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eikhenbaum cchkloyskt jakobson tomachevski jirmunski tynianov vinogradov ape AN DA AULA formalistas russos EDITORA GLoBo neath bb Copyright © 1970 by Editora Globo S.A. 18 edigdo — maio de 1971 24 edigio —junho de 1973 32 edigéo —margo de 1976 Capa de JOAO AZEVEDO BRAGA Direitos exclusivos desta traducio, em lingua portuguesa, da Editora Globo S.A. Porto Alegre —- Rio Grande do Sul — Brasil SUMARIO Prefdcio — Boris Schnaiderman ........ 000 cece ee eee IX A Teotia Literéria dos formalistas russos no Brasil —- Dionjfsio de Oliveira Toledo 2.1.0... eee ee eee tee ee XXII PRIMEIRA PARTE A PROBLEMATICA DO FORMALISMO J A Teoria do “Método Formal” — B. Eikhenbaum .......... 3 A Arte como Procedimento — V. Chklovski .............- 39 Sobre a questo do “Método Formal” — V. Jirmunski ...... 37 A Escola poética formalista e o marxismo — L. Trotsky ..... 71 II As Tarefas da Estilistica — V. V. Vinogradov ...........-4: + 89 Os Problemas dos Estudos Literdrios e Lingiifsticos —~ J. Tynia- nov e R. Jakobson ........... beeen nen ee nen sees 95 A Noc&o de Construgao —- J. Tynianov ......--..--.- 20s: 99 Da Evolucio Literdtia — J. Tynianov ......-. ee ee eee eee 105 Do Realismo Artistico — R. Jakobson ......--00- +e eee eee 119 38 B. Eikhenbaum tendo suas préprias qualidades lingilisticas (sintaticas, léxicas e semanticas). 4 -—- Partindo da nogio de tema como construgao, chegamos & nogdo de material como motivagio e assim concebemos o mate- rial como um elemento que participa da construc&o, tudo depen- dendo da dominante construtiva. , 5 — Partindo do estabelecimento da identidade do proredi- mento a respeito dos materiais diferentes e da diferenciagéo do procedimento segundo as suas fungoes, chegamos & questio da evoluc’o das formas, ou seja, aos problemas do estudo da histéria. literaria. Encontramo-nos, portanto, perante uma série de novos pro- blemas. O tiltimo artigo de J. Tynianov ‘‘O Fato Literdrio”’ {Lef, n° 2 (V1), 1925] o testemunha claramente. Aqui, propde-se 0 pro- blema das relacdes entre a vida pr&tica e a literatura, problema que 6 seguidamente resolvido com toda a negligéncia do diletan- tismo. Mostramos que tanto os exemplos quanto os fatos, desta- cando-se da vida prftica, entram na literatura e que, inversamen- te, a literatura pode tornar-se um elemento da vida pratica: ‘‘Na época da dissolugio de um género, ele que era central torna-se periférico e um novo fenémeno vindo da literatura de segunda ordem ou da vida pratica, toma o seu lugar’’. Nao foi em vio que intitulei o meu artigo ‘‘A Teoria do Mé- todo Formal’’, nio tracando evidentemente mais do que um es- bogo de sua evolucdo. Nao temos uma teoria que poderiamos expor sob a forma de um sistema imutAvel e completo. Entre nds, a teo- ria e a histéria formam uma unidade, e atém-se ao espfrito ou 4 letra desta opiniio. Fomos muito bem educados pela. historia para erer que se possa evitar esta uniéo. No momento em que formos obrigados a admitir que temos uma teoria que explica tudo, que dé& respostas para todos os casos do passado e do futuro, e que, por esta razio, nio h& necessidade de uma evolugdo e nem é capaz disto, seremos a0 mesmo tempo obrigados a admitir que o método formal morreu e pefdeu o seu espirito de pesquisa. Por enquanto, ainda nao chegamos 1a. (1925) { ! V. CHKLOVSKI A ARTE COMO PROCEDIMENTO ‘A arte é pensar por imagens’’. Esta frase pode ser tanto de um bacharel, como de um sdbio fildlogo que a propde como ponto inicial de uma teoria literaria qualquer. Esta idéia esté enraizada na conseiéncia de muita gente; entre o nitmero de seus eriadores, é preciso necessariamente apontar Potebnia: ‘‘Ndo existe arte e purticularmente poesia sem imagem’’, diz ele (Notas sobre a Teo- ria da Interatura, p. 83). ‘‘A poesia assim como a prosa é.antes ile tudo, e sobretudo, uma certa maneira de pensar e conhecer”’ diz ele adiante (ibid., p. 97). A poesia 6 uma maneira particular de pensar, a saber um pensamento por imagens; esta maneira traz uma certa economia ile energias mentais, uma ‘‘sensacdo de leveza relativa’’, eo sen- limento estético néo passa de um reflexo desta economia. Foi as- sim que o académieo Ovsianiko-Kulikovski, que ecertamente leu os livros de seu mestre com atencdo,. compreendeu e resumiu (per- manecendo-lhe indiscutivelmente fiel) suas idéias. Potebnia e seus Gj e: a : : : Intimeros diseipulos veem na poesia uma maneira particular do r 40 Chklousks f pensamento, um pensamento ajudado por imagens; para eles, as imagens tém apenas a funcéo de agrupar os objetos e as fungoes . heterogéneas e explicar o desconhecide pelo conkecido. Ou melhor, seguindo as palavras de Potebnia: ‘A relagho da imagem com aquilo que ela explica pode ser definida como se segue: a) a ima- gem 6 wm predicado constante para sujeitos varlavels, um melo constante de atracho para percepedes mutaveis; Db) & imagem © muite mais simples c muito mais clara do gue aquilo que ela ek- plica’’ (p. $14), isto 6, ‘visto que a imagem tem por objetivo aju- dar-nos a compreender sua significagao ¢ visto que sem esta qua- lidade a imagem priva-se de sentido, ela ent&o deve ser para nos mais familiar do guc aquilo que ela explica’’? (p. 291). : Seria interessante aplicar esta lei 4 comparagdo que Tiniehev faz da aurora com os demduios surdos-mudos ou Agquela que Go- gol faz do céa com os paramentos de Deus. ~ ‘Sem’ imagens, nao b4 arte.’’ ‘A arte € pensar por imagens.”’ 4 Em nome destas definicdes, chega-se a monstruosas deformacies, tenta-se compreender a misiea, a arquiletura, a poesia lirica eo- mo um pensamente por imagens, Depois de um quarto de século de esforgos, 0 académieo Ovsianike-Kulikevski se viu enfim obriga- . do a isolar a poesia lirica, a arquitetura e a xoisica, @ a ver al uma : forma singular de arte, arte sem. imagens, ¢ a defini-lag como ar- j i i tes livicas que ge dirigem imediatamente 4s emogées. Pareced 88- sim que existe um douinio imenso da arte que nao 6 uma maneira de pensar; uma das artes que figura neste dominie, a poesia Mri- ea (no sentido restrito da palavra), apresenta contude uma, se- melhance completa com a arte por imagens: maneja com as pala- | wraa da mesms maneiza ¢ passamos da arte por imagens para 4 arte deaprovida. de imagens sem que nos apercebamos disso: & \ percepcio que temos destas duas artes é& & mesma. ~ Mas a definicSe: ‘‘A arte 6 pensar por imagens”’, definighe que, depois de notérias equagées das quais omitirel og elos inter- medifrios resultou; ‘A arte 6 antes de tudo eriadora, de simbo- los’’, esta definigfo registiu e sobreviven & derrocada da teoria sobre a qual estava fundada, Ela vive mais intensamente ma cor- rente simbolista. ¢ sobretudo: entre og seus tedricos. Portanto, muita gente pense ainda que o pensamento por imagens, ‘‘os caminhos e as sombras’’, ‘‘os sulcos e orlas’’ repre- sentam o traco principal da poesia. H por isso que estas pessoas deveriam contar que a histéria desta arte por imagens, segundo suas palavras, cousiste na historia da mudanga de imagem, Mas, A Arte como Procedimenia 4l constatamos que as imagens so quase que imdveis; de sécule em séeulo, de pais em pais, de poeta em poeta, clas se transmitem sem serem mudadas. As imagens née sio de algum Ingar, sao de Deus. Quanto mais sc ecompreence uma época, mais nos persuacdimes que as imagens consideradas como a crigcho de tal poeta sic tomadas emprestadas de outros poetas quase que sem nenhuma alteragBo. Todo o trabalho das escolas poéticas ndo é mais que a acumulagke c revelagic de novos proccdimentos para dispor ¢ claborar o ma- terial verbal, e este consiste antes na disposigao das imagens que na sus erieeio. As imagens sio dadas, e em pocsia nés nos lembra- mos uauito migis dag pnagens de gue nes utiizamos delas para pensar. Em tode o ease, o pensamento por imagens nao é @ vinenlo que une todas as disciplinas da arte, mesmo da arte literféria; a mudanga das imagens nico constitul a esséncia do desenvolvimente poétice. “" Sabemos que se reconheeem freqiicntemente como fatos pod- ticos, eriades para fins de contemplaciioe estélica, as expressdes que foram criadas sem que se tenka esperado semelbante percep- ' gio. Hesa foi, por exemple, a opiaido de Annenski quando ele atri- ‘ buia & Hingua eslava um curater particularmente poético; foi tam- ,bém a de Andrei Bieli quando admirava entre os poelas rassos do século xvi o procedimento que consistia em pér os adjetivos "apés og substantivos. Bieli reconhece um valor artistice neste procedimento ou, mais exatamente, considerando-c como fate ar- tistico, atribui-lhe um ecardter intencional, enquamto gue na reali- | dade era apenas uma particularidade geral da lingua, devido a influéneia eslava da Igreja, Assim, o objeto pode ser: 1) eriade como prosaico e pereebide como poético; 2) eriade como poético 6 percebido como prosaico. Isto indica que o cardter estético de um objeto, o direite de relaciond-lo com a poesia, 6 o vesultads de / noss@ maneira de perceber; chamaremos objeto estético, ne senti- do préprio da palavra, os sbjetos eriados através de procedimen- tos particulares, cujo objetivo é assegurar para estes objetes uma | pereepedo estética. "> A conclusio de Potebnia, que se poderia redusir a uma equa- cio, ‘‘ a poesia == a imagem’’, servin de fundamento s toda teo- ' via que afirma que a imagem == o simbolo, == a faculdade de a | imagem tornar-se um predicado csonstante para sujeitos diferen- tes, Esta conclusio seduzin og simbolistas, Andrei Bieli, Merejkovs- ki (com os sous Companhetiros Eternes) pela afinidade com as suas \_ldéias, e se acha na base da teoria simbolista. Uma das razdes que 42 V. Chklovski /eonduziram Potebnia a esta eonclusde foi o fato de ele nao distin- guir a lingua da poesia da lingua da prosa. Gragas a isso ele nao pereebeu que existem dois tipos. de imagens: a imagem como um _- maeio pratico de pensar, meio de agrupar os objetos e a imagem : : poética, meio de reforgar a impressao. Eixplico-me: vou pela rua » @ vejo o homem de chapéu que eaminha na minha frente deixar cair ‘um pacote. Chamo-o: ‘‘ Hi, vocé, chapéu, voces perdeu um pacote”’. % um exempio de imagem ou tropo puramente prosaico. Um outro exemplo. Muitos soldados est&io em fila. O sargento da sec&o ven- do que um deles estA mal, Ihe diz: ‘‘ Hi, velho moleng&o, como vocé se comporta?’’