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ROCCO CAPITULO 1 SE VOCE VAI LER ISTO, £ MELHOR DESISTIR. Depois de umas duas péginas, vocé nfo vai mais querer estar af, Portanto, deixe para ld. Vé embora. Saia enquanto voc® ainda estd inteiro. Salye-se. Deve haver algo melhor na televisio. Ou entéo, jé que voce tem tanto tempo livre, talvez possa se matricular num curso no- turno. Tornat-se médico. Fazer algo por'si mesmo, Ir jantar fora, Tingir 0 cabelo, Voce néio esté ficando mais jovem. O.ghie'acontece aqui vai deixar voce puto, em primeiro lugar. Depois disso, % piora. - ~ Aqui voce vai ver uma histéria idiora sobre um garotinho idiota. A biografia idiora de alguém que voc8 jamais desejaria co- nhecer. Imagine esse pentelhinho, da aleura da sua cincura, com uma moita de cabelo louro repartido de lado. Imagine esse merdinha nojento sorrindo em antigas forografias escolares, jf sem alguns dentes-de-leite e com os dentes definitivos nascendo tortos. [ma- gine-o usando um suéter idiota, listrado de azul ¢ amarelo, um suéter que ganhou de aniversério e que era o suéter favorito dele. Imagine-o, j4 naquela idade, roendo as unhas escrotinhas. Os sa- patos favoritos dele sso um par de ténis. A comida favorita, uma porra de um cachorro-quente. Imagine um garotinho debilfide, sem cinto de seguranga, an- dando com a mie num énibus escolar roubado depois do jantar. $6 que hé uma rédio-parrulha estacionada perto do motel deles, 7 «le modo que a Mamie simplesmente passa por ld a noventa ou cem quilémettos por hora, Isto aqui € sobre um babaquinha que com certeza eta o bebé- chorio mais idiota que jé existiu, Um panaquinha. — Precisamos nos apressar— diz a Mamie, ¢ cles vao subindo uma ladeira estreita, com as rodas traseiras derrapando no gelo. Huminada pelos fardis, a neve parece azul, estendendo-se do acos- tamento em direcao a floresta escura Imagine que tudo isso é culpa dele, do picaretinha. A Mamae para 0 énibus perto da base de um penhasco, fa- zendo com que os faréis iluminem a rocha esbranquigada, e diz: — Nao vamos passar daqui. AAs palavras parecem nuvens brancas que mostram como os pulmédes dela sa0 grandes por dentro. A Mamie puxa o freio de mao e diz: = Vocé pode saltar, mas deixe 0 casaco no énibus. Imagine 0 nanico deixando 2 Mamie coloci-lo em pé diante do énibus escolar. O imposcorzinho fica ali bestando, olhando para o brilho dos fardis, ¢ deixa que a Mamae lhe tire o suéter favorito pela cabega. Ele simplesmente fica parado ali na neve, seminu, enquanto 0 motor do énibus ruge furiosamente, O baru- Iho ecoa pelo penhasco, ¢ a Mamae some em algum lugar Id atrés, na escuridao fria, Os fardis cegam o bebé-chorio, ¢ o barulho do motor abafa o som das érvores farfalhando ao vento. O at esté to frio que s6 dé para tespirar aos poucos, mas ele tenta respira duas vezes mais depressa com sua pequena membrana mucosa. No sai correndo, Nio faz nada. Em algum lugar I atrés, a Mamée diz: = Nio vire para ci de jeito algum. ‘A Mame conta que na Grécia antiga era uma vez uma linda donzela, filha de um oleito. Como acontece todas as vezes em que ela sai da cadeia ¢ vem buscé-lo, 0 garoto € a Mamée dormem num motel diferente a cada noite. Eles fazem todas as refeicies em lanchanetes, e sim- plesmente seguem no dnibus o dia inteiro, todos os dias, 8 Hoje no almogo, 0 garoto tentou comer o cachorro-quente inda quente demais, Quase engoliu o negécio inteiro, mas en- gtsgou. Ficou sufocado, sem conseguir respirar ou falar, aré que a Mamie deu a volta na mesa e veio correndo. bragos 0 agarraram por eras, levantando-o do chao, € a Mamie sussurrou: ~ Respire! Respire, porra! Depois, 0 garoto comegou a chorar, e todo o restaurante jun- tou-se em volta deles. Naguele momento, parecia que 0 mundo inteiro se importa- va