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SUMARIO. seus! Santa Cruz. (A ESCRAVA, Em um salao onde se achavam reunidas ciedade ¢ depois de versar a conversagao sobre: civersos assuntos mais ou menos interessantes, recalu sobre 0 elemento servil ‘© assunto era por sem diivida de alta impor tancia. A conversacao eta seral; as opinides, po- rém, divergiam, Comegou a discussao. — Admira-me, disse uma senhora, de senti mentos sinceramente aholicionista: fez-me até pas: mar como se passa sentir, € expressar sentimen: tos escravocratas, no presente século, no século dezenove! A moral religiosa, € a moral civica ai se |. ¢ falam, bem aifo esmagando a hidra que (0 em tomo da soci Para que se dk Deus, que all exalou ser Fimina dos Reis Por qualquer modo que encaremos a escra Yidao, cla é, e sempre sera um grande mal. Dela a decadéncia do ‘enyergonha! ‘Oescravo 10 vitima 06 (© senhor, que papel representa na social? (© senhor ¢ 0 verduigo - © esta qualilicacio & hedionda. Buvounarrar-vos, se me quiserdes prestar ater ‘G80, um fafo que ulimamente se deu. Poderia citar 243 ‘vos uma infinidade deles; mas este basta, para pro- ‘var 6 que acabo de dizer sobre o algoz e a vitima. E ela comest — Era uma tarde de ela com um suspiro de vir que se opro do vento, que gemia na das: 10 desalinho pa na sombra desaparece’ mula, deu vo! mura, € colando-s fixo, no lugar Bia muda, Bad Marla Firmina dos Reis Eu entéo a mim mesma, interoguel; Quem. sera a descitosa? Ja procuréla - coltada! Uma palavra de ani macao, um Socorro, algum servico, lembrei-me, poderia prestarine. Erguime. ‘Mas no momento mesmo em que esic pen ‘samento, que acode a todo homem em idénticas las, cabelos negros, ¢ anelacios. mia sinistra era a dese homem, que Imente, na mao direita um azorrague :@ da esquerda deixava pender uma delgada corda de linho. ca. Onde estaré ela? E perscrutava com a vista por entre 0s arvoredos desiguals que desfilavam & margem da estrada, = Tu me pagaras - resmungava ele, E aprox: mandose de mim: Nao viu, minha senhora, de corer atras dela por estas tenho fOlego, 1em de aspecto feroz cra 0 algoz dlaquela pobre virna, compreendl com horror Acescrava BS De pronto tive um expediente. ~ Via, tomei- Ihe com a naturalidace que 0 caso exigia: - via, © comia em diregdo a este lugar mas parecendo intimidarse com minha presenga, tomou direcdo oposia, volvendo-se repentinamen- te sobre seus passos. Por fim a vi desaparecer, in- temando-se na espessura, muito além da senda indiquethe com um aceno a ‘senda que ficava a mais de cem passos de distan- que me achava. servi, visavam a faze-4 intento, Franziu 0 sobrotho, ¢ sua fis ‘célera que o assaltou. Mordeu os — Maldita negra! Esbaforido, consut meterme por estes caminhos, pelos cura da preguigosa... Ora! Hel de encontrarte; mas, deixa estar, eu te juro, seré esta derradeira vez que ‘me incomodas. No tronco... no ironco: e de la foe! Eniao, pet aparentando 0 mais pro: fundo indiferentismo, pela sorte da dessracada, — foge sempre? — Sempre, minha senhora. Ao menor des: cuido foge. Quer fazer acreditar que & douda. —Douda! Exctamel involuntariamente, ¢ com ue trafa os meus sentimentos. 5 © homem do azorrague nao pareceu reparar nisso, € confinuou: acen 245 [Maria Pirin dos — Douda... douda fingida, caro te ha custar. Acrediteio 0 senhor daquela misera; mi empenhada em velo desaparecer daquele hugat alsse-the: — A nolte se avizinha, & se a deixa ir mais longe, dificil Ine sera encontréa, — Tem razao, minha senhora; eu parto ime: o de gratidiao: e lembrel 10 de procurar minha descitasa me cOnscia de vava, ¢ acercavame ja da moi ror que me havia inspirado, fixeio resol A-escrava, as De repente serenou 0 meu temor; olhei-o, © do medo, passei @ consideracao. ao interesse, Era quase uma ofensa ao pudor fixar a vista. sobre aquele infeliz, cujo corpo seminu mostrave: se coberto de recentes cicatrizes; entretanto sua fisionomia era franca, e agradavel. 