Está en la página 1de 27

Exmo. Sr.

Desembargador Sérgio Resende,

Incidente de Inconstitucionalidade nº 1.0024.05.646547-9/002 (CAFES)

O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO ELETRÔNICO –


IBDE, associação civil sem fins lucrativos, com sede na av. Graça
Aranha, 416, salas 1002 a 1007, Rio de Janeiro-RJ, CNPJ nº
05.363.897/0001-10, representado por seu presidente Prof. Ms.
José Carlos de Araújo Almeida Filho, vem por seu procurador infra
assinado requerer sua intervenção neste incidente de
inconstitucionalidade na qualidade de

AMICUS CURIAE,

nos termos do art.482, §3º, do Código de Processo Civil


Brasileiro, a fim de pugnar pela PROCEDÊNCIA deste incidente,
pelas razões que passa a expor:


 
1. Da intervenção do IBDE como amicus curiae

A possibilidade de participação da sociedade civil como amicus


curiae nos processos de controle de constitucionalidade foi uma
importante conquista democrática positivada pela lei 9.868/99.

A figura do amicus curiae tem se tornado cada vez mais freqüente


nas ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal
Federal, pois permite uma interlocução direta do Poder Judiciário
com a sociedade civil organizada através de entidades com alto grau
de especialização nos temas discutidos.

Este diálogo técnico e jurídico entre os órgãos judiciários de controle


de constitucionalidade e a sociedade civil enriquece a discussão não
só em seu aspecto técnico, mas também político.

Sobre o tema o Ministro Celso Melo assim se expressou na ADI


2321-DF:

“PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO


ABSTRATO - POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO
"AMICUS CURIAE": UM FATOR DE PLURALIZAÇÃO E DE
LEGITIMAÇÃO DO DEBATE CONSTITUCIONAL. - O
ordenamento positivo brasileiro processualizou, na regra
inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, a figura do
"amicus curiae", permitindo, em conseqüência, que
terceiros, desde que investidos de representatividade
adequada, sejam admitidos na relação processual, para
efeito de manifestação sobre a questão de direito


 
subjacente à própria controvérsia constitucional. A
intervenção do "amicus curiae", para legitimar-se, deve
apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua
atuação processual na causa, em ordem a proporcionar
meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio
constitucional. - A idéia nuclear que anima os propósitos
teleológicos que motivaram a formulação da norma legal
em causa, viabilizadora da intervenção do "amicus
curiae" no processo de fiscalização normativa abstrata,
tem por objetivo essencial pluralizar o debate
constitucional, permitindo, desse modo, que o Supremo
Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos
informativos possíveis e necessários à resolução da
controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura
procedimental, superar a grave questão pertinente à
legitimidade democrática das decisões emanadas desta
Suprema Corte, quando no desempenho de seu
extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle
concentrado de constitucionalidade.”

Tratando-se de incidente de inconstitucionalidade o art.482, §3º, do


Código de Processo Civil Brasileiro dispõe que:

“o relator, considerando a relevância da matéria e a


representatividade dos postulantes, poderá admitir, por
despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos
ou entidades”.


 
Frise-se aqui que, não obstante a norma se encontrar disposta no
Código de Processo Civil, sua aplicação também ao controle de
constitucionalidade das normas penais parece indubitável. É que,
não bastasse a possibilidade de aplicação subsidiária do Código
de Processo Civil ao processo penal, não se trata no caso de
norma processual civil ou processual penal, mas de visível
dispositivo de processo constitucional inserido no CPC.

Assim, trata-se de norma perfeitamente aplicável a este incidente de


inconstitucionalidade desde que presentes os requisitos da
RELEVÂNCIA DA MATÉRIA e da REPRESENTATIVIDADE DOS
POSTULANTES que a seguir pretendemos demonstrar estarem
presentes.

1.1. Relevância da matéria

Em princípio, cabe notar que não obstante este incidente de


inconstitucionalidade ter sido suscitado a partir de um processo
penal em que se julga um caso concreto, a questão que se discute
aqui extrapola em muito o interesse do(s) réu(s) daquele feito
originário.

A discussão atual já não se limita mais a uma condenação ou uma


absolvição, mas abrange a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de um artigo do Código Penal.

