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Por uma robotica institucionalista: um olhar sobre as novas metéforas da inteligéncia artificial Porririo Sizva* Introdugao 4 putavam em varias cidades portuguesas o Euro 2004, 4 equipas de robés jogadates de futebol disputaram em. Lisboa, entre 27 de Junho ¢ 5 de Julho, 0 RoboCup 2004 ~ 0 Campeonato Mundial de Futebol Robotico (competigies € simpésio cientifico). Trata-se de uma iniciativa internacional, anual, que visa fomentar a investigagao e educacao na area da inteligencia axtificial (IA) e da robstica. A robética colectiva, na qual se integra 0 futebol robética, representa uma profunda renovacao da investigagao em IA, Essa renovacio vai de par com a adapcio de novas metéforas inspiradoras, que agora se tornam mais proximas do que nunca E quanto equipas de humanos jogadores de futebol dis- das ciéncias sociais. Este texto, que se integra numa reflexo critica sobre as ciéncias do artificial, comegara pot dar conta de aspectos relevantes dessas mutagies, Enteard, depois, no jogo da configuragio do campo das metéforas que se candidatam a esse papel inspi- E nesse quadro que se sugere 0 desenvolvimento de uma sbordagem institucionalista em robstica rador das novas correntes da I O que €0 futebol robotico O futebol robstico ¢ wma das iniciativas com maior sucesso na campanha para atingir dois objectivos articulados: desenvolver modalidades de inteligéncia artificial; fazer aceitar pelo grande piiblico que as maquinas podem ser inteligentes. A tentativa anterior com mais éxito nesse campo foi o xadrez computa cional. £ curiaso que 1997 seja simultaneamente o ano em que pela primeira vez wm computador venice um campeaio mundial de xadrez 0 ano em que se realiza a primeira edigdo do RoboCup. Ha, contudo, diferencas significativas entre os dois ‘programas de investigacio. A activi- dade de «jogar xadrez», tal como é praticada por computadores, € algo que se passa apenas «dentro da ca beca», enquanto os robés «andam no mundo» fisico, encontram obsté- culos reais € outros robs com os quais devem «colaborar> ou «com- petir», Desse moda, os desafios sus- citados pela robética (¢em particular pela robotica colectiva) so muito mais complexos ¢ mais titos. Uma das grandes vantagens do for- mato do RoboCup é que tem um «pro- blema padrao»: jogar futebol. Desse ‘modo concentran-se recursos ¢esfor- cos num mesmo tipo de actividade, segundo regras comuns que todos conhecem e avaliam ~ e a medida do sucesso € simples: os melhores ga nham os jogos. Contudo, hé muita iversidade no RoboCup: ha diferen- tes modalidades e nem sequer si0 todas «futebol», Aactividade mais importante do con- junto é 0 futebol de competicao, que * Boscra da Fundaito para a Citnciae Tecnologia (SFRH / BD / 10127 / 2002), inclu, além da Liga de Simulago, quatro ligas com robés fisicos. Na Liga de Pequenos Robés, equi- pas de cinco robds de 18 cm de didmetro, com rodas, jogam futebol com uma bola de golfe cor de laranja num campo do tamanho de uma mesa de pingue-pongue. Na Liga de Robés Médios, equi- pas de quatro robés com cerca de meio metro de diimetro jogam com uma bola de futebol cor de laranja num campo de 12x8 metros, Todos os sen sores utilizados por estes robésna sua operacio vo a bordo dos mesmos. Os objectos relevantes (equi- pas ¢ elementos essenciais do ambiente) distin- guem-se por cores, Pode haver comunicagao entre robés, mas sem fios. Nao é permitida qualquer intervengio dos humanos durante o jogo, a ndo ser para colocar ou retirar os robs do campo. Na Liga de Robés de Quatro Patas, robés de en- tretenimento (cies rebéticos sem fios da Sony) jogam futebol num campo de 3x5 metros. Na Liga Humanéide, robés humandides auténomos e bi- pedes compete em tarefas especificas que, de futuro, poderdo ser integradas em jogos de fute- bol robstico (caminhar, pontapés na bola, passes entre dois jogadores, marcagao de penaltis). © RoboCup Rescue é uma das modalidades do RoboCup nao relacionadas com o futebol. Uma ta- refa ti de salvamento», simulando um edificio parcial- mente destruido por um tremor de terra, onde se encontram manequins que representam «vitimas» em diferentes situagGes: obstruidas por destrocos, encarceradas. Os mane- uins emitem sinais de vida simulados (calor cor poral, movimentos, sons, didxido de carbono) ¢ ica desta actividade consiste num «cenario expostas numa superficie, 0s robés deve «compreender» o significado das combinagies de «sinais vitais», transmitir infor- mages sobre elas e realizar tarefas de salvamento sem destruir o ambiente.’ Em termos deinvestiga- cdo robética, um aspecto interessante desta acti- vidade é que ela se desenvolve em ambientes estruturados, enquanto em aplicagies mais tradi- cionais o ambiente é fixo ou previsivel. No Ambito do simpésio cientifico associado a0 iio RoboCup 2004, Luigia Carlucei Aiello, da Univer- sidade de Roma La Sapienza, proferiu no do- mingo, 4 de Julho, uma conferéncia intitulada «Seven Years of RoboCup: Time to Look Ahead». Dois aspectos da sua conferéncia merecem aqui uma referéncia Olhando para o pasado, Aiello fer um levanta- mento dos temas a que o movimento do Robo- Cup se tem dedicado. Desde o principio que alguns t6picos estiveram muito presentes, designada- mente: aprendizagem (de movimentos, de com- portamentos, como construir modelos dos outros agentes); visio (reconhecimento de objectos por meio de cores); localizagio e navegagio (como é que o agente sabe onde est no seu «mundo» ¢ como é que se dirige para outros pontos de inte- resse); planeamento (de movimento) ¢ replanea- mento (quando ocorrem mudancas que a isso cooperagio e competicdo em sistemas multiagentes. Nos tltimos anos tornaram-se im- obri portantes outros dois tépicos: robés humandides, € comunicagao entre robss. Othando para o futuro, Aiello considerou que, para © RoboCup, ele esté nos humanéides, porque é por eles que se poderd alcangar um progresso real na interacgo entre robds e humanos. Para que esse desenvalvimento se concretize sera neces rio investir nos seguintes pontos: a energia e 0 controlocomputacional necessérios terdo de estar a bordo do préprio robé; o robé humandide tera de ser capaz de se movimentar em ambientes hu manos, com um «estilo» humano, manipulando ‘osmesmos objectos que os humanos, interagindo ‘com os humanos de forma que seja segura e seja entendida como segura, comunicando de forma intuitiva para os humanos, tendo um aspecto agra- vel aos humanos; a percepeio do robé huma- néide deverd assentar na visio. Aiello prevé que dentro de 20 anos teremos humanbides capazes de correr e com autonomia para 24 horas, Do ponto de vista de uma critica das ciéncias do attificia, o interesse do futebol robstico reside, em grande parte, no facto de ele oferecer uma Para uma apresentagito mais detathada do RoboCup consultar http:/turing-machine.weblog.com.pt/. espécie de «teste de Turing de segunda gerayio>. Vejamos porqué. O velho ¢ 0 novo «teste de Turing» Como conceito, o moderno computador digital foi «inventado» por Alan Turing num artigo de 1936 (a «maquina de Turing»). Alguns anos de- pois (Turing, 1950), 0 mesmo autor revoluciona a reflexio acerca da relagdo entre mente e maquina. Querendo considerar a questio «as msiquinas pen- sam?>, mas considerando-a, nessa forma, uma questio «dema merecer disewsstio», Turing propde se expressila noutra forma. Para isso introduz o «jogo da imi- ado desprovida de sentido para taco». Sejam trés pessoas: A, um homem; B, uma saulhe C, um interrogador humano que perma- a separada de A e BO objectivo do jogo é: para o interrogador, determinar, com base nas perguntas que ditige a A e a B enas respostas nece numa obtidas, qual é 0 homem e qual é a mulher; para a mulher, ajudar o intertogador (dizendo a ver- dade); para o homem, enganar o interrogador, fazendo-o crer ser ele a mulher. Para que o tom de vor-de A ou de B no ajude o interrogador, as respostas ser-lhe-Go transmitidas por teletipo. Agora, a questo «as maquinas pensam?» pode sec substituida pela questo seguinte, relativa a um’ computador digital C: «B verdade que, modifi- cando esse computador para tet wna capacidade de memoria adequada, aumentando satisfatori mente a sua velocidade de trabalho e fornecendo- Ihe um programa aptopriado, podemos fazer ‘com que C desempenhe satisfatoriamente o papel de A no