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ENTREVISTA/DEBATE Edmond Gilliéron Psicanalise e psicoterapia: breve? dmond Gilliéron, psicanalista, dirige a Policl- nica de Lausanne, Suica, uma instituigéio am- bulatorial ligada a Faculdade de Medicina, destinada ao atendimento em saiide mental ¢ 4 pesquisa. Tem desenvoluido um longo trabalho sobre . © tema das psicoterapias breves, e tem dirigido sua atencdo ao estudo do fiuncionamento pstquico em con- textos diversas daquele do enquadramento classico da psicanditse. A partir deste enfoque, propoe a retomada de alguns temas: 0 problema da mudanca psigquica, a questao diagnéstica, as indicagoes de wratamento e... as relagées Pereurso n®11- 2/1993 ENTREVISTA/DEBATE oportunidade de tomar contato com as suas idéias em junbo de 1903, quando esieve no Departa- mento de Psicandlise, e pudemos observar a controvertida acolhida de sua maneira de pensar. Trata-se de umn “desvio’, deturpaciio ou sim- Dlificacao da “coisa” psicanalitica - uma brevidade que pode redundar em ligeireza - ou trata-se de uma ‘maneira prépria e criativa de reco- locar alguns problemas que concer- nem a muitos de nés, a partir de um Gngulo diferente e ancorado em uma prdtica clinica institucional? A publicacaio desta entrevisia pre- tende ser um estimulo ao debate. Percurso: Gostariamos de sa- ber como © senhor chegou a con- ceber 0 seu método de trabalho, «que utiliza na Policlinica de Lausan- ne. Que tipo de questdes e que tipo de dificuldades foram encontradas? Gilliéron: Na verdade, creio que tudo surgiu a partir de uma questo de formacio. Desde o inf- cio, fiz minha formag3o num meio psicanalitico. Fiz uma andlise pes- soal muito cedo, e antes mesmo de terminar meus estuclos de medicina, fui levado a assumir responsabilida- des numa clinica. Portanto houve algo que exerceu alguma pressio sobre mim, para que eu me formas- se muito rapidamente; e isto basica- ‘mente no dominio psicanalitico, no inicio. Quando comecei a pés-gra- duagio, jé estava em anilise, ¢ fui confrontado com as idéias trazidas por um dos meus colegas que vol- tava dos Estados Unidos, onde tinha trabalhado em diferentes centros de terapia familiar. Ele trabalhou com Lyman Winn, com Don Jackson, € fez estigio no “American Institute”. ponto de vista sistémico me inte- ressou muito naquele momento. ‘Apesar de minha formagio psicana- Iica, fiz, pesquisas sobre 0 funciona- mento de familias, apreendendo-o a ‘partir da teoria da comunicagio e da Teoria da mudanga no plano sistémi- co. Compardvamos, entio, 0 funcio- namento de familias psic6ticas, neu- réticas, depressivas € outras, € publicamos um livro sobre este as- sunto, Em seguida, quando prosse- guia minha formaco em psiquiatria ambulatorial, reencontreime num meio muito psicanalitico, mas com esta formagio sistémica. Fu era um jovem entre pessoas bem mais ve- Ihas, melhor formadas tcoricamen- te, € deime conta de que minha formagao sistémica oferecia-me enormes vantagens - por exemplo, no que diz respeito a diagnésticos. Bu conseguia estabelecer diagnésti- cos com mais precisio e rapide7, 6 tive a surpresa de verificar que 0 simples fato de fixar um término produzia um efeito dinamizador. ss baseado na compreensiio do fun- cionamento de familias psicsticas, nilo-psiccticas etc. Este era um dos aspectos que me espantavam. Mes- ‘mo sendo psicanalista, minha for- ‘macio sist@mica favorecia-me com possibilidades diagnGsticas e psico- dinamicas suplementares. Percurso: © que o senhor cha- ma de “formacio sistémica"? Gilliéron: Em terapia familar, estuda-se as familias em seu conjun- to, isto €, os sistemas de interaco que se produzem nas familias de um paciente neurético, esquizofré- 6 nico, depressivo, ou de algum ou- trotipo. Cheguei a estwdar dezenas de familias, fazendo uma anil das comunicagées, mas no plano da realidade; dentro desta perspectiva, no é dada énfase aos fantasmas subjacentes. Percurso: O senhor se refere & Escola de Palo Alto? Gilliéron: Sim, mas também & Escola de Ackerman e a0 Grupo de Filadélfia, Outros colegas e eu estu- damos diferentes contribuigoes, mas omodelo que seguiamos era predo- minantemente © de Palo Alto. O segundo ponto & 0 da questo das técnicas psicoteripicas. Havia mui- to interesse, na Policlinica, em ten- tar saber 0 que era uma terapia de apoio e o que era uma psicoterapia psicanalitica. Como trabalhvamos muito com semindrios, com grupos, como supervisiondvamos 0 traba- Tho uns dos outros, percebi que alguns terapeutas tinham a impres- so de fazer alguma coisa que no era provavelmente aquilo que f- iam. A minha questio era: 0 que caracteriza uma interpretaglo psica- nalitica? O terceiro ponto, que € 0 onto de partida de minhas pesqui- sas sobre a psicoterapia breve, foram. 1rés incidentes. Resumnidamente: de- pois de comegar meu tabalho na Policlinica, tive és pacientes, um ‘em seguida do outro, que precisa- ram - por razées ifidependentes de sua vontade - terminar a psicotera- pia antes do previsto, e entio deci- dimos fixar um témino. Decidimos isto, € se por acaso fosse necessirio prosseguir o tratamento, 0 paciente trataria de continui-lo onde pudes- se. Eu tive a surpresa de observar que o simples fato de fixarmos um término produziu, nos ts casos, um efeito considerével, um efeito dinamizador. Nos trés casos, fiquei com a impressio de que tinhamos conclude o trabalho. E, efetivamen- te, nos trés casos, mais de um ano depois fomos informados de que tudo estava bem; nao houve recaida €4s pessoas estavam contentes. Foi uma experiéncia que me marcou. Percurso: Quando se pode considerar que uma psicoterapia cst terminada? Gilliéron: Nestes casos, o final do processo relacionava-se & possi bilidade de resolugio de um futo, & observagio de que os pacientes estavam manifestamente mais ma- dros do que no comeso, € de que seus sintomas desapareceram. Um deles tinha um sintoma de impoter cia bem claro; outro vivia uma gran- de inibigio nos estudos, um blo- queio realmente macigo, € isto também foi resolvido. B este pacien- te era claramente um caso borderli- ne, no sentido de Kemberg. Nesta €poca, sendo eu ainda um jovem assistente, pediram-me para fazer ‘uma conferéncia. Nela, falei desses trés casos e dos problemas do final do tratamento. Redigindo a confe- réncia, lembrei que tinha ido a Lon- dres, dois anos antes, com um dos meus colegas. 4 visitei a clinica de ‘Tavistock, onde me falaram dos tra- balhos de Malan sobre psicoterapia breve. Foi em fungio destes casos que de repente os trabalhos de Ma- Jan voltaram-me a lembranca. Pou- co depois desta conferéncia, al- guns colegas peditam-me para onganizar um semindio sobre te- rapias breves. Af comecamos a re- tomar trabalhos como o de Malan. Aos poucos, fui percebendo que, combinando a abordagem sistémi- ca e a abordagem psicanalitica, podia-se fazer um trabalho extre- mamente eficaz, rapido interes- sante, porém modificando um potco as concepgées habituais de organizago do tratamento. ‘A policlinica de Lausanne Percurso: © senhor pode nos contar um pouco como € 0 fancio- namento da Policlinica? Gilliéron: ‘Todo o servigo fun- ciona segundo um modelo que aplica as teorias que temos desenvolvido, © “modelo da psicoterapia breve’, se assim podemos chamé-lo. Isso nto ‘quer dizer que s6 facamos psicote- rapias breves; fazemos também muita psicoterapias analiticas de longa duragio, ¢ os colegas mais velhos fazem também. psicandlise. Somos uma instituigo que atende apenas pacientes ambulatoriais, uma oufpatient clinic; trata-se de tum servigo piblico, e neste sentido mo ha como recusar pacientes. Re- cebemos toda espécie de psicopato- Jogias, de pequenas perturbagdes or ghnicas até psicoses esquizofrénicas ~ casos pouco freqientes - incluindo ©@ A investigacio inicial, em quatro sess6es, € um estudo da crise que motivou a consulta a Clinica. 