Não se julga aqui um caso concreto, mas a constitucionalidade de


uma norma federal, razão por que justifica-se plenamente o


 
interesse da participação do IBDE como representante da
sociedade civil interessada na decisão sobre a
constitucionalidade da norma.

A criminalização da violação de direitos autorais é matéria de


imenso interesse público, mormente na sociedade pós-industrial em
que a maior parte da economia está centrada na produção imaterial.

As repercussões de uma decisão sobre a (in)constitucionalidade do


crime de violação de direitos autorais serão grandes, pois refletirão
não só nos interesses privados de autores, editoras/gravadoras, mas
principalmente nos interesses de uma significativa parcela da
população que consome diariamente produtos “piratas”, muitas
vezes como única forma de acesso a estes bens culturais.

Não bastasse, a decisão refletirá os limites do poder criminalizante


em nosso Estado Democrático de Direito, em especial, no que diz
respeito à caracterização à limitação constitucional à prisão por
dívidas.

Ainda que, em tese, os efeitos da decisão se limite ao Estado de


Minas Gerais, é inegável a importância da jurisprudência mineira
perante os tribunais nacionais e a decisão aqui proferida, por certo,
em muito influenciará a interpretação da matéria em nível nacional.

1.2. Representatividade dos postulantes

O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO ELETRÔNICO é uma


associação científica sem fins lucrativos formada por professores de

 
Direito cujas linhas de pesquisa abarcam as repercussões jurídicas
das tecnologias da informação. Entre nossos associados contamos
ainda com advogados, juízes e promotores bastante atuantes em
suas instituições no sentido de tornar a informatização judicial uma
realidade.

O IBDE possui abrangência nacional, contando com associados em


todas as regiões do país e tem se destacado pela realização de
importantes congressos internacionais sobre o tema, dentre os quais
destacamos:

• I Congresso Internacional de Direito Eletrônico, Petrópolis


(RJ), 2004.
• II Congresso Internacional de Direito Eletrônico, Belém (PA),
2006.
• I Seminário de Processo Eletrônico, Petrópolis (RJ), 2007.
• II Seminário Processo Eletrônico, Porto Alegre (RS), 2007.

Em outubro deste ano de 2008, o IBDE realizará seu III Congresso


Internacional de Direito Eletrônico na cidade de Maringá (PR) que
discutirá, dentre outros temas os Direitos Autorais na sociedade da
informação.

Não bastasse a intensa agenda de eventos realizados pelo IBDE,


seus membros têm se destacado também na redação de livros e
artigos sobre Direito Eletrônico publicados em revistas nacionais e
estrangeiras.

Todo este trabalho foi reconhecido pelo SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL que admitiu o IBDE como amicus curiae nas Ações


 
Diretas de Inconstitucionalidade ADI-3869 e ADI-3880,
ambas relatadas pelo Exmo. Sr. Ministro Ricardo Lewandowski.

Trata-se, portanto, de um instituto acadêmico bastante atuante


formado por professores e profissionais do Direito especializados na
temática deste incidente de inconstitucionalidade e que pretende
dar aqui sua contribuição democrática ao melhor julgamento da
questão.

Por todo o exposto, o IBDE requer sua admissão como amicus


curiae neste incidente de inconstitucionalidade para sustentar sua
PROCEDÊNCIA.

2. Da inconstitucionalidade do art.184 do CP

O presente incidente de inconstitucionalidade, suscitado pelo


eminente Des. Alexandre de Carvalho, tem por objeto a
(in)constitucionalidade do art.184 do Código Penal que tipifica o
crime de violação de direitos autorais.

Não se discute aqui as variadas sanções civis já previstas em lei


para as violações de direitos autorais, tais como multas,
indenizações, apreensões, perda de máquinas, equipamentos e
insumos, dentre outras.

O objeto deste incidente de inconstitucionalidade não é, pois, a


LICITUDE ou ILICITUDE da violação de direitos autorais, mas a


 
TIPIFICAÇÃO desta ILICITUDE como CRIME em nosso
ordenamento jurídico.

2.1. Princípio constitucional da Intervenção Mínima

Como é sabido, o Direito Penal não se ocupa de qualquer conduta


socialmente lesiva, mas tão-somente daquelas consideradas mais
graves e reprováveis sintetizada na conhecida expressão latina:
ultima ratio legis.

