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problemas delinguistica descritiva 1 Introdugao A. iingiistica, como. ciéncia auténoma, comegou nos principios do séeulo XIX com a chamada gramatica’ comparative, ou comparada, que & uma técnica de confrontagio entre as linguas de origem co- mum, para depreender o estado origindrio, ou protolingua, de que elas emergiram. Dai, em seguida, se desenvolveu um enfocamento hist6rico das linguas, para acompanhar-lhes as mudancas através dos tempos e estabelecer leis, mais ou menos universais, ou privativas de uma lingua ou um grupo de linguas, a respeito da maneiza por ‘que essasmudangas se dao. Hoje, o grande interesse se concentra no estudo do mecanismo pelo qual uma dada lingua funciona, co- mo meio de comunicagio entre os seus falantes, © na analise da estrutura, ou configuraggo formal, que a caracteriza. J& tinha, em principio, 0 iltimo objetivo a gramitica tradicional, elaborada a partir da Antiguidade Clissica com a lingua grega. Em portugués, desde Femdo de Oliveira e Jodo de Barros, no. século XVI, vém-se multiplicando nessas diretrizes as graméticas ditas ex- positivas. Ora se limitam a apresentar um modelo de comportamen- fo a ser seguido, na base da sempre repetida definigao — «arte de falar © escrever corretamenter; ora ascendem a um plano que bem 32 pode chamar cleico em stus propisor, porque promiram ex- iF a organizagao ¢ 0 funcionamento das formas lingtisticas com Sbjetvidadeanaltica. ‘© fundamento essencial para essa citncia da gramatica tem como delineou Aristételes na Grécia antiga, a disciplina da logica. A gramdtica tradicional de cunho cientifico foi entendida como ancilar do estudo filoséfico que trata das leis de elaboracio do raciocinio. Ajustificativa estava no pressuposto de que a lingua, fem sua organizagdo e funcionamento, reflete fielmente essas leis. Tal foi a orientagio no século XVIMI da Gramdtica Filosdfica de Soares Barbosa, em portugués, como fora, em francés, a da Gram- maire Raisonnée de Port-Royal. A lingua’ servia para ilustrar a 16- ica, © a logica para desenvolver a gramatica. No século XIX outro caminho se esbogou. A tendéncia foi colo- car tal estudo sob a égide da psicologia. A nova afitude se apoion na filosofia romantica, que salientava oS aspectos psicologicos, ou mesmo antil6gicos, que as linguas revelam, e a sta condigio de ex- pressdes totais da vivéncia humana, constituida nfo apenas de ra- fiocinio, mas ainda — e muito mais talvez — de emocdo e fantasia AA lingtistica, que se firmara e desenvolvera como citncia autd- noma, circunscrita na gramética comparativa e em seguida na his- téria linglistica, ndo se preocupou diretamente com a descrigao das Tinguas. Mas indiretamente favoreceu a tendéncia psicolégica. Assim, Hermann Paul, 0 grande tebrico da lingiistica de sew tempo, que ale queria exclusivamente hhistérica, deu, nfo obstante, uma achega para um tratamento descritivo psicol6gico, como ja observow com razio Fr. Kainz. ‘A reagio contra uma e outra diretriz surgiu no século XX. Em 1928, L. Hjelmslev, um dos iniciadores da lingiistica des- tritiva como atualmente 6 entendida, assinalon a necessidade de edi tinguir ltidamente o ambito da lingtistica, que estuda a atividade pela qual se comunica um contedido de consciéncia de um individuo a butro, ea psicologia, que, covio a légica, se ocupa em examinar © proprio contesido da consciéncia humana>.* © programa que ele propunha s6 podia ser executado dentro da lingnistica. Vimos, porém, que esta, desde os seus primérdios no séeulo XIX, se concentrava na gramética comparativa e na lingt fica histériea. Era preciso, portanto, abrir uma nova frente dentro da lingtstica, para falarmos em termos militares. Foi a necessidade que cedo sentiram Anton Marty, em 1908, © Vilém Mathesius, em 1911, O primeizo assinalava que em linguistica a0 lado de leis histéricas hd também leis descritivass*, e 0 segun- 0 procurow firmar a prioridade do estudo descritivo Sobre 0 his térico, 08 quais ele chamou respectivamente . A lingifstica s6 trata da histéria da lingua, e @ descrigéo & substituida por um cédigo normativo, com vistas | pr tica escolar. A situagdo € bem assinalada pelo contraste de signifi- cagio © emprego dos termos «gramatico> ¢ «filélogo»: aquele atri- buldo, com certa coloragio pejorativa muitas vezes, 20 expositor pra- xista de regras consuetudindrias, e este, valorativamente, 20 que pro- cura explicar em sentido genético o que vigora, E? claro que um cédigo normative de falar ¢ escrever «correta- mentes (isto & de acordo com uma convencao social, bem radicada, Se numa escala estimativa as diversas modalidades de lingua vigentes no pais) é util — e mesmo necessirio — por motives a ‘bem dizer extralinglisticos. A estratificaggo na maneira de falar € icado & margem desses pro- was, dian aramatinly oe Joke Raeon, Letan, 012, Car fate ces Forapuct, oRBE, RPE Hu pe a8. 