com 0 que acontecia com ele, ‘Toda aquela gente abragou 0 garoto ¢ passou a mao no cabelo dele, Todo o mundo perguntou se ele estava bem. Parecia que aquele momento nunca mais ia acabar. Que vocé precisava arriscar a vida para receber amor. Vocé precisava chegar A beira da morte para ser salvo. — Pronto, pronto ~ disse a Mamé do garoto. ‘Nessa hora, uma gargonete reconheceu o garoto de uma foto- grafia numa velha embalagem de leite, e, no instante seguinte, a Mame artancou com o dnibus a cem quilémetros por hora, le- vando 0 safado do bebé-chorio para o quarto do motel. No caminho de volta, eles sairam da rodovia ¢ compraram uma lata de tinta spray preta. Mas, apesar de toda aquela pressa, 0 lugar onde eles esto agora fica no meio de lugar nenhum, no meio da noite. Lé atrés, 0 idiotazinho ouve a Mamie balangando a lata de tinta, com o rufdo da bolinha dentro do aerosol indo de um lado para outro, € a Mamae conta que a moca da Grécia antiga estava apaixonada por um rapaz, — Maso rapaz eta de outro pais e precisava voltar para lé — diz a Mamie, Ouve-se um sibilo, e o garoto sente o cheiro de tinta. O baru- Iho do moor do énibus muda: chacoalha, acelera e fica mais alto. énibus balanga de pneu a pneu. enquanto limpava a boca jd dei vida a voce. 9 Portanto, na diltima noite que a moga e seu amante passariam juntos, diz a Mamie, a moga trouxe uma limpada e colocou-a de modo a lancar a sombra do amante contra a parede. O sibilar da tinta para e recomega, Ouve-se um sibilo curto, € depois um sibilo mais longo. E.a Mamie conta que a moga desenhou o contorno da som- bra do amante, a fim de registrar para sempre como ele era, tet um documento daquele exato momento, o iiltimo momento em que eles estariam juntos. Nosso bebé-chorio fica simplesmente olhando para os Fardis. ‘Seus olhos se enchem de agua ¢, quando ele os fecha, consegue ver as luzes brilhando, avermelhadas, através das pilpebras, sua prépria carne e sangue. E a Mamie conta que no dia seguinte o amante da moga partiu, mas a sombra dele permaneceu ali Por um instante, o garoto olha para o lugar onde a Mamie estd desenhando o contorno de sua sombra estipida na superficie do penhasco. Sé que o menino esté tio longe que sua sombra fica uuma cabeca mais alta do que a mie. Seus bragos magricelas pare- ccem musculosos. As pernas atarracadas estendem-se, compridas. Os ombros estreitos se ampliam, Ea Mamie di = Nao ollie. Nav mova win 96 meu trabalho. Eo panaquinha volta a fixar os olhos nos faréis. A lata de tinta sibila, e a Mamae diz que, antes dos gregos, ninguém conhecia qualquer tipo de arte. Foi assim que a arte da pintura foi inventada. Bla conta que o pai da moa usou a silhueta nna parede para modelar uma versdo em argila do rapaz, e foi assim que se inventou a escultura. Falando sério, a Mamie diz: —A.arte nunca nasce da felicidade. Foi assim que nasceram os simbolos. garoto fica parado na luz. dos fardis, tremendo de frio tentando nfo se mover. A Mamie continua a trabalhar, dizendo que aquela grande sombra um dia ensinard as pessoas tudo que jsculo, ou voce vai att ultra 10 cla the ensinou, Um dia, aquela sombra sera um médico e salvar pessoas. Devolvers a felicidade a elas. Ou algo melhor do que a felicidade: a paz. ‘Aquela sombra serd respeitada, Um dia, Isto acontece depois de até 0 Coelhinho da Péscoa ja ter se revelado uma mentira. Mesmo depois do Papai Noel, da Fada dos Dentes, de Sio Cristovio, da fisica newtoniana e do modelo do ‘como de Niels Bohr, esse garoto muito, muito burro, ainda acre- dita na Mamie. Um dia, quando cresces, a Mamie diz & sombra, 0 garoto voltard ali e verd que ficou exatamente igual ao esbogo que ela desenhou dele naquela noite. Os bracos nus do garoto remem de frio. Ea Mamie disse: ~Controle-se, porra. Fique parado, ou