Como ensina Nilo Batista, se o Direito Penal é “remédio sancionador


extremo, deve portanto ser ministrado apenas quando qualquer
outro se revele ineficiente; sua intervenção se dá unicamente
quando fracassam as demais barreiras protetoras do bem jurídico
predispostas por outros ramos do direito.” (BATISTA, Nilo.
Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2001. p.87)

Ainda que não previsto expressamente no texto constitucional, o


princípio da intervenção mínima é uma decorrência lógica da opção
política feita no art.1º da Constituição da República pelo Estado
Democrático de Direito. A criminalização de condutas de baixa
lesividade social é própria de regimes totalitários, pois
pretende disciplinar pelo medo e pela repressão penal as condutas
do povo em todas as suas filigranas. Nos Estados Democráticos de
Direito as constituições admitem implicitamente a impossibilidade do
Direito Penal regular todas as condutas humanas e cria critérios de


 
seleção para que o legislador limite-se a criminalizar aquelas de
maior lesividade social.

2.2. Princípio da lesividade

O principal critério restritivo ao poder criminalizante é o princípio da


lesividade pelo qual admite-se que só pode haver crime se houver
uma lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico
constitucionalmente protegido.

Destarte, é preciso inicialmente determinar qual o bem jurídico


supostamente tutelado pelo crime do art.184 do Código
Penal para, a partir dele, determinarmos se esta criminalização é
compatível ou não com nossa constituição.

Inicialmente poder-se-ia supor que o bem jurídico tutelado pelo


art.184 do CP fosse a propriedade, dada a enorme freqüência com
que se usa equivocadamente a expressão “propriedade intelectual”.

É preciso notar, porém, que a propriedade é um conjunto de bens


pertencentes a um sujeito de direitos. Ora, uma lesão à
propriedade alheia equivale a uma perda – um decréscimo –
patrimonial. A subtração de um livro de uma biblioteca
caracteriza, sem dúvidas uma perda patrimonial para o proprietário
da biblioteca. A cópia xerográfica deste mesmo livro, porém, não
gera qualquer prejuízo ao seu legítimo dono, que continuará com o
livro intacto em sua biblioteca, e também não provoca qualquer
perda patrimonial ao autor ou à editora, pois não se pode equiparar


 
uma lesão patrimonial a uma frustrada expectativa de lucro relativa
à venda hipotética da obra.

Há, no entanto, a frustração do pagamento de um crédito


decorrente do uso da obra protegida pelos direitos autorais.

Ocorre, porém, que DEIXAR DE RECEBER um crédito não pode


ser equiparado a uma LESÃO PATRIMONIAL, sob pena de
odiosa aplicação da analogia in malam partem, vedada no Direito
Penal.

Os delitos patrimoniais estão elencados no Título II da Parte


Especial do nosso Código Penal e todos eles têm uma característica
em comum: uma lesão patrimonial que DIMINUI O
PATRIMÔNIO DA VÍTIMA. Esta diminuição ora é causada por
uma subtração, com ou sem o uso da força, ora pela entrega da
coisa pela própria vítima, em alguns casos constrangida, em outros
induzida a erro, ora parte do seu patrimônio é destruído, inutilizado
ou deteriorado, ora o autor apropria-se de coisa de que tem posse
ou a detenção. Mas NUNCA há crime patrimonial sem
PREJUÍZO PATRIMONIAL.

Assim, não há falar em crime contra a propriedade


intelectual, simplesmente porque SEM PREJUÍZO
PATRIMONIAL não há CRIME PATRIMONIAL, pois não
houve lesão ao BEM JURÍDICO PATRIMÔNIO. E aqui não há
espaços para analogias. Frise-se: DEIXAR DE AUMENTAR O
PATRIMÔNIO não pode ser equiparado a PREJUÍZO
PATRIMONIAL.

10 
 
Conclui-se, pois, que o bem jurídico tutelado pelo art.184 do CP não
é uma suposta propriedade intelectual, mas um direito autoral de
natureza patrimonial. Um, não! Dois: o direito patrimonial do
autor e o direito patrimonial da editora/gravadora que, por um
contrato de edição com o respectivo autor, também tem a
expectativa de ser remunerada pela obra.

