fins frutuosos Faia, fé fortalecendo, Famosamente floresce, Fidalguias favorece, Francas franquezas firmando”. George Le Gentil (I: 135) menciona uma composicao de idéntica estrutura*, de- dicada pelo poeta espanhol Jorge Manrique a uma dama de nome Guyomar. Rara entre os gregos, a aliteracdo cedo aclimatou-se nos textos poéticos latinos, onde chegou a “desempenhar papel de su- ma importancia (...), gracas talvez ao valor particular atribuido a inicial” (Marouzeau 1954: 46). “Elemento essencial do carmen, que tinha sido a forma primitiva da poesia latina” (idem: 47), foi empregada abusiva- mente por Enio, mas outros poetas, como Virgilio e Lucrécio, comedidgrafos, como Plauto, oradores, como Cicero, dela tam- bém se socorreram. Constituta 0 artificio “paragramatico”, “uma forma de ornato, barbara € ingénua, proscrita no tempo de Cicero”, retomada, sob o nome de vers let- trisés, versos letrizados, pelos poetas france- ses dos séculos XV e XVI (Curtius 1957: 293-294), também denominada “tautogra- ma” (Lausberg 1966-1968, III: 395) O expediente aparece com frequéncia na poesia* de indole acentuativa, como no an- tigo alto alemao, no inglés arcaico, no fin- ALOSTROFICA landés, no tcheco, no estoniano, no irlan- dés, nas sagas* da Escandinavia. Sob o de- signativo de replicatio, coblas replicativas, re- doblado ou rims fayshucs, praticaram-na também os trovadores medievais. E assim permaneceu até o século XVI. De entdo a es- ta parte, excetuando-se o desprestigio sofri- do nos séculos XVII e XVIII, tem permane- cido em circulagdo, com altos e baixos, ora suspensa as culminancias, como no tiltimo quartel do século XIX, juntamente com o predominio da poesia decadente e simbolis- ta, ora reduzida a mero adorno de ocasiao, ‘como nos dias que correm. Em vernaculo, a aliteragao apresenta um transcurso histérico, andlogo ao que desen- volveu em toda a parte. Na Idade Média, cultivaram-na os trovadores* e, scbretudo, os poetas do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, como 0 ja citado Alvaro de Brito Pestana. Apreciada durante o século XVI (Camées usou-a em mais de um passo de Os Lustadas), entrou em desuso nos séculos XYIle XVIII, para nos séculos XIX e XX res- surgir, especialmente no interior do Parna- sianismo* e do Simbolismo* (Raimundo Correia, Olavo Bilac, Martins Fontes, Eugé- nio de Castro e outros). ALOSTROFICA - v. ESTROFE. ALUSAO - Lat. allusio, onis, de alludere (ad + ludere), jogar com, referir-se a. AL. Anspie- lung, Andeutung; fr., ing. allusion Entende-se: por alusdo toda referéncia, direta ou indireta, propositada ou casual, a uma obra, personagem*, situacdo*, etc., pertencente ao mundo literdrio, artistico, mitolégico, etc., e que seja do conhecimen- to do leitor. A alusdo em geral pode distin- guir-se da alusdo literdria, na medida em que esta pressupde a relacdo de dois textos, por meio da similaridade ou da contighida- de (Ben-Porat 1976) Fundida no magma do texto, ou expli- cita, a alusio impoe-se pela propria natu- ALUSAO reza do que se pretende transmitir, e s6 as- sim tem razao de ser. As mais das vezes, a alusao insere a obra que a contém numa tradic4o comum julgada digna de preser- var-se. Por vezes, a evocacao de um texto pregresso implica uma atitude de inconfor- mismo ou de reptidio: Ulysses (1922), de James Joyce, emprega a mesma estrutura* da Odisséia, mas com vistas a patentear, ironicamente, 0 desmesurado afastamento cultural entre a epopéia* homérica, perso- nificada por herdis* lendarios, e o roman- ce* de uma cidade moderna (Dublin) num de seus dias corriqueiros, em 1904, vivido por auténticos anti-herdis* ou herdis as avessas (V. PARODIA). A poesia barroca, notadamente a gongo- rica, empregava a alusdo a mitos ou fabulas ea adagios*, cujo conhecimento ¢ indispen- sdvel 4 decifracdo da arrevesada estrutura € 0s sibilinos giros sintaticos dos versos (Alonso 1946; 217-239; 1950 a: 23-24). No discernimento do territorio abrangi- do pelaalusao, ha que considerar o plagio*, quando