vocé vai estragar tudo, E 0 garoto tentava se sentit mais aquecido, Mas, por mais brilhante que fosse, a luz. dos fardis nao transmitia calor algum. = Tenho que fazer um contorno bem preciso — disse a Ma- mie, ~ Se vocé tremer, vai acabar ficando todo borrado. ‘Anos mais tarde, esse babaquinha se diplomou com distin- ‘so, queimou az pestanas para entrar na faculdade de medicina, fea vinte e quatto anos, passou para o segundo ano do curso e foi nomeado guardifo da mac, quando o caso dela foi diagnosticado. S6 entdo surgiu na mente desse pequeno mentecapto a nocio de que tornar-se forte, rico e esperto era apenas a primeira metade da hhistéria da vida de qualquer pessoa. “Mas, agora, as orelhas do garoto doem de frio, Ele se sente tonto e com a respiragao acelerada, Seu pequeno peito de pombo parece pele arrepiada de galinha, Os mamilos esto duros de frio, parecendo espinhas vermelhas, endurecidas, eo pentelhinho diz.a si proprio: = Realmente, ex merego iso. Ea Mamie pede: ~Tente pelo menos ficar com 0 corpo reto. u © garoto forga os ombros para trés ¢ imagina que os faréis io um pelorio de fuzilamento. Ele merece pegar pneumonia. Ele merece ficar tuberculoso. Ver também: hipotermia. Ver também: tifo. Ea Mamie diz: —Depois desta noite, eu nao vou estar mais aqui para aporti- nhar voce. © motor do dnibus desacelera, expeli Ihao de fumaga azul Ea Mamie diz: ~ Por isso, fique ai parado, ¢ nao me obrigue a bater em voce. E, sem sombra de dtivida, ese pentelhinho merecia levar uma surra, Merecia aquilo pelo que estava passando, Era wm caipirazinho iludido que realmente pensava que no fucuro as coisas iriam me- Ihorar. Voc’ s6 precisava dar duro. Estudar bastante, Corter de- pressa 0 bastante. Tudo daria certo, ¢ a sua vida valeria a pena. ‘As rajadas de vento € gros secos de neve clescem das arvores. Cada floco machuca as orelhas € 0 rosto dele. Mais neve se derrete entre 0s cordaes dos sapatos, ~ Vocé vai ver ~ diz a Mamie. ~ Isto valera um pouquinho de softimento. Vocé vai poder contar essa histéria para o seu préprio filho. Um dia. ‘A moga antiga, diz a Mamie, nunca voltou a ver o amante. E 0 garoto ¢ idiota a ponto de pensar que uma pintura, ama escultura ou uma histéria poderiam de alguma forma substituir alguém que vocé ama. E a Mamie diz: = Vocé tem tanta coisa a esperar do futuro. Isso ¢ duro de engolir, mas 0 garotinho é tao burro, preguigo- s0 ¢ ridiculo que fica ali em pé, tremendo, estreitando os olhos contra o brilho dos fardis ¢ 0 estrondo do motor, ¢ pensando que 0 futuro serd fulgurante. Imagine alguém tio estipido que cresce sem saber que a esperanga é sé mais uma fase que a gente. superando. Que pensa que poderia fazer algo, qualquer coisa, que duratia para sempre. fo um grande turbi- 12 £ uma sensagio idiota até mesmo lembrar dessas coisas. & tum milagre que ele tenha vivido tanto. Portanto, mais uma ver: se vocé vai ler isto, nao leia. Essa histéria nao é sobre alguém corajoso, bom e dedicado. O garoto nao é uma pessoa por quem voce v4 se apaixonar. S6 para sua informacdo, 0 que voc esta lendo é a histéria completa ¢ ininterrupta de um viciado. Na maioria dos progra- mas de recuperacio de doze passos, 0 quarto passo é vocé fazer tum inventério da sua vida. Vocé tem de pegar um cadetno ¢ des- crever cada momento de merda da sua vida. Fazer um inventitio completo dos seus crimes. Assim, cada pecado fica ali, na ponta de seus dedos. Depois, vocé tem de consertar tudo. Isso serve para alcodlatras, viciados em drogas, obesos ¢ até sexélatras, Assim, vocé pode voltar ¢ passar em revista o pior da sua vida, sempre que desejar, Supe _quem esquece o passado esté condenado a te- rif Portanto, se voc’ estd lendo isto, para dizer a verdade, nada disto € da sua conta, Esse garotinho burro, essa noite