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Os Hipertextos que Cristo Leu ANA Euisa RiBeiRo Consideragses Iniciais, Fernando Pessoa, no poema “Liberdade”, faz pairar a divida sobre as Ikituras de Jesus Cristo. Segundo o texto do poeta portugués mais badalado da literatura dalém mar, nao “consta que [Jesus] tivesse biblioteca”. Mas len do Ars (2000), faz-se saber que as equipes editoriais que produziam e repro: duziam manuscritos, a duras penas (nos dois sentidos),tratavam de projetar livros, ainda em forma de rolos ou jé na forma de cédices, com notas do autor, do editor, do tradutor e dos “leitores autorizados’, além de deixarem “espacos virgens’, abandonados pela diagramacio, onde o leitor poderia dei ar 8 margem suas pegadas. Toda essa parafernélia que sempre ladeou o texto, ou seja, todo 0 seu aparato era jé 0 ensaio, bem-sucedido, diga-se, do que hoje se conhece por ‘hipertexto’, sendo que, apesar do bergo informatico em que nasceu este ter ‘mo, esteve 0 processo de ler nao-linearmente sempre ligado (e linkado) as préticas de leitura, em todas as épocas,e & historia das tecnologias de busca e de produsao de “objetos de ler” impressos ou eletrénicos. Se Fernando Pessoa, na persona de um eu-litico atrevido, aposta em dizer que Cristo nao deixou biblioteca, eu, na persona de uma pesquisadora galhofeira, ouso dizer que, j4 que Jesus sabia ler, aposto que lev, algum dia, nio-linearmente, isto é eu um hipertexto. ‘Também digo que, apés a morte dele e a partir do recolhimento dos textos que resultaram ¢ resultam no Livro Sagrado, fixou-se o hipertexto mais fa- oso ¢ circulador da humanidade, qual seja: a Biblia, organizada em livros, capitulos ¢ versfculos, devidamente numerados ¢ cheios de referéncias inter~ znas, num sistema hé séculos funcional e muito bem-projetado. 1. O Leitor Ore rio ¢ © Hipertexto: Além das Estatisticas Varios institutos de pesquisa vivem anunciando estatisticas medonhas @ respeito do leitor € da leitura no Brasil. E comum que os grificos em pizza snunciem 79% de analfabetos funcionais, assim como gréficos em barras que Os Hireerextos que Casro Lev 128 querem fazer ver 0 tamaninho dos leitores de literatura, leia-se, do canone literdrio. No entanto, quase sempre ver a Biblia em primeiro lugar, livro de cabeceira de 8 entre 10 brasileiros, leitores do Texto Sagrado, ato de fé, mas, antes de tudo, ato de leitura hipertextual. Sendo assim, éfécil concluir que o leitor da Biblia, acostumado as referén- cias e & navegagio no impresso, é profundo conhecedor do modo de operar pelo que Lévy chama de “atengao flutuante’, ot pelo que eu chamaria de “trajeto mais interessante para mim neste momento, segundo minhas inten hes e meus cbjetivos atuais, com teores vatidveis de compromisso”. Nao é preciso dar ao leitor um computador com acesso 2 Internet para oferecer a ele 6 hipertexto. Talvez Ihe soem novidade os finks em azul, a yélocidade € a infinitude da teia virtual de informagSes, mas nao sera tudo tao diferente ‘quanto a procura pelos livros, capitulos e versfculos que norteiam (ou des- norteiam) o leitor para cé e para Ié, conforme sua difusa vontade ou o desejo do eseritor. 2. Novas Tecnologias do Hipertexto O conceito de hipertexto surgiu na década de 1940, nos Estados Unidos, nas discussdes do matemitico Vannevar Bush, € 0 termo hipertexto foi cunha: do, aproximadamente vite anos depois, por Theodore Nelson, também nos BUA, quando o pesquisador se referia a sistemas utilizados em tecnologia informatica (LAUFER & SCAVETTA, s/d. p. 48). A Internet, uma nova tecnologia de armazenagem, busca e transferéncia de dados, no entanto, $6 se articulou trinta anos depois. Com 0 advento de novas tecnologias de suporte para escrita e leitura, 0 hipertexto passou a ser usado como sindnimo de texto ndo-linear em meio digital, dando a (falsa) impressao de que é uma novidade relacionada, neces- sariamente, a Rede Mundial de Computadores. Nao é o que mostra, no en tanto, a histéria das priticas de leitura, assim como a dos suportes, da produ [20 editorial e das tecnologias de gestio do conhecimento. “O hipertexto tem historia recente, mas possui fandamentos antigos nas enciclopédias, nas colecgdes e nas bases de dados” (LAUFER & SCAVETTA, s/d. p. 8. ) ‘A perspectiva hist6rica fornece subsfdios para discutir inclusive as previ- sBes € 05 prognésticos