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Adeus ao paraiso futuro — Nacionalismo, género e raza nacional. As mulheres nao eram vistas como parte da histéria, mas, tal qual os povos colonizados, como parte de um tempo permanentemente anterior no ambito da nacdo moderna. Os homens brancos, de classe média, ao contrdrio, eram vistos como a corporificagao de agentes avan- gados do progresso nacional. Assim, a imagem da nacional Familia do Homem revela um persistente paradoxo. O progresso nacional (con- vencionalmente o dominio inventado do espago puiblico masculino) era expresso como familiar, ao passo que a propria familia (convencional- mente 0 dominio do privado, do espago feminino) era vista como além da historia. Podemos dizer, a esta altura, que uma narrativa tinica da nagao segu- ramente nao existe. Grupos diferentes (géneros, classes, etnias, geragdes c assim por diante) nao vivem a miriade de formag6es nacionais da mes- ma maneira. Os nacionalismos sio inventados, representados e con- sumidos em modos que nfo seguem um modelo universal. A negagao claramente eurocéntrica dos nacionalismos do Terceiro Mundo, feita por Hobsbawm, merece pelo menos uma critica continuada, Num gesto de deslavada condescendéncia, Hobsbawm denomina a Europa como 0 “I imperialistas de alguma significagio” sao jogados sem ceriménia em trés categorias: mimica da Europa, xenofobia antiocidental e “talento natu- : original” do nacionalismo, ao passo que “todos os movimentos anti- ral das tribos guerreiras”’, A guisa de contraste, pode ser util voltar a outa altura & andlise bem diferente, ainda que problematica, de Frantz Tianon sobre género e a formagao nacional. FANON E A ATUAGAO DE GENERO No que diz, respeito aos tedricos masculinos do nacionalismo, Fanon é exemplar, niio apenas por reconhecer 0 género como uma dimensio for- rmitiva do nacionalismo, mas também por reconhecer — e imediata- mente rechagar — a metafora ocidental da nag0 como uma familia. “Pxistem conexGes intimas”, diz ele em Black Skin, White Masks [Pele 16, Hobabawin, Nations and Naslonaltions.. p 151, Couro imperial negra, mascaras brancas], “entre a estrutura da familia ¢ a estrutura da nagio”’, Recusando, no entanto, ser conivente com a nogao da metafora familiar como natural e normativa, Fanon, ao invés disso, a entende como uma projecao cultural (“as caracteristicas da familia sdo projetadas no meio social”) que tem consequéncias muito diferentes para familias situadas de maneira discrepante na hierarquia colonial. “Uma crianga negra normal, tendo sido criada por uma familia normal, se tornara anormal ao menor contato com o mundo dos brancos”?. O desafio da percepgao de Fanon tem trés aspectos. Ele poe radical- mente em questéo a naturalizacao do nacionalismo como uma genealo- gia doméstica. Ao mesmo tempo, ele vé a normalidade familiar como um produto do poder social — de fato, da violéncia social. E notavel como Fanon reconhece, nesse texto inicial, como a violéncia militar e a autoridade de um Estado centralizado se aproveitam da domesticagio do poder de género na familia ¢ a ampliam: “A militerizagio e a centra- lizacao da autoridade num pais automaticamente provocam © ressurgi- mento da autoridade do pai”?°. "Talvez uma das ideias mais provocativas de Fanon seja sua contesta- cdo de qualquer rclacio ficil de identidade entre a psicodinamien do inconsciente ¢ a psicodinamica da vida politica. A audacia de sua per- cepsao é 0 que permite que nos perguntemos se @ psicodinamica do poder colonial e da subversio anticolonial pode ser interpretada através do uso (sem mediagdes) dos mesmos conceitos e técnicas usadas para interpretar a psicodinamica do inconsciente. Se a familia nao é uma “miniatura da nagdo”, so as projegSes metaféricas da vida familiar (di- gamos, a “Lei do Pai’, de Lacan) adequadas para compreender o poder colonial e anticolonial? O préprio Fanon parece responder que nao. As relacGes entre o inconsciente individual e a vida politica nao podem ser, argumento eu, nem separadas uma da outra, nem reduzidas uma a outra. xy. Frantz Fanon, Black Skin, Waite Masks (Londres: Pluto Press, 1986), p-r4- 18. Idem, op. 5 peT42. 1g. Tdem, op. cit, p.143 2o. Idem, op. cit. pp. 141-3. 