fria, tudo isso seré apenas mais uma merda idiota para pensar durante o ato sexual, para impedir vocé de gozar. Caso voce seja homem. Ele € um idiotazinho fracote, cuja Mamie disse: ~Agiiente um pouquinho mais, tente um pouquinho mais, ¢ tudo acabars be Hi, hi, hd, A Manife disse — Um dia, vai valer a pena ter feito todo esse esforgo, eu pro- meto. E esse merdinha, esse otariozinho imbecil ficou parado ali, tremendo o tempo todo, seminu na neve, Ele realmente acredita- va que alguém pudesse prometer algo té0 impossivel. Portanto, se vocé acha que isto vai salvé-lo. Se voct acha que qualquer coisa pode salvéclo, Por favor, considere este o seu tiltimo aviso. 3 GaPiTULO 2 ESTA ESCURO F COMEGANDO A CHOVER QUANDO EU CHE- go 2 igreja. Esperando que alguém destranque a porta lateral estd Nico, toda encolhida por causa do fri — Segure isso para mim — diz ela, me entrega um pedaco de seda quente, ~ S6 por algumas horas — diz ela. — Nao tenho bolso. Ela estd usando uma jaqueta alaranjada, feita de camurca sin- ‘ética, com uma gola de pele brilhante, também alaranjada. Por baixo, vé-se a saia de ui vestido florido. Bla nao usa meia-calea. Nico sobe a escada até a porta da igreja, pisando cuidadosamente com os saltos-agulha pretos. que ela me entrega esti quente e ti Ba sua calcinha. E ela sori. Por tefs das portas de vidro, uma mulher limpa o cho. Nico bate no vidro, e depois aponta para o relégio de pulso. A mulher mergulha o esfregio de volta num balde, Levanta o esftegio ¢ 0 espreme. Encosta o cabo perto da porta, e depois pesca um molho de chaves dentro do bolso do jaleco, Enquanto destranca a porta, aria através do vidro: = Seu pessoal esta na Sala 234 hoje. Na sala da escola do- minical, Ja chegou mais gente ao estacionamento. As pessoas vémm su- bindo a escada, dizendo oi, ¢ ew enfio a caleinha de Nico no bolso. ‘Atrds de mim, oucras pessoas se apressam nos wiltimos degraus ara peger a porta aucomdtica ainda aberta, 14 Acredite ou no, vocé conhece todo 0 mundo ali Essas pessoas sio lendas vivas. Cada um desses homens ou mulheres, voc’ ouve falar deles ha anos. Na década de 1950, um grande fabricante de aspiradores de p6 tentou introduair uma pequena melhoria no aparelho. Colo- cou uma hélice gicatéria, uma lamina afiada como uma navalha, dentro da extremidade da mangueira de sucso. Ao entrar na mangueira, 0 ar fara girar a lamina, que picotaria qualquer fiapo de vecidio, pedago de cordéo ou pélo de animal de estimagio capaz de entupir a mangucira. Pelo menos, esse era o plano, O que aconteceu foi que muitos homens correram para 0 hospital com os perus mutilados. Pelo menos, esse era 0 mito. ‘A velha lenda urbana sobre uma festa surpresa para a linda dona-de-casa, com todos os amigos e familiares escondidos num quarto, ¢ quando eles saicam gritando “Feliz aniversério”, encon- traram a mulher estendida no sof com 0 cachorro da casa lam- bendo manteiga de amendoim lambuzada entre as pernas dela... Bom, tudo isso € real. A llendéria mulher que paga boquete para 0 cara que estd di- rigindo, s6 que o cara perde © controle do carto ¢ pisa no freio com tanta forga que a mulher corta-lhe o trogo pela metade... essa eu conheso. Esses homens e mulheres estdo todos lé, Essa gente é a razo pela qual toda segio de emergéncia hos- pitalar tem uma broca com ponta de diamante: é para conseguir furar os fundos espessos das garrafas de champanhe e soda, alivi- ando a suegio. ‘Sao essas pessoas que chegam caminhando com dificuldade de madrugada, dizendo que tropecaram e cairam em cima da bis- naga, da limpada, da Barbie, das bolas de bilhar, ou dos camun- dongos de estimacio. Ver também: taco de bilhar: Ver também: bichinhos de estimagio. ‘So pessoas que escorregaram no chuveiro e cafram, acerran- do em cheio um frasco de