jogo da imitagao, sendo o papel de B desempenbado por um homem?» De acordo com a distribuigio de papéis na jogo, o desentpenho satisfatério do computador diz respeito & capaci- dade para evitar que o interrogador o identifique como tal. A «aposta» de Turing é entio explicitada: por volta do ano 2000 havera computadores que jogario ‘io bem o jogo da imitago que um interrogador humano médio nie tera mais do que 70% de hipé- teses de fazer uma identificagio correcta apés cinco minutos de interrogatério, de tal modo que alguém que fale em maquinas pensantes nao cor- rerd o risco de ser contraditado. Um aspecto central do que esta em causa & que a proposta de Turing concebe uma separacio radi cal entre inteligéncia e corporalidade de um sis- tema: «O novo problerna tem a vantagem de tragar uma linha bastante nitida entre as capacidades fisicas ¢ intelectuais de um homem.» E por isso que as condigdes de organizagio do jogo tém de evitar que 0 interrogador veja, toque ou ouga os outros competidores. Se a questao da corporali- dade no é essencial na fronteira entre humanos € maquinas, ela também nao é essencial na dis- tingdo entre maquinas diferentes: apenas interes- sam os aspectos logicos do seu funcionamento, Nesta senda, durante décadas o paradigma dom nante na investigagdo em IA desprevou largamente © que nao fosse processamento de informacie «dentro da cabeca», Embora a IA € a robstica tenham nascido associadas, logo se separararm Lembremo-nos (no que toca as representagies dominantes) que o computador HAL (do filme 200%: Odisseia no Espago) se contentava em «dar ordens» e deixar a manipulagdo para os huma: nos, Antes da redescoberta da importancia do corpo para a inteligénci tavel que se dissesse que uma méquina podia jogar muitos achavam acei- xadrez, e mesmo vencer um humano nesse jogo, sem ser sequer capaz de reconhecer um tabuieira dde xadrez, O que acontece é que 0 RoboCup é uma nova forma de teste de Turing, mas muito mais exigente: agora nao se pode esconder nada, em particular no se pode esconder o corpo; a imeligénc bém manter o corpo cantrolado. No sentido em nao é apenas raciocinio, mas tam- que participa de uma renovagio do imaginirio da IA, o RoboCup € uma aventura intelectual que merece atencio. Ha varios factores que tornam o RoboCup inte- ressante do ponto de vista da investigacio em ciéncias do artificial lidando com miltiplos agen- tes, para alérn de encarar de forma mais directa a questio da corporeidade da inteligéncia, Alguns desses factores sio expostos por Stone Veloso (2000, 370-273). Desde logo, trata-se de robstica colectiva: nao temos um robé isolado, temos equipas. Temos equipas contra equipas: além de coopera¢o também temos competigao. Temos robés fisicos auténomos (sem auxilio humano durante o jogo). Temos uma elevada exigéncia de coordenagio interindividual (para que um passe resulte, dois robés jogadores (én de estar no tempo € na disposigao apropriada). Ha uma forte conveniéncia em que cada rob6 seja capaz de estabelecer modelos dos comportamentos dos outros robas (prever 0 comportamentos dos par- ceiros, mas também dos adversérios), Dentro de uma mesma equipa, diferentes robés com dife- rentes percepcdes do jogo podem ter que determina como seré atribuido um nico valor numérico a cada pasigao com base em todos 0s factores, Tudo 0 que nao esteja pre- visto ou esteja subvalorizado na fungao de avalia- sie torna-se «invisivel> para 0 computador de xadrev. O que acontece é que a distingao entre posigies mais ou menos desejéveis é em geral pouco clara, Amorim (2002, 70-72) identifica varios tipos de posigdes que enganam sistematicamente os pro: gramas de xadrez, Apenas dois exemplos: a inca pacidade do programa para distinguir entre uma troca de pecas desfavordvel ¢ um «sacrificio»; ‘uma pega «encravada» (obrigada a permanecer parada para proteger uma pea de valor superior), que na pratica esta neutralizada, continua formal- mente activa, & para incorporar conhecimento deste tipo em heuristicas que se recorre a mestres: xadrezistas humanos. A forma de projectar as heuristicas mostra ctatae mente que contém uma grande quantidade de conhecimento humano embutido. Além