criminosa a apropriacao do texto alheio, e a mera influéncia ou reminiscén- cia de leitura. Por outro lado, nem sempre © leitor, ainda que culto e atento, capta a alusao encerrada numa passagem, “Na rea- lidade, quando um texto nos evoca outro, 36 podemos supor que existe alusdo, a me- nos que tenhamos ciéncia de que o escritor conhece 0 trecho evocado” (Silva Ramos 1956: 91) Segundo Earl Miner (1965: 18), podem- se distinguir os seguintes tipos de alusao: alusao tépica, quando se refere a aconte- cimentos recentes; encontra-se com fre- qaencia até o Romantismo*; alusio pessoal, quando o escritor men- ciona fatos relativamente notorios de sua propria existéncia; alusdo formal, quando 0 poeta emprega, como na poesia chinesa, as rimas de outro poet AMBIGUIDADE 19 AMBIGUIDADE alusao metaférica, quando a mencao de- sempenha papel mais complexo, entranha- da no contexto* metaférico em que se inse- re (V. METAFORA); alusdo imitativa, quando o escritor adota a obra de um outro autor, de modo especifi- co, genérico ou parodistico (Vv. PARODIA); alusdo estrutural, quando o escritor utili- za a estrutura de obra classificada noutro genero* ou espécie (como no caso citado de James Joyce e Homero, em que o primeiro fundamentao seu romance no arcabouco do poema épico do segundo). Henri Morier (1975: 86) propde outra di- visto, mas adverte para o seu carater arbi- trario: alusao historica, quando se refere a um dado historico; alusdo mitolégica, quando se baseia nu- ma fabula*; alusdo nominal, quando repousa em um nome; alusdo verbal, quando se refere a uma pa- lavra, geradora de equivoco. A alusio constitui expediente formal de remota origem e pode ser encontrada prati- camente em todos os tempos. Em vernacu- lo, aparece desde 0 Trovadorismo*, época em que a discricdo cortesa obrigava o poeta a referit-se obliquamente a bem-amada. Ca- mées, ao exortar que “Cessem do sabio Gre- goe do Troiano/ As navegacdes grandes que fizeram” (c. I, est. 3), alude a Ulisses e Enéias. Exemplo moderno é-nos dado por Osman Lins, ao transpor para o sertao per- nambucano, em Q Fiel € a Pedra (1961), a Eneida, de Virgilio. A alusao tem ponws de contato com a perifrase*, a ironia*, o eufemismo* € a lito- tes*. E articula-se com a nogao de intertex- tualidade*. AMBIGUIDADE — Lat. ambiguitas, tatis, ambiguo, que apresenta duas faces, dois sentidos. O vocabulo “ambigiidade”, ou anfibolo- gia (gr. amphibologia, discurso ambiguo), emprega-se em gramética para designar os equivocos de sentido provenientes de cons- trucdo defeituosa da frase ou do uso de ter- mos improprios. Em critica* literaria, a palavra foi introdu- zida por William Empson: a seu ver, a ambi- guidade consiste em “toda nuanca verbal, posto ligeira, que dé lugar a diferentes tea- cOes ao mesmo fragmento de linguagem” (1961: 3). As sete modalidades que julga fun- damentais podem ser sumariadas, conforme as suas proprias palavras, do seguinte modo: 1) quando “uma palavra ou estrutura* gramatical funciona em vérias diregdes ao mesmo tempo”; 2) quando “dois ou mais significados se fundem num sé”; 3) “quando duas idéias, que se encon- tram conectadas apenas porque relevantes no contexto*, podem ser transmitidas si- multaneamente com uma 6 palavra”; cor- responde & paronomisia*; 4) “quando dois ou mais sentidos de uma declaracéo nao concordam entre si, mas combinam-se para esclarecer um complexo estado mental do escritor 5) “quando o escritor descobre a sua idéia no ato de redigir, ou nao a capta intei- ra em sua mente, de forma que, por exem- plo, recorre a um simile* que a nada se apli- ca com exatidao, ¢ que permanecea meio do caminho entre duas coisas quando ele se move de uma para a outra”; 6) “quando um enunciado nao afirma nada senao por tautologia, antitese* ou as- sertivas irrelevantes”, 7) “quando os dois sentidos da palavra, as duas valéncias da ambigtidade, consti- tuem os dois significados opostos inscritos no contexto, de modo que 0 efeito resultan- te seja mostrar 2 