xampu escorregadio. Gente que ¢ sem- 15 pre atacada por uma ou mais pessoas desconhecidas, ¢ vive sendo violencada com velas, tacos de beisebol, ovos cozides, lanternas ¢ chaves de fenda, coisas que depois precisam ser retiradas, Ou en to caras que ficam entalados no vazadouro de égua das banheiras de hidromassagem. No meio do corredor para a sala 234, Nico me encosta na parede, espera até que as pessoas tenham passado por nés, e dizz ~Conhego um lugar aonde a gente pode ir. As outras pessoas estao entrando na sala da escola dominical, que é toda pintada em tom pastel. Depois de sorrir para clas, Nico gira o dedo perto da orelha, fazendo o sinal internacional que indica alguém maluco, ¢ diz: — Otdrios. Depois me puxa para o outro lado, na ditecio de um letreiro Mutheres, Entre as pessoas na sala 234, estd um falso Funciondrio muni- cipal de satide que visita meninas de catorze anos para indagar sobre suas vaginas Esté também uma chefe-de-torcida que passou por urna lava- gem do estdmago, onde foi achado meio quilo de esperme. Ela se chama Lou Ann, E um cara chamado Steve, que foi encontrado no cinema com © peru entalado no fundo de uma caixa de pipoca. Hoje, 0 bun- dio dele esté enfiado numa cadeira infantil de pléstico, em torno de uma mesa manchada de tinta pertencente & escola dominical Para voct, todas essas pessoas parecem uma grande piada, Pois vem frente e ria, cacete, ria até no poder mais, cacete. Essas pessoas tém compulsbes sexuais, Para vocé, todas essas pessoas pareciam lendas urbanas. Bom, clas so seres humanos. Completos, com nomes e rostos. Com em- pregos e familias. Com diplomas universitarios ¢ fichas policiais. ‘No banheiro feminino, Nico me faz deitar no piso ftio e se agacha sobre meus quadris, enfiando uma das mos dentro da minha calca. Com a outra, agarra minha nuca e puxa met rosto, de boca aberta, até a dela. Com a lingua lurando contra a minha, vai molhando a cabega do meu pau com a parte larga do polegar. que 16 Puxa minhas caleas para baixo dos quadris. Levanta a barra da saia, fazendo uma espécie de reveréncia com os olhos fechados ¢ a cabeca ligeiramente inclinada para trés. Acomoda o pibis com forca sobre o meu pubis ¢ diz algo junto ao meu pescogo. — Meu Deus, como vocé é bonita ~ digo, porque durante os préximos minutos vou poder... Nico recua o corpo e me olha, dizendo: ~ O que vocé quer dizer com isso? ~ Nao sei, Nada, acho eu, Deixa para ld piso tem cheiro de desinfetante, e eu sinto sua aspereza na minha bunds. As paredes vio até um teto de tijolos acisticos, com respiradouros cheios de pocira ¢ gosma. Hé um cheiro de sangue vindo da enferrujada lixeira metdlica para lengos de papel usados. —O formulstio da sua liberago—eu estalo os dedos.— Trouxe? Nico Jevanta um pouco os quadris. Depois, solta 0 corpo, levanta e se acomoda novamente. Com a cabesa ainda inclinada para tras e os olhas ainda fechados, ela mete a mao no decote do vestido e tira um quadrado dobrado de papel azul, deixando-o cair no meu peito. — Boa menina ~ digo, pegando a caneta presa ao bolso da Indo cada vez um pouco mais alto, Nico levanta os quadis © os abaixa com forga, esfregando-os um pouco, indo para frente e para trés. Com as maos apoiadas sobre as coxas, ela se ergue ¢ depois se deixa cait, ~ Volta ao mundo ~ digo. ~ Volta ao mundo, Nico, Ele abre os olhos um pouco, ¢ baixa o olhar para mim. Eu fago um gesto em circulo com a caneta, como se mexesse uma xicara de café. Mesmo através das roupas, sinto 0 relevo dos azu- lejos gravados nas minhas costa. = Volta 20 mundo, jf digo. ~ Faz para mim, gatinba. Nico fecha 0s olhos ¢ levanta a saia em volta dos quadris com ambas as maos. Apoia todo o peso nos meus quadris e passa um dos pés por cima da minha barriga. Depois, passa 0 outto pé, de v7 modo