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6. O desenvoivimento dos conceitos cientificos na infancia Para se idealizar métodos eficazes de instrugdo das criangas em idade escolar no conhecimento sistemético, ¢ necessério compreender o desenvolvimento dos conhecimentos cientificos no espirito da crianga. Nao menos importante do que este aspecto Pratico do problema 6 o seu significado tedrico para a ciéncia Psicolégica. No entanto, 0 conhecimento que possuimos do Conjunto do assunto é surpreendentemente escasso e vago. Que acontece no cérebro da crianga aos conceites cientificos que Ihe ensinam na escola? Qual é a relacdo entre a assimilacao da Informagao @ 0 desenvolvimento interno de um conceito Clentifico na consciéncia das criangas? A psicologia infantil contempordnea tem duas respostas a estas questées. Uma escola de pensamento cré que os conceitos Cientificos nao tem Historia interna, isto é, no sofrem qualquer desenvolvimento, mas so absorvidos de forma acabada por um proceso de compreenséo e assimilagao. A maior parte das teorias © métodos de educagéo continua a basear-se nesta ‘conceppao. Trata-se contudo de uma concepcao que nao resiste a UM exame, quer do ponto de vista tedrico, quer do ponto de vista das suas aplicagdes praticas. Como sabemos, a partir de investi- 1 ‘gagdes do processo de formagao dos conceitos, um conceito € algo mais do que a soma de certas ligacdes associativas forma- das pela meméria, @ mais do que um simples habito mental; 6 um ‘complexe @ genuine acto de pensamento, que nao pode ser ensinado pelo constante repisar, antes pelo contrario, que 6 pode ser realizado quando o préprio desenvolvimento mental da crianga tiver atingido o nivel necessério, Em qualquer idade, um conceito encamado numa palavra representa um acto de genera- lizagao. Mas o significado das palavras evolui e, quando a crianga aprende uma nova palavra, 0 sau desenvolvimento mal comegou: a principio a palavra é uma generalizagao do tipo mais primitive; & medida que 0 intelecio da crianga se desenvolve é substituida por generalizagées de tipo cada vez mais elevado — processo este ‘que acaba por levar A formagéo dos verdadeiros conceltos. O desenvolvimento dos conceitos, dos significades das ralavras, Pressupde 0 desenvolvimento de muitas fungdes intelectuais: ‘tengo deliberada, meméria lgiea, abstracc4o, capacidade pa- ra comparar e diferenciar. Estes processos psicolégicos comple- xos ndo podem ser dominados apenas através da aprendizagem inicial. ‘A experiéncia pratica mostra também que é impossivel e estén ensinar os conceitos de uma forma directa. Um professor que tenta conseguir isto habitualmente mais no consegue da crianga do que um verbalismo aco, um psitacismo que simula um conhe- cimento dos conceitos correspondentes, mas que na realidade s6 ‘encobre um vécuo. Ledo Tolstoy, com 0 seu protundo conhecimento da natureza da palavra e do significado, compreende mais claramente que a maior parte dos educadores que & impossivel transmitir pura © simplesmente um conceito de professor para aluno. Ele narra as suas tentativas para ensinar linguagem literéria as criangas do ‘campo, comegando por «traduzit» o seu vocabulario na lingua- ‘gem dos contos populares e traduzindo depois a linuagem dos ccontos em linquagem literdria. Tolstoy descobriu que nao se pode ‘ensinar a linguagem literdria as criangas através de explicagtes 112 artiticiais, por memorizagao compulsiva e repetigéio como se ensi- ‘na uma lingua estrangeira, Escreve ele: Temos que adrmitir que tentamos por diversas vezes ... lazer isto © que sempre nos detrontémos com uma insuperavel aversao por parte das criangas, facto que mostra que se- gulamos um caminho errado. Estas experiéncias transmiti- ram-me a certeza de que ¢ perleitamente impossivel explicar © significado de uma palavra ... Quando tentamos explicar qualquer palavra, a palavra «impressao», por exemplo, subs- tituimo-fa por outra palavra igualmente incompreensivel, ou toda uma série de palavras cuja conexdo interna 6 to in- compreensivel como a propria palavra. Aquila de que uma crianga necesita, diz Tolstoy, é de uma possibilidade de adquirir novos conceitos e palavras a partir do contexto linguistico geral Quando houve ou Ié uma palavra desconhecida, numa