disso, os programas de xadrez incorporam médulos que constituem repositérios directos de conhecimnento acumulado historicamente pelos humanos. As «bi- bliotecas de aberturas» so vastas colecgbes de caminhos de jogo entre o inicio da partida e, diga- ‘mos, 0 vigésimo lance, permitindo que nessa fase © programa, em ver de analisar as posigdes, as recupere directamente da meméria jé avaliadas. As «bibliotecas de finais» sio similares. Os «livros, de partidas» sdo registos de partidas histéricas (0 do Deep Blue continha 700 000 partidas de grandes mestres registadas lance a lance). Um livro de partida alargado» contém um resumo de informagao sobre cada jogada dessas partidas, como: se participou numa vitoria ou numa detrota, se 0 recurso a essa jogada é recente ou antigo (um uso recente indicia conformidade com os avangos tedricos), frequéncia de uso dessa jogada e cate- ‘goria do jogador que a utilizou (e +n prineipio um 8 jogador de mais alto nivel comete menos erros) (Campbell, 1999, 67) Vemos, entdo, que a forca competitiva dos pro- gramas de xadrez resulta de uma combinagio de forca bruta com grandes quantidades de conheci- mento humano embutido, Assim, compreende-se a afiemagiio da equipa do Deep Thought (um ante- cessor do Deep Blue) acerca das expectativas para oconfronto com um campedo humano: «0 rest tado ndo vai revelar se a méquina pensa |, mas se uum esforgo humano colectivo pode suplantar os aiores feitos dos seres humanos mais capazes> (Hsu et.al, 1990, 24). Um dos nomes importantes da JA, John McCarthy, assinala: «O facto de que este nivel de jogo requeira milhdes de vezes mais cAleulos do que os realizados por um jogador humano é uma medida do nosse entendimento limitado dos principios da inteligéncia artificial» (4997), ¥sse facto é especialmente relevante se o conju- ‘garmos com a compreensi de que ha diferengas notdveis entre a forma como os humanos € os computadores «jogam xadrez». A forga dos com- putadores é uma funcio da capacidade para nio cometer ettos, engwanto a forga dos seus oponen- tes humanos consiste em propor problemas que nio estejam previ 10s pela fungio de avaliagao (da maquina ou de outro humano). Os humanos no avaliain posigdes por busca exaustiva, mas com base em padrdes visuais e conceitos abstrac- tos retirados da experiéncia, Os humanos usam uma abordagem teleol6gica: visualizam o tipo de posicio que querem atingir e é nessa base que definem a tactica pela qual ctientam os lances; no comegam por analisar jogada a jogada. Como sintetiza Amorim: «A rigor, os programas de xadrez nio planejam. Ao invés disso, eles pro- curam por solugies contingentes, como se cada posigdo que ocorre durante uma partida fosse um novo problema a ser resolvido» (2002, 69-81,71 para a citago). Isto dlarifica a nossa questo anterior, que pode- mos recolocar assim: podera o futebol robstico, na procura de ganhar a aposta para 2050, usar © mesmo tipo de truque que est na base do & xadrez computacional? © futebol robotico consi- deraré que ganhou a sua aposta se, obtendo van- tagem sobre os humanos, ela resultar de uma combinago de «dopingue tecnoligico» (mq) nas com desempenho fisico desproporcionado face 0s humanos, o tipo de vantagem que os atletas podem obter ingerindo substancias quimicas) com transferéncia directa de conhecimento humano para a maquina por via dos seus programadores? ‘Ou, pelo contratio, o futebol robstico aceita o desa- fo especifica de exigir dos robés 0 desenvolvi mento auténome de comportamentos colectivos, de equipa, como chave do eventual sucesso da sua aposta? Neste sentido, tratasse de saber se a rob6- tica colectiva é apenas «mais do mesmo» ou se efectivamente aceita 0 desafio de pensar 0 social como factor de inteligéncia, Da inspiracéo biologica a «robética de mercado» 0 futebol robstico € um segmento da robética colectiva, isto é, da investigacao acerca da melhor forma de estruturar miltiplos robés num mesmo cendrio e de os controlar na iraplementagao de uma mesma tarefa. A robética colectiva, além de aceitar o lugar do corpo na inteligéncia, con: sagra outra ruptura fundamental com a IA classi- ca: ultrapassa o paradigma da inteligéncia