divisio fundamental na mente do escritor” (idem: 5, 57, 117, 151, 175, 199, 217). AMPLIFICAGAO AMPLIFICACAO: Esquematica, rigida, pretensiosa, sao qualificativos que podem acudir 4 mente do leitor ao examinar a proposta do critico in- glés. Quando pouco, levanta “dificuldades em trés tertenos cruciais: 0 conceito de am- bigttidade, a teoria da experiéncia estética e as normas da interpretacao” (Kris 1964: 113). De qualquer modo, é inegavel a con- tribuicdo que trouxe para os estudos de Poé- tica nas ultimas décadas: pelo menos, dila- tou o horizonte do texto poético ao sugerir uma leitura voltada precipuamente para o poema ¢ atenta a multiplicidade de senti- dos. Ademais, o seu método serve para qual- quer literatura* de qualquer tempo, antigo ou moderno. Em razo do sentido pejorative que 0 vo- cibulo ‘ambigtidade” pode adquirir (“di- bio” e cognatos), seria de preferir ambivalén- cia, polivaléncia, plurivocidade, multivocidade, ou, conforme sugere Wheelwright (1964: 61), plurissignificacao: “um simbolo expressi vo tende, em qualquer circunsténcia da sua realizagao, a conter mais de uma referéncia le- gitima, de tal forma que o seu sentido exato se tornaa tensdo entre duas ou mais diregdes da carga semantica”. Em oposicéo ao “discurso* cientifico” que se caracteriza pela univalencia dos sig- nos, 0 carater ambiguo ou multiplo do tex- to literario, sobretudo 0 poético, decorre ne- cessariamente de encerrar uma linguagem por exceléncia metaférica. De onde a vizi- nhanga da ambignidade com a metafora*, a conotacao*, a ironia* e termos afins. Osoneto “Tormento do Ideal”, Antero de Quental inicia-o declarando: “Conheci a Beleza que ndo morre E fiquei triste”, Que sentido ou sentidos esconde 0 voca- bulo “Beleza”? O poeta grafa-o com maitis- cula inicial, como a prevenir-nos da sua [ei- ¢do abstrata e absoluta. E certo que 0 recurso confere ambiguidade ao pensamen- to anteriano, mas a minuscula também leva- ria a semelhante impressio. Como se nao bastasse, 0 poeta adjetiva o substantivo com a frase “que néo morre”: se ha uma beleza (ou Beleza) “que nao morre”, € porque ha- veria uma que morre. E essa, qual e como seria? Ser s6 a que morre nao basta para identificd-la, pois neste caso também a cir- cunstancia de ser a que ndo morre equivale- ria a um pormenor determinante. Por outro lado, 0 fato de 0 qualificativo oracional seguir-se a um vocabulo em maitis- cula pode implicar uma redundéncia, visto que o carater absoluto e abstrato da Beleza igualmente Ihe confere a imorialidade apon- tada. Todavia, nem por isso a ideia de Bele- za se esclarece univocamente para 0 leitor. Ou, ainda, pode dar-se uma repulsao entre a Belezae aideia restritiva implicita na oracao adjetiva: neste caso, haveria no universo do poeta uma hierarquia de absolutes e abstra- tos, ou seja, uma Beleza pura, sem adjetivos, e uma “Beleza que nao morre”. Nas duas al- ternativas, mergulhamos na ambigiidade ou plurissignificacao. AMPLIFICACAO ~ Lat. amplificatio, onis, au- mento. Figura de estilo*, a amplificagdo consis- te no alargamento de uma idéia ou proposi- ¢40, desenvolvendo-lhe todos os aspectos ¢ minticias. Empregada em poesia*, prosa* de ficcao e, sobretudo, oratéria*, a amplifi- cacio constitui ornato ou expediente dialé- tico, que visaa enfatizar a argumentacao, se- ja por meio do seu aumento, seja da sua diminuicdo. Na retorica classica, chamava- se minutio (ou meiose*) esta alternativa. As duas possibilidades concretizam-se nos ca- sos de tribunal, em que o promotor acentua as circunstancias do delito, e 0 advogado de defesa as atenua. A amplificacéo pode suceder apenas no plano lingiiistico: 0 escritor utiliza abun- dantes palavras para exprimir uma ideia que ANACLASE 21 ANACLASE por natureza reclamaria menos vocdbulos. Nesta hipétese, a amplificacdo corresponde- ria A prolixidade e teria como anténimo a concisao. Note-se, porém, que o intumesci- mento verbal se justifica pelo objetivo wtili- tério colimado: persuadir, arrebatar. Nao