A distinção é fundamental, pois o crime do art.184 do CP não


causa uma lesão ao patrimônio das vítimas – autor e
editora/gravadora – mas sim, frustra-lhe a expectativa de
ter um incremento patrimonial decorrente do recebimento dos
direitos autorais.

Destarte, dois são os bens jurídicos tutelados pelo art.184 do CP:

1. o direito patrimonial do autor de receber uma remuneração


pelo uso de sua obra;
2. o direito patrimonial da editora/gravadora de receber uma
remuneração pelo uso da obra do autor, decorrente de
contrato de edição/gravação com ele estabelecido.

Há ainda uma terceira categoria de direitos – a mais importante


delas – que são os direitos morais do autor, como por exemplo, o
direito de atribuição de autoria, o direito de assegurar a integridade
da obra (ou de modificá-la), o direito de conservar a obra inédita,
entre outros.

Vê-se, pois, que o delito do art.184 do CP procura tutelar uma


infinidade de bens jurídicos de naturezas distintas – ora moral, ora

11 
 
patrimonial – e de titulares diversos – ora do autor, ora do
editor/gravadora.

Então é preciso ampliar a lista original de dois bens jurídicos


tutelados, para um rol bem mais extenso:

1. direito moral do autor de atribuição de autoria


2. direito moral do autor de assegurar a integridade da obra (ou
de modificá-la)
3. direito moral do autor de conservar a obra inédita
4. o direito patrimonial do autor de receber uma remuneração
pelo uso de sua obra;
5. o direito patrimonial da editora/gravadora de receber uma
remuneração pelo uso da obra do autor, decorrente de
contrato de edição/gravação com ele estabelecido.

Note-se que esta lista não tem a pretensão de ser taxativa, pois
outros direitos morais do autor poderiam ser tutelados por este
art.184 do CP.

O que se procura demonstrar aqui é tão-somente a pluralidade de


bens jurídicos que se visa tutelar com o delito de violação de
direitos autorais, ressaltando a diversidade de interesses (moral e
patrimonial) e destinatários (autor e editor/gravadora).

Não há falar, portanto, em um bem jurídico “propriedade


intelectual” quer seria tutelado por esta norma, mas sim em um
conjunto de interesses morais e patrimoniais de autores e
editoras/gravadoras que podem ou não ser considerados bens
jurídicos.

12 
 
2.3. Proibição de criminalização de dívidas

Fundamental então é determinar se estes direitos tutelados podem


ser, de fato, bens jurídicos sujeitos à tutela penal.

Em relação aos direitos morais do autor, não temos dúvida de que


constituem bens jurídicos perfeitamente adequados a uma tutela
penal. Assim, a conduta do plágio estaria corretamente tipificada
pelo tipo penal do art.184, pois lesa um bem jurídico moral do
autor.

Já em relação à tutela dos direitos patrimoniais do autor, o mesmo


não pode ser dito.

Parece claro que a cópia de um livro, cd, dvd ou qualquer obra


intelectual não causa um decréscimo no patrimônio do autor ou da
editora/gravadora, mas tão-somente frustra uma expectativa de
incremento patrimonial. Não se trata, pois, de forma alguma de um
delito patrimonial, mas sim, da frustração de pagamento de um
crédito de natureza civil.

A Constituição da República é expressa ao vedar a utilização da


prisão para constranger alguém ao pagamento de dívidas:

“Art.5º, LXVII — não haverá prisão civil por dívida, salvo


a do responsável pelo inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário
infiel.”

13 
 
Ora, se a Constituição veda a prisão civil por dívida, por óbvio
não permite também a prisão criminal por dívidas.

Se não se pode mandar prender alguém para obrigá-lo a pagar o


aluguel atrasado, evidentemente também não se pode cogitar na
tipificação de um delito que punisse a conduta de “deixar de pagar
aluguel”.

Não bastasse a expressa vedação constitucional à prisão como


instrumento de coerção ao pagamento de dívidas, também a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos — “Pacto de San
José de Costa Rica”, positivada no Brasil pelo Decreto 678 de 6 de
novembro de 1992, estabelece que:

“Artigo 7 — Direito à liberdade pessoal — […] 7.


Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não
limita os mandados de autoridade judiciária competente
expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação
alimentar.”