. Esta imagem é um tropo poético. ™~ (No primeiro easo, a palavra chapéu era uma metonimia; no segundo, uma met&fora. Mas nao é esta distincdo que me parece importante.) A imagem poética é um dos meios de eriar uma im- pressio mAxima. Como meio, na sua funcao, é igual aos outros pro- cedimentos da lingua poética, 6 igual ao paralelisino simples e ne- gativo, 6 igual & comparagio, 4 repetigao, 4 simetria, & hipérbole, 6 igual a tudo o que se chama uma figura, é igual a todos os meios prépries para reforgar a sensagao produzida por um objeto (nu- ma obra, as palavras e mesmo os sons podem também ser os ob- jetos), mas a imagem poética tem apenas uma semelhanca exte- rior ‘com a imagem-fabula, a imagem-pensamento, da qual um exemplo 6 dado pela mocinha que chama a bola de ‘‘pequena me- lancia’’ (Ovsianiko-Kulikovski, 4 Lingua e a Arte). A imagem poé- tiva 6 wm dos meios da lingua poética. A imagem prosaica é um meio de abstracio. A melancia em lugar do globo redondo ou a melancia em Ingar da cabeca, néo é uma abstragao da qualidade do objeto e nio se distingue em nada da cabeca, == bola, melan- cia == bola. & um pensamento, mas néo tem nada que ver com a poesia. A lei da economia das energias eriativas pertence também ao grupo das leis universalmente admitidas. Spencer escrevia: “Na base de todas as regras que determinam a escolha e 0 emprego das palavras, encontramos a mesma exigéncia principal: economia de atenciio... Conduzir o espirito 4 nogéo desejada pelo caminho mais facil é freqiientemente o fim nico e sempre o objetivo prin- ‘eipal...’’ (Filosofia do Estilo). ‘‘Se a alma possuisse forgas ines- gotéveis, seria indiferente dispensar pouco ou muito desta fonte; sumente o tempo necessério para perder teria importincia. Mas como as forgas so limitadas, a alma tenta realizar 6 processo de A Arte como Procedimento , 43 percepgdo o mais racionalmente possivel ou, o que resulta no mes- mo, com o resultado maximo.’’ (R. Avenarius.) Petrajitski rejeita baseando-se na lei geral da economia de energias mentais, a teo- ria de J ames sobre a base fisica do afeto. O principio de economia das energias criadoras que, no exame do ritmo, é particularmente sedutor, é também reconhecido por A. Vesselovski que prolonga 0 pensamento de Spencer: ‘‘O mérito do estilo consiste em alojar um pensamento maximo num minimo de palavras’’. Andrei Bieli que, em suas melhores paginas, deu tantos exemplos de ritmos com- plexos que poder-se-ia cham4-lo reprimido e que mostrou a propé- sito dos versos de Baratynski o carater obscuro dos epitetos poé- tieos, acha também necess4rio diseutir a lei da economia em seu livro que representa a tentativa herdéica de uma teoria da arte fun- dada sobre fatos n4o verificados tomados de empréstimo de livros que cairam em desugo, sobre um grande conheeimento dos procedi- mentos poéticos e sobre o manual de fisica em uso nos liceus de Kraievitch. A idéia da economia de energia como lei e objetivo da criacdo é talvez verdadeira no caso particular da linguagem, ou seja, na lingua quotidiana; estas mesmas idéias foram estendidas 4 lingua poética, devido a0 nfo reconhecimento da diferenga que opée as leis da lingua quotidiana 4s da lingua poétiea. Uma das primeiras indicagdes efetivas sobre a nfo-coincidéncia das duas linguas nos vem da revelagfo de que a lingua poética japonesa possui sons que néo existem no japonés falado. O artigo de L. P. Jacobinski a pro- pésito da auséncia da lei de dissimilagio das liquidas na lingua poética e da tolerancia na lingua poética de uma acumulacdo de sons semelhantes, dificeis de pronunciar, representa uma das pri- meiras indieagSes que resiste a uma critica cientifica!: trata da oposigio (a0 menos neste caso) das leis da lingua poétiea com as leis da lingua quotidiana?, Por isso devemos tratar as leis da despesa e economia na lin- gua poética dentro de seu préprio campo, e ndo por analogia com a lingua prosaica. Se examinamos as leis gerais da percepe&io, vemos que uma vez tornadas habituais, as agdes tornam-se também automéaticas. As- sim, todos os nossos habitos fogem para um meio inconsciente e 1 Conclusées sobre a Teoria da Lingua Poética, fasc. 1, p. 48. 2 Cenclusdes sobre a Teoria da Lingua Poética, fasc. 2, p. 13-21. V. Chhioushs automatics; os que podem recordar a sensagéo gue tiveram quan- do seguraram pela primeira vez a caneta na mio ou quando fala- ram pela primeira vez uma lingua esirangeira e que podem compa- rar esta sensagio com a que sentem fazendo a mesma coisa pela milésima vez, concerdaréo conosco. As leis de nosso diseurso pro- saico com frases. inacabadas e palavras pronunciadas pela metade se explicam pelo processo de automatizagao. B um processo onde a expressio ideal 4 a Algebra, ou onde os objetos sao substituidos pelos sirabolos. Ne discurso quotidiano répido, as palavras mio sao pro- nunciadas; si0 apenas os primeiros sens do nome que aparecem na consciéncia. Pogodine (A Lingua como Criagée, p. 42) eita © exemplo de um menino que pensava a frase — ‘‘As montanhas da Suiga sie belas’? — come uma sucesséo de letras: A, m, 4, S, 8, DB. Esta qualidade do pensamento sugerin nZo somente o cami- nho da Algebra, mas também a eseolha dos simbolos, isto 6, das le- tras, e em particular das iniciais. Neste método algébrico de pen- sar, os objetos sho considerados no seu niimero e volume, eles nio sio vistos, eles sf0 reconhecidos apés os primeires tragos. O objeto passa ao nosso lade come se estivesse empacotade, nés sabemos que éle existe a partir do lugar que ele ocupa, mas vemos apenas sua superficie. Sob a influéncia de tal percepedo, o objeto enfraquece, primeire come percepeao, depois na sua reprodugdo; é por esta per- cepgio da palavra prosaica