0 rosto negro. © dlescarado; suposto seu juvenil aspecto aljofaracdo pioso Suor, Seus membros alquebrados de hos rasiados, ora languidos pela pintava na fronte, mula, aggitada, e in © 0 tertor, finham um He. devia haver rasgos de am Gruzamos, ele, € eu as vistas e amb Isto reve a duracdo de um segundo apenas: recobrei Animo em presenca dé tanta miséria, © preendeu que eu ia talvez minorar o rigor de sua sorte; parou insiantaneamente, cruzou as Maos no peito, © com voz stiplice, mumurou algumas pala: ‘Aquela atitude comovedora, despertousme compaixao; apesar do medo que nos causa a pre- 248 Maria Finnina dos Beis, senga dum calhambo ‘voz, que bem compr disse the: = Quem és, flho? © que procuras? iproximelme dele, e com indcu Ser protetora © amiga, ‘sou um fugido: porque hal ara procurar minha po- ida esta quase a morrer. rou; © 0 que serd dela. Ah! ver se acho ago uma hora deixei 0 servi bre mae, que além de fanto interesse hei de ser castiga- Igo, antes das seis horas, mas minha mae mor fava no servigo, coitada! ter trezentos acoi rera se ele a encontrar, onde estara ele? 1el entao, Ta mae est sal F esta agora bem, An! Minha senhora, onde, onde estéi a mi: nha mae © quem a salvou? Acserava 249 ~ Segueme, disse eu - tua mae esta all - e apontei para a mouta onde se refugiara, ~Minha mae, sem receio de ser ouvido, ex: lamou © filho: minha mael... esta exclamagao de pungente angustia, a misera pareceu despertat: lhow-o fixamente; mas néo articulou um som, Gabriel, aht Minha senhora! Conchegueime aquele grupo interessant fim de prestarihe algum servico, Com efet tempo. Ela era presa dum ataque espasmédi Estava hirta € parecia prestes a exalar 0 derradeiro suspiro. = Nao, ela nao more deste ataque; mas & preciso presiarihe pronto socom, - disse-ihe: jora, tomou 0 rapaz na que devo fazer? la, Sela casi posso ver minha com rigor; mas nao quero, mae morrer aqui, sem socorro algum. ~Sossegia, disse-ihe, vendo assomar ao mor ro, donde observavam tudo que acabo de narrar, 250 ‘Maria Frminia dos Reis criados, que me procuravam; « espera, \Vou fazer transportar tua mae, & minha casa, € Ihe fare! tomar a bes a distancia que vai daqui a praia? Estou nos banhos salgados. Senhora, € muito perto. Que devo a pobre mae, ainda entregue ao seu mo, disse: = Minha senhora, eu! $6 levaria minha mae ao fim do mundo. ‘ada de veneracao em presenga, to singelamente manifestado. ~ Sigamos entdo, - tomei eu, Gabriel caminhava to apressadamente que eu habitava. Eu bem conhecia a gravidade do meu ato: - recebia em meu lar dois escravos foragidos, © es: cravos talvez de algum poderoso senhor; era ex Aescrava 251 porme a vindita da lei; mas em primeiro lugar 0 meu dever, € 0 meu dever era socorter aqueles in- felizes. Sim, a vindita da let; lel que infelizmente ain- da perdura, lei que garante 20 forte 0 direito abusivo, € execrando de oprimir 0 fraco. p Mas, deixar de prestar auxilio aqueles des. gracados, 180 abandonados, to perseguidos, que nem para a agonia derradeira, nem para transpor esse tremendo portal da Etemidade, tinham sosse- go, ou tranqtilidade! Nao. el com coragern a responsabilidade do a humanidade me impunha esse santo Fiz deitar a moribunda em uma cama, fiz abrir {a8 portas todas para que a ventilagao se fizesse livre, € boa, € prestelthe os servigos, que 0 caso urgia, € Com tanta vantagem, que em pouco recu- perou os sentidos. Olhou em tomo de si, como que espantada do que via, ¢ tomou a fechar o$ olhos. Minha mée’... minha mae, de novo exclamou o fiho. ‘Ao som daquela voz. chorosa, e 10 grata, ela ergueu a cabega, distendeu os bragos, e, com voz débil, murmurou: = Carlos!... Urbano. = Nao, minha mae, sou Gabriel cla, com voz estridente. foram? 