69 perturbagdes mais leves, tais como reagtes neur6ticas (neurases reati- vvas). Os esquizofiénicos, no con- junto da populacio, representam menos de 10% de nassos pacientes. As perturbagdes. depressivas esto entre 3 a 4% Ao contritio, temos perturibaodes somatoformes que re- presentam de 10 a 12%; as pertur- bagdes neuréticas, compreendendo 8 borderline, representam 30%, e constituem 0 que os norte-ameri- canos chamam de “problemas de adaptagio". Predominam, entio, os quadros neur6ticos, as pertur” 0 bagées teativas e as somatoformes, psicossomiticas em sentido amplo. Se considerarmos a maneira pela qual as pessoas. vém A consulta, perceberemos que, grosso. modo, 10 a 15% sitio. encaminhadas por dlinicos gerais, 3 a 4% vém do hos- pital psiquidtrico para um pésrata- mento, € mais de 60% dos pacientes nos consultam espontaneamente, por terem conversaco com um cole- ga, um amigo, ou algum conhecido. “Temos um sistema de consultas mis- to, isto &, a8 vezes em aberto, outras vezes com hora marcada; 6 possivel também que o paciente chegue em uma situagio de emergéncia. Ha também um servigo de prevengio para a cidade, prevencio psiquitri- ca, que pode, de tempos em tem- pos, ser chamado a domicilio, € posteriormente continuar com con- sultas na Polictinica. Quando © pa- ciente chega 4 consulta, serd aten- dido por um responsavel que tentard fazer uma idéia répida de qual tipo de paciente se trata, € 0 encaminhard a alguém que o toma- rd.a seu cargo. A investigacio se far segundo 0 modelo das quatro ses- s6¢3 que jé explicitei nos meus tra- balhos: 0 médico - e na Polictinica todos 0s terapeutas sito médicos - deve estudar ¢ fazer uma idéia das mativagdes da vinda do paciente, e deve rapidamente fazer uma hips- tese psicodinimica relacionada a ela, A técnica das 4 sess6es basei se, entio, na utilizagio da dinimica que conduziu o paciente & consulta, Portanto, é um estudo da crise. ppaciente confrontado com graves di- ficuldades relacionais vai procurar, jnconscientemente, um substituto no psicoterapeuta - este € 0 movimento pré-transferencial. Mas, evidente- mente, um terapeuta niio pode subs- titir um personagem da histéria de vida do paciente, pois 0 terapeuta esti IA para tratar e no para subs- tinuir, As interpretagdes serio funda- das sobre este ponto, ¢ € assim que podemos ajudar verdadeiramente tum paciente, uma yez que lhe da- ‘mos a possibilidade de renunciar a ENTREVISTA/DEBATE essa compensaglo. Trata-se de re- nunciar a encontrar no terapeuta ‘um personage da hist6ria de vida, ¢ procurar uma outra soluglo. Para isso, 0 melo que se usa € interpre- taglo inictal, que justamente visa desvincular 0 terapeuta da deman- a do paciente e que tem a fungio de dar sentido a tal demanda in- consciente. Assim, o desejo serd re- conhecido verbalmente, mas no terd uma resposta pelo ato. Sempre, portanto, aceita-se a atitude do pa- lente, mas se dé um sentido a ela. Essas so as bases da interpretaclo inicial Percurso: E por que quatro sessies? Gilliéron: Uso a primeira en- trevista para entender aquilo que esta acontecendo e, se possivel, para construir a primeira hipdtese € formutar 20 paciente, ao fim desta sesslo, uma primeira interpretago. Mas € possivel que esta primeira interpretagio no ocorra ao final da primeira sesso. Neste caso seri preciso um trabalho de elaboracio, or parte do terapeuta, e que sera efetuado apés a sesso, a fim de poder formular a interpretacao na segunda sesso. E af, neste momen- to, € preciso que o paciente possa ter a oportunidade de reagir de dizer 0 que cle pensa a respeito. Para tanto € que existe 0 tempo de elaboraglo, 0 que nos leva a uma terceira sesso. Ou seja, a segunda a terceira sessbes sio elaborativas. Ja quarta sesso € a da tomada de decis6es - isto é, ver-se-4 juntamen- te com o paciente se 0 processo pode parar por af ou se € necessirio seguir com um tratamento de mais longa duragao. © tempo entre as sessdes € de uma