que se explica a sua audigao meonm- pleta (Cf. 0 artigo de L. P. J acobinski) e dai a reticéneia do locutor (de onde todo o lapso). No processe de algebrizacio, de automa- tismo do objeto, obtemos a m4xima economia de forgas pereeptivas : os objetos sio, ou dados por um s6 de sens tragos, por exemplo o nimero, ou reproduzidos como se seguissemos uma férmula, sem que eles aparecam 4 consciéncia. : “Ha seeava no quarto e, fazendo uma volta, aproximei-me do diva e nflo podia me lembrar se o havia secado ou n&o. Como estes movimentos sio habituais e inconscientes, nic me lembrava ¢ sen- tia que j4 era impossivel fazé-le. Hntao, se sequei e me esqueci, asto 6, se agi inconscientemente, era exatamente como se nio o ti- vesge feito. Se alguém conseientemente me tivesse visto, poder-se-ia reconstituir o gesto. Mas se ninguém o viu on se o viu incenscien- temente, se toda a vida corplexa de muita gente se desenrola in- conscientemente, entdo é come se esta vida nao tivesse sido.’’ (Nota do Diario de Leon Tolstoi de 28 de fevereiro, 1897.) Assim a vida desaparecia, se transformava em nada. A aute- matizagio engole os objetos, os hébitos, os méveis, a mulher e o i medo 4 guerra. eet —— - A Aris como Precedisento 4§ ; “Se toda a vida complexa de muita gente se desenrola incons- cientemente, entdo & como se esta vida nio tivesse sido.” ; EH eis que para devolver a sensugio de vida, para sentir os objetos, para provar que pedra é pedra, existe o que se chama, arte. OQ objetivo da arte é dar a sensagéo do objeto como visio e nao como reconhecimento ; © procedimento da arte é o procedimento da singularizagao dos ebjetos e o procedimento que consiste em obs- eurecer a forma, aumentar a difieuldade e a duragio da percep- cao. © ato de percepedo em arte 6 um fim em si mesmo e deve ser 2 o que @ j& “passado’’ n&o importa vara a arte, A. vida da obra poética (a obra de arte) se estende da visio ao reconhecimento, da poesia & prosa, de conereto ac abstrato, de Dom Quixote pobre gentil-homem e letrado, irazendo ineonseien- temente a humilhagac & eorte de dugque, a Dom Quixote de Tur- gueniey, imagem vasta mas vazia, de Carlos Magno 4 palavra Ko- rol". A medida que as obras e as artes morrem, elas abarcam os dominios cada ves mais vastos: a fabula é mais simbdliea que o poema, 0 provérbie 6 mais simbdélieo que a fabula. Por isso a teo- rie, de Potebnia era menos contraditéria na andlise da fAbula que finba estudado eXaustivamente. A teoria nio convinha para as obras artisticas reais; foi por isso que o livro de Potebnia n&o po- dia estar terminade. Como sabemos, as Notas sobre a Teoria da iaterakara foram editadas em 1905, treze anos apdés a morte do Neste livro, a fimica coisa que Potebnia elaborou de ponta a ponta foi a parte referente 4 fAbula?. a Os objetos muitas vezes percebidos comecam a ser pereebidos como reconhecimento : © objeto se acha diante de nés, sabemo-lo _ Mas no 9 vemos’, Por isso, nada podemos dizer sobre ele. Em ar- te, a liberag&o do objeto de automatismo perceptive se estabele- ceu por diferentes meios; neste artigo, quero indicar um" destes | meios do qual quase que constantemente se servia L. Tolstei, este | esenitor que, apenas para _Merejkovski, parece apresentar os obje- | bos tal como os vé, e os vé tal como sic, mio os deforma. | prolongado; @ arie é um meio de experimentar o devir do ebjeto, 8 * #& palavra, korel em russo vem do nome de C , e de Carlos Magno (Karo. Jus...) CN. do Trad. para a edicho francesa.) = 3 Curse sobre a Teorla da Literatura. F: i Khorkoe 1918 ura. ébula. Provérbie. Ditade 4 V. Chkiovski, A Bessurreieic de Palavra, 1914. 46 V. Chklovsks O procedimento de singularizagio em L. Tolstoi consiste no fato de que ele nio chama o objeto por seu nome, mas o descreve como se o visse pela primeira vez e trata cada incidente como se acontecesse pela primeira vez; além disto, emprega na descrigio do objeto, nio os nomes geralmente dados 4s partes, mas outras palavras tomadas emprestadas da descrigio das partes correspon- dentes em outros objetos. Tomémos um exemplo. No artigo ‘‘Que vergonha’’, L. N. Tolstoi singulariza assim a nogdo de chicote: “Pér a nu as pessoas que violaram a lei, fazé-las tombar e bater nelas com varas no traseiro’’; algumas linhas depois: ‘‘chicotear as nddegas despidas’’. Esta passagem esté acompanhada de uma nota: ‘‘E por que partienlarmente este meio tolo e selvagem de fazer mal em lugar de um outro: por exemplo, picar os ombros ou outro lugar qualquer do corpo com agulhas, apertar as maos ou os pés em tornos, ou ainda qualquer outra coisa deste tipo?”’. Que me perdoem este exemplo pesado, mus 6 caracteristico dos meios empregados por Tolstoi para aleangar a consciéncia. O chi- cote habitual é singularizado por sua deserigfo e pela proposi¢ao de mudar a forma sem mudar a esséneia. Tolstoi se serve constan- temente do método de singularizagio: por exemplo, em Kholsto- mer, a narragio 6 conduzida por um eavalo e os objetos sao singu- larizados pela percepcio emprestada ao animal, c nfo pela nossa. Eis como éle percebe o dircito de propriedade*: ‘‘Compreendi muito bem o que dizia a respeito dos acoites e do cristianismo. Mas ficou completamente obscura para mim a palavra seu, pela qual pude deduzir que estabeleciam um vinculo a ligar-me ao chefe das eavalaricas. Entio, nio pude eompreender de modo algum em que consistiria tal vineulo. 