Mais uma vez, é importante insistir que não há qualquer diferença


de ordem prática em ordenar a prisão civil pelo inadimplemento de
uma obrigação civil ou criar um tipo penal criminalizando a conduta
de “deixar de pagar uma dívida”.

O que a Constituição da República e o “Pacto de San José de Costa


Rica” vedam não é somente a prisão civil por dívidas, mas toda e
qualquer prisão para constranger alguém a pagar uma dívida.

Tanto é assim, que mesmo a pena de multa decorrente de sentença


penal condenatória jamais poderá ser convertida em prisão, quando

14 
 
não paga. Não é por outro motivo que o art.51 do Código Penal com
a redação que lhe deu a Lei 9.268/96 dispõe que:

“transitada em julgado a sentença condenatória, a multa


será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as
normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda
Pública, inclusive no que concerne às causas
interruptivas e suspensivas da prescrição.”

Nem poderia ser de outra forma, sob pena de criarmos uma


inaceitável dicotomia sócio-econômica na aplicação das leis penais:
quem é rico paga a multa e quem é pobre é condenado à prisão por
não conseguir pagá-la.

Ora, se não se pode converter uma multa de natureza criminal não


paga em prisão, poderia o não pagamento de direitos autorais levar
alguém à prisão em nosso sistema jurídico? Não haveria aí uma
grande incoerência?

Como já tivemos a oportunidade de comentar antes:

“Se o legislador ab absurdo criasse uma lei tipificando a


conduta: “violar direito de locador”, ninguém teria
dúvidas em afirmar a absoluta inconstitucionalidade da
norma. Argumentar-se-ia, por certo, que os direitos do
locador são vários e esta norma lesaria o princípio
constitucional da taxatividade. Ainda que os diversos
bens jurídicos tutelados por este delirante tipo penal
complexo fossem decompostos, em determinado
aspecto ele seria visivelmente inconstitucional: tratar-se-

15 
 
ia de uma criminalização do descumprimento de uma
obrigação civil, vedada expressamente pela Constituição
Federal.

(...)

Se assim é em relação à tutela da propriedade material,


razão alguma haveria para se proteger com maior
ênfase uma abstrata “propriedade intelectual” que, neste
aspecto, tutela o direito do autor a receber a
remuneração por seu trabalho intelectual, explorado
comercialmente por um proprietário dos meios de
produção.

Deixar de receber uma renda ou salário, ainda que se


trate de descumprimento de obrigação civil, jamais pode
ser equiparado a uma lesão patrimonial semelhante ao
crime de furto. No delito de furto há um decréscimo
patrimonial; na violação de direitos autorais, o autor
deixa de ter um acréscimo em seu patrimônio. No furto,
há ofensa a um direito real; na violação de direitos
autorais, a um direito obrigacional. Naquele temos uma
vítima; neste, um credor.

A produção de obras intelectuais em meio físico que não


foi autorizada pelo autor é, portanto, tão-somente um
descumprimento de obrigação civil. Dada a sua natureza
eminentemente privada e seu caráter exclusivamente
pecuniário, sua criminalização afronta não só o princípio

16 
 
da intervenção penal mínima, mas também a vedação
constitucional às prisões por dívidas.”

(VIANNA, Túlio Lima. A ideologia da propriedade


intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos
direitos patrimoniais de autor. Anuario de Derecho
Constitucional Latinoamericano. Montevideo, a.12, t.2,
2006, p. 945)

É preciso ressaltar, finalmente, que nem mesmo o próprio


Estado pode criminalizar a conduta daquele que
simplesmente deixa de pagar um tributo aos cofres
públicos. A lei 8.137/90, que define os crimes contra a ordem
tributária, tem em todos os seus tipos penais um elemento em
comum: a FRAUDE.

A criminalização não é, e nem poderia ser, do mero não pagamento


do tributo, pois mesmo o Estado não se pode valer da ameaça de
prisão para constranger alguém ao pagamento de dívida. A
criminalização não se dá pelo simples inadimplemento, mas
por algum tipo de fraude ou falsidade das informações
prestadas.

Ora, se é assim em relação a tributos, que são dívidas públicas por


natureza, por que reservaria o legislador tratamento privilegiado aos
“direitos autorais”, que nada mais são que TRIBUTOS PRIVADOS
pagos ao autor por sua contribuição intelectual prestada à
sociedade?

