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Adore a condenagao na obra de Murilo Rubido Mariana Novaes Université de Poitiers- CRLA Personagem central na vida literéria de Minas Gerais, 0 escritor Murillo Rubido (1916- 1991) ocupa na literatura brasileira um lugar solitario e atipico. Sua obra inaugurou uma nova estética na literatura brasileira e recebeu por parte de varios criticos literérios brasileiros qualificadores como “fantasia’, “maravilhoso", “imaginério", “realismo magico", “insdlito”, chegando até ao conceito de “estranhamento’. Essa dificuldade em classificar sua obra talvez explique o seu tardio reconhecimento € a recusa que teve durante anos por parte das editoras até que publicasse 0 primeiro livro, O exmdgico, em 1947. Somente no final da década de 1960, quando se deu 0 apogeu do realismo magico hispano-americano, sua obra foi finalmente reconhecida pela critica. Em 1974, 0 livro O pirotécnico Zacarias, atingiu a venda de mais de cem mil exemplares e a partir desse perfodo novas edicées de seus livros foram lancadas e traduzidas e sua obra passou a ser estudada nas escolas & academia. Constantemente associado a Kafka e aos escritores hispano-americanos como Borges e Cortézar, Murilo Rubiao, reconhece, entretanto, referéncias bem diferentes: 0 esctitor brasileiro Machado de Assis, o romance de cavalaria, 0 Antigo Testamento, Edgar Allan Poe e os alemées Adelbert von Chamisso e E:7.A Hoffman. Antonio Candido, critico brasileiro, considera que o contista mineiro teria instaurado um novo tipo de ficcao no Brasil, na contramao do que autores como Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz e José Lins do Rego propunham na época. Segundo o critico brasileiro, 0 esctitor de Minas Gerais: Com seguranca meticulosa e absoluta parcialidade pelo género (pois nada escreve fora dele), elaborou os seus contos absurdos num momento de predominio do realismo social, propondo um caminho que poucos identificaram e sé mais tarde outros seguiram. Na meia penumbra ficou ele até a reedicio modificada e aumentada daquele livro em 1966 (Os dragées e outros contos). 4 entao a voga de Borges e o comeco da de Cortazar, logo seguida pela divulgaco no Brasil de livros como Cien anos de soledad, de Garcia Marquez, fizeram a critica e 0 leitores atentarem para este discreto precursor local, que todavia precisou esperar os anos 1970 para atingir plenamente 0 piblico e ver reconhecida a sua importancia, Entrementes a ficcdo tinhase transformado e, de excecao, ele passava quase a uma alta regra. (CANDIDO, 1989, p. Mm Reduzida em apenas 33 contos, sendo estes, entretanto, constantemente reescritos, a obra de Murilo Rubio indica sobretudo uma perspectiva que invalida a razio, mas em que o absurdo das situages é apenas um disfarce que coloca em valor a realidade. Na literatura muriliana o extraordinario revela os dramas ordinarios da existéncia humana, com os quais nos identificamos. Assim, por mais que a roupagem de sua narrativa seja fantastica, seu corpo desnudado tem como alicerce a realidade crua, possivel plausivel, suspendendo assim o manto da descrenca e levando o leitor a aceitar como normais situacdes improvaveis. Num olhar cético e pessimista, nao existe salvacdo para suas personagens. Castradas, mutiladas e estéreis, elas caminham errantes numa interminavel condenacao. Segundo Jorge Schwartz, 0 extraordindrio em seus contos, “as metamorfoses, as policromias, o fazer incessante, a volta a0 inicio ou a possibilidade de se chegar a um fim’ nada mais sio que “gestos mascarados das cicatrizes da mutilacdo e da esterilidade” (SCHWARTZ, 2006, p.107).” Assim, a condenagao é condigao sine qua nonpara a compreensao do escritor Murilo Rubido e de sua obra, ¢ ela se mostra sob diversos aspectos: na constante reescrita de seus contos, nas tematicas abordadas em suas histérias e na trajetéria de seus herdis. A condenacao aparece na obra de Murilo Rubido pela castragio, mutilagao e 0 emparedamento. Se olharmos mais de perto, a agonia que acomete os personagens de Murilo Rubido nada mais sao do que as dores de todos nés, seres humanos. Filho de fil6logo, Murilo Rubio foi também fildlogo de sua propria escrita. Até a sua morte, 0 escritor reelaborou e reescreveu constantemente quase todos os seus * CANDIDO, Antonio. Notas sobre a nova narrativa. In: A educagdo pela noite & outros ensaios. a0 Paulo: Atica, 1989, p. 199-215. Disponivelem: . ? SCHWARTZ, Jorge. Murilo Rubido: um cléssico do conto fantasticoln: O pirotécnico Zacarias e outros contos, 2006. Sao Paulo: Companhia das Letras. contos, chegando alguns a apresentarem mais de cinco versées diferentes. Esse processo de criaco muriliana reflete a concepcao do artista moderno, em que a escrita ¢ fruto de um trabalho meticuloso, arduo e sempre inacabado e quando a literatura é encarada como uma “maldicao". O conto 0 “Ex-magico da Taberna Minhota" exemplifica alguns desses temas, como a condenagao e a castracao. Ja no inicio dele o narrador sintetiza a condigao existencial humana. No trecho de abertura do conto, é patente a resignacdo do personagem diante da inevitavel sucessao de infortUnios e desgostos: Todo homem, ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a avalanche do tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-se as vicissitudes, através de um proceso lento gradativo de dissabores. (RUBIAO, 2010, p. 21). Narrado em primeira pessoa, o conto trata da historia de um exmagico