86 muito depois, quando me separaram dos demais cavalos, é que expliquei a mim mesmo o que aquilo repre- sentava. Naquela época, eu nio era capaz de entender a significa- cio do fato de ser eu propriedade de um homem. As palavras ‘mew cavalo’, referindo-se a mim, um eavalo vivo, pareciam-me tio es- tranhas como as palavras ‘minha terra’, ‘meu ar’, ‘minha agua’. “No entanto, elas exerceram sobre mim enorme infinéncia. Sem cessar pensava nelas e s6 depois de longo contato com os seres humanos pude explicar-me a significagio que, afinal, lhes é atri- buida. Querem dizer o seguinte: os homens nao dirigem a vida * L. Tolstoi, Kholstemer, de Lembrancgas e Narrativas, em Obra Com- pleta, vol. Ili. Tradug&o da novela por Milton Amado. EHiditora José Aguillar, Ltda. Rio de Janeiro, 1962. (N. do Trad.) A Arte como Procedimento 47 com fatos, mas com palavras. Nao os preoeupa tanto a possibilida- de de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, como a de falar de objetos diferentes mediante palavras convencionais. Essas pala- vras, que consideram muito importantes, sio, sobretudo, meu ou minha, teu ou tu@. Aplicam-nas a todas as espécies de coisas e de seres, inclusive a terra, aos seus semelhantes e aos cavalos. ‘‘Além disto, convencionaram que wma pessoa sé pode dizer meu a respeito de uma coisa determinada. E aquele que puder aplicar a palavra ‘meu’ a um uitmero maior de coisas, segundo a eonvencéo feita, eonsidera-se a pessoa mais feliz. N&o sei por que as coisas sdo desse modo; mas sei que sao assim. Durante mui- to tempo procurei compreender isso, supondo que dai viria algum proveito direto; mas verifiquei que isso nao era exato. ‘‘Muitas pessoas das que me chamavam seu cavalo nem mes- mo me montavam; mas outras o faziam. N&éo eram elas as que me dayam de comer, mas outros estranhos. Também nio eram as pessoas que me faziam bem, mas os cocheiros, os veterindrios e, em geral, pessoas desconhecidas. Posteriormente, quando’ amplici 0 eireulo de minhas observacdes, convenci-me de que 0 conceito de meu — e nao sd com relacio a nds, cavalos —- nfo tem qualquer outro fundamento além de um baixo instinto animal, que os ho- mens chamam sentimento ou direito de propriedade. O homem diz ‘minha casa’ mas nunea vive nela; preocupa-se sé em construi- la e manté-la. O comerciante diz ‘minha loja’, ou ‘meus tecidos’, por exemplo, mas nao faz suas roupas com os melhores tecidos que vende na loja. Hé pessoas que chamam sua uma extensdo de terra e nunea a viram nem passaram.por ela. Ha outras que dizem se- rem suas certas pessoas que nunca viram nesta vida e a tinica re- lagdo que tém com elas consiste em causar-lhes dano. H4 homens que chamam de suas certas mulheres, e estas convivem com outros homens. As pessoas nao procuram, em sua vida, fazer o que con- sideram o bem, e sim a maneira de poder dizer do- maior nime- ro possivel de coisas: 6 meu. Agora estou persuadido de que nisso reside a diferenca essencial entre nés e os homens. Portanto, sem falar de outras prerrogativas nossas, s6 por este fato podemos di- zer, com seguranca, que, entre os seres vivos, nos encontramos em nivel mais alto que o dos homens, A atividade dos homens, pelo menos a dos homens com os quais tenho tratado, se traduz em pa- lavras, a0 passo que a nossa se manifesta em fatos’’. Ao fim da novela, o cavalo j4 esté morto, mas o modo da nar- racdo, 0 proeedimento nfo é modificado: 48 . V. Chklouske “‘Q corpo de Serpukovski, que havia andado, comido e bebide pelo mundo morto em vida, foi sepultado muito depois. Sua pele, sua carne e seus ossos ndo serviram para nada. Da mesma forma pela qual, ha vinte anos, seu corpo morte em vida havia sido um enorme estervyo pata os outros, seu enterro foi mma complicacio a mais. Desde muito tempo ninguém precisava dele; fazia nonito que constituia uma carga para todos. No entanto, owtros mortos em vida semelhantes a ele acharam conveniente, ao enterra-lo, ves- tir seu corpo obeso, que néo demorou a decompor-se, com um bom uniforme, caled-lo com ‘boas botas deposita-lo num caizfo novo, com borlas nos quatro cantos. Tamhém acharam oportuno colo- ear o esquife numa caixa de chumbo e trasladar seus restos a Mos- eou, onde desenterrariam outros restos humanos para dar sepul- tura a este corpo putrefato, coberto de vermes, com aniforme no- vo e botas Instrosas’’. Assim, vemos que, ao final da novela, © procedimento é aplicado fora de sua motivagéo occasional. Tolstoi desereveu todas as batalhas em Guerra e Paz através deste procedimento. Todas sio apresentadas como antes de tudo singulares. Sendo as deserigées muito longas, nao as citarci: para isto, seria preciso copiar wma parte considerfvel deste romance de quatro volumes. Ele deserevia da mesma maneira os saldes € 0 teatro, “No meio do paleo havia cendrios representando Arvores, c0- loeadas dos lados e, ao fundo, outro painel. Moyas de corpetes ver- melhos e saias brancas estavam scntadas no centro. Uma delas, muito gorda, com um vestido de seda branea, afastada das outras, estava sobre wm pequeno banco atrés do qual estava colocado um papelZo verde. Cantavam em coro. Quando terminaram, a moca. de braneo avancou para a caixa do ponto. Um homem, vestindo um caleio de seda que moldava suas gordas coxas, com uma piu- ma no chapéu e um punhal na cintura, aproximou-se dela e co- mecou