17 
 
É importante notar que a FRAUDE não é elemento essencial ao tipo
do art.184 do CP.

Pela atual redação do tipo do art.184 do CP, não se exige para a


caracterização do crime que o comprador do produto “pirata” seja
iludido e confunda o produto “pirata” com o original. Destarte,
quando alguém compra um produto “pirata” sabendo tratar-se de
produto “pirata” – o que certamente é a maioria absoluta dos casos,
dada à visível discrepância de aparência entre eles – não há falar
em FRAUDE, pois o comprador sabe perfeitamente que não se
trata de produto original. Tudo o que se tem nestes casos é o não
pagamento dos direitos autorais, o que equivale a dizer que a
tipicidade se caracterizaria pelo mero inadimplemento de uma
obrigação civil.

De lege ferenda, poder-se-ia admitir um novo tipo penal que


criminalizasse a violação de direitos autorais praticada com fraude
que induza o comprador do produto a julgar tratar-se de produto
original. A simples venda de produto “pirata”, com a ciência
pelo comprador de que se trata de produto decorrente de
violação de direitos autorais, não lesa a fé pública e,
portanto, não pode ser considerada crime, mas um mero
inadimplemento de uma obrigação civil.

Insista-se: se é assim em relação a tributos públicos, por que nosso


ordenamento jurídico deveria dispensar tutela mais benéfica aos
direitos de autor e editoras/gravadoras do que ao próprio Estado?

Vê-se, pois, que o tipo do art.184 do CP que criminaliza a conduta


de “violar direitos autorais”, em hipótese alguma poderia ser

18 
 
interpretado em nosso ordenamento constitucional como “deixar de
pagar direitos autorais”, sob pena de flagrante violação ao disposto
na Constituição da República e no “Pacto de San José de Costa
Rica”.

A única interpretação constitucionalmente possível ao tipo penal do


art.184 do CP seria: “violar direitos morais do autor”, pois somente
neste caso teríamos a efetiva lesão a um bem jurídico
constitucionalmente tutelado e não o simples inadimplemento de
uma obrigação civil.

Seria, não fosse uma última violação à Constituição da República: o


princípio da taxatividade.

3.3. Princípio da taxatividade

Não bastasse a instrumentalização indevida e inconstitucional do


Direito Penal para obrigar ao pagamento de direitos patrimoniais de
autor de natureza civil, há ainda um insuperável problema de
taxatividade no tipo penal do art.184 do CP.

Talvez a mais importante das funções de um tipo penal seja


possibilitar que qualquer pessoa do povo alfabetizada tome
ciência da conduta proibida com a ameaça da pena. Para
isso, porém, são necessários dois requisitos: a lei prévia –
consagrada pelo princípio da anterioridade – e a descrição
pormenorizada da conduta proibida – consagrada pelo princípio da
taxatividade.
19 
 
Não haveria sentido exigir-se uma lei prévia descrevendo a conduta
proibida, se tal descrição pudesse ser tão vaga a ponto de não
permitir que um indivíduo alfabetizado compreendesse o conteúdo
de reprovabilidade da tipificação.

A simples leitura do art.184 do CP – “violar direito de autor” – para


a maioria dos brasileiros, incluindo aqueles de formação
universitária, não esclarece, com o mínimo de taxatividade
necessária, qual a conduta para a qual se prevê a imposição da
pena.

É bem verdade que em seus parágrafos, o art.184 do CP é mais


preciso ao definir uma série de condutas vedadas, mas a redação de
todos eles faz referência à expressão “violar direito de autor”
presente no caput, o que torna suas interpretações dependentes do
significado que é atribuído ao tipo penal do caput.

Que violação seria essa: a violação de direitos morais do autor? a


violação de direitos patrimoniais do autor? a violação de direitos
patrimoniais da editora/gravadora? todas as violações anteriores
quando praticadas simultaneamente? quaisquer das violações
anteriores praticada isoladamente?

Ora, se mesmo aos profissionais do direito uma interpretação como


esta já exige profundo estudo e reflexão da matéria, o que dirá do
cidadão que constitucionalmente tem direito de saber por lei com
antecedência as condutas que lhe são penalmente proibidas?

A expressão “violar direito de autor” não descreve o


comportamento proibido de forma minimamente precisa e,

20 
 
por isso, esvanesce totalmente sua função de garantia,
contrariando o princípio constitucional da taxatividade.