como fenémeno puramente individual e comega a pen- sar a inteligencia como inteligéncia da relacao. Ora, uma consequéncia interessante desta ruptura € que a robética colectiva deixa de poder limitar- -se as velhas metaforas da IA classica. A «metafora do computador», que pensa a inteligéncia basica- mente coma processamento de informagiio dentro da cabeca, €enfraquecida. O xadrez.como exemplo por exceléncia da inteligéncia tem de ser abando- nado. A robstica colectiva tem de procurar outras metéforas. ‘Num primeiro momento, afonte mais significativa das metiforas inspiradoras da rabatica colectiva sao as sociedades de animais. ss0 estd bem exer plificado em Arnaud (2000), que prope uma taxo- rnomia dos grupos para aplicagao tanto a grupos de animais como a grupos de robds. £ pela forma de deslocagao que distingue os colectivos: rebanho, bando, cardume, enxame, entre outros. Nesta base, 6s problemas que Ihe interessam so relatives ao posicionamento dos robs no espaco: navegacio (posigio do proprio) e localizagao (posigo dos outros). A inspiragio biolégica continua a ser dominante neste tipo de investigagdo, mas comega-se a pro- curar inspiragao em colectivos mais sofisticados do que cardumes ou rebanhos. U na das primeiras ocorréncias de uma estratégia consistente para «robotizar» conceitos das cién manas aparece em Mataric (1995), que se apro- pria da nogao de comunicacao para descrever a circulagao de sinais no seio de sistemas robsticos, como se isso no supusesse qualquer diffculdade conceptual. Nao € que nao se registem resistén- 5 sociais e hu- cias — de dentro da propria comunidade das cién- cias do artificial — a essa importagao simplista. Por exemplo, Junge Zelinsky (2000) vém defender que é preciso distinguir entre o que parece comu- nicagdo aos nossos olhos (hd transmissao de sinal entre emissor e receptor) a efectiva existéncia de comunicagio (o que requer uma mensagem com, contetido e que o sinal seja interpretado pelo re ceptor). Também Billard e Dautenhahn (2000) defendem que sé ha comunicagao entre dois agen- tes se houver ancoragem de uma linguagem sim- bolica no mundo e se ela for partilhada — isto é, se eles tiverem desenvolvido uma interpretagio similar para um conjunto de sinais arbitrarios em termos das percepgies dos seus proprios sen: sores. Na verdade, pensamos estar a assistir 3 emergén- ciae afirmago de uma «segunda geracio de meti- foras inspiradoras» da robotica colectiva. A pr meira geragio decorreria da inspiracao bioldgica; a segunda inspira-se em ciéncias da sociedade. Vejamos um exemplo. Stentz e Dias (1999) introduzem 0 conceito de ‘uma lternativa «de mercado» em sistemas de con- trolo para robética colectiva, que deveria ultrapas- sar a dicotomia fssica entre controlo centralizado e controlo distribuido, Defendem estes autores que uma abordagem «econémica», «de mercado livre», combinaria 0 melhor das duas abordagens dominantes. Essa «robstica de mercado» assenta na ideia de que uma equipa de robs tentaria, dada uma do, cumpri-la com um esquema de operages que minimize uma fungdo de custes ¢ maximize uma fungio de lucros, distribuindo custos € lucros pelos robés individuais conforme ‘© seu contributo para a missio global. Num estu- cdo comparativo de varias arquitecturas de controlo, Singh ¢ Thayer (2001) referem-se a esta aborda- ‘gem dizendo que ela deriva das «geralmente aceites teorias econémicas do mercado livre», «em par- ticular um modelo de laissez-faire, que substitui ainspiragao bioldgica muito presente noutros sis- temas e que é «similar & forma como as empresas competitivas operando livremente resultam numa sociedade mais produtiva» (pp. 27-28). Gerkey e Mataric (2002) inspiram-se nesta abor- dagem econémica para propor, como método de coordenagio inteligente de grupos de robés, 0 deilion. O que pretendem é uma forma de atri buigio dinamica de recursos em grupos de robés. Como os robés em causa nao dispdem de um modelo do mundo, nao é possivel seguir uma abordagem de planeamento: cada tarefa nova apa- rece-Ihes como gerada aleatoriamente. A comuni- cacao € anénima, os robés nunca sao «tratados pelo nome». Quando uma mensagem ¢ difundida cla nao € enderegada a determinados destinaté- ros, mas a determinados «assuntos». Os assun- tos representam recursos: unia mensagem com 0 assunto «camara mivel desocupada> dirige-se Aqueles recursos robsticos disponiveis que sio necessdrios, por exemplo, para ir a algum sitio e observar alguma coisa. Daf dizer-se que a comu- nicagdo é centrada em recursos. Diriamos, nés, mais: a «comunica¢ao» € entre recursos. 