se trata do emprego da palavra pela palavra, mas de buscar, pelo brilho da frase, a ade- sao do leitor ou do ouvinte. Outras vezes, a amplificacao desenvol- ve-se no plano do pensamento: a ideia-base dilata-se noutras que Ihe sdo inerentes ou contiguas. Entretanto, ainda nestes casos se processa, obviamente, o desdobramento ver- bal, que constitui 0 requisito identificador da amplificagao. Para atingir os propésitos amplificantes, o escritor tema seu alcance, conforme Quin- tiliano (VIII, 4, 1 € ss.), retomado por Laus- berg (1966-1968, I: 338 ess.; 1998: 189 ess.; 1972: 108-109), quatro técnicas gerais: 1) incremento, que “consiste na designa- cdo linguistica, gradualmente ascendente, do objeto a amplificar”: “Ouvi: que nao vereis com vas faganhas, Fantésticas, fingidas, mentirosas” (Camées, c. I, est. 11); 2) comparacéo, quando “um exemplum (historico, literario ou ficticio), que ja reali- za um grau elevado, ¢ superado pelo objeto tratado agora”: “Cessem do sibio Grego ¢ do Troiano As navegacoes grandes que fizeram; Cale-se de Alexandre ¢ de Trajano A fama das vit6rias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre lusitano, A quem Netuno e Marte obedeceram Cesse tudo 0 que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta” (Camées, c. 1, est. 3); 3) raciocinio, quando, “a partir das cir- cunstancias (signa) concomitantes, se po- dem tirar conclusées, quanto as dimensoes do objeto em si, sem que este raciocinio (ra- ciocinatio) seja levado a cabo: “As pancadas recrudesceram, eram varios os que batiam as portas, oagressivo, crescen- te e dspero fragor envolvia-a ¢ esmagava-a, ela sentiu a casa violada pela insoléncia da- queles estranhos ¢ caiu de joelhos ao pé do leito. Um rumor mais forte - violento abrir de porta — sobrep6s-se aos outros, ao mesmo tempo que a voz do marido gritava uma pro- vocagao e tudo silenciou” (Osman Lins, O Fiel e a Pedra, 2* ed., 1967: 176-177). 4) congérie, quando ocorre actmulo de sinénimos “ou de membros de enumera- cdo” em ordem ascendente, como no exem- plo de incremento, ou em qualquer ordem; também chamada acumulacdo, aglomeracao, seriacao, enumeracao; quando desordenada, a enumeracao se diz caotica, segundo pro- posta de Leo Spitzer (1955: 240, 295 e ss.). Aseu ver, a enumeracao cadtica deve distin- guir-se do “estilo bazar”, uma vez que neste “se confundem toda classe de objetos ou de seres pertencentes & mesma ordem de idéias”, ¢ enquanto o segundo remonta a Rabelais e A prosa do século XVI, 0 primei- 10 ja havia sido cultivado por Quevedo no século XVII, mas coube a Walt Whitman in- troduzi-lo na poesia moderna. A prosa narrativa, especialmente a que se organiza em ciclos ou pressupde continua- 40, € um dos espacos mais favoraveis 4 am- plificacdo, como nas noyelas* de cavalaria (Duran 1973: 83-86, 125-128), nas novelas sentimentais do século XVII, nas novelas em folhetins do século XIX, ou mesmo nas séries ficcionais que Balzac, Zola e seguido- res compuseram. A amplificacao partilha do mesmo con- junto retorico em que se encontram a hipér- bole* ¢ a anutese*. BIBL.: Lausberg 1972 ANACLASE - Gr. andhlasis, dobrar para tras. Expediente usado na métrica greco-lati- na, consiste na permuta da quantidade das ANACOLUTO. silabas dentro do pé*, ou entre a silaba final de um pé ea inicial do seguinte. Assim, dois jambos (= v -) mudam em coriambo (-vu-) ou mesmo em antispasto (u--) (Laurand 1946, III: 794). Ocorre também na métrica das linguas modernas. E [re- quente no decassilabo ingles, ¢ nao raro em poetas brasileiros ou portugueses (Silva Ra- mos 1959: 23-31). V. ESCANSAO. ANACOLUTO -~ Gr. anakéluthos, desunifor- me, desarménico, desacompanhado, pelo lat. anacoluthon. Tipo especifico de construcao sintatica, consiste em interromper o membro inicial de um periodo para formar outro, subordi- nado a diversas seqaencias de pensamento. O abandono das palavras resulta de o falan- te perceber de stibito que a idéia a verbalizar reclama organizacdo gramatical diferente