A Constituição da República consagra a taxatividade ao dispor em


seu art.5º, XXXIX, que:

“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena


sem prévia cominação legal”

Ora, DEFINIR é estabelecer limites; é delimitar. Está claro que a


expressão “violar direitos de autor” não cumpre esta função
constitucionalmente exigida como pré-requisito para a existência de
um crime.

Sem a definição legal da conduta proibida de forma


minimamente clara para que qualquer pessoa do povo
alfabetizada possa compreendê-la, não há crime, pois a
legalidade pressupõe a compreensão prévia da conduta
proibida como forma de dissuadir o destinatário da norma
da prática daquele crime.

Se não se sabe ao certo qual a conduta proibida, não se pode


reprovar alguém por sua prática, pois não há culpabilidade sem a
potencial consciência da ilicitude.

Poder-se-ia argumentar que, na dúvida, o cidadão zeloso deveria


procurar um bom livro de direitos autorais ou consultar um
advogado especializado antes de praticar a conduta que supõe
poder ser considerada pela lei como criminosa. Só que não há uma
única interpretação possível da lei mesmo para o melhor dos
profissionais do direito.

21 
 
Insista-se: que violação seria essa? a violação de direitos morais do
autor? a violação de direitos patrimoniais do autor? a violação de
direitos patrimoniais da editora/gravadora? todas as violações
anteriores quando praticadas simultaneamente? quaisquer das
violações anteriores praticada isoladamente?

E ainda que houvesse uma súmula vinculante do Supremo


Tribunal Federal esclarecendo qual a interpretação seria a
“correta” (as aspas aqui são inevitáveis), súmula vinculante ou
qualquer outra interpretação judiciária não é lei e, por
conseqüência não satisfaria a exigência constitucional do princípio
da legalidade.

Vê-se, pois, que a expressão “violar direito de autor” é tão vaga que
não admite uma interpretação que possa ser considerada
minimamente pacífica mesmo entre os juristas. Destarte,
evidentemente, não satisfaz a clareza necessária para ser
considerada um crime DEFINIDO em lei que pudesse ser
compreendido por qualquer pessoa do povo alfabetizada, razão
porque o art.184 do CP também sob o prisma do princípio da
legalidade deve ser considerado inconstitucional.

3. Considerações de política criminal


 

Por fim, faz-se necessário algumas considerações de política


criminal.

22 
 
Nem se diga que a análise da política criminal não interessa ao
Judiciário, por não está devidamente positivada, pois é a própria
Constituição da República que estabelece que:

“Art.3º. Constituem objetivos fundamentais da República


Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as


desigualdades sociais e regionais

(...)”

Não se pode negar que a violação de direitos autorais – conhecida


popularmente como “pirataria” – apesar de ilícita, tem contribuído
de certa forma para estes objetivos constitucionais.

Não são poucos os brasileiros que têm que optar todos os dias
entre uma refeição e um livro para completar seus estudos. É
fato também que o acesso a livros, músicas e filmes são bens
culturais que deveriam ser de amplo acesso por todas as camadas
sociais, pois somente através da cultura poderemos garantir o
desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Hoje, porém, estes bens culturais estão concentrados nas classes A


e B que, com suas conexões de Internet de banda larga têm acesso
a um tipo de “violação de direitos autorais” virtualmente impossível
de ser combatido pelo Estado e pelas grandes corporações, pois de

23 
 
certa forma intangível. O amplo acesso ao conhecimento nas classes
privilegiadas em detrimento ao rigoroso combate à pirataria que
abastece as classes pobres, aumenta ainda mais o fosso cultural
existente em nosso país, em uma nítida rejeição dos valores
constitucionais estabelecidos no art.3º da Constituição da República.

Não bastasse o aumento desta desigualdade cultural e social, a cada


dia demoniza-se a figura do pirata, tornando-o quase um traficante
de drogas, como se o dano social causado por condutas tão
distintas pudesse ser comparado.