252 Maria fim ~ De quem fala ela? interroguei Gabriel, que limpava as kigrimas na coberta da cama de sua mae. ~ douda, minha senhora; fala de meus ir mos Carlos e Urbano, criangas de olto anos, que iS. a vida, © a razao. Fendmenos da morte, por assim dizer: mponente embo: 0... £0 servigo? E 0 feitor? ga, pobre mulher, disse: Ihe, - tu, © feu filho esto sob a minha proteca Descansa, aqui ninguém thes tocaré com um dedo. Como no devern ignorar, eu j4 me havi lucidez, esperanga, € gratidao. Somtiu'se © murmurou, = Inda hd neste mundo quem se compadeca de um escravo? = Ha muita alma compassiva, retorquilhe, que se condéi do soffimento de seu inmao. Acserava 253 Naquela hora quase suprema, a inteliz excla: mou com voz distinta = Nao si ver mais meus flhos! Meu senhor os vendeu... eram to pequenos... eram gémeos, Carlos, Urbano. ‘Tenho a vista tao fraca... 6a morte que che- ga. Nao fenho pena de morrer, fenho pena de det Meus pobres filhos... Aqueles que me arrancaram destes bragos... este que tambem 6 um escravol E 05 solucos da mae, confundiram-se por Muito tempo, com os solugos do filho. Era uma cena tocante, ¢ lastimosa, que des: pedacava 0 coracdo. Ah! Maldigao sobre a opressao! Maldico nha Senhora, eu morro, sem tei em vida um branco que se compadecesse de mim; crelo que Deus me perdoa os meus peca- dos, € que jd comego a ver seus anjos. ~ E quem é esse senhor tao mau, esse se- hor que te mata? ora, no conhece 0 se- com convicgao: estou acl apenas ha dois dias, tudo me ¢ estranho: no conhego, £ bom que colha algumas informacoes: dele: Gabriel mas dara, 2st Nala Frmina dos Res - Gabrielt disse ela ~ nao, Eu mesma, ainda osso falar. E: comecou: ~ Minha mae era africana, meu pai de raga india; mas eu de cor fusca, Bra livre, minha mae era escrava. Bram casados © desse matrimonio, nasci eu Para minorar 0s castigos que este homem ene a diatiamente & minha pobre me, meu pel quase ‘consumia seus clas ajucandoa nas sts desmedt- das tars mas ainda assim, redobrando 0 trabalho, conseguit um fundo de reserva em meu beneiicio. Um dia apresentou a meu senhor a quantia realizada, clizenclo que era para o meu resgate. Meu ‘senhor recebeu a moeda sorrindo-se ~ tinha eu cin co anos ~ € disse: primeira vez. que for & cidade trago a carta dela. Vai descansado. Cusiou aiira cidade: quando foi demorouse algumas semanas, © quando chegou entregou a meu pal uma folha de papel escrta, dizendosne: Toma, ¢ garda, com cuikdado, ¢ a carta de lberdade de Joana. Meu pal nao sabia ler; de agra decid beijou as maos daquela fera. Abracoume, chorou de alegtia, © guardou a suposta carta de liberdade. Enio furtivamente eu comecei a aprender a Jer, com um escravo mulato, e a viver com alguma liberdade. Isto durou dots anos. Meu pal morreu de re: pente, eno dla imediato meu senhor disse a minha mae: Acescrava, 255 = Joana que va para 0 servigo, tem ja sete ‘anos, € eu nao admito escrava vacia ‘Minha mae, surpresa, e confundicla, cumprit a orclem sem articular uma palavra, ‘Nunca a meu pai passou pela idéia, que aque: ta de liberdade era uma fraude; nun: mas, minha mae a vista do estrebuchando. Sobreveio: dias depois estava com Deus. Fiquei 86 no mundo, entregue ao rigor do cativeito, Aqui ela interompeuse; agtoushe os mem bros um tremor convulso. A morte fi progressos. De novo chegueithe aos labios a co: Iher do calmante, que Ihe aplicava, ¢ pedilhe, ndo revocasse lembrangas dolorosas que a podiam mata. Ah! Minha senhora, comegou de novo, mais reanimada - apadirinhe Gabriel, meu fih conda-o no fundo da olhe se ele for preso, morrerd debaixo do agoite, como tantos outros, que meu senhor tem feito expirar debaixo do azorrague! Meu fllho acabaré assim. recolheu-se por algum tempo, depois. ‘as maos, beijou-as com reconheci- Ah! Se pudesse, nesta hora extrema ver res