da que escolheu ao principio. Considerado vi- cio de linguagem, o anacoluto desempenha funcdo estilistica quando empregado com o intuito de atribuir énfase ao texto: “Eu, que cair ndo pude neste engano (Que é grande dos amantes a cegucira), Encheram-me, com grandes abondangas, O peito de desejos e esperancas” (Camées, c. V, est. 54). V. APOSIOPESE. ANACREONTICA ~ Refere-se a imitagao das odes de Anacreonte (séc. VI a.C.), que cele- bravam 0 amor e o vinho. Nao obedecia a nenhuma regra fixa do ponto de vista for- mal. Comum na Idade Média e no Renasci- mento. Brasileiros ¢ portugueses cultiva- ram-na nos séculos XVIII ¢ XIX. ANACREONTICO - y. verso. ANACRONISMO — Gr. anakhronismos, in- versao da ordem do tempo; ana, inversao, khrénos, tempo. Diz-se das falhas resultantes de localizar pessoas, situacdes, acontecimentos, cenas, ANACRUSE objetos, etc., fora do tempo em que existi- ram. O anacronismo tende a ocorrer no tea- tro* ena prosa* de ficcdo de carater histori- co, e constitui via de regra pormenor irrelevante, que nado compromete a estrutu- ra* eo sentido das obras. Provocado em ge- ral por deslize involuntario, as vezes desem- penha funcdo especial em narrativas ou pecas cOmicas, e neste caso, ¢ usado propo- sitadamente pelo escritor. Como lapso de memoria, pode ser encontrado em Machado de Assis, cujas citagoes nem sempre obede- ciam ao principio da fidelidade textual ou cronologica: na sua crOnica de 22 de janei- ro de 1893, refere-se “ao botdo de Dide- rov1713-1784/, que matava um homem na China”, quando, em verdade,a idéia perten- ce a Chateaubriand (1768-1848). E dentre os mais freqientes exemplos de anacronis- mo literario, citam-se os cometidos por Sha- kespeare ao introduzir o relogio em Julius Caesar (1623), tragédia que se passa na an- tiga Roma, ou o canhdo em King John (1623), transcorrida antes de o instrumen- to bélico ter sido levado para a Inglaterra. ANACRUSE - Gr. andkrousis, prelidio, aco de remar para trés; al. Auftakt, Anakrusis. Expediente usado na métrica greco-lati- na, consiste na presenca de uma ou mais si- labas, longas ou breves, no inicio do verso, antes da arse (v. PE), e que nao se levam em conta na escansao*. Os versos logaedicos utilizavam-na (¥. VERSO). Na métrica moder- na, designa a inclusdo de uma ou mais sila- bas antes do metro bisico do poema. Em verndculo, pode-se considerar anacristica a silaba excedente em versos como: “Infante e velho! — principio e fim da vi- da! —” (Goncalves Dias, “Quadras da Minha Vi- da”). O vocabulo entrou em uso no século XIX, gtacas a Richard Bentley, que o sugeriu, ea Gottfried Hermann, que o empregou nas ANADIPLOSE ANAGNORISE Elementa Doctrinae Metricae (1816). Foi to- mado de empréstimo a musica, onde assina- a anota ou notas introdutérias de uma me- lodia que antecedem o primeiro compasso. BIBL. Guimaraes s. d.; Morier 1975; Sil- va Ramos 1978; Tomas 1972; Urefia 1933. ANADIPLOSE — Gr. anadiplosis, reduplica- ‘cdo, pelo lat. tar. anadiplosis. Figura* de linguagem, consiste na repeti- cdo da diltima palavra de um segmento mé- trico (verso* ou hemistiquio*) ou sintatico, no inicio do seguinte. Por vezes identificada com a epanalepse* e confundida com a epa- nadiplose*, assemelha-se ao leixa-pren*: “O regedor das ilhas que partia. Partia alegremente navegando” (Camées, c. I, estr. 59/60). “Quero escrever sem saber, sem saber 0 que dizer” (Dante Milano, “Descobrimento da Poesia”). Consideram-se variantes da anadiplose a andfora*, a antimetabole* e a epanalepse (Espy 1983: 51). ANAFORA - Gr. anaphora, repeticao, pelo Jat. tar. anafora. Figura de linguagem, também chamada epandfora, consiste na repeticao de uma ou mais palavras no principio de suctssivos segmentos métricos (versos*) ou sintaticos: “Vi uma estrela tao alta, Vi uma estela tao fria! Vi uma estrela luzindo Na minha vida vazia. Era uma estrela tao alta! Era uma estrela tao fria! Era uma estrela sozinha Luzindo no fim do dia” (Manuel Bandeira, “Estrela”. “Passou-lhe alguma hora