9 A dialetizagdo no espago se contrapde, nas sociedades mais ou me- nos politicamente coesas, uma le- vou a uma confusdo de dois registros, pelo menos: o da lingua es crita corrente e o da lingua literdria, em sentido estrito, com finali dades estéticas que dominam os canais de expresso. LA ait Ssetets Tota SGrardeie “caighiads por Chndiso de Figueiredo, em Le aer de Pipe Porigutva, Uber tt, pa0t 10 Em verdade, as relagies entre a fala © a grafia precisam de trata- mento muito diverso do que thes costumam dar as gramaticas es- colares. Nestas, a atengéo primordial € para a lingua escrita (como se disse ha pouco), e a lingua oral entra de maneira indetinida, sem delimitagdo explicita, que se impunha, para uma e para a outra. E’ justo que se dé grande cuidado a lingua escrita. E’ ela que a escola tem de ensinar em primeira mio, O estudante normal jé vem falando com eficigncia e propriedade, embora precise aperfeigoar, ou até inteiramente aprender, 0 uso da lingua-padrdo. Acresce 0. prima- do da lingua escrita nas sociedades do tipo da nossa, dito «civil zados, Ai, do ponto de vista sociolégico, a lingua escrita se sobre- poe inelutavelmente & lingua oral, pois rege toda a vida geral su- perior do pais. Da-se uma inversdo, em termos sociais, da verdade puramente linguistica de que a escrita decorre da fala e € secun- daria em referéncia a esta Nao’ obstante essa contingtncia de ordem social, subsiste 0 fato lingiistico de que a lingua escrita & uma transposicio, para outra substancia, de uma lingua primordialmente criada com a substan- cia dos sons vocais. $6 se pode compreendé-ta e ensind-la na base dessa transposigao, . * Para a lingua portuguesa foi Goncalves Viana, em Portugal, quem introduziu de maneira definitiva a nova disciplina.* O sew exemplo foi segaido no Brasil, onde j4 vimos que principalmente com An~ tenor Nascentes a gramatica escolar passou a levar em conta a des- crigdo fonetica, A. melhoria ficou, entretanto, ainda muito deficiente por dois motivos. Em primeiro lugar, a muitos de nossos gramticos tem faltado ‘© dominio da técnica fonética, Continuou a haver freqilentemente a interferéncia da lingua escrita e de suas letras, © as atirmagbes fo- néticas foram muitas vezes confusas e irreais. A nomenclatura gra- matical oficial‘, por exemplo, cometeu pelo menos dois erros foné- ticos fundamentais, Imaginou as consoantes fricativas como uma sub- diviséo das constritivas; ora, trata-se de duas designagdes sindnimas (constrigdo do canal bucal com efeito auditivo de friegdo) para uma seed Ein Sot al” ate Sw eae ta ales) UF pola mance dobbs Nes, “irs Praeio Snes asthe © 3 otra gr Guoatee, Vie: Sree ig te oe a ae elie ema aes, LES subdiviséo das consoantes continuas (onde ha continuidade de em sio de ar, ao contrario das oclusivas, quando 0 ar € momentanea- mente interrompido por uma ocluséo do canal bucal). Na descrica0 das vogais, por outro lado, foi esquecida a qualidade sdnica decor- rente da clevagdo variével’ da lingua (vogais baixas, médias e al- tas); assim, se omitiu para o portugués 0 trago diferenciador en te a vogal , e a Tonética, centrada nele, se transple para uma nova dis Ciplna, ‘chamada ou «fonologiay.