que, inesperadamente, quando um dia se depara com os seus cabelos grisalhos, também adquire o dom de fazer magicas. Para o personagem, embora tenha o talento de receber os aplausos de sua plateia, a magica é uma condenacao e uma maldicéo. De forma incontrolavel e incessante a magica se manifesta nao apenas nos espetaculos que dé, mas em suas acdes mais trivais: juando abria as maos e delas escorregavam esquisitos objetos, quando “mexia na gola do paleté e logo aparecia um urubu" ou indo “amarrar 0 cordao do sapato” e das suas calcas deslizavam cobras. Na tentativa de aniquilar os dons de magico, em vao, tenta mutilar as maos que reapareceram novas e perfeitas e, sem opcao, procura a morte, concluindo que somente ela “poria termo ao seu desconsolo". O ex-magico recorre a inumeras tentativas de suicidio: ser devorado por ledes ou devordos, atirar-se do penhasco, dar um tiro na cabeca e, por fim, empregarse numa Secretaria de Estado, “pois ouvira de um homem triste que ser funcionério publico era suicidar-se aos poucos” (RUBIAO, 2010, p. 24). Além de ironizar a sociedade moderna com suas méquinas e instituic6es burocraticas, que condenam o homem ao seu aprisionamento e sua automatizacio, em “O ex-magico", a castracao é presente pela caréncia fisica (a mutilagao das maos) ou pela incapacidade de satisfazer o seu proprio desejo, no caso o desejo de morte. Como em outros contos do autor, a morte é frequentemente a unica possibilidade e © personagem “se atira do palco dos acontecimentos carregada de alternativas. E geralmente dele sai sem opcao alguma’ (LUCAS, 1983). Sem controle sobre seu destino, a personagem passa de determinante a determinada. © mesmo acontece com o conto “Teleco, o coelinho". Nele, a solidao de Teleco e 0 seu esforco para alcancar a compreensdo e a correspondéncia amorosa dos seres humanos, leva-o a se metamorfosear descontroladamente em varios animais: de rato a hipopétamo até sua ultima transformacao, em uma “crianca encardida, sem dentes. Morta.” (RUBIAO, 2010, p. 59). Para Schwartz as transformagées das personagens murilianas revelam “uma tentativa va de adaptacao a um mundo onde nao ha mais lugar para valores como a pureza ea inocéncia’. (SCHWARTZ, 2006, p. 106). No desenlace dos contos de Murilo Rubido, a morte nao é a Unica forma de condenacao ou, inversamente, de safda para seus personagens. Constante também so 0s contos que remetem a ideia de um ad infinitum, dando a certeza de um encarceramento eterno. E 0 caso do final do conto “A armadilha", na frase que conclui a narrativa “Aqui ficaremos um ano, dez, cem ou mil anos"; ou mesmo o conto “O Edif io, que fala de uma construgdo fadada a crescer sem fim ou no conto “O bloqueio’, que inversamente, 0 prédio onde se hospeda Gérion é progressivamente destruido, até que o personagem se vé emparedadot, De outra forma, a castracao se mostra presente nos contos de Murilo Rubido a partir da temética da esterilidade. Como afirma Schwartz “no ventre das heroinas murilianas ndo ha lugar para a fertilidade” (2006, p107). Além do relacionamento infecundo entre seus personagens, uma tematica constante nos contos de Murillo Rubiao é o desejo frustrado. O conto “Barbara” é 0 retrato desse relacionamento estéril e do desejo jamais satisfeito. No conto "Barbara", como em outros de Murilo Rubiao, 0 excesso e a auséncia sao também metaforas da morte. Em “Barbara”, o marido dedicado tenta satisfazer os desejos da mulher impiedosa que a cada pedido engorda absurdamente e a cada desejo realizado o filho do casal > LUCAS, Fabio. A arte do conto de Murilo Rubido. In: 0 Estado de Sao Paulo, 21 de agosto de 1983. “COELHO, Nelly Novaes. Os dragdes. 0 Estado de Sao Paulo, Suplemento Literdrio, 1966. definha até se transformar numa crianca raquitica. Seu ultimo pedido é uma estrela, a qual, conformado e sem espanto, ocompanheiro vai buscar: Desorientado, sem saber como proceder, encostei-me & amurada. Nao Ihe vira antes tao grave rosto, tao fixo o olhar. Aquele se derradeiro pedido. Esperei que o fizesse. Mas, a0 cabo de alguns minutos, respireialiviado. Nao pediu a lua, porém uma miniscula estrela, quase invisivel ao seu lado, Fui buscé-la. (RUBIAO, 2010, p39). Os herdis murilianos atravessam os mesmos reveses e sentem a mesma agonia de sempre e do homem: a morte, a existéncia, 0 tédio, a castracdo, a frustracao, a esterilidade e a misantropia. Entretanto, ainda que tentem encontrar, uma redencao ou uma saida, seja pela metamorfose, pelos desejos, pelo amor e pela morte, nos contos de Murilo Rubido suas personagens estao sempre condenadas e sujeitas a dor € a0 sofrimento. Nao existe salvacdo para seus personagens e t4o pouco para 0 escritor Murilo Rubiao. Em Murilo Rubido a dor, decorrente da agonia e da aflicdo, é abstrata (uma vez que no 6 fisica) e por isso ndo é comunicdvel e nem necessariamente entendida. Ela também atinge © préprio escritor Murilo Rubiao. O gesto constante e quase obsessivo de reescrita de seus contos reflete a provacao € o inforttinio por que passa o escritor, como se o processo de escrita fosse também uma condenagao. Assim, vita e obra, ficgao e friccéo se combinam a propria tematica de seus contos ea sua visao do real. Nas palavras do autor “o fantastico tem como base a propria realidade, o cotidiano. Que por sua vez é fantastica. Vocé quer algo mais fantastico do que a propria vida? Ou a propria morte?” (RUBIAO, 1979, p. 26) “al

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