sobre o texto no novo suporte e sobre as priticas de leitura em tela, na anilise das reagdes do leitor as acomodacoes a ela (e dela zo novo leitor). E essa histéria recente mostra que desde a invengao dos personal computers, pesquisadores e engenheiros tém se esforgado para que as maquinas 126 Ivtznacho na reer: Novas Foams d€ Usait a LINGUAGEN fiquem mais potentes e menores em tamanho, ou seja, mais portéteis, fazendo lum percurso muito semelhante ao do livro impresso, que caminhou sempre para o desenvolvimento de tecnologias mais portiteis, a partir das demandas do leitor/usurio. As tecnologias eletrénicas digitais fundaram novas maneiras de escrever € ler, utilizando interfaces novas: 0 teclado eo monitor em vex da caneta e do papel, a impressora, a utilizagéo de softwares tais como 0 Word, o Bloco de notas, os navegadores para a leitura na Internet. Tudo isso so novas interfe- ces, tanto para o escritor quanto para o leitor, ou novas tecnologias para fixar a escrita ¢ fazer a leitura (a tela ou a pagina impressa). £ importante frissr, no entanto, que séo tecnologias que aderem a possibilidades jé existentes e esté- veis hé tempos, ou seja, melhor do que dizer que sejam exclusivas ¢ excluden- tes, essas tecnologias se somam a um rol de priticas de leitura ¢ escrita, s20 hibridas em sua natureza e origem, jé que s4o, a0 menos em parte, familiares 420 leitor, ¢ sio alternativas a outros modos de ler ¢ escrever. A historia do impresso traz & tona a histéria de formas mais “primitivas’ de hipertexto, plenamente assimiladas pelos leitores e produtores de textos (livros, revistas, jornais, etc.) da sociedade contemporaine O tipertentoretona transforma ants interies da est Anos deine na verdade, nfo deve ser limitada as técnicas de comunicagdo contemporineas. A impresso, por exenpl, primis vita sem vida um aperador quanta, possmulpia sci Mas representa também amen emalgures dca, desma intricepuronizadaentemamente orignal pigna de itl, cbegahon, numero rel, sung, nots fren ered Todos ens dps lgcscieatrione pct uso noir dm estuturaadmiraemente stem nd hi sudo sem gochja aptlon i cant dtr spin no sunt ns emia ve pare do texto, ener fees precis a outros ies em que aj pags tniormemene numerads. Estero hj to habitvads com etait que ‘em notamos mais exe Mas a0 momentocm que fat inventada, posbion tina el com ott ecom acs tment diretedn qucforcstabeeia com 0 manus posbiidade deerme rida do cone, deaces nto lina esto ote deemed erm mes eto mia ta infinidadede utes vores ots de de pies bloga ther em eqn dss nneate rgniatoas en toa ‘odos de dabrar ou enol or its qu st based a grande moi ds mutages do “saber” (LEVY, 1993, p. 34). As antigas interfaces adaptadas aos novos suportes e aos novos modos de ler fazem o leitor/usuério ¢ o produtor de textos reconfigurarem suas percepc6es (Os Hircarexros que Casto Leu 27 de que embora o suporte material da escrita mude, 0 usuétio/leitor, & medida que interage com 0 texto no suporte — seja cle papel ou tela -, descobre & desenvolve formas melhores e mais eicientes de ler, tudo isso com a finalidade de manter a qualidade da leitura, inclusive a da Biblia Porém, o fato de surgir um novo suporte para leitura/escrita nao quer dizer que absolutamente todos os expedientes do leitor/usuario tenham que ser modificados. As novas tecnologias podem recuperar caracteristicas de otras, muitas vezes até de tecnologias j4 quase esquecidas (hibridez do su- porte). A-familiaridade do leitor com determinados géneros de texto, diagra- ‘mages ¢ suportes pode torné-lo mais habil no reconhecimento de um novo suporte. Se a invengio do livro encontrou suas acomodagbes na histéria da relagao entre o leitor €0 objeto de leitura, a tela também esté a caminho de encontrar suas formas mais eficientes e confortiveis, embora a busca pelo objeto ports- til continue. 