0 «leildo» funciona basicamente como se segue: ( Oleilociro anuncia uma tarefa, antincio diri- gido a todos os recursos capazes de a realizar; 0 amincio inclui os critérios de avaliagao da capacidade de concretizagao (por exemplo, sea tarefa ¢ ir até um certo ponto e apanhar um objecto, um dos elementos de avaliagio serd a distancia entre 2 posigao actual do r0b6 € o objectivo}; (Gi) Cada recurso interessado faz uma oferta, isto 6, publica os seus dados relativos aos critérios de avaliagao; Gii) 0 leiloeiro atribui a tarefa & melhor ofert com um contrato com um prazo; (iv) Durante a execugio da tarefa, 0 lelloeiro vai periodicamente verificando os progtessos e, se ela€ satisfat6ria, vai renovando o contrato; se a progressio é insuficiente ou, no limite, 0 robd «desapareceu» (avariou ou foi recarre- gar baterias), a tarefa é retirada e serd posta ak 0 novamente, Estamos claramente no campo da exploracao de novas analogias: «Os leildes, numa ou outra forma, tém sido utilizados nas sociedades através da hi t6ria para distribuicdo de recursos escassos a in- dividuos ou grupos» (p. 761). E: «resolvemos este problema (..) seguindo a divisio de trabalho usada pelos humanos» (p. 764). Para confirmar como as metiforas se embebem ‘umas nas outras, € curioso abservar que os auto- res dizem que, embora possa parecer contra-in- tuitivo empregar um mecanismo de competigio (© leilio) para gerar cooperagio, a diferenca entre competicao e cooperagao est apenas na presenca ou auséncia de egoismo-e eles garantem (porque foram eles que os projectaraml) que estes robs nao sao egoistas! Mas 0 que significa ser egoista quando nao ha mais ninguém no mundo (¢ clara- mente explicitado que tanto produtores como consumidores de mensagens nao estio de modo nenhum cientes uns dos outros)? Parece-nos, pois, estarmos perante 2 emergéncia de uma nova geracao de metéforas inspiradoras da IA, por influéncia da robética colectiva. Con- tudo, o exemplo que acabmos de aflorar mostra afluéncia de concepcdes ingenuamente indivi- listas do social em tais experiéncias. Vejamos, de seguida, uma aproximagio diferente a essa Organizagoes artificiais Drogoul e Zucker (1998, 5-10) resumem o «méto- do Cassiopeia» para o projecto de sistemas multi- agentes com comportamentos colectivos. A ideia subjacente é a de criar colectivos artificiais que sejam mais do que um aglomerado de agentes sejam efectivamente dotados de organizaciio (orga- artificiais) A ideia de partida é que um agente pode desem- penhar papéis de trés niveis: individual, rela organizacional. Os papéis individuais correspon- nizagé onal, dem aos comportamentos de que cada agente € ‘oladamente. Os pap pondem as formas como cada agente interage capaz, is relacionais corres- com os demais. Os papéis organizacionais corres- pondem as formas como os agentes gerem as interaegSes para produzirem organizagSes. As dependéncias entre agentes traduzem depen. déncias entre os papéis individuais que eles de- sempenham., Essas dependéncias so designadas por relagdes de influéncia, A estrutura da organi- zacio € distribuida pelos agentes como transmis. so de sinais de influéncia. estrutura de depen: déncias clefine implicitamente os potenciais grupos deagentes que podem ser formados. A dindmica da organizacio € definida por papéis organizacionais que permitem aos agentes dotados desses papéis gerira formacio e dissolugao de grupos. Umagente que tenha o papel de «iniciador» pode eriar (edis- solver) grupos de agentes que tenham o papel de «participante», sendo que um determinado grupo deixa de existir quando o agente iniciador aleangou © objectivo para que o grupo foi formado. Estes autores exemplificam a aplicagio da sua metodo- com o futebol robético em simutacio. Uma equipa de investigadores