a cantar e a gesticnlar. ‘“‘Q homem de calgées de seda primeiro cantou sé, depois che- ‘gou a vez da mous cantar. Em seguida os dois se ealaram, a orques- tra repetin a dria e o homem segurou a mao da moca, esperando o compasso para entoarem o dueto. Cantaram juntos e toda a sa- la aplaudiu, aclamando-os, enquanto o homem e a mulher no pal- co representando um par apaixonado, se inclinavam sorrindo, de bracos abertos. (...) ‘‘No segundo ato o cenério representava monumentos. Havia um buraec na tela representando a lua. Foram ligados os refleto- A Arte como Procedimento 49 res e as trombetas ¢ contrabaixos comecaram a tocar em surdina e, pela esquerda e a direita, surgiram muitas pessoas com capas negras. Hssas pessoas comegaram a gesticular, trazendo na mao algo parecido com um punhal. Depois surgiram outras correndo e levaram a nioga, que antes estava de branco e que agora usava um vestido azul-claro. N&o a levaram logo; ficaram um bom tempo can- tando com ela, por fim arrastaram-na e nos bastidores deram trés paneadas sobre algo metalico, e todos se ajoelharam entoando uma prece, Varias vezes, tudo foi interrompido por gritos entusiastas dos espectadores.’’ A mesma técnica para o tereeiro ato: ‘‘Repentinamente, de- sencadeou-se uma tempestade: a orquestra entoon uma gama, ero- matica e acordes de sétima menor, e todes comecaram 4 correr. Ar- rastaram wm dos atores para os bastidores e 0 pano caiu’’. No quarto ato: ‘‘Surgiu um diabo que cantou, gesticulou, até que um aleapao abriu-se a seus pés, tragando-o5’’. Da mesma meneira Tolstoi desereve a cidade c o tribunal em Ressurreicao. Assim éle desereve o casamento em A Sonata a Kreut- zen: “Por que as pessoas devem dormir juntas se suas almas es- tao em afinidade?’’. Mas Tolstoi aplica o procedimento de singu- larizacdo nfo somente para dar a visio de wm objeto que éle quer apresentar negativamente: ‘“‘Pedro abandonou seus novos cama- radas e, por entire as foguciras do acampamento, dirigin-se para o outro lado da estrada, onde the haviam infermado encontrarem- se 0s prisioneiros de guerra. Tinha vontade de conversar com eles. No eaminho uma sentinela francesa chrigon-o a parar e voltar. Pedro obedecen, mas nao volton para onde estavam seus camaradas ; dirigin-se para wma carroea desatrelada, onde nao ha- via ninguém. Sentou-se no chio frio, de joelhos erguidos e cabeca baixa e ficou refletindo por muito tempo. Passou-se mais de uma hora sem que ninguém viesse molestd-lo. De repente ele den uma gargalhada alegre e tio forte que as pessoas se voltaram para es- cutar esse riso estranho e solitério. , — Ah, ah, ahi — ria Pedro. EH dizia em voz alta, dirigindo- se a si préprio: ——- O soldado nZo me deixou passar. Agarraram- me € me trancaram. Agora sou prisioueiro. Quem, eu? Hu? Minha al- ma imortal? Ah, ah, ah!... -~- e de tanto rir, lagrimas corriam-lhe pelo rosto. (...) 6 L. N. Tolstoi, Guerrg e Paz. Traducic de Lucinda Martins, Editora “Lux Lida, Rio de Janeiro, 1966, vol. I. 4 f 50 V. Chklousks “‘Pedro examinou o eéu, a profundeza onde cintilavam as estrelas. ‘Tudo aquilo é meu, tudo aquilo esté em mim, tudo aqui- lo sou cu! E foi tudo isso que eles agarraram e trancaram numa barraca fechada por tabuas!’. Sorriu e foi deitar-se ao lado dos eainaradas’’, (Guerra e Paz, vol. IT.) Todos os que conhecem bem Tolstoi podem achar nele cente- nas de exemplos deste tipo. Esta maneira de ver os objetos fora de seu contexto o conduziu, nas suas tltimas obras, a aplicar o método de singularizacio na desericio de dogmas e ritos, méto- do segundo o qual ele substitufa as palavras da linguagem cor- rente pelas palavras habituais de uso religioso ; resuitou dai qual- quer coisa de estranho, de monstruoso, que foi sinceramente con- siderado por muita gente como uma blasfémia e os feriu penosa- mente, Entretanto, foi sempre o mesmo procedimento através do qual Tolstoi percebia e relatava o que o envolvia. As pereepcoes de Tolsioi saeudiram a sua fé ao tocar os objetos que por longo tempo ele quisera tocar. © procedimento de singularizagéo n&o pertence somente a Tolstoi. Se me apdio no material que lhe tomo emprestado, nao é seno por consideragdes puramente praticas, porque este mate- rial é conhecido de todos. Agora, apés ter esclarevido o cardter deste procedimento, ten- temos determinar aproximadamente os limites de sua aplicagio. Pessoalmente, penso que quase sempre que h&é imagem, ha singu- Jarizagao. Em outras palavras, a diferenga entre o nosso ponto de vista e o de Potebnia. pode ser formulado assim: a imagem nfo 6 um predieado constante para sujeitos varidveis. O objetivo da imagem nao 6 tornar mais préxima de nossa compreensiio a significagéo que ela traz, mas criar uma percepefo particular do objeto, criar uma _visio e nao o seu reconhecimento. -& a arte erdtica que mos permite uma observagio melhor das funecédes da imagem. O objeto erdtico é apresentado freqtientemente como uma coisa jamais vista. Por exemplo, em Gogol, na Notte de Natal: ‘‘Dizendo isto, acerecou-se dela, tossiu e, rogando com os dedos a sua mio gorducha, disse com um acento que trafa sua astiicia e vaidade: A Arte como Procedimento 51 ~~ Que é isto, magnifica Solokha? — e ao dizélo, deu um salto para tras, -— Como o que 6 isto?... A mo, Ossip Nikiporoviteh — con- (estou Solokha. -~ Hum... a mado... Hé, hé, hé! — disse ele com o coracdo contente por aquele comeco; e passeando pelo quarto: — E isto, o que 6, queridissima Solokha? —“prosseguin — com © mesmo tom, aproximando-se dela, roeando-the leyemente o colo e dando, como antes, um salto para trés. — Como?! Vocé nao vé, Ossip Nikiporoviteh?! — econtestou 4 Ps Solokha — O eolo e sobre ele, um colar. os Hum... sobre o colo um colar... Hé, hé, hé! — e o sacris- {io passeou de novo pelo quarts, esfregando as mos. — E isto, o que é incomparavel Solokha? —- néo se sabe mais o que os gran- des dedos do sacristao haviam tocado desta vez... *?’, Em Hamsun, Fome: “Dois milagres brancos saiam de sua blusa’’. 