pelo pensamen- to a José atrever-se a honra de seu senhor? Passou-lhe alguma hora pelo pensamento a Daniel querer maquinar contra o império dos Assfrios? Passou-lhe alguma hora pelo pensamento a Cristo (que também nisto quis dar-nos exemplo) querer-se fazer rei temporal, de que tantas vezes fugira?” (Pe. Ant6nio Vieira, “Sermao da Segunda Dominga do Advento”, V1). A anafora denota insisténcia, “ou davon- tade, do amor imperecivel, do dio im- placavel (...), da indignacio (...), do lirismo, da eloquéncia ou simplesmente do sofri- mento” (Morier 1975: 109-110). V. EPIFORA. ANAGNORISE - Gr. anagnorisis, reconheci- mento. Termo empregado por Aristételes para designar “o reconhecimento (...), a passa- gem do ignorar ao conhecer, que se faz para amizade ou inimizade dos personagens que estao destinados a dita ou a desdita” (Poéti- ca, 1452 a 30). A anagnorise assinala 0 mo- mento da descoberta de um fato oculto, cuja revelacao altera substancialmente o futuro das personagens* (V, PERIPECIA). No geral, 0 reconhecimento consiste no desvelar a exis- tncia de lacos familiares entre os protago- nistas: “o reconhecimento é reconhecimen- to de pessoas (...); certos casos ha em que o € somente de uma por outra, quando clara- mente se mostra quem seja esta outra; nou- tros casos, ao invés, di-se o reconhecimen- to entre ambos os personagens” (1452 b 3). Assim, no Edipo-Rei, a anagnérise ocorre quando Edipo toma consciéncia de que foi ele quem assassinou Laio, seu pai. No en- tender de Aristételes (1452 a 33), a tragé- dia* de Socrates exemplifica “a mais bela de todas as formas de reconhecimento (...), a que se da juntamente com a peripécia (...), porque o reconhecimento com peripécia suscitard terror e piedade” Parte importante da tragédia clissica e mesmo do drama*, a anagnorise constitui ANAGRAMA ANALISE um dos pontos culminantes de Frei Luis de Sousa (1844), de Garrett: casada em segun- das nupcias com Manuel de Sousa Couti- nho, Madalena de Vilhena recebe, anos apés odesaparecimento do seu marido na Africa, avisita de um Romeiro vindo de Jerusalém. Em determinado instante (ato* Il, c. XV), 0 Romeiro dé-se a conhecer como 0 seu pri- meiro esposo, ¢ o destino do casal e da filha tansforma-se de stibito ¢ para sempre. ANAGRAMA - Fr. anagramme, do gr. and- gramma, transposicao de letras. Diz-se dos vocabulos, sobretudo nomes préprios (antropénimos), formados pela transposigao de letras. Emprega-se, no geral, para cunhar pseudénimos* ou encobrir a identidade de personagens* reais: Natércia é anagrama de Caterina (de Ataide), Elmano (Sadino), de Manuel (Maria Barbosa du Bo- cage); Alcofribas Nasier (Francois Rabelais), Rose de Pindare (Pierre de Ronsard). Em Menina e Moca (1554), Bernardim Ribeiro empregou varios anagramas para nomear as personagens, como Avalor (Al- varo), Arima (Maria), Belisa (Isabel), Nar- bindel (Bernardim), Donanfer (Fernando), Enis (Inés), Cruélcia (Lucrécia). Gui- mares Rosa usou como pseuddnimo trés anagramas do seu nome: Soares Guiomar, Meuriss Aragio e Sé Aratijo Ségrim. E um dos nossos parnasianos mais ortodoxos imaginou um didlogo entre a alma € 0 cor- po baseado nesta figura de linguagem: “A Alma O meu desprezo profundo Dou-te. Es, 6 corpo, anagrama Do animal pesado ¢ imundo Que se rebolca na lama. 0 Corpo Fatua, que divina chama Supdes possuir neste mundo, Ve que perfeito anagrama Formam também alma e lama” (Alberto de Oliveira, “A Alma e 0 Corpo”). Ha quem considere 0 anagrama uma va- tiedade do palindromo*. A semelhanca deste e doutros recursos formais, resul- tantes do gosto barroco pela engenhosidade hidica, o anagrama foi muito cultivado nos séculos XVII e XVIII, como bem ilustra a publicacdo, em 1654, do Jardim Ana- gramdtico de Divinas Flores Lusitanas, Hes- panholas ¢ Latinas, com 686 anagramas. Deve-se a facanha a Alonso de Alcald y Her- rera, que se julgava nao s6 o primeiro autor “de livro de anagramas impressos nas lin- guas lusitana e espanhola”, mas também “o primeiro inventor de