portugueses (Lima et al., 2000) faz uma aplicagio dessas ideias ao futebol robotico implementado fisicamente (e ni apenas m simulagdo). Vejamnos aspectos da sua abordagem. Ao nivel organizacional estabelece-se a estratégia que devera ser seguida por toda a equipa. «Defen- der, «atacar» e «contra-atacar» sao exemplos de estratégias dinamicas. Cendrios pré-programados em fungio de situagdes tipicas de jogo (, por exemplo) também definem estratégias, que orientam o com- portamento global da equipa 10 de uma estratégia pelo nivel organizacio- nal define 0 conjunto de técticas que a implemen- tam e cada téctica define o conjunto de compor- tamentos admissiveis para os robs Aselec individuais. Ao nivel relacional estabelecem-se as relagdes entre robés, determinando quais unidades adoptam quais comportamentos, o que pode incluir uma negociagao entre agentes acerca de qual est melhor posi¢ao para implementar determinada tarefa (em fungao da proximidade a bola, por exemplo). ‘Ao nivel individual encontram-se todos os com- portamentos que os robés podem executar’ Os comportamentos («guarda-redes» ou «ata- cante>, por exemplo) slo combinagies de tarefas primitivas de que os robds individuais sao capa- zes (como «chutar», «procurara bola» ou «rodar em paraa esquerda»). Cada um dos robds individuais é dotado dos trés niveis, embora as decisdes estratégicas (nivel orga- nizacional) sejam tomadas por um tinico agente, © «capitiio da equipa» (se esse falhar, outro asst mira a fungao). Aos diferentes niveis, as decisées sio influenciadas quer pelo «estado do mundo» (informacio disponivel nos sensores acerca do estado das variveis fisicas que eles captam), quer pelo «estado da equipa» (conjunto de comporta mentos que esto a ser executados), As abordagens que muito resumidamente men- ciondmos neste ponto ilustram o que queremos dizer: 0s sistemas multiagentes e a robstica colec- tiva preocupam-se com o facto de os colectivos ni funcionarem apenas como colec¢des de indi A variagdo terminoligiea «papel» /«comportamento» deve ser explicitada assim: um «papel» é um «comportamentor executado por wm robi quando numa determinada «posigdo» (o que define o «guarda-redes» ¢ um par comporta- mento/posigao). viduos, mas terem dimensdes préprias que os caracterizam como organizagdes. Que essa apro- ximagao se esteja a desenvolver é interessante, mas queremos assinalar apenas dois exemplos de ‘uma certa ingenuidade que ainda perpassa nessas abordagens. Em primeiro lugar, nao ha «poder puro» dentro destas organizagées artificiais. Isto é, s6 sio con- sideradas aquelas relagdes de dependéncia entre agentes que foram estabelecidas por servirem as zagao. Nao é dei- xado espago para outras dependéncias, resultantes fungdes definidas para a organ de relagdes sociais mais complexas. Como em eral acontece com estes seres artficais, os pro- jectistas concebem-nos com uma pureza de labo- ratorio: eles s6 existem para aquele fim, nao so contaminados por nenhum outro tipo de condi- cionamento, tém uma absoluta racionalidade funcional direccionada para a pertenga exclusiva um Gnico colectivo. Como se cada umm deles 86 existisse para um dado «hem comum» e todo 0 poder comegaste e acabasse na melhor estratégia ‘para o aleancar. Esse tipo de simplificago pode condenar as « de um colectivo de- pende das percepcdes dos individuos que funcio- nam como «sensores» da organizagao. S6 que aqui teressante diz respeito a um pres- se revela a presenga implicita de uma teoria epis- ssume-se (3 maneita po: tivista) que «factos sio factos», como se os «fac- tos» tal como sao integrados nao dependessem de um ponto de vista ou de uma interpretacio, Nada distingue os pontos de vista colectivo e indi- viduel. A organizagio enquanto tal é cega— como, alis, se adivinhava quando os autores considera- dos esclareciam que as competéncias individuais, temolégica particular: relacionais e organizacionais eram sempre e apenas aspectos da competéncia de cada robé individual. £ 0 regresso, pela mao das ciéncias do artificial, de um dos programas mais ambiciosos da episte- mologia positivista: representar 0 mundo exterior como uma construgao logica a partir dos