semana até um, més - depende da estrutura da per- sonalidade, Interrogamo-nos sobre 8 sinais possivelmente objetivaveis de mudanga psiquica: no quer di- zer que perguntemos diretamente a0 paciente, mas ouvimos o que ele traz na sesso. Os sinais objetivaveis esto presentes quando se petcebe que 0 paciente reconhece sua difi- culdade, associa sobre seu passa- do e demonstra que modificou algo em suas relagdes. A interpre- taco inicial tem freqlentemente tum efeito terapéutico imediato, permite uma mudanga inicial mui- to importante, que possibilita a um tergo dos pacientes pararem aps um tempo de elaboragio de trés a quatro sessdes. Chamamos esta proposta de recepgio dos pacien- tes de “intervencao terapéutica breve’, e ela est relacionada com as elaboragbes conceituais que te- 06 0s principios fundamentais da terapia breve soa limitacao temporal e a focalizagao: ater-se a um problema central. @@ nho desenvolvido em termos das conseqiléncias da variagao do set- ting no funcionamento psiquico € suas relagdes com a “mudanga psi- quica”. Isso funciona, € uma técnica adlotacdla em muitos centros da Suica francesa, assim como em alguns centros da Holanda e da Bélgica (Bruxelas). Parece que responde a uma necessidade de muitos servi- Percurso: © senhor poderia explicitar como é, hoje, 0 modelo de psicoterapia breve com o qual trabalha? 0 Gilliéron: As psicoterapias bre ves tém uma relacio com a psican- lise na medida em que a nogio de brevidacle refere-se sempre, por con- taste, 2 duracio da andlise. Mas hd um principio fundamental, além da limitagio temporal, acrescido 2s psi- cotetapias breves que € 0 da focali- zaclo; trata-se de uma maneira de escolher um problema psicolégico central e ater-se apenas a ele. Isto simplifica 0 tratamento € permite abtevié-lo. Normlmente, a psicote- rapia breve aplica-se a formas espe- ificas de psicopatologia. Vooés sa- bem que a técnica de Sifneos, por exemplo, dirige-se apenas a confli- tos edipianos; Malan, por sua vez, trata s6 dos casos em que é possivel se definit um conflito; Davanloo tem uma técnica dirigida a estrutu- ras da personalidad especialmente rigidas. A técnica que eu proponho esti muito préxima da psicandlise dlssica. Isto é, o paciente faz asso- ciagGes livres, tal como na psicand- lise, € escolhe-se como foco 2s mo- tivagSes que o rouxeram 3 consulta 0 que implica em dizer que 0 foco €escolhido inconscientemente pelo proprio paciente. A primeira tarefa € determinar a influéncia de um dado contexto relacional sobre a crise que mobiliza 0 paciente a bus- car tratamento, e a segunda € de larificar 2 maneira pela qual as ‘mudangas psiquicas podem ocorrer em uma relaclo psicoterapéutica, € isto que diz respeito & questo da interpretago. Os principios de base da psicoterapia breve que eu pro- pomho so, ento: a limitagio da durago que varia de trés meses a lum ano; a disposigio face-a-face; a posi¢io de neutralidade e abstinén- ia do terapeuta; a regra da associa- fo livre para o paciente; ea andlise das resisténcias e dos contetidos das associages, levando-se em consi- deracao as interacdes paciente/tera- ‘peuta. Estamos, neste ultimo ponto, dentro daquilo que chamei de *se- ‘gunda tarefa". Sublinho que no se trata da busca de um sentido ineren- te a0 que o paciente diz, mas trata- se, justamente, de observar a in- flu€ncia que © paciente procura exercer sobre o terapeuta. Para tan- to, convém ao terapeuta manter-se atento aos vinculos associativos que ligam uma sessio 2 outra; estes vinculos sao estabelecidos de acor- do com a elaboragiio que se proces- sa daquilo que acontece durante as sessdes. Percebam que eu coloco 0 acento na atividade do paciente nao na do psicoterapeuta, diferen- temente de outros modelos de psi- coterapia breve. E o enquadre que delimita as fronteiras da psicotera- pia, e € entao em relacto a ele que considero o problema das indica- Ges. Vefam, nao se pode propor um limite de