que continua em cima de mim, mas agora de frente para os meus pés — Otimo ~ digo, desdobrando o papel azul. Estico o papel sobre suas costas arredondadas ¢ assino meu nome embaixo, na linha que diz responsdvel. Através do vestido dela, dd para sentir a tira grossa do sutia, um eléstico com cinco ou seis ganchos de arame. Dé para sentir as costelas dela sob uma grossa camada de misculos. Nesse instante, na sala 234 do mesmo corredor, esté a namo- sige, uma yaroca que quase mor- tada do prime do scu mellior reu se masturbando com a alavanca de cambio de um Ford Pinto, depois de ter tomado cantirida. O nome dela é Mandy. ‘Também esté o cara que entrava de jaleco branco numa clini- ca realizava exames ginecolégicos nas pacientes. Estd 0 cara que passa as manbas nu e de pau duro, deitado sobre os lengéis no quarto do motel, fingindo dormir até a arru- madeira entrar no quarto. ‘Todos aqueles amigos de amigos de amigos de amigos de quem j€ oavimos fala O homiém aleijado pela méquina automatica de ordenhar vacas... 0 nome dele € Howard. A garota nua, pendurada na barra da cortina do chuveiro ¢ quase morta de asfixia auto-erdtica... ela se chama Paula, e é uma sexélatra. Olé, Paula, ‘Tragam para cé todo mundo que tira sarro no metrd. Ow aqquele pessoal que subitamente abre o sobretudo, mastrando que estd pelado por baixo. Os sujeitos que escondem cémeras sob a borda das privadas nos banheiros femininos. cara que esfrega o sémen nas abas dos envelopes de depési- to nos caixas eletrénicos. E todos os voyeurs. As ninfomaniacas. Os velhos babées. Os tarados de banheiro. Os que vivem apalpando as préprias bolas. Sao os bichos-papdes sexuais, contra os quais a mamfie man- dou vocé se precaver com todas aquelas histérias apavorantes, 18 Todos nés estamos aqui. Vivos e doentes. “Este € 0 rfiuinds dos doze passos da sexolatria, ou do compor- tamento sexual compulsivo. Em todas as noites da semana, eles se encontram no salio paroquial de alguma igreja, ou na sala de reu- rides de algum centro comunitério. Todas as noites, em todas as cidades, Existem até mesmo reuniées virtuais pela Internet. Conheci meu melhor amigo, Denny, numa reunido de sexélatras, Ele chegara ao ponto de precisar se masturbar quinze vezes por dia s6 para se alivia, J4 mal conseguia fechar a mao, ¢ estava preocupado com as conseqiiéncias de toda aquela vaselina em cima dele a longo prazo. Jé pensara em trocar o trogo por alguma logo, mas qualquer coisa feita para amaciar a pele parecia ser contraproducente. Denny e todos esses homens e mulheres que voc acha tio horrtveis, ou engracados, ou patécicos... éaqui que todos eles vém relaxar. E aqui que todos nés nos abrimos. Para cé vém prostitutas e criminosos sexuais liberados por trés horas de suas prisées de seguranga minima, lado a lado com mulheres que adoram surubas e homens que pagam boquetes em livrarias-pornd. E aqui onde a vagabunda reencontra seu cliente, ‘onde o molestador sexual encata o molestado. Nico coloca sua grande bunda branca quase no alco do meu pinto ¢ deixa v corpo cait Com fury. Vai para cima ¢ depois para baixo, apertando as entranhas por toda a extenséo do meu troco, Levantando e depois caindo com forga. Apoiados nas minhas co- xas, os musculos dos seus bragos vio ficando cada vez maiores. Jd minhas coxas, embaixo das maos dela, vao ficando dormentes ¢ brancas. — Agora que jd nos conhecemos, Nico, vocé diria que gosta de mim? ~ pergunto, Ela se vira para olhar para mim por cima de um dos ombros. = Quando vocé for médico, vai poder passar receitas de qual- quer coisa, nio é Isso é, se algum dia eu volear a estudar. Nunca subestime o poder de um diploma médico para conseguir comer alguém. Eu coloco as méos abertas sob as coxas dela, lisas ¢ esticadas. £ para 19 ajudé-la a se