dados dos sentidos, como projectou Russell em Our Knowledge of External World € Carnap levou ao maximo esplendor em Der logisohe Aufbau der Well. Falta aqui, parece-nos, um elemento de exterioriza- do da organizagao relativamente aos individuos. Tal como é importante para os humanos que sejam capazes de armazenar informacao, conhecimento € procedimentos fora do seu organismo, éimpor- tante conceber colectivos que nao sejam «armaze- nados» apenas como um somatério de dimensies dos individuos. Por uma robotica colectiva com instituigdes [Até aqui identificdmos alguns aspectos da renova- Jo da 1A que resultam da investigacio em robs tica colectiva. Ao mesmo tempo fomos assinalando a infiltragao de certos pressupostos epistemol6gi- cos (de eficdcia di piradoras. Esses pressupostos parecem estar inti- ‘mamente relacionados com o predominio de uma visio individualist dos grupos (das «sociedades») de robs. E como se a robotica colectiva, quando opta por sistemas de controlo distribuido em vez cutivel) nas suas metaforas in: de controlo centralizado, deixasse de dispor de outra alternativa conceptual que nao seja esse in- dividualismo, Desse modo, a robética colectiva ficaria impedida de extrair todas as consequéncias de um dos seus tracos mais inovadores: conceber jo pode ser completamente compreendido sem contar com a dimensio relacional e socal E por isso que queremos conclu, num breve apon- a inteligencia como fenémeno que ri tamento, com o esbogo de uma metéfora inspira- dora que possa abrir outros caminhos & robstica colectiva:instituigdes para robds, Vamos arrancar essa metafora inspiradora a um debate em econo- a Optica de dois autores interessados na reno- vacdo da perspectiva institucional n Hodgson (1988, 53-71), numa revisdo dos proble- essa ciéncia, mas do individualismo metodologico em ciéneias sociais, lembra que nao se trata de um ponto de vista ingénuo (nem recusa a existéncia e impacte das entidades sociais, nem se limita ao truismo «a sociedade é formada por individuos»), mas da tese segundo a qual as explicages dos fendmenos sociais so redutiveis a explicagdes acerca dos individuos. Para o individualismo metodol6gico, 0 propésito individual é causa suficiente de toda a acgiio social. Uma forma historicamente concreta (e actual) de individualismo metodolégico é o paradigma do- minante em economia, a chamada teoria econ6- mica neoclassica, na qual é central a ideia do «homem econémico racional»: os individuos agem «racionalmente num sentido muito especifico, isto 6, por via de um célculo poderoso processam toda a informagio relevante com o fito de maxi mizar um resultado expresso num é Geutilidade> ou lucro, por exemplo). Cada indiv- duo, como agente econémico, agiriaentéo na base de uma ordenagao consistente e estavel das suas preferéncias ~ e esse comportamento perfeita- ‘mente racional dos individuos na pura prossecugio dos seus interesses (econémiicos) proprios seria a causa do estado de equilibrio global na actividade econémica (Hodgson, 1988, 73-74). Essa concepgao tem varios pressupostos interes- ico valor santes. Um deles é 0 do conhecimento perfeito como capacidade do agente racional: por exemplo, ‘um consumidor que agisse segundo o modelo seria capaz de conhecer ¢ avaliar todas as caracteris- ticas relevantes dos 10 000 produtos diferentes ‘que encontra num supermercado de cada ver que vai as compras. Outro pressuposto importante & 0 da ilimitada capacidade de célculo do agente: € como se qualquer agente econémico fosse um matemitico eximio capaz dos mais complexos célculos de probabilidades sobre todas as citcuns- tincias que podem afectaro resultado da sua acgio. Também se pressupde a completa consciéncia do processo de deciso, ignorando todos os proces: ‘sos mentais inconscientes ¢ subconscientes (ina- cessiveis a «decisio racional») que influenciam a acgio. E ainda ignora que muitas vezes aj contra o que os nossos juizos racionais nos ditam ser o nosso interesse (por «fraqueza de vontade» ou «incontinéncia»), Castro Caldas (2001) lembra como Herbert Simon (a comegarna década de 1950) mostra, coma sua teoria da

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