3. Hibridos e Familiares As tecnologias se sucederam ou co-ocorreram na histéria da humanidade © 6 preciso ponderar sobre 0 trato do leitor/usuério com o texto em dado suporte. As possbilidades do impresso e do digital nfo so as mesmas, mas so aparentadas (bem diverso de “parecidas”). Defendendo 0 argumento de que houve apenas a agrega¢s0 do aumento de velocidades de busca e de publicagio a um tipo de sistema ou teia que ja havia sido pensado e executado pelas equipes editoriais (sistemas esses repre- sentados pelos hipertextos impressos), considera-se que 0 leitor de hipertextos impressos (enciclopédias, dicionérios, notas de rodapé, sumArios, etc.) nio tem tantos problemas ao deparar com hipertextos digitais, que Ihe pazecerdo familiares na forma de navegar, cas0 0 leitor esteja disposto em relacio a suas expectativas sobre a maquina ¢ a Internet E importante lembrar que as tecnologias digitais de leitura e escrita ainda so fundadas sobre a escrita talvex de forma ainda mais imbricada, O leitor que navega em espacos digitais s6 pode se mover porque Ié, assim como o faz no livro. E pensando assim que se defende a idéia de que a nova interface oferece pouco obsticulo a quem toma conhecimento dela neste instante, Ou quer-se dizer, neste trabalho, que o leitor de hipertextos impressos sentir familiaridade com a leitura em tela, fazendo diferenca apenas aspectos rela- cionados as caracteristicas inerentes ao suporte: da gramatuta sensivel do 128 Intech sa InTeRNeT: Novas FoRwas 0€ Usa a LINGUAGEN papel & pégina iluminada, da posigao em sof ou em cama a leitura rigida diante da tela, do conhecimento de dispositivos-guias no impresso ~tais como negritos em verbetes, asteriscos, numeragao de versiculos, etc. a disposit vos-guias estabelecidos pelas comunidades usuérias do “mundo digital” ~ como 0 cédigo de cores nos links visitados e a visitar, por exemplo. Tanto Chartier (1998) quanto Lévy (1993), ao refletir sobre os hipertex tos impressos, digitais ¢ até mesmo manuscritos, terminam por sugerir que nao hé, de fato, novidade absoluta no aparecimento do texto suportado pelo computador. Assim, é notdvel que se possa aplicar 0 conceito de navegagao a leitura em hipertextos, sejam eles impressos ou eletr6nicos: Ohipetexto tam deine ev prot ans pestis propio din Siqueadehaocom gen costi un aecanets comes prs una ira notin Ana pd gins ro pure ols pa um st nbn brane selene eta cep itertice aan eal lini Poemos uaa de censalar om dion ondeada pale eu defo oude um exemple ana «pla ded slong dem ceteris vitulmenesem fa pr h eo socngnsOrsum Soa decoction oa fo am eu Age ap leitura, batizada denavegacio. (LEVY, 1993, p.37) ‘Trata-se, como se quer demonstrar, mais de uma reconfiguragao das pré ticas de leitura ao novo suporte do que propriamente de una novidade que possa dividir a histéria humana em eras (do manuscrito, do impresso, da informatica, etc). E assim que a pretense revolugdo da informatica perde sua mistica e torna-se mais um rearranjo da era da escrita. Repensando 0 modus eperandi de quem lé um hipertexto, ordinariamente, ¢ facil conceber Jesus Cristo navegando pelo Velho Testamento, aos 12 anos de idade, 4. Sendes e Ajustes Para transformar um hipertexto impresso em um hipertexto digital, hé, ‘no entanto, que estar atento & natureza do suporte, as peculiaridades do meio, Os Hipenrextos que Casro Leu 129 a0 que ele oferece de particular. Nao se trata, simplesmente, de transpor tex- tos do hipertexto impresso para o digital, sem qualquer ajuste. £ essa aplica- Gio forgada e impensada do material de leitura que causa prejutzo ao leitor. Embora se defenda a hibridez do suporte e do produto texto que se publica e 18, é preciso reconfigurar o velho para torné-lo adequado & leitura em novo suporte, conforme novas priticas de leitura ‘A leitura de livros encontrou um ponto eficiente ¢ confortével da evolu- g20 do suporte: o tamanho, o material ea tipologia parecem bastante estiveis, ‘hd muito tempo. Jornais ¢ revistas encontraram seus formatos em estégios mais recentes da histéria da leitura nesses suportes. Navegar no hipertexto impresso é sensivelmente diferente de navegat no digital no que diz respeito & relagao entre corpo e objeto. As informagoes esto dispostas de maneira dife- rente e a velocidade de acesso & matéria € muito maior, mas obedecendo as configuragbes mfnimas especificas de cada meio, garante-se 0 conforto ¢ a familiaridade ao leitor/usuétio. B a partir da teconfiguracio de velhos objetos ¢ de processos conhecidos, chega-se & reformulagdo de velhos géneros textuais (da carta a0 e-mail, por exemplo) e & necessidade de formacio de géneros que emergem (conversas, dletrénicas em chats ou didrios em blogs, por exemplo). Tudo isso formula- do, a0 longo dos usos, pelo leitor, seja ele Jesus ou umn reles mortal. Consideragées Finis A partir da perspectiva