levantar, acho eu, Bla entrelaga os dedos macios ¢ frios nos meus. ‘Ainda apertando meu peru, sem olhar para tds, ela diz: ~ Meus amigos apostaram uma grana comigo, dizendo que voce ja é casado. Eu seguro aquela bunda branca e lisa nas mos, — Apostaram quanto? — pergunto. Depois digo a Nico que talvez os amigos dela tenham razio. Avverdade € que todo filho de mac solteira jé nasce meio casa- do. Sei 1a, mas parece que até sua mae morrer, todas as outras mulheres da sua vida no passario de amantes Na versio edipiana moderna, éa mae que mata o pai e depois Ihe toma o filho. E nfo dé para voce se divorciar de sua mic Ou maté-la. =O que voce quer dizer com todas as outras mulheres? — Nico indaga. ~ Cacete, de quantas vocé esté falando? Ainda bem que a gente usou camisinha. Para ter uma lista completa de parceiras sexuais, eu precisaria conferir meu quarto passo. O caderno do meu inventério moral. O histérico completo e implacavel de como me Isso é, se algum dia eu voltar e completar a porra do passo. Para toda aquela gente na sala 234, trabalhar nos doze passos da reunigo de sexélatras & uma ferramenta importante e valiosa para compreender e abandonar... bom, vocé entendeu. Para mim, é um curso de treinamento maravilhoso. Com di- cas. Técnicas. Estratégias para transas com as quais vocé nunca sonhou. Contatos pessoais. Quando contam suas préprias histé- rias, esses viciados so geniais. Além disso, ha as presidiérias libe- radas por trés horas para tratar de seus vicios sexuais em sess6es psicoterapeuticas. Inclusive Nico. Quarta-feira & noite, Nico. Sexta & noite, Tanya. Domingo é dia de Lecza. Leeza tem aquele suor amarclado provocado pela nicotina. Quase d4 para juntar minhas mos em torno da cintura dela, pois os misculos abdominais jf esto duros feito pedra devi- 20 do 3 tosse. Tanya sempre consegue trarer escondido algum artefa- to sexual de bortachs, geralmente um pénis artificial ou um cor- dio de contas de létex. O equivalente sexual ao brinde numa cai- xa de cereal Eavelha regra que diz que uma coisa bela é uma alegria eter- na? Na minha opiniao, até a coisa mais linda néo passa de um brinquedo por erés horas, no maximo. Depois disso, ela vai que- ter me contar todos os seus traumas infantis. Em parte, o bom de encontrar essas presididrias é olhar para o meu relégio e saber que ela estard atrds das grades dentro de meia hora. E uma histéria de Cinderela, s6 que & meia-noite ela vira no- vamente uma foragida da justiga. Nao € que eu ndo ame essas mulheres. Amo tanto quanto voce amaria um encarte de revista masculina, um video de sacanagem, ou um site porné. E, com certeza, para um sexélatra, isso pode significar fornadas de amor. Nico também nio me ama tanto assim. E mais uma questéo de oportunidade do que de romantismo. Voce pée vince sexélatras em volta de uma mesa, noite 2pés noite, eu. bom, no fique surpreso. E os livros sobre a recuperacao de sexélatras vendidos aqui? Mostram todas as maneiras com que vocé sempre quis transar mas nao sabia como. E claro que tudo € para ajudar vocé a perce- ber que é um viciado em sexo. A coisa é divalgada como uma daquelas listas a serem conferidas, do tipo “se vocé faz qualquer uuma das seguintes coisas, pode ser um alcodlatra”. As dicas tteis incluem: Vocé corta 0 forro do traje de banho para que sua genitilia sobressaia? Vocé deixa aberta a braguilha ou a blusa, e finge conversar em cabines telefnicas de vidro, ficando com as roupas abertas sem. usar nenhum tipo de pega intima por baixo? Vocé vai correr ou caminhar sem sutié ou suporre atlético a fim de atrair parceisos sexuais? Minha resposta para todas as perguntas acima &: Bom. agora en fag : 21 Além disso, aqui dentro, ser um pervertido nao ¢ culpa de ninguém. © comportamento sexual compulsive nio € viver ten- tando