anagramas cronologi- cos, pois em cada um deles se inclui e se de- clara o ano em que foram feitos” (Hatherly 1979: 33, 34). Nao raro inofensivos, convencionais, os anagramas podem ocultar informacées tele- vantes, tornando-se “o lugar do género demonstrativo” ou do oraculo, da predicao (Goyet, 1981). ANALEPSE — Gr. andlepsis, recuperagao. Termo da ret6rica moderna, equivalente a flashback* (Genette 1972: 82-105; 1983: 15- 22; Rimmon 1976: 43-44; Rees 1981: 73-88). ANALISE - Gr. andlysis, decomposigao, dis- sociagao, resolugao. Conforme a sua etimologia, dois senti- dos pode assumir 0 vocabulo “andlise”: 1) decompor, separar, dissociar os elementos que formam uma obra ou realidade comple- xa; 2) “a andlise consiste em estabelecer uma cadeia de proposi¢ées, comecando por aquela que se deseja demonstrar e finalizan- do por uma proposicdo conhecida, de forma que, derivando da primeira, cada proposi- cdo seja conseqiéncia necessiria da que a sucede; de onde a primeira proposicao ser uma consequéncia da derradeira e, portan- to, tao verdadeira como ela” (Georges Du- hamel, apud Lalande 1951: 55). A andlise, em qualquer das duas acep- ¢0es, ndo é exclusiva de nenhuma forma de ANALOGIA ANAPODOTON conhecimento. E relaciona-se intimamente com a sintese”, “seja na sua oposicao como operagées contrarias, seja na sua conexao como operagées inversas ¢ complementz res; juntas constituem o raciocinio de- monstrativo” (idem: 1091 n.). Todavia, a andlise pressupée um movimento mental regressivo, pois a inteligéncia caminha de um todo supostamente harménico para o conhecimento das fragdes que o integram, como se caminhasse do efeito para as cau- sas, ou se desenvolve a partir de uma pro- posicéo que se deseja demonstrar para as que lhe sao obrigatoriamente vinculadas. A sintese implica progressio, uma vez que obedece a marcha antagonica, segundo um processo cumulativo e encadeador, que se desenrola desde os dados conhecidos, as causas, para 0 todo desconhecido, ou o seu necessério efeito. Ao passo que a andllise de- compoe as premissas implicitas nas conse- quencias, a sintese condensa as premissas em suas consequencias. Para os estudos literarios, a primeira acep- go corresponde a anilise literaria propria- mente dita, ao passo que a segunda, moven- do-se no plano dos conceitos e postulados, interessa A teoria e filosofia da literatura*. Deste modo, a anilise literaria consiste na desmontagem do texto literario com vistas a conhecer as partes que o estruturam. Tal des- membramento precede sempre as demais fa- ses de aproximacdo do texto literario, vale dizer, a critica” literéria, a historiografia li- terdria e a propria teoria literdria. No tocante a andlise literdria, hi que con- siderar a existéncia de ingredientes comuns a qualquer obra literaria, ¢ outros que sao es- pecificos de cada genero*, espécie ou forma, Os primeiros podem ser clasificados de ex- trinsecos, porquanto se referem ao contexto* s6cio-cultural em que a obra se insere (como a biografia do autor, a bibliografia* em torno do assunto em pauta, as relacdes com a Socio- logia, a Psicologia, a Politica, etc.): formais, que dizem respeito ao texto em si, a sua ca- mada denotativa (Vv, CONOTACAO; DENOTACAO), os recursos de linguagem, de estrutura*, etc.; intrfnsecos, que remetem para os significados imanentes nos componentes formais. Por outro lado, a analise de um texto poético objetiva lancar luzes sobre as meté- foras*, a cadéncia*, o ritmo*, a rima*, etc., enquanto o texto em prosa se fragmenta em personagens*, aco*, tempo, espaco, ponto de vista*, recursos expressivos (didlogo*, descrigaéo*, narracao*, dissertacao*). Oexa- me de tais aspectos permite falar em andlise microscopica, isto é, das microestruturas da obra literaria; e a sondagem global do texto, levando em conta a interagdo de suas partes na totalidade da estrutura, constitui a andli- se macroscépica, ou das macroestruturas. ANALOGIA - Gr. andlogos, relacionado, se- melhante, pelo