tempo a um paciente que nao encontrar proveito nisso. As indicagOes de psicoterapia breve sfo fundadas, portanto, nas organi- zagbes de personalidade do sujeito. Considero este tipo de tratamento contra-indicado, por exemplo, para pacientes pré-psicéticas € obsessi- os: © pré-psicético no entende a limitacdo temporal, € se eu oferego a ele alguma coisa que ele nao entende, estarei prejudicando-o; fi no caso do obsessivo, observamos como este tipo de paciente utiliza regularmente o limite de tempo como uma resisténci ‘Mas para mim as psicoterapias breves niio sto apenas um trata- ‘mento propriamente dito. Com isso quero dizer que, além de seu as- ecto terapéutico, elas oferecem a possibilidadle de refletir sobre o fun- cionamento psfquico; neste sentido, eu as considero como um método experimental que pode ser compa- rado & psicandlise ou a outras for- ‘mas de tratamento, Meu trabalho € ‘muito mais sobre o funcionamento psiquico e sobre as técnicas de mu- danga psiquica do que sobre tera- pias breves em si mesmas. Mas € verdade que, com o ponto de vista que desenvolvi, boa parte dos trata- mentos que fazemos sio de curta draco, embora nfo sejam neces- sariamente psicoterapias breves. Procuramos sempre encontrar solu- ges part problemas, problemas que sio as vezes diffceis. O que faz ‘com que @s pessoas me considerem um especialista em psicoterapia breve € que meus primeiros traba- Thos foram publicados nesta ‘rea; depois, nao é mais possivel se des- fazer de um rétulo, Percurso: Gostarfamos de ter uma idéia de como funciona o ser- vigo pablico no seu pats... Gilli€ron: Trata-se, no caso da Policlinica, de um servigo universi- tério; na Suica as universidades per- © A tcrapia breve € contra-indicada para pré-psicdticos para obsessivos, por exemplo. @@ tencem a0 Estado, ¢ os assalariados recebem pelo Estado. O servigo de- pende da Satide Publica e do De- partamento do Interior. Os pacien- tes pagam pelo atendimento, j4 que quase todos tém um seguro-satide, mas este pagamento - feito em nome do terapeuta a clinica - € encaminhado ao Estado. Portanto € como se pagassem a0 médico, mas nao diretamente. A sessio é aga por quarto de hora, 100 déla- res a hora, em termos gerais; nés contamos em “tempo psiquiaitrico” HA consultas que podem demorar a menos de 15 minutos, para certos pacientes que estio sob controle ‘medicamentoso: nestes casos, co- bramos um quarto de hora. Uma sessio de anflise dura 45, 50 minu- tos: contamos uma hora. Portanto, a sesso custa 100 délares. Percurso: Quem paga.a quem? Gilliéron: Nés nos demos conta dos inconvenientes no caso do segu- +0 pagar diretamente; assim, 0 seguro reembolsa © paciente, e € o paciente quem paga a0 médico. Mas isto co- loca também uma série de proble- mas, porque, por exemplo, se um taxicémano recebe 0 dinheiro do seguro, ele imediatamente sente-se impelido a comprar drogas, ¢ ni a agar o seu médico... Percurso: O senhor referiu-se anteriormente 20 fato de que 60% los pacientes vem espontaneamen- te; como o senhor compreende esta situagao? Pode-se dizer que se trata de um fenémeno cultural? Gilliéron: E em parte cultural © esté ligado a0 trabalho em pro- fundidade que foi feito com a po- pulacio. Ha um trabalho enorme feito, por exemplo, com os clinicos getais, com os juizes, e com a po- pulacio em geral; trabalhou-se mui- to neste sentido. Isso contribuiu para que a psiquiatria tivesse podi- do penetrar nos costumes. Toda vez que organizo uma jornada de estu- dos, por exemplo, para clinicos ge- tais, posso estar certo de que com- parecerio um tergo dos médicos da tegito. F impressionante, eles vém ‘com prazer. Percurso: © senhor acha que, ‘neste momento, tanto a crise quanto (© desemprego tém a ver com o fito de as pessoas estarem mais angustia- hs e procurarem ajuda? Gilliéron: Em parte, sim. Mas © problema € que, apesar do de- semprego, h& poucos operirios de- sempregados que nos procuram. Freqiientemente, é