Afirma-se que a pirataria causa prejuízos de milhões, com base em


estimativas arbitrárias de quanto teria sido possível vender se não
houvesse a pirataria. Ora, o mais provável é que o livro não
fosse lido, a música não fosse ouvida e o filme não fosse
assistido. Afirma-se que a pirataria tira emprego de muitos, mas
não se contabiliza os empregos informais que ela gera.
Afirma-se que a pirataria prejudica a arrecadação de impostos, mas
não se contabiliza os impostos arrecadados com a venda de
mídias virgens, gravadores de CD/DVD, papel e máquinas
de fotocópias.

Não se pretende entrar aqui na tormentosa discussão de natureza


CIVIL sobre a necessária REFORMA DA LEGISLAÇÃO SOBRE
DIREITOS AUTORAIS, pois não é este o objeto deste incidente. É
preciso, no entanto, que fique claro que a força bruta – a
criminalização pelo DIREITO PENAL – não é o único e, muito
menos o melhor, caminho para o combate à violação de direitos

24 
 
autorais, em um país onde a maioria do povo tem que optar entre
comer ou ler/ouvir um disco/assistir um filme.

É preciso que soluções CIVIS sejam encontradas para um


problema que é o INADIMPLEMENTO de OBRIGAÇÕES
CIVIS. Ninguém duvida que o alto valor cobrado pelas
editoras/gravadoras/produtoras a título de direitos autorais (que
nem sempre são repassados aos autores) contribui de forma
decisiva para o inadimplemento destas obrigações civis, em um país
em que a maioria da população possui baixo poder aquisitivo, como
o nosso.

Não é possível, porém, que a REPRESSÃO PENAL seja utilizada


para garantir os INTERESSES PRIVADOS das empresas na
manutenção de seus lucros decorrentes da exploração de direitos
autorais, muita vez de formas abusivas. O Direito Penal não pode
ser convertido em um cão de guarda do Direito Civil para obrigar ao
pagamento de obrigações civis.

Se temos um problema, como de fato temos, em relação aos


direitos autorais, sua solução não pode ser a REPRESSÃO
PENAL com absoluto desrespeito aos princípios
constitucionais da INTERVENÇÃO MÍNIMA, LESIVIDADE,
VEDAÇÃO À PRISÃO POR DÍVIDAS e TAXATIVIDADE. É
preciso que se busque uma solução CIVIL.

25 
 
4. Pedido

Por todo o exposto, resta clara a inconstitucionalidade do art.184 do


Código Penal, por flagrante desrespeito aos seguintes princípios
constitucionais da:

INTERVENÇÃO MÍNIMA: o Direito Penal deve ser utilizado


somente como ultima ratio e o Direito Civil possui instrumentos
próprios perfeitamente adequados para obrigar ao pagamento de
direitos autorais;

LESIVIDADE: o art.184 do CP não pode ser equiparado a um


delito patrimonial, pois o não recebimento de uma dívida não é o
mesmo que uma lesão patrimonial. Na lesão patrimonial a vítima
tem um decréscimo no seu patrimônio; na inadimplência civil ela
deixa de ter um acréscimo neste patrimônio.

VEDAÇÃO À PRISÃO POR DÍVIDAS: ao contrário do patrimônio,


que é bem jurídico penal, o crédito civil jamais pode ser bem
jurídico, por expressa vedação constitucional à prisão por dívidas
(art.5º, LXVII, CR). Se a prisão não pode ser utilizada para
constranger alguém ao pagamento de tributos ou mesmo da multa
criminal, não haveria qualquer sentido em admitir-se que o Direito
Penal pudesse ser usado para constranger alguém ao pagamento de
direitos autorais.

TAXATIVIDADE: finalmente, o tipo do art.184 do CP não DEFINE


a conduta proibida, pois não estabelece os seus limites claros de
modo a permitir que qualquer pessoa alfabetizada possa, com sua

26 
 
simples leitura, compreender a conduta a que está proibida. Trata-
se, pois de clara violação ao princípio constitucional da taxatividade
(art.5º, XXXIX, CR).

Por todo o exposto, o presente incidente de inconstitucionalidade


deve ser julgado PROCEDENTE para declarar inconstitucional
o art.184 do CP.

Requer ainda a intimação de todos os atos do processo, em


especial, para a realização de sustentação oral na sessão de
julgamento.

Termos pelos quais pede deferimento.

Belo Horizonte, 18 de julho de 2008.

TÚLIO VIANNA
Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná

OAB-MG 107.153

27 
 

También podría gustarte