histérica, que mostra que 05 modos de ler se re- configuram & medida que surgem novos dispositivos e suportes de texto, pre- sume-se que o leitorfamiliarizado com géneros lidos em forma de hipertexto impresso nao devem ter grandes dificuldades para ler hipertextos digitais (jor- nais e revistas digitais, por exemplo). Navegar em hipertextos torna-se o cen- tro de gravidade do problema de ler lidar com suportes, sejam eles novos ou velhos. O leitor que se inicia na leitura de jornais ¢ revistas impressos, treinando sua lide com esse tipo de hipertexto, seja na escola ou fora dela, deverd sentir alguma familiaridade com a navegagao em meio digital, demonstrando, com ‘© tempo, certa ampliagio de suas possibilidades como leitor, atuando em qualquer suporte ou meio ¢ ampliando seu letramento. Levar o leitor do impresso ao digital nao tern, aqui, caréter de evolusio, no sentido de melhora ou ‘selegdo natural, mas, sim, da abertura de um leque de alternativas de leitura ¢ escrita que a contemporaneidade oferece. Assim 130 Inteeagho na Inreaner: Novas FoRMAas oF Usa a LINGUAGEM ‘como os usos sociais nos fizeram aprender a ler ea produzir cartas e placas de ‘vende-se, também pela exposico a0 uso alguém se torna um leitor ¢ escritor de Internet. 3 leitores/usuérios, de maneira gradual e inconsciente, se conformam & pritica de ler em novo suporte, aprendem os novos us0s € as novas possbili dades, quase sem se dar conta. No entanto, trazem uma bagagem importante como leitores de hipertextos impressos, bagagem essa que os auxilia na dedu- ao de certas formas de agir, além de torné-los menos indispostos com a nova tecnologia, jd que sentem nela qualquer coisa de familiar. Assim € que o letramento se amplia, numa reticula de possibilidades mais ou menos engendradas umas nas outras, os usos sociais dos suportes ¢ a leitu- +a dos textos ganha novos contornos eo leitor de certos géneros de texto ou de certos suportes pode caminhar incessantemente, enquanto novos modos ¢ ‘meios de ler forem sendo inventados e reinventados. E mesmo Jesus Cristo, apesar de nao ter tido biblioteca, teria sido eximio leitor de hipertextos, principalmente se tivesse conhecido a Internet. Estratégias de Leitura para a Compreensdo de Hipertextos’ Recina CLAUDIA PINHEIRO ConsideragGes Iniciais A insercio das Novas Tecnologias de Informasao e Comunicagio (NTIC) nas sociedades modernas tem acarretado muitas transformagoes nos seus di- ‘versos setores. Novas formas de pensar, de comunicar, de acessar informagdes e de perceber o conhecimento estio se impondo, Essas tecnologias possibilita- ram a criagio da Internet, trazendo, para 0 homem modemo, transforma- bes no seu modo de vida, inclusive nas formas de ler e escrever os sisternas alfabéticos. Nesse novo contexto, emergiu uma nova forma de enunciagdo discursiva, o hipertexto, propiciando, ao usuario da Internet, novas manei ras de processar a leitura. Nao se trata de um género, mas de um modo enun- ciativo que pode abranger intimeros géneros, como as home pages institucio- nais ou pessoais, 08 contos escritos eletronicamente, os chats e e-mail, que surgiram pela utilizacio desse novo suporte, a tela do computador! ‘Neste capitulo, apresentaremos algumas reflexdes acerca das estratégias utilizadas pelos leitores para compreensio do hipertexto, sob 0 ponto de vista da Psicolingtistica. Inicialmente, apresentaremos concepsdes de leitura, sob a perspectiva da Psicolinglstica. Apés essa explanacao, discorreremos sobre a concepsdo de hipertexto que adotamos e mostramos algumas consi- deragbes sobre suas caracteristicas ¢ as implicagbes para o processamento de sua leitura. Em seguida, faremos consideragoes sobre as estratégias de leitura para compreensio de hipertextos e, finalmente, apresentaremos as implica- goes didatico-pedagogicas que esse novo modo de enunciaglo traz para 0 ensino de leitura * Asconsideragaesapresentadas aqui advém dos resultados de uma pesquisa (PINHEIRO, 2005) {ita por ocasito do Mestrado em Linghistica na Universidade Federal o Cears (UFC). qual contou com a orientagio da Profs. Drs. Rosimeire Monteiro, a quem agradego pelo zlo € cuidado com o meu trabalho. "A questio do suporte dos géneroe digits éainda polémica, Alguns autores consideram que Internet 0 suporte desesgéneros.

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