filhos, Carlos © Urbano... Nunca mais 0s vereit ‘Tinham oito anos. um homem apeouse a porta do ‘onde juntos trabalhavam meus pobres coracdo! Homem a nao podem comover, do inocente, permitida ao descanso, concheguei a mim meus pobres filhos, extenuados de cansaco, que logo adormeceram Ouvi ao fongo rumor, como de homens que conversavam. Alonguei 05 ouvi dos; as vozes se aproximavam, Em brove reconheci @ voz. do senor. Senti palpitar desordenadamente racao; lembrei:me do traficante,... Cor para, filhos, que domiam, apertetos luz. dos olhos € creio que perdi os sentidos. Acscava mpo durou este estado de 5 de meus pobres filhos, pobre casinha, e nela per for, € 0 inflame tr meu filho, antes te me certe 0s labios para sempre... deixame mor rer amaldigoando 0s meus car Por Deus, por Deus, or Deus, Jever-me com meus filhos! gritou meu feroz senhor. ~ Cala-te |. tomando a 258 ‘Maria Fimina dos Reis, tinha cessado de sofrer, 0 emba- is para suas débeis forcas, ercortia Melancélica € solitaria os paramos do céu, € cortava com uma fita de prata as vagas do oceano. No mesmo instante, um homem assomou & porta. Era 0 homem do azorrague que eles infitwavam do fetor, era aquele homem de fisionomia nda, seguido de dois raram a pora. senhor? Pergunteine, Pode ie! refugiou-se tremulo, ao can: widos em presenca da morte, 0s dois ixaram pender a fronte no peito; 0 pro: prio fettor, a0 primeiro impeto, teve um impulso de homem; mas, recompondo de pronto na ude, € feroz fisionomia, disse-me: hoje a segunda vez que a encontio, mi ha senhora, entretanto, nao sel ainca a quem falo, escravos Acscrava 250 Pecolhe que me diga 0 seu nome, para que eu conheca 0 patréio, © senhor Tavares, E escandalo- sa, minha senhora, a protegéo que da a estes es: cravos fugidos. Fsias palavras inconvenientes mereceram 0 ‘acabou aqui, mais tarde tendera também coadjuvar 0 filho? ja 0 que havemos de ver Joao, Félix! E com um aceno indicouhes 0 que deviam fazer. Gabriel, que a0 meu chamado voltara para junto do cadkiver de sua mae, sentindo que ham prender, levantou-se espavorido, sem saber © que fazer. Detémte! Lhe gritei cu, Estés sob a minha imediata protecao: ¢ voltandome para 0 homem is uma palavra. Vai-te, diz el instrumento de um mais ainda assim perse algozes. \Valte, € entregaihe este cando: af acharé 0 meu nome. 260 Vai, © que nunca mais nos tomemos a ver Ele morcieu os beigos para wagat 0 insuto, & desapareceu, le, estava qua. da infeliz Joana, quando & la minha casinha, vi apearse um homem, procutan, mentos que me inco: aqui o trouxe, © podemos, set encetar fi 0 as Acescrava cia, Morreu, nto esta pera jap prestava. 0 Antdnio, meu feitor, que 6 um excelen: te @ zeloso servidor, ¢q Ia. Pe © pobre Gabriel, com este ne fato — © depois perguntou-me: ~ Que significam essas pal rida senhora? Néo a compreet jpreenderme, retorcql que uma burla... escravo, contra seu senhor, hoje qual duo diz a um juiz de rfdos. ae Maria Finnina dos Reis Em troca desta quantia exijo a liberdade do escravo fulano ~ haja ou ndo aprovagae do seu senhor. Nao acham Desculpe-me, senhor Tavares, disse-ihe: Em conclusdo, apresentoshe um cadaver e um homem livre, Gabriel ergue a tronte, Gabriel és livre! © senhor ‘Tavares, cumprimentou, ¢ retroce- leu no seu fogoso alazio, sem dtivida alguma mais furioso que um tigre. “Revista Maranhense" n°3 - 1887 Mania Firsina Dos REIS E 0S PRIMORDIOS DA FicgAo AFRO-BRASILEIRA Eduardo de Assis Duarte ‘Maria Firmina dos Reis nasceu em Sao Luiz do Maranhao, em 11 de Outubro de 1825, sendo como filha de Jodo Pedro Esteves & Menina bastarda e mulata hum coniexto de extrema segresacad cial € social, aos cinco anos teve do ajuda do escritor © gramético Sorero dos Reis, primo por parte de mae, “a quem deve sua cultura, ado pelo CNPe,

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