frase quanto ao resto compreensivel, e depois a Ié noutra frase, ‘comega a fazer uma vaga ideia do novo conceito; mais tarde ‘ou mais cedo sentir ... necessidade de usar a palavra—e uma vez que a use, passa a assenhorear-se da palavra e do conceito. Mas estou convencido de que 6 impossivel trans~ iti deliberadamente novos conceitos ao aluno ... tao im- Possivel e {Util como ensinar uma ctianga a andar apenas elas leis do equillbrio ... (42, p. 143). A segunda concepeao da evolugao dos conceitos cientificos nao nega a existéncia de um proceso de desenvolvimento no cérebro da crianga em idade escolar; detende porém que este procasso néo difere essencialmente de maneira nenhuma do desenvolvimento dos conceitos formados pela crianga na sua derar-se estes dois processos em separado. Qual é o fundamer to deste ponto de vista? 113 A literatura existente néste dominio mostra que ao estudarem a formago dos conceilos’ na inféncia, muitos investigadores usarani os concaitos quétidianos formados pela crianga sem intervengaéo da educagdo sistematica. Presume-se que as leis baseadas nestes dados se aplicam também acs conceitos Cientificos das criangas, no $e considerando necassério comprovar esta hipétese. SO um punhado dos mais perspicazes estudiosos Todernos do pensamento da crianca questionam a legitimidade de tal extensao. Piaget traga uma linha de demarcacdo nitida entre as idelas da realidade desenvolvidas predominantements pelos seus ‘esforgos mentais ¢ as leis que s40 decisivamente infiuenciadas pelos adultos. Dé ao primeird' grupo de leis a designagéo de ‘espontanees e ao segundo a de no espontdneas e admite que ‘estas Liltimas exigiréo possivelmente uma investigagdo independent. Aéeste respeito avanca muito mais e muilo mais protundamente do ‘que todos 0s outros estudiosos dos conceitos infantis. ‘Ao mesmo tempo, ha certos erros do pensamento de Piaget ‘que infirmam o valor das suas concepgées. Embora defenda que ‘a0 formar um conesito a crianga o marca com as caracteristicas da mentalidade que Ihe é propria, Piaget tende a aplicar a sua tese apenas aos conceltos esponténeas @ presume que sé estes podem esclarecer-nos verdadeiramente sobre as qualidades especiais do pensamento infantil; nao consegue ver a interacgao entre ambos os tipos e as ligapoes que os unem num sistema total de conceitos, durante 0 desenvolvimento intelectual da crianga, Estes erros conduzem-no a outro. A teoria de que a socializagao progressiva do pensamento 6 a esséncia mesma do desenvolv- mento mental da crianga constitul um dos alicerces fundamentais da teoria de Piaget. Mas, se as suas concepgées sobre os conceltos nao espontaneos fossem correctas, seguir-se-ia delas ‘que um factor to importante para a socializagao do pensamento como’a aprendizagam escolar néo tem qualquer relacdo com © processo de desenvolvimento interno. Esta inoveréncia é 9 ponto fraco da teoria de Piaget, tanto do ponto de vista tebrico ‘corto pratico. 114 Teoricamente, Piaget vé a socializagao do pensamento como uma aboligéo mecénica das caracteristicas do pensamento prd- prio da crianca, como o seu gradual apagamento..Tudo 0 que & novo no desenvolvimento provém do exterior, substituindo os modos de pensamento proprios da crianga. Durante toda a infan- cia ha um conflito incessante entre duas formas de pensamento: mutuamente antagonistas, com uma série de compromissos em cada nivel de desenvolvimento sucessivo, alé que o pansamento adulto acaba por dominar. A natureza propria da crianga nao desempenha nenhum papel construtivo no seu desenvolvimento intelectual. Quando Piaget diz que nada é mais importante para o ‘ensino eficaz do que um canhecimento exaustivo do iensamento espontaneo da crianga (33) move-o aparentemente a idela de que, tal coro é preciso conhecer um inimigo para poder vencé- fo no combate, assim 6 preciso -conhecer, o pensamento da erianca. Contraporemos a estas premissas erréneas a premissa de que 108 conceites nao espontaneos tém que possuir todos os tragos eculiares ao pensamento da crianga em cada nivel de desenvol- ‘vimento porque estes conceltos ndo séo adquiridos por simples rotina, antes evoluem por recurso a uma estrénue actividade mental por parte da crianga, Estamos em crer que estes dois processos —o