lat. analogus. v. COMPARACAO. ANANKE - v. rRAGEDIA. ANANTAPODOTON - Gr.,, privado de cor- respondente simétrico. Espécie de anacoluto*, ocorre quando € suprimido o segundo termo de uma cor relagao, desfazendo-se assim a idéia alter- nativa (ou...0u, seja...seja, tanto...quanto): “Ou a explicagio é convincente...ndo me deixarei enganar.” BIBL.: Carreter 1973, Morier 1975. ANAPESTO - ¥. Pt ANAPODOTON - Gr., retorno, devolucao. Espécie de anacoluto*, “consiste na inter- rupcao de uma frase pela inclusao de uma ou mais frases incidentais pelo retorno ¢ de- senvolvimento da primeira sob uma forma diferente” (Mourao-Ferreira 1975. 21): “Divorciado do romantismo, esse movi- mento febril e doido através do qual, no en- tanto, parece indispensavel que a alma pas- se para ai largar, como se fosse em depurativo alambique, as suas escérias e renascer resti- tuida ao seu definitivo aspecto, divorciado ANAPTIXE ANTAGONISTA pois do romantismo e reintegrado na minha lidima idiossincrasia poética, me trasladei pela primeira vez das frescas, umbrosas mar- gens do Lima as torridas plagas algarvias” (Manuel Teixeira-Gomes, “Gente Singu- lar”) (idem: 22). BIBL.: Carreter 1973. ANAPTIXE — Gr. andptyx, desdobramento. v. SUARABACTI. ANASTROFE - Gr. anastrophé, inversio, pe- lo lat. tar. anastrophe. Figura de construcao, espécie de hipér- bato*, consiste na inversao, para fins estilis- ticos, notadamente poéticos, da ordem na- tural das palavras. A inversdo, porque suave, nao obscurece o sentido do pensamento, co- mo de habito sucede com o hipérbato. No seguinte exemplo, o complemento antepoe- se ao predicado: “No rigor da verdade, estas pintada, No rigor da aparéncia, estés com vida” (Gregério de Matos, “Retrata o autor a Dona Angela”). Quando € mais violenta, a inversao rece- be o nome de sinquese*. V. HYSTERON PROTERON. ANCIPITE, ou syllaba communis, ou syllaba anceps, silaba ambigua, duvidosa, do lat. an- ceps, itis, que tem duas cabecas. Expediente usado na métrica greco-lati- na, consiste numa silaba, sobretudo no final do verso, que, independentemente do seu real valor, pode ser longa ou breve, confor- me as exigéncias do ritmo* (v. EScANSAO). O vocabulo também designa as edigbes antigas de livros sem mengao do impressor, nem do lugar ou data da impressao. ANEXIM — Ar. anaxid, estrofes* recitadas. Diz-se dos ditos sentenciosos, de cunho popular (v, MAXIMA). Exemplos verndculos encontram-se na Eufrésina (1555) e na Aulegrafia (1619), pe- cas teatrais de Jorge Ferreira de Vasconce- los, carregadas de provérbios* e sentencas. D. Francisco Manuel de Melo compendiou numerosas expressbes da sabedoriado povo na Feira dos Anexins (1875). Artur Azevedo deixou uma comédia intitulada Amor por Anexins (1872?), cujo herdi*, Isaias, fala sempre neste diapasao: “Vim em pessoa saber da resposta da mi- nha carta; quem quer vai e quem nao quer manda; quem munca arriscou nao perdeu nem ganhou; cautela ¢ caldo de galinha. ANFIBRACO - y. Pt. ANFIGURI-— Fr. amphigouri, de origem obscura. Designa as composigées, em prosa ow verso, de sentido ininteligivel, absurdo, com vistas a provocar 0 riso ow a satirizar. Fre- qaente na época do Barroco*, aproxima-se do burlesco* e da parédia*. Corresponde a0 bestialogico* ou poesia pantagruélica, prati- cada por alguns dos roménticos brasileiros, de que so exemplo os primeiros versos de um soneto de Bernardo Guimaraes: ‘Eu vi dos pélos o gigante alado Sobre um montio de palidos coriscos, Sem fazer caso dos bulcoes ariscos, Devorando, em siléncio, a mao do Fado” (Sousa 1965: 165). BIBL.: Silva Ramos 1978. ANFIMACRO - ¥v. PE. ANISOSSILABOS (ou ANISOSSILABICOS) — Diz-se dos versos componentes de uma es- trofe* ou poema*, que apresentam variado mimero de sflabas métricas. Sindnimo de heterométricos. V. VERSO. ANREIM ~ Al. v. ALITERACAO. ANSPIELUNG — Al. v. ALUsAO. ANTAGONISTA - Fr. antagoniste, do gr. an- tagonistes; anti, contra, agonistes, ator, pelo Tat. tar. antagonista.

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