528 Adeus ao parative futuro — Nacionalismo, género e raca Elas, ao contrrio, incluem cruzamentos € mediages dinamicos, trans- formando cada uma delas, reciprocamente e de maneira nao linear, e nao duplicando uma relagao de analogia estrutural. Mesmo em Pele negra, mdscaras brancas, 0 texto mais psicologico de Fanon, ele insiste em que a alienagio racial é um “proceso duplo”*. Primeiro, ele “implica um reconhecimento imediato das realidades so- ciais e econdmicas”. Depois, implica a “internalizacao” da inferioridade. Em outras palavras, a alienagiio racial nfo é apenas “uma questio indi- vidual”, mas envolve também o que Fanon chama de “sdcio-diagndsti- co”, Reduzir Fanon a uma pura psicandlise formal, ou a um puro mar- xismo estrutural, arrisca deixar de lado precisamente as tensdes sugestivas que animam, a meu ver, os elementos mais subversivos de seu trabalho. Em nenhum lugar essas tensGes esto mais presentes do que na sua tentativa de exploracio das relagdes de género com a atuacao nacional. Género percorre o trabalho de Fanon como uma fissura miultipla, dividindo e deslocando 0 “delirio maniqueista” ao qual ele retorna repe- tidamente. Para Fanon, 0 conflito colonial parece, 4 primeira vista, ser profundamente maniqueista. Em Peles negras, mdscaras brancas, ele vé 0 espaco colonial “dividido em dois campos: 0 branco e 0 negro”. Quase uma década mais tarde, escrevendo sobre o cadinho da resisténcia arge- lina, em The Wretched of the Earth [Os condenados da Terra], Fanon mais uma vez vé o nacionalismo anticolonial nascendo do violento mani- queismo de um mundo colonial “partido em dois”, suas fronteiras ocu- padas por acampamentos militares ¢ delegacias de policia**. O espago colonial é dividido por uma geografia patolgica do poder, separando a cidadela iluminada e bem alimentada dos colonizadores da casbab fa- minta e entulhada: “Este mundo [...] cortado ao meio € habitado por at. Idem, op. cit, p.13. 22. Ibidem. 23, Idem, op.cit,, p.10. 24. Fanon, The Wretched of the Earth, p.29. Couro imperial duas espécies diferentes”*s. Como comenta Edward Said: “Todo 0 tra- balho de Fanon deriva dessa observagdo maniqueista ¢ fisicamente situ- ada, posta em marcha, por assim dizer, pela violéncia dos nativos, uma forga que pretendia cruzar a barreira entre brancos e nao brancos”*. No entanto o decisivo chiaroscuro da raca é, em quase todos os aspectos, posto em questo pelos cruzamentos de género. O conflito maniqueista de Fanon parece, 4 primeira vista, ser funda- mentalmente masculino: “Nao pode haver dtivida de que o Outro real para o homem branco € e continuaré a ser 0 homem negro”. Como es- creve Homi Bhabha: “O desejo colonial € articulado sempre em relagio ao lugar do Outro””. Mas as angustiadas reflexdes de Fanon sobre raga e sexualidade mostram que “o desejo colonial” nao é 0 mesmo para ho- mens e mulheres: “Uma vez que ele é 0 senhor, e mais simplesmente o macho, o homem branco pode permitir-se a luxdria de dormir com qualquer mulher [...] Mas, quando uma mulher branca aceita um ho- mem negro, automaticamente surge um aspecto romantico. Trata-se de dar, nao de se apropriar”®. Deixando de lado, por ora, a cumplicidade de Fanon com 0 estereétipo da mulher, mais romantica do que sexual- mente inclinada, dando ao invés de receber, Fanon abre a discussio da raga para a problematica da sexualidade, que revela emaranhados mais intrincados do que uma mera duplicagdo do “Outro do Eu”. O mani- queismo psicoldgico de Pele negra, mdscaras brancas, € 0 maniqueismo mais politico de Os condenados da Terra sao persistentemente torcidos por género de tal maneira a destruir radicalmente a dialética bindria. Para Fanon, a inveja do homem negro toma a forma de uma fantasia de deslocamento territorial: “A fantasia do nativo é precisamente ocupar Essa fantasia pode ser chamada de uma politica de substituigao. Fanon sabe, no entanto, que a relagdo com a mulher branca o lugar do senhor 25, Idem, op.cit.,p.30. 26. Edward Said, Culture and Imperialism (Londres: Chatto and Windus, r993), p. 326. a7. Bhabha, “Introdugio a Fanon’, Black Stin, White Masks, p. 28. Fanon, Black Skin, White Masks, p. 46. 2g. Idem, op. cit.,p. 46. 530

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