a mulher do de- sempregado que vem; ou podem ser os pattOes © 05 funcionaios de esctit6tio: estes suportam menos 0 desemprego. Os desempregados © ENTREVISTAYDEBATE aceitam melhor, ou talvez tenham vergonha, no sei; em todo caso, no nos consultam. Riscos de dogmatizagio eo estudo do setting Percurso: Gostarfamos de por em questio as relacdes entre psica- nlise e psicoterapia breve: 0 que psicandlise tem a aprender com 0 modelo da terapia breve? Existe uma certa resisténcia de alguns psi- canalistas em aceitar este modelo? Gilliéron: Tomemos a questio daa resistencia de certos psicanalistas, as psicoterapias breves. Isto esti articulado diretamente 2s questes do setting, e exprime-se por argu- mentos que sio presumidamente tomados de Freud. Mas Freud no disse que no ha tempo no incons- ciente; ele disse que os processos inconscientes sfio atemporais - eis uum dos argumentos comumente uti- lizados. Outro argumento é: como seria possivel prever o resultado da psicoterapia analitica, prever o final, ou 0 final de uma andlise? Mas no fundo todos esses arguments nao se fundamentam sobre 2 experiencia Fundamentam-se, principalmente, ‘em referéncias a livros, a um perso- nagem. Este tipo de argumento mos- tra que as pessoas tendem a fechar 0 olhas para a realidade, no que- rem experimentar coisas, preferem referirse a uma ideologia. Entio, para essas pessoas, a psicanilise nfo € uma pritica’ terapéutica: € simplesmente um ritual ligado a uma ideologia, que elas se propdem a defender. Eu desconfio muito des- ses psicanalistas e de sua eficiéncia rno trabalho com os pacientes, por- que cles fazem simplesmente algu- mas coisas referidas a um modelo que Freud jamais defendeu, j4 que © proprio Freud modificava cons- tantemente suas concepgdes tedri- cas em funcao das necessidades da clinica. Tenho a impresstio de que, ap6s a morte de Freud, para alguns, tudo se cristalizou, ¢ que 36 nos testa fazer a teoria dentro de um corpo muito restrito de pensamen- 10; 6 isso que faz. com que a teoria psicanalitica ande em circulos, pois cla se desligou da clinica Percurso: Para muitos psica- nalistas, entdo, a psicandlise e Freud Gilliéron: Mais do que uma religiio, sio uma ideologia - como © marxismo era uma ideologia, € vvimos no que deu; a prova de que se trata de uma ideologia é que as idéias permanecem imunes & expe- 6 Para alguns, apés a morte de Freud tudo se cristalizou: a psicandlise transformou-se num ritual e numa ideologia. e9 rigncia ¢ & realidade. Num dado momento, querer confundir a idéia com a realidade acaba levando a uma destruicao da propria filosofia. E ai, me sinto muito inquieto, por- que, quando estamos muito preocu- pados com uma idéia - como man- ter © corpo psicanalitico na sua pureza - no nos preocupamos com 6s pacientes. E por isso que, brin- cando, eu disse que seria necessitio fazer também um centro de psico- terapia breve para as vitimas dos psicanalistas, como o fazemos para as vitimas da violéncia. A teoria n pode nos impedir de estar atentos Aquilo que se passa com os préprio pacientes, este € o perigo. Voltemos & questio do setting Este tem sido analmente objeto de reflexdio nos meios psicanaliticos; centre os autores de lingua francesa, podemos lembrar de André Green ¢ Jean-Luc Donnet, por exemplo. A psicanilise criou um enquadramen- to que inverte 0 raciocinio médico habitual. Este consiste numa manei- ta de observar as coisas do exterior € de vé-las de modo concreto; ob- servamos um fenémeno para perce- ber os resultados de sua ago, ¢ tiramos concluses. Esse € 0 ponto de vista cientifico habitual. Num determinado momento, Freud teve um movimento genial, isto 6, cle inverteu as coisas, e colocou a sub- jetivicade em primeiro plano. Colo- cando 0 sujeito no primeiro plano, «8 objetos para ele se tornaram con- tingentes. Fazendo isso, ele se apoiou sobre um enquadramento que tinha definido € no mais mo- dificado - 0 