* ‘Com isso no se passa a prescindir, evidentemente, da observasio fonctice rigorosa para um registro cuidadoso das realizayies ocor- fentes. Apenas a essa observagao ¢ registro se tem de seguir, numa ftapa, mais propriamente lingiistica, um trabalho de comparacao coordenagio, a fim de agrupar os sons anotados em unidades supe- riores, de ordem funcional, que séo os fonemas. ‘Si0 0s sons vocais assim entendidos como fonemas que a des- crigao lingiistica deve, antes de tudo, apresentar. O campo de varia~ g6es, que, cada. um deles comporta, constitul um aspecto derivado Ga deserigdo. Ai, por sua vez, impée-se distinguir duas espécies. mui- to diversas de variagéo, De um lado, hi as chamadas variantes livres, como sfo as qua tro realizes’ do. /t/ forte portugués, ha pouco aludidas aqui. Cor fespondem a um estado de Muluagao fonética, que no plano deseri- tivo, ou sinerénico, € a contraparte de um lento trabalho diacrOnico de madanga, que vai poueo a pouco ganhando novas areas de falan- tes, No caso do /*/"torte portugues, por exemplo, a marcha dia frbniea € no sentido da substituigio da articulagdo Antero-bucal_ (vie bragdo.miltipla da ponta da lingua junto aos dentes superiores) por uma vibragdo posterior, que vai da vibragio da raiz da lingua jun fo ao véu palatino a tremulagao da dvula e 4 mera fricedo faringea; fem stm, um processo andlogo ao que jé se completow em fran ts parisiense, com a consolidaggo da ariculagio uvular do chama- do + grasseyé. ante, ng see, Inepdocta ne nnguises > if ‘seman De outro lado, hd as variagdes determinadas pelas condigées do contexto fonético’ em que 0 fonema se realiza. Assim, em amplas 4reas da lingua portuguesa, em Portugal e no Brasil, a consoante continua dita’ lateral (em virtude do escoamento do ar pela parte lateral da lingua) perde em certas posigées a articulagdo dental que tem quando constitui silaba com uma vogal seguinte (cf. Id, tei, tua ftc,); passa a ter uma articulagao velar, porque a lingua se reti para’o fundo da boca e a parie axial do seu dorso & que toca 0 ‘véu palatino, em vez de haver um avango, com a ponta tirmando- se nos dentes superiores. Na proniincia normal de Lisboa, no sb © /I/ em final de silaba, posvocalico, mas até 0 intervocalico (ala, ela etc.) tem articulaggo velar numa tipiea variante posicional da consoante. ‘Sao essas variantes posicionais, ou contextuais, isto & determina das pela posigko da consoante no contexto fonético, que tém mais importancia numa descrigo lingiistica, apés o levantamento geral dos fonemas. E’ que expressam um mecanismo preciso de adaptacio das articulagées de cada fonema, relevante para o tragado da ge- rnuina fisionomia das linguas. ‘As variantes livres merecem, sem diivida, certa atengfo para 0 en- sino de uma lingua estrangeira, porque o falante ndo-nativo, sem co- nhecé-las bem, pode ser incapaz de, através delas, identificar os fo- rnemas, que ihe permitem distinguir as formas da’ lingua € portanto compreender plenamente a significacio do que owe. J& o falante nativo as reporta intuitivamente ao fonema de que fazem parte, € mmuitas vezes, até nfo sente peculiaridades que logo. impressionam € perturbam os que {ém outra lingua matemna. Nestas considerages «Sobre 0 estudo dos sons vocaisy, limite mo-nos a mostrar rapidamente como o conceito de fonema torna, a tum tempo, mais clara e mais simples a dese wglistica, Pare- ce importante fazé-lo em vista da idéia generalizada, entre gramé- cos e professores de portugues, a respeito de uma’ suposta com- plexidade da abordagem fonémica, tida como impropria para 08 lei- gos em lingiistica © os estudantes sem sofisticagao. Foi pelo me- nos 0 argumento dado pela comissao oficial, encarregada do proje- to da ja agora vigente Nomenclatura Gramatical Brasileira, para ater-se fora dessa abordagem. ‘A fonética naturalistica se esforca por destacar todos os tragos articulatérios que surpreende na fala de qualquer lingua. Evidente- mente, por maior que seja o apuro e exceléncia do foneticista, no se consegue obter com isso um registro verdadeiramente completo. Ha sempre uma selegio, que é a rigor arbitraria, pois Ihe falta um principio diretor. Demais, se € insuficiente até certo ponto. como ob- servagio fisica, & excessiva do ponto de vista funcional. E deste al- 7 timo ponto de vista até perturbadora, porque insiste em certas pe- culiaridades que a ele no interessam. Como adverte Sapir, «dé-se tuma importancia indevida a discriminagdes minuciosas, apenas. vis- tas em si mesmas», com .” A espinha dorsal do critério classificatério de Franco de Sé, que continuow até hoje, & a atribuigSo de um status proprio a. certos timbres espectticos do /a/, do /i/ e do /u/ em determinadas posi ges dtonas. Focalizando inicialmente a letra, considerou-se como e Surdo, ou reduzido, e 0 surdo, ow reduzido, 0 que a rigor sto tim- bres de /i/ € /u/, como a vogal final de vide e fruto, por exemplo. Em relagio a0

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