desenvolvimento dos conceitos espontiness € dos conceitos no esponténeos — se encontram relacionados @ influenciam-se um a0 outto permanentemente. Fazem patie de um Unico proceso: 0 desenvolvimento da génese do conceito, que 6 afectado por condigdes extemas e intemas variaveis mas € essencialmente um proceso unitario @ no um confit de formas de intelecgao antagénicas @ mutuamente exclysivas. A instrugao 6 uma das principais fontes dos conceites da crianga em idade escolar e 6 também uma poderosa forga de orientagdo da sua evolugao, determinando o destino de todo o seu desenvolvimento mental, Se assim 6, 0s resultados do estudo psicoligico dos concsitos infantis podem aplicar-se aos problemas do ensino duma maneira muito diferente daquela que Piaget pensava. 115; Antes de analisarmos pormenorizadamente estas premissas, pretendemos avangar as razes que nos assistem para diferen- larmos os conceitos espontaneos e os néo esponianeos — par- ticularmente os cientificos —e submetermos os Uitimos a um estudo especial. Em primeiro lugar, sabemos da simples observagao que os conceitos se formam @ desenvolvam em condicdes intemas ou extemas totalmente diferentes, consoante tém origem no que a crianca aprende na sala de aulas ou na sua experiéncia pessoal Nem sequer os motives que movem a crianga a formar os dois tipos de conceitos sao os mesmos: o espirito defronta-se com problemas muito diversos quando assimita conceitos na escola e. quando é entregue aos seus prdprios recursos. Quando transmiti- Mos um conhecimente sistematico 4 crianga, ensinamos-lhe mui- tas coisas que esta nao pode ver ou experimentar directamente. Como os conceites cientificos e os conceitos espontaneos dite- rem pela relagao que estabelecem com a experiéncia da crianga pela atitude da crianca relativamente aos seus objectos, serd de ‘esperar que sigam caminhos de desenvolvimento muito diferen- tes desde a sua gestagao alé a sua forma final. O destacar-se os conceites cientificos como objecto de estudo tem também um valor heuristico. No momento actual, a psicolo- gia sé dispie de dois métodos para estudar a génese des concei- tos. Num, tratamos cos conceitos reais das criangas, mas empre- gamos métodos — tais como a definigao verbal — que néo pene- tram para ld da superficie; 0 outro permite-nos uma anélise Psicoldgica incomparavelmente mais profunda mas apenas recorrendo ao estudo de conceitos experimentais artificialmente concebidos. Estamos perante um urgente problema metodold- gico que consiste em encontrar meios de estudar os conceitos reais em profundidade — em encontrar um metodo que possa utlizar 0s resultados obtidos pelos dois métodos que alé aqui utllizamos. Parece-nos que a abordagem mais prometedora para © problema sera o estudo dos conceitos cientificos, que so 116 concsites reais, mas que, no entanto, se foram debaixo dos nossos olhos, quase & maneira dos conceitos artfciais. Por fim, 0 estudo dos conceitos cientificos enquanto tais, tem importantes implicagSes para a educacdo e a instrugo. Embora ‘08 conceitos nao sejam absorvidos ja completamente formados, a instrugao e a aprendizagem desempenham um papel precorni- ante na sua aquisi¢So. Descobrir a relagdo complexa entra a instrugao e 0 desenvolvimento dos conceitos cientificos é uma importante tarefa pratica. Tais foram as consideragdes que nos serviram de orientagSo paraca tarefa de distinguir os conceitos cientiticos dos conceitos do dia a dia e submeté-los a um estudo comparativo. Para exem- plificarmos © tipo de questes a que tentamos dar resposta, ‘tomemos © conceito «imo» —um conceito quotidiano tipico utilizado habilmente por Piaget para determinar toda uma série de peculiariedades do pensamento infantil— @ comparémo-lo com ‘9 conceito «exploragao» com que a crianga contacta nas suas aulas de ciéncias socials. Seré 0 seu desenvolvimento igual, ou diferente? Seré que a palavra «exploragso» se limitara a repatir a evolugSo do desenvolvimento de witmao» ou seré psicologica- mente um conceito de tipo diferente? Apresentamos a hipdtese de que 0s dois conceitos devem ciferir, tanto no seu desenvolvi- mento, como no seu funcionamento, @ que estas duas variantes do proceso de génese do conceito se devem influenciar mutua- mente na sua evolugao. Para estudar a relagao entre o desenvolvimento dos conceitos cientificos e dos conceitos quotidianos, precisamos de uma bitola de comparagao. Para construirmos um dispositivo de medigao temos que conhecer as caracteristicas tipicas dos conceitos quo- tidianos na idade escolar e a direccdo do seu desenvolvimento durante esse periods, 7 Piaget demonstrou que os conceitos das criangas em idade escolar so marcados predominantemente pelo facto de aquelag ‘do terem uma percepgao consciente das relagdes, embork ab manipulem correctamente duma forma irreflectida e esponténea, Piaget perguntou a criangas de idades compreendidas entre o& ssete © 08 oito anos de idade o significado da palavra «porque na frase: «Amanha ndo vou escola, porque estou doente~. A malor Parte das criangas respondeu: «Quer dizer que o menino esl doente»; outras responideram: «Quer dizer que o menino nao val escola», Uma crianga ¢ incapaz de compreender que as par- guntas nao se referem aos factos distintos da doenga e da ausén+ cia & escola mas & sua relagéo intema. No entanto as criancaa aprendem com certeza o significado da frase. pois utiizam ae- Pontaneamente a palavra «porgizes de- uma forma correcta, embora no a saibam empregar deliberadamente. Assim, nko 8&0 capazes de terminar correctamente a frase seguinte: «0 homem caiu da bicioleta porque... Frequentemente substituirdo ‘@ causa por uma consequéncia («porque parti © brago). 0. Pensamento da crianga nao 6 deliberado, nem tem consciéncia {de Si proprio; por que razao entao a crianga acaba por conseguir tomar consciéncia dos seus préprios pensamentos ¢ domind- los? Para expiicar 0 proceso, Piaget invoca duas leis psicolé- alee, : - Uma dessas leis ¢ a lei da conscientizagao, tormulada por Claparéde, que provau através de experiéntias muito interessan- tes que a percepeao da diferenca precede a percepeao da seme- Ihanga. E com a maior das naturalidades que a crianca responde @ objectos semelhantes @ no tem necessidade de tomar cons- ciéncia do seu modo de resposta, ao passo que a dissemelhanca ria um estado de desadaptagao que conduz a tomada de cons- cléncia. A lei de Clapardde afima que quanto mais suavemente utilizamos uma relagao em acgéo, menos consciéncia teremos dessa relagdo; a consciéncia que tomamos do que estamos fazendo varia na proporgao directa das dificuldades que sentimos Para nos adaptarmos a uma situagao. 118 allei de Claparéde para explicar 0 desenvolvimen- p tnsaments que ge d8 ene os sele © 0s doze anes. Harte este periodo, as aperapses mentais da cianga entram ente em conflito cam o pensamento. A crianga. sotre sivas derrolas e fracassos, devido as deficiéncias da sua ga © estas penosas experiéncias geram a necessidade de iéncla dos seus conceitos. yreorcerea 0 a necessidade nao € explicagao bastante nenhuma transformagae ocorrida no desenvolvimento do ento, Piaget comiplementa a lei de Claparédé com a lei da cao ou do desiocamento, A tomada de consciéncia de uma. 0 mental significa uma transferéncia dessa ‘operagao do 0 da acgao para 0 plano da linguagem, isto é, implica que se @ essa mesma operagao na imaginagao, para que ela possa primir-se por palavras. Esta transformagao nao é, nem rapida, suave. A lei afitma que o dominio de uma operagao no plano perior do pensamento verbal apresenta as mesmas dificulda- ‘que 0 dominio dessa mesma operacao no piano da acgéo Brio explica a lentidao do processo. i ea enabectgies nao nos parecem adequadas. As desco- bertas de Claparéde podem ter uma explicagao diferente. Os dos experimentais que nés proprios levamos a cabo suge- Hem-nos que a crianga toma consciéncia das diferengas mais edo do que as semelhancas ndo por nenhuma cacettel 4 quer mau funcionamento, mas - Garcia ea semahanga exige uma estrutura de generalizacao € de conceptualizagao mais desenvolvida do que a conscléncia das S80 correctamente completados com igual fre- quéncia para os concsitos quotidianes © os conceitos cientificos. Isto confirma a nossa hipétese de que um nivel mais elevado no dominio dos conceitos cientificas também eleva o nivel das con- ceitos quotidianos espontaneos. Uma vez alingidos a consciéncia 0 controle em determinado tipo de conceitos, lodos os conceitos Praviamente formados s4o reconstruidos em conformidade com essa consciéncia @ esse controle. 142 Arelagao entre 0s conceitos ciantificos e os conceitos quotidia- nos espontaneos na categoria adversativa apresenta, no quarto grau, um aspecto bastante semelhante ao da categoria causal no Segundo grau. A percentagem de solugées correctas para tarefas que mobilizam os conceltos clentificos ultrapassa a peroentagem dos que mobiizam os conceitos esponténeos. Se a dinamica 6 a mesma para ambas as categorias, serd de esperar que os con- ceitos quotidianos se desenvolvam rapidamente no estadio se- guinte do desenvolvimento, acabando por apanhar os conceitos Cientiticos. Comegando dois anos mais tarde, todo © processo de desenvolvimento de sembora» duplicaria a velocidade do de «porques, Pensamos que os nossos dados confirmam a hipstese segundo a qual desde 0 principio os conceitos cientificos @ esponténeos da crianga—por exemplo, os conceitos de «exploragdo» @ de sinméo»—se desenvolWwem em sen- tides inversos: partindo de pontos muito afastados movem- -e em direcgao um ao outro. Este ponto é 0 fulcro da nossa hipdtese. ‘A crianga ganha consciéncia dos seus conceitos esponténeos relativamente larde; a capacidade para os definir por meio de palavras, para operar com eles conforme queira, aparece muito depois de ter adquirido os conceitos. Ela possui o cancsito isto é, conhece 0 objecto a que 0 conceito se refere), mas no tem consciéncia do seu acto de pensamento. No seu deserwolvimen- to, © concsito cientifico, em contrapartida, comeca usualmente pela sua definigdo verbal sendo logo de inicio utilizado em opera- ges ndo esponténeas —- quer dizer, logo de inicio se comega a ‘operar com o préprio conceito, que comega a sua vida no cérebro da crianga a um nivel que 0s conceitos esponténeos $6 atingem mais tarde. Um conceito infantil do dia a dia, como, por exemplo, «irmaon, est impregnado de experiéncia concreta. No entanto, quando se Ine pade para resolver um problema abstracto sobre o Irmao de um imao, como nas experiéncias de Piaget, por exempio, a 143 crianga fica confusa. Por outro lado, embora possa responder correctamente a questoes sobre a «escravatura», 3 «exploragao~ ou a «guerra civil», estes conceitos sfio esquematicos @ carecem do rico contetido proveniente da experiéncia pessoal. S40 gra- dualmente preenchidos pelo trabalho escolar e pelas leituras posteriores. Dir-se-ia que o desenvolvimento dos conceitos es- pontaneos da crianga se processa de baixo para cima e que 0 desenvolvimento dos conceitos cientificos segue uma trajectoria descendente, em direc¢éo a um nivel mais elementar e concreto. Isto 6 consequéncia da diversidade de formas como os dois tipos de conceitos surgem. Se procurarmos a raiz de um conceit espontaneo veremos geralmente que este tem origem numa si- tua¢ao de contronto com uma situagao concreta, ao passo que os onceitos cientificos implica logo de inicio uma atitude « media- da» relativamente ao seu objecto. Embora os conceitos cientiicos @ espontineos se desenvol- vam em direegdes inversas, os dois processos estdo estreita- mente “elacionados. Por exemplo, os conceitos histéricos podem comegar por desenvolver-se apenas quando o anterior conceito quotidiano da crianga se encontra suficientemente diterenciado — quando a sua vida e a vida dos que a rodeiam pode conformar- ~se A generalizagao elementar «no passado e agora», os seus conceitos geograficos e sociolégicos crescerdo necessariamente sobre 0 terreno do esquema simples «cA e ld». Ao forgarem lentamente o seu caminho ascendente, os conceitos quotidianos abrem caminho para os conceitos cientificos e o seu desenvol- ‘vimento descendente. Cria uma série de estruturas necessérias para a evolugéo dos aspectos mais primitives @ elementares ‘de um conceito, que Ihe d&o como e vitalidade. Os conceitos cientificos, por seu tumo, fornecem estruturas para o desen- volvimento ascendente dos conceites esponténeos da crianca rumo a consciéncia e & utilizacgo deliberada. Os conceitos cien- ‘uficos desenvolvem-se para baixo, através dos conceitos espon- tneos; os concsitos esponténeos desenvolvem-se para cima, através dos concsitos cientificns. 144 ‘A influéncia dos conceitos cientificos sobre 0 desenvolvimento mental da crianga 6 andlogo ao efeito resultante da aprendizagem de uma lingua estrangeira, processo que & consciente e delibera- do desde o inicio. Na lingua materna de cada qual, os aspectos mais primitivos da linguagem sao adquirides antes dos mais compiexos. Estes Ultimos pressupdem uma certa consciéncia das formas fonéticas, sintaticas e gramaticais, mas, com uma lingua estrangeira, as formas superiores desenvolver-se antes do dis- curso esponténeo e fluente. As teorias intelectualistas da lingua ‘gem, como, por exemplo, a de Stem, que poem toda a ténica na relagdo entre o signo e 0 significado ja desde © inicio do desen- volvimento linguistico, contém um certo grau de verdade no caso das linguas estrangeiras. Os pontos fortes da crianga nas linguas estrangeitas S80 0s pontos fracos na sua propria lingua e vice~ -versa. Na sua propria linguagem, a crianga conjuga ¢ deciina correctamente mas sem perceber o que faz: nao sabe dizer 0 género, o caso ou tempo da palavra que emprega. Numa lingua estrangeira, distingue entre os géneros masculino ¢ feminino ‘tem consciéncia das formas gramaticais desde 0 principio Com a fonética da-se o mesmo, Embora nao dé eros de pronuncia na sua lingua materna, a crianga nao tem consciéncia dos sons que pronuncia e, quando aprende a soletrar, sente grandes dificuldades para dividir uma palavra nos sons que a compéem. Numa lingua estrangeira, fa-lo facilmente e a esorita ndo se atrasa relativamente a fala. Acha dificuldades na pronon- cia, na fonética «espontanear. O discurso fiuente e espontaneo, com um dominio répido e seguro das estruturas gramaticais so Ihe vem depois de longo e arduo estudo. (Os resultados obtidos na aprendizagem de uma lingua estran- geira estéo dependentes de se ter Ou no atingido um certo grau de maturidade na lingua materna. A crianca pode transtorir para a nova lingua o sistema de significados que ja possuia na sua prépria lingua e o inverso também é verdade; uma lingua estran- geira facilita 0 dominio das formas superiores da lingua matena. A crianga aprende a ver a sua lingua materna como um sistema 145, Particular entre muitos, aprende a considerar os seus fenémenos luz de categorias mais vastas ¢ isto conduz & consciéncia das, operagdes linguisticas. Goeth disse com verdade que «aquele que no conhece nenhuma lingua estrangeira nao conhece verdadeiramente a sua propria lingua», Nao é de surpreender que exista uma certa analogia entre a interaceao miitua da lingua matema e da lingua estrangeira e a interaogo entre os conceitos cientificos ¢ os conceitos da vida quotidiana, na medida em que ambos os processos fazem parte da esfera do pensamento verbal em desenvolvimento. Ha contu- do também diferengas essenciais entre eles. No estudo das linguas estrangeiras, a atengdo fixa-se nos aspectos exteriores, sonoros, fisicos do pensamento verbal; no desenvolvimento dos conceitos cientifices, a atengao fixa-se nos aspactos seméinticos. Os dois processos de desenvolvimento seguem caminhos sepa- rados, embora semelhantes. N&o obstante. ambos os processos sugerem uma resposta nica para 0 problema do modo como se formam os novos sistemas, estruturalmente andlogos aos mais primitivos: a lingua- gem falada. a escrita, as linguas estrangeiras, 0 pensamento verbal, duma forma geral. Os factos experimentais resuttantes dos nossos estudos infirmam a teoria da transteréncia, que afirma que 0 estadio primitivo mais avangado repete a trajectéria do estddio anterior, verificando-se inclusive a recorréncia das dificul- dades ja superadas no plano inferior. Todas as nossas provas confirmam a hipétese de que sistemas andlogos se desenvolveam ‘em sentidos inversos ao nivel superior e inferior, e que cada sistema infiuencia 0 outro ¢ beneficia dos pontos fortes do outro Poderos agora voltar-nos para a interrelacdo dos conceitos num sistema o ponto fuleral da nossa andlise. Os concaltos nao se encontram depositados no cérebro da crianga como ervilhas num saco, sem qualquer relagdo que os una. Se assim fosse, nao seria possivel nenhuma relacdo intelec- tual que exigisse uma coordenagao de pensamentos, nem ne- 148 nhuma concepeao geral do mundo, Nem sequer poderiam existir conceitos separados enquanto tais; a sua propria natureza pressupde um sistema, CO estudo dos conceitos das criangas a cada nivel etario mostra que 0 grau de abstracgao de generalidade (planta, flor, rosa) é a varlante psicolégica fundamental a partir da qual os conceitos podem ser hierarquizados significativamente. Se todos os concei- tos séo generalizagies, entao a relagao entre os conceitos 6 uma relagéo de generalidade. O aspecto \égico dessa relagao foi estudado muito mais completamente do que os seus aspectos genético @ psicolégico. O nosso estudo tenta colmatar este destasamento. ‘Comparamos os graus de generalidade des conceitos reais da crianga com as fases e os. estadios atingidos por esta na formagao experimental dos conceites: sincretismo, complexos, pré-conceitas ¢ conceitos. Era nosso propdsito desoobrir se existia uma relagao definida entre a estrutura da generalizacdo tipificada por estas duas fases e 0 grau de generalizagao dos conceitos. ‘Conceitos com diferentes graus de generalidade podem surgir numa mesma estrutura generalizativa. Por exemplo, as ideias de rosa ¢ de flar podem encontrar-se simultaneamente presentes no ‘estddio do pensamento por complexos. Em conformidade com isso, podem aparecer conceitos de igual grau de generalidade em estruturas com diferentes graus de generalizacdo; por exemplo, a palavra «fior» pode aplicar-se a todas as flores e a cada uma delas quer no estddio do pensamento por complexos, quer no estédio do pensamento conceptual. Descobrimos porém que, apesar de no haver completa correspondéncia, cada fase, ou cada estrutura generalizativa, tem como contrapartida um certo nivel de generalidade, uma relagée especifica entre os conceitos de ordem superior @ de ordem inferior, uma combinago caracte- ristica do concrete e do abstracto. E verdade que o termo flor pode ser tao geral ao nivel do complex como ao nivel do concel~ to, mas apenas no tocante aos objectos @ que se refere. Neste caso, um grau equivalents de generalidade nao implica uma 147 identidade de todos os processos psicalégicos mobilizados pela aplicagao da palavra. Assim, no pensamento complaxo a relagao ‘entre sflor» @ «rosa» nao é uma relacao de subordinagao hierar- quica: 0 conceito mais lato € 0 conceito mais restito coexistem no mesmo plano. Nas nossas experiéncias, uma crianga muda aprendeu sem grandes dificuldades as palavras mesa, cadeira, escritério, diva, prateleiras, etc.. No entanto, verificou-se que a palavra mobilia ‘era de apreensdo demasiado dificil. A mesma crianga, que apren- dora com éxito as palavras camisa, chapéu, casaco, calgas, etc, no conseguiu ultrapassar 0 nivel desta série © aprender a pala~ vvra roupa. Verificamos que a um determinado nivel de desenvol- vimento a crianca 6 incapaz de deslocar-se «verticalmenten do significado de uma palavra para o de outra, isto 8, de compreen- dor as suas relagdes de generalidade. Todos estes conceites se encontram ao mesmo nivel, todos eles se referer directamente 2 ©, por conseguinte, néo sente que as duas afirmagées sejam contraditérias. E esta auséncia de distanciagao relativa- mente experiancia imediata — @ néo 0 sincretismo visto como 153 um compromisso entre a lagica dos sonhos e a realidade — que ‘explica as peculiariedades do pensamento infantil, as quais, por conseguinte, ndo surgem nos conceites ciantificos das criancas, 0 quais desde a sua gestacao trazem consigo relagdes de gene- ralidade, istc €, alguns rudimentos de um sistema. A disciplina formal dos coneeitos cientifices transforma gtadualmente a estru- tura dos conceitos esponténeos da crianga e contribui para os organizar num sistema; isto impele a crianga a mals elevados niveis de desenvolvimento. A nossa discordancia com Piaget centra-se sobre um Unico Ponto. Ele pressupde que o desenvolvimento @ a instrugdo $80 rocessos completamente separados e incomparaveis € que a fungdo da instrugdo limita-se a introduzir os modos adultos de pensar, os quais entram em contlito com os da crianga e acabam Por os superar. Estudar o pensamento das criancas independen- temente da influéncia da instrugdo, como fez Piaget, exclui-se uma importante fonte de transformagoes e impede-se o investi- gador de por a questao da interacedo entre o desenvolvimento e a instrugdo que ¢ caracteristica a cada nivel etério. A nossa abordagem centra-se sobre esta interacgao. Tendo descoberto ‘uitos e complexos lagos intemos entre os conceitos cientificos 0s conceitos esponténeos, esperamas que as futuras investiga- Ses comparadas dlarfiquem mais protundamente a sua inter- dependéncia, avangando nés préprios uma primeira antecipagao do alargamento do estudo do desenvolvimento da instrugao aos niveis etdrios mais baixos. No fim de contas a instrugao néo comega na escola. Os futuros investigadores podem muito bem descobrir que os conceitos espontaneos das criancas séo produ- to da instrucao pré-escciar, tal como os conceitos cientificos 880 produto da instrugso escolar. v Para ld das conclusées tedricas, 0 nosso estudo comparativo dos conceitos cientificos e dos conceitos do dia a dia produziu 154 aiguns resultados metodolégicos. Os métodos por nds elabara- dos para utilizacao nas nossas investigagdes permitiram-nos colmatar o desfasamanto existénte nas investigagdes dos concei- tos experimentals e dos conceitos da vida real. A informagao recolhida sobre os processos mentais dos ovens estudantes de ciéncias sociais, embora muito esquematica e rudimentar, suge- riu-nos alguns aperteigoamentos do ensino a introduzir no ensino dessa disciplina Retrospectivamente, temos consciéncia de algumas omissdes @ de alguns defeites metodologicos, que talvez sejam inevitével quando se esté abordando um novo campo de estudo. No estudémos experimentalmente com pormenor a natureza dos ‘concsitos do dia a dia da crianga. Isto deixa-nos sem os dados necessérios para descrevermos a evolucao global do desenvolvi- mento psicolégice durante a idade escolar; por conseguinte, a nossa critica as teses fundamentais de Piaget nao se encontra sulicientemente escarada em factos de confianga e sistematica- mente recothidos. © estudo dos conceitos cientiticos incidiu sobre uma Unica categoria — a dos conceitos das ciéncias sociais — 6 0s concei- tos particulares seleccionados para a investigagao nao formam nem indicam um sistema inerente a légica do sujeito, Embora tenhamos aprendido muilas coisas sobre os conceitos cienttficos ‘em comparagao com os conceitos esponténeos, pouco aprende- mos em relagao as regularidades especificas do desenvolvimento dos conceitos sociokigicos enquanto tais. Os futuros estudos deverao incidir sobre conceitos que pertengam a diversas cam- pos da instrucao escolar, comparando-se cada conjunto de con- ceitos com um conjunto de conceites extraidos de uma area semelhante da experiéncia do dia a dia. Por ultimo e sobretudo, as estruturas conceptuais que estuda- mos nao eram suficientemente diferenciadas. Por exemplo, quando utlizamos fragmentos de frases terminados por “por- que, ndo separamos os varios tipos de relagdes causais (empiri- cas, psicalégicas, ldgicas) como Piaget fez nos seus estudos. Se 155 © tivéssemos feito, talvez tivéssemos sido capazes de estabele- cer uma determinagéo mais fina entre os resultados dos testes das criangas de diferentes grupos etarios. No entanto, até estas deficiéncias nos ajudarao a estabelecer 0 ltinerério das investigagdes futuras. O presente estudo ndo 6 mais do que um primeiro e muito modesto passo na expioragéo de uma nova rea da psicologia do pensamento infantil que 6 muito plena de promessas. 7. PENSAMENTO E LINGUAGEM Esqueci a palavra que pretendia dizer e 0 meu pensamento, de- sencarnado, volta 40 rein das sombras (de um poema de Mandelstham) Comegamos 0 nosso estudo com uma tentativa de por anu a relag&o existente entre o pensamento e a linguagem nos estadios iniciais do desenvolvimento filogenético e ontogenético. Nao en- contramos nenhuma intgrdependéncia especifica entre as raizes genélicas do pensamento ¢ da palavra. Tomou-se patente que a relagao interna que buscavamos ndo era um requisito prévio do desenvolvimento histérico da consciéncia humana, antes era um seu produto. Nos animais, mesmo naqueles antropdides cua fala 6 fonetica- mente como a fala humana e cujo intelecio se aparenta com 0 do homem, a tinguagem e 0 pensamento néo se encontram interrela- cionados. E indubitével que, no desenvolvimento da crianga, existe também um periodo pré-linguistico do pensamento ¢ um periodo pré-intelectual a fala: © pensamento e a palavra nao se encon- tram relacionados por uma relagao priméria. No decurso da evo- 157

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