setting analitico - que deixa todo 0 espaco para o surgi- mento da subjetividade. Freud construiu em seguida um modelo de compreensio dos fendmenos psiquicos baseaco em suas obser- vagtes neste enquadramento. Evi- dentemente, toda modificagio, em qualquer aspecto do enquadramen- to, $6 poderia modificar a teoria. A condigio basica do setting analitico a neutralidade do psicanalista, ea auséncia do psicanalista do campo visual do paciente. A partir dai, Freud observou certas coisas e pro- curou criar um modelo que as ex- plicasse, que foi o modelo do in- consciente - o primeira modelo. Se observarmos a evolugo de seu ensamento, no plano técnico, ve- remos que ele sempre tentou com- preender (no interior daquele con- Texto) © que se passava. Sempre procurou vencer os obsticulos, di- zendo: se as coisas no se passam efetivamente como eu previ, € por- que a teoria que desenvolvi nao é efetivamente verdadeira, portanto preciso moifici-la. Este ponto de vista tem um valor. O fato de que Freud tenha proposto este enqua- Gramento permite-nos dizer: ‘nesse contexto, eis 0 que acontece, € eis ‘como eu posso explicar as coisas”. Mas 0 enr0 esti em nao se dar conta de que aquilo que se observa, ea teoria que se desenvolveu, € uma teoria valida para o interior de um dado contexto. Eu nfo reprovo as pessoas que imaginavam que 0 sol girava em tomo da Terra. £ uma teoria que estava fundamentada so- bre um modo de ver as coisas; no é mais verdadeiro dizer que a Terra gira em toro do sol, depende do ponto de vista em que nos coloca- mos. Algo mais eu ainda poderia aerescentar a respeito do uso do setting -€ aqui refiro-me Aquilo que pude verificar a partir do ponto de vista com 0 qual tenho trabalhado, ou seja, a partir dos diversos con- textos que podemos obter por va- siagdes do enquadramento. Se con- siderarmos 0 diagnéstico feito nas quatro sessbes iniciais e se refletir- ‘mos sobre a questio do enquadtre, ‘observamos que a tendéncia 4 repe- tigio que empurra o paciente na direcao de buscar um substitato no terapeuta pode ser considerada ‘como um ataque contra as caracteris- ticas psicoterapéuticas do enquadre a consulta. E como se 6 paciente dlissesse, inconscientemente: “eu niio preciso de um terapeuta, mas de um amigo ou inimigo". E ha pacientes que chegam a verbalizar isso. Tal movimento, sendo admitido, leva- nos a compreender que a demanda inicial inconsciente do paciente - que comporta um ataque contra 0 enquadre terapéutica - esti direta- mente vinculada & crise que ele esti vivenciando, ¢ que ela refletira cer- tos aspectos da organizacio da per- sonalidade do paciente. Assim, uma observaio muito atenta das. pri- meiras interagbes terapeuta/pacien- te nos permitiré deduzir, primeira- mente, 2 crise que vive 0 paciente ¢, em segundo lugar, a organizaca0 de sua personalidade. A técnica que eu proponho baseia-se numa me- Thor compreensio daquilo que eu cchamo dos efeitos do setting. Assim que, modificando as condigbes nas quais 0 paciente é atendido, ele irs se comportar diferentemente. Percurso: Nesses dois dias vemos 2 oportunidade de ouvi-lo, assim como de ler seu livro,' etalvez possamos concluir que a terapia breve é uma modalidade de psico- terapia psicanalitica. Isto é, o senhor utiliza muitos conceitos psicanalit- 0s, utiliza as técnicas psicanaliticas, 6 4 observacio atenta das primeiras interagdes paciente/terapeuta permite deduzir a crise ea organizacao da sua personalidade. @@ ‘mas 20 mesmo tempo muda alguma coisa; mudando, jé nao € mais psi- candlise? Gilliéron: £ uma questio de definicao. Estou de acordo que niio € uma psicandlise no sentido habi- tual, mas € preciso que saibamos o que chamamos de psicandlise. A psicandlise é muitas coisas: 6 uma técnica, € uma teoria do funciona- mento psiquico, € um sistema con- ceitual. © que eu proponho? Propo- no que ha coisas que vemos no contexto clissico da psicanélise, mas ha também 0 que no