conseguir alguém para chupar seu pau. E uma doenga. & uum vicio fisico, que s6 aguarda que o Manual Estatistico das Do- cengas \he atribua um niimero de cédigo préprio para que o trata- ‘mento possa ser pago pelo plano de satide. Dizem que nem Bill Wilson, um dos fundadores dos Aleoé- licos Anénimos, conseguia se livrar de sua praga sexual, ¢ passava a parte sébria de sua vida traindo a esposa, cheio de culpa, ‘Dizem que os sexdlatras se tornam dependentes de uma qui mica corporal criada pelo sexo constante. Os orgasmos inundam © organismo de endorfinas que eliminam a dor e tranqiiilizam 2 pessoa, Na realidade, os sexélatras so viciados nas endorfinas, ¢ nao em sexo. Os sexélatras tém niveis naturais de oxidase ‘monoamina mais baixos, Na realidade, os sexélatras anseiam pela fenilecilamina-pepridica, que pode ser desencadeada por perigo, paixao, risco ou medo. Para quem é sexdlatra, nossos peitinhos, nosso pau, nossa xota, nossa lingua ou nosso cu sio uma dose de heroina, sempre ali, sempre & disposicio, Nico e eu nos amamos tanto quanto qual- quer drogado ama sua droga. Nico deixa 0 corpo cair ¢ levanta-o com forca, fazendo meu pau rogar na parede froncal de suas entranhas ¢ usando dois dedos molhados dentro dela mesmo. — Ese aquela faxineira entrar? ~ pergunto. Nico me faz mexer dentro dela, dizendi — Ah, é. Isso ia ser um tesio. Jeu, fico imaginando a reluzente marca de bunda que va- mos deixar impressa no ladrilho encerado, Uma fileira de pias nos olha de cima, ¢ as luzes fluorescentes piscam, Refletido nos canos cromados de cada pia, vejo 0 pescogo de Nico como um tubo comprido e reto. Ela tem a cabega atirada para tris, os olhos fe- chados, a respiragio arfando em diseso ao teto, os grandes scios com desenhos de flores, ¢ a Iingua pendente para um lado. O suco {que sai dela parece estar fervendo. Para nio gorar, eu pergunto: 2 =O que voc? disse para sua familia a nosso respeito? — Eles querem conhecer vocé — Nico responde. Fico pensando numa coisa perfeita para dizer em seguida, mas, na verdade, isso no tem importincia. Aqui dentro vocé pode falar de qualquer coisa, Enemas, orgias, animais... voct pode ad- mitir qualquer obscenidade e ninguém fica surpreso. Na sala 234, todo o mundo conta seus casos escabrosos. Todo co mundo tem sua vez, Essa é primeira parte da reunifo, a parte daidentificagio. Depois disso, cles fazem as leituras, os negécios de reza, € discurem 0 tépico da noite. Cada um vai trabalhar num dos doze assos. O primciro passo é admitir a sua impoténcia, Vocé tem lum vicio, e no consegue parar, O primeiro passo é contar sua histéria, com todas as piores partes. Seus pontos baixos, por mais baixos que sejam. O problema do sexo ¢ igual ao de qualquer outro vicio. Voce estd sempre se recuperando. Est4 sempre reincidindo, Represen- tando. Enquanto nao acha algo pelo que lutar, vocé se contenta em lutar contra algo. Toda essa gente que diz querer se livrar da compulsio sexual... ora, qual @ Quero dizer, 0 que pode ser me- Thor do que sexo? Certamente até 0 pior boquete é melhor do que, digamos, cheirar a melhor rosa, assistir a0 maior pOr-do-sol, ou ouvir crian- sas rindo. ‘Acho que nunca verei um poema tio lindo quanto um otgas- ‘mo daqueles que jorra fervendo, apertando a bunda e lavando as, tipas. Pintar um quadro ou compor uma épera no passa de algo que fazemos até descobrirmos 0 préximo rabo & disposig Assim que surgir algo melhor do que sexo, pode me chamar. ‘Até pelo aito-falante. Essas pessoas na sala 234 no sio Romeus, Casanovas ou Don. Juans. Nao so Mata Haris ou Salomés, Sao pessoas que apertam nossa mio todos os dias. Nao sio feias, nem bonitas. Ficamos junto dessas lendas vivas no elevador. Elas nos servem café. Essas

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