3 . ™ ° ° Por vezes, a representaciio dos objetos eréticos se faz de uma maneira velada, onde o objetivo nfo é evidentemente aproximd-los da compreensio. Relaciona-se a este tipo de representacio aquela dos éredos sexuais como um cadeado ¢ uma chave (por exemplo, nas * Adivinha- goes do pova Russo’’, D. Savednikoy, n.°s 102-107), como og instru- mentos de tecer (ibid., 588-591), como um arco e as flechas, conio um anel e um prego, conforme aparece na bilina** sobre Staver (Rybnikov, n.° 30). O marido nao reconhece a mulher mascarada de bravo. Ela lhe propoe uma adivinhagio: “é na . Vocé se lembra, Staver, aquilo-o lembra Como, quando éramos criancas, iamos pela rua *N. Gogol, ‘Noite de Natal, de As Vigilias em Dikanka, em Obra Completa. .Tradugao de Irene Tchenowa, Aguilar 8.A., Madrid, 1951. A rea para o portugués esta. calcada nesta versio espanhola. (N. do wi ** Epopéia ou rapsédia popular russa. (N. de Trad.) $2 V. Chhlovuski EB jogévamos o joge do prego Vocs tinha am anel de prata © eu tinha wm anel dourado? E ea conseguia de vez em quando Mas voc8 conseguia sempre. # Staver, filho de Godine, diz Mas en nic joguei com vocé o jogo do prego. Entdo Vassilissa Mikulithna diz: Entao Voea ‘se lembra, Staver, aquilo o lembra Foi com vocé que aprendi a eserever: Bu tinha um tinteiro de prata B voc’ tinha uma caneta douwrada? Bu molhave a cancta de vez em quando Mas vové a melhava sempre?”’. Em sutra variante da composigio, a solugdo nos é dada: Q 3 “Pniso a terrivel enviada Vassiluchks Levantew ag suas roupas até o seu umbigo B eis que o joven Staver, fitho de Godine, Reconheeeu o anel dourado...’’. (Rybnikov, 171) Mas a singularizagSo nao é somente um procedimento de adi- vinhagdes erdticas ou de eufemismo; ela é a base ¢ o anieo sentido de todas as adivinhacdes. Cada adivinhacdo é uma deserigéo, uma definicio do objeto por palavras que nao Yhe sio habitualmente atribnidas (exemplo: ‘‘Duas extremidades, dois anéis, e no meio am prego’), ou uma singularizacio fénica obtida com a ajuda de ums repeticic deformante: Yon da tonok? — Pel de potolok®) (D. Ba- yodnikov, n° 51) ou Sloa de Kon drik? — Zaslon 4 konnik™ (Tbid., ne? 177). * Jogo do prego: jogo. popular russo que consiste em visar com um prego o centro de um anel posto na terra. (N. do Trad. para a edi- cio francesa.) 6 pol da potelok (r.): soalho e teto. 7 susion 1 kewnllzs (v.): asllo e cavalelro. Arie coma Procedimenio 53 lla imagens que usam a singularizagio sem ser adivinhacdes: por exeraplo todos os ‘’magos de biscoitos’’, ‘‘os avides’’, ‘as bone- na ‘“‘og peguenos amigos’’, etc., que eseutamos na boca dos ean- Ores, As imagens dos eantores tém todas um ponto em comum com "imagem popular que apresenta os mesmos atos como o fato de ‘‘pisar @ erva e quebrar o alburno’’. _ Q procedimento de singularisagio 6 evidente na imagem conhe- clin da atitude erética, na qual o urso e outres animais (ou o diabo uma outra motivagéo de falta de reconhecimento) no reconhecem o homem (O Mestre Corajoso, Contos da Grande Rissia, notas da Sociedade Imperial Geografica Russa, vol. 42, n.° 52; Aniologia da Nussia Branca de Romanov, no 84, O Soldado Justo, p. 344). A falta de reconhecimento no conto n.° 70 da antologia de D. 8. “cleuine, Grandes Contos Russos da Administracéa de Perm 6 um cano caracteristico. “Tim mujique lavrava seu campo com uma égua pega. Um ur- 40 se aproxima dele e lhe pergunta: ‘Hi amigo, auem den A sua “rua esta cor pega?’ —- “Dei-a ea mesmo’, — ‘Mas como?? — ‘Vem, vou da-la também a voeé’. O urso aceite. O mujique Ihe amar- ri as patas, prende a relha do arads, faz esquenté-lo no fogo e co- mecan a aplied-la nos flancos do urao: com a relha qneimando cha- musqucia-the o pélo até a carne e lhe dA assim a cor pega. Depois, devamarra-o, o urso parte, distancia-se um pouco, deita-se sob una Arvore ¢ nfo se mexe. — His que wma pega chega perto do mujigue @ tim de cisear a carne para si. O mujique a pega e The quebra uma pata, A pega voa e pAra na Arvore perto da qual dor- mie 0, WESO, —— Depois da pega, uima grande mosea chega perto do mujique, pousa sobre a égua e comega a picé-la. O mujique a pega enfia-the uma vareta no traseiro e a deixa partir. A mosca voa e pou- “a na mesma arvore onde ja estavam a pega eo urso. Os trés ficam In, His que chega a mulher do mujique, trazendo o seu almoco. O mujique come ao ar livre com sua mulher e a derruba va terra. Vendo-o, 0 Use Se Girige & pega-e 4 mosea: ‘Bom Dens, o mujique quer ainda uma vez dar a cor pega a alguém’. A pega diz: ‘No cle quer quebrar-Ihe as patas’. A. grande mosea: ‘No, ele quer en. finr-lhe wma vareta no traseiro’.’’ A identidade @o procedimento deste trecho com o procedimento ide Kholstomer parece-me evidente para todos. A singularizacéo do proprio ato é muito freqiiente na literatu- ri; por exemplo no Decameron: ‘A rapa da vasilha’’, ‘‘a eaca ao Rouxinol’’, ‘o trabalho alegre do operdrio’’, nfo sendo esta Gitima 54 V. Chklouski imagem: desenvolvida como enredo. E é também freqiiente o uso da singularizagio na representagéo dos érgéos sexuais. Toda uma série de enredos é construida baseada em tal falta de reconhecimento, por exemplo Afanassiev, Contos Entimos: ‘A Dama ‘Timida’’: todo o conto funda-se sobre o fato de que nao se chaina 0 objeto por seu proprio nome, sobre o jogo do mal reconhe- eimento. A mesma coisa em Ontchucov, ‘(A Nédoa Feminina’’ (con- to n° 525); 0 mesmo nos Contos fntimos: ‘'O Urso e 0 Coelho’’. O urso eo coelho cuidam da ‘‘ferida’’. A construeio de tipo ‘‘pilio e tigela’’ ou ent&o ‘‘o diabo e 0 Inferno’’ (Decameron) pertencem ao mesmo procedimento de sin- gularizacio. Trato, no meu artigo, sobre a construg&o do enredo, da singu- larizagio no paralelismo psicolégico. Repito contudo aqui que o importante no paralelismo é a sen- sagdo de nao-coincidéncia de uma semelhanga. O objetivo do parale- lismo, como em geral o objetivo da imagem, representa a transfe- réncia de um objeto de sua pereepedo habitual para uma esfera de nova percepedo; hé portanto uma mudanca semantica especifica, Examinando a lingua poética tanto nas suas constituintes fo- néticas e léxieas como na disposig&éo das palavras e nas construgdes gemAanticas constituidas por estas palavras, pereebemos que o cara- ter estético se revela sempre pelos mesmos signos: é criado cons- cientemente para libertar a percepg&o do automatismo; sua vis&0 representa o objetivo do criador e ela é construida artificialmente de maneira que a percep¢ao se detenha nela e ehegue ao maximo de sua forga e duragao. O objeto 6 percebido nao como uma parte do espaco, mas por sua continuidade. A lingua poética satisfaz es- tas condigdes. Segundo Aristdteles, a lingua poética deve ter um earAter estranho, surpreendente; na pratica, é freqiientemente uma Mingua estrangeira: o sumeriano para 0s assirios, o latim na Eu- ropa medieval, os arabismos entre os persas, 0 velho bilgaro como base do russo Hiter4rio; ou uma lingua elevada como a lingua das ecancdes populares préximas da lingua literaria. 4 a explieacio pa- ra a existéncia de arcaismos téo largamente difundidos na lingua poétiea, para as difieuldades do ‘‘dolee stil nuovo’’ (século x1), para a lingua de Arnaud Daniel com o seu estilo obscuro e suas formas diffceis, para as formas que supdem um esforco na prontin- cia (Diez, Leben und Werk der Troubadoure, p. 213). U. Jacobins- ki-demonstrou no seu artigo a lei do. obseurecimento no que con- cerne 4 fonética da Wngua poética a partir do easo particular de A Arte como Procedimenio 55 uma repetiggo de sons idénticos. Assim, a lingua da poesia é uma lingua dificil, obscura, eheia de obstéculos. Em certos casos parti vulnurcs, a lingua da poesia se aproxima da lingua da rose. : acm coutradizer a lei da dificuldade. ° proses mas “Sua irma chamava-se Tatiana Pela primeira vez eis que Por seu nome, pagso a santificar ; As paginas deste terno romance’’ enerevial Pushkin. Para os contemporineos de Pushkin, a lMneu podtica tradicional era o estilo elevado de Derjavine enquanto gue o extilo de Pushkin, com seu cardter trivial (para esta época) ora dificil e@ surpreendente. Reeordemo-nos o pavor de seus contem 0- rancos perante as express0es grosseiras que ele empregava. Pushkin uiilizava a linguagem popular como um procedimento destinado a chamar a ateng&o, assim como seus contemporaneos, em seus dis cursos geralmente em francés, utilizavam palavras "russes (ef : exemplos de Tolstoi, Guerra e Paz). A in *endmeno ainda mais caracteristico ocorre em nossos dias. gua iteraria russa, que é de origem estrangeira para a Rissia penetrou de tal forma na massa popular que trouxe a seu nivel inuilog elementos dos dialetos; em oposig#o, a literatura comeca a manifestar uma preferéncia pelos dialetos (Remizov, Kliuev Esse nine @ outros, desiguais em seus talentos e préximos da sua lin a voluntariamente provinciana) e pelos barbarismos (o que tornou possivel 0 aparecimento da escola de Severianine). Maximo Gorki panga. também, em nossos dias da lingua literdria ao dialeto liter4- rio a maneira de Leskov. Assim, a linguagem popular e a lingua literfria trocaram seus lugares (V. Ivanov e muitos outros) Enfim NOMOS testemunhas da aparigao da forte tendéncia que procura criar uma lingua especificamente poética; no alto desta escola pds-se como se sabe, Velemir Khlebnikov. Assim, chegamos a definir ‘a poesia como um discurso dificil, tortuoso. O discurso poétice 6 um hsscurso elaborado. A prosa permanece um diseurso ordinario, eco- némico, f4eil, correto (Dea Prose & a deusa do parto facil correto de uma boa posigéo da crianga). Aprofundarei mais no meu arti, 0 sobre a construgaio do enredo este fendmeno de obseurecimento de umortecimento, enquanto lei geral da arte. As pessoas que pretendem que a nocio de economia das ener- Hias esté constantemente presente na lingua poética e que ela 6 mesmo @ sua determinante, parecem & primeira vista, ter uma 0- uigio particularmente justifieada no que diz respeité ao ritmo mA interpretagao da fungio do ritmo dada por Spencer parece ser in-

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