vemos. B (© que representa pensar em termos psicanaliticos, em um novo contex- to? Descle o momento em que digo a um paciente: "isso nfo me cliz respeito” - e aqui est4 implicita a nogio de transferéncia - eu procuro encontrar uma teoria que explique ‘© que esta acontecendo, Para mim, © pensamento psicanalitico mantém todo seu valor também no exterior do setting clissico; nfo é alguma coisa fechada sobre si mesma, mas tem valor para explicar certos fend- ‘menos. Pereurso: No seu livro, hé um exemplo de terapia breve no qual o senhor conta de um paciente que entra e diz a seu terapeuta: "0 se- nhor esti bronzeado” e que a mes- ma situacao poderia também acon- tecer numa andlise; 0 paciente entra, vé seu analista dois segundos, deita-se © dizthe: “o senhor esti bronzeado”, ou “hoje o senhor esta com boa aparéncia” ou qualquer coisa parecida. O senhor considera que ha uma diferenca entre estas das afirmagées nos dois contextos; penso que € a mesma coisa em termos do funcionamento psiquico do paciente Gilliéron: Talvez seja a mesma coisa, mas o contexto no qual ele se exprime € diferente. Percurso: Qual a diferenca? Gilliéron: Num contexto, quando o paciente se aproxima do diva, deita-se e diz. ao psicanalista: *o senhor est bronzeado” ou “o senhor esti com boa aparéncia hoje”, ele se refere a lembranca fugaz daquilo que viu. E a isto que se refere; cle no ve seu analista neste momento. © que ocorre & automitico: ele experimenta a ne- cessidade de dlzé-lo, mas trata-se de ‘uma imagem j4 interna, que ele guardou no interior de seu espitito. © paciente est intrigado por esta situagSo, por esta imagem; temos imediatamente um elemento trans- ferencial muito nitido. A nitidez do movimento transferencial se perde um pouco na situagio face-a-face, 4 que mais freqlentemente hi a ENTREVISTAYDEBATE iusto de que aquilo que o paciente fala corresponde 2 realidade pre- sente; ele efetivamente vé o rosto do terapeuta! O trabalho com a transferéncia e a anilise da contra- ansferéncia tornam-se mais ifi- ceis, porque hé uma tendéncia ‘maior em confundir-se realidade fantasia. Costumo dizer, de uma maneira um tanto esquematica, que a psicanilise se d4 no tempo passado - como uma narragio - enquanto que a psicoterapia Face- aface se di no tempo presente, em um nivel mais dramético. O paciente que diz uma frase dessas ao analista, estando sobre o diva, © fara freqiientemente apés um breve siléncio, e depois ele vai comentar, automaticamente, 0 que aquilo Ihe provocau Percurso: Nem sempre. Gilliéron: Ele pode nao o fazer porque ha resisténcia... Mas ele no vé 0 analista. O simples fato de ele estar sobte o diva € de o dizer a0 analista mostra que ha uma espécie de discordincia entre o que se es pera que ele diga e o que ele efeti- vamente diz. Espera-se que ele fale da sua vida interior, mas ele se dirige ao analista como se 0 estives- se vendo. Percurso: Fspera-se que 0 pa- ciente fale da sua vida interior ou que simplesmente diga 0 que Ihe vem 2 cabega? Gilliéron: Estou de acordo. Espera-se que ele diga o que lhe passa pela cabeca, mas no que ele se dirija diretamente ao analista. Isto €, que ele provoque o analista com uma observacto que exige uma res- posta, S40 momentos eniciais, acon- tecem sempre nas andlise, € no estio compreendidos na regra de associagiio livre. A associacao livre seria “eu tenho o sentimento de que © senhor esti bronzeado”, ou “eu o vibronzeado”, ou “eu penso isso do fato de 0 senhor estar bronzeado”, € mio um ataque direto contra a pessoa, porque 20 analista cabe simplesmente escutar. Vocés com- preendem, € uma dindmica um pouco diferente. No face-a-face, se © paciente diz: “o senhor esti bron- zeado”, temos a impressio de que ele se dirige diretamente A pessoa do analista, e que esté no direito de fazt-lo, pois a pessoa esti li. normal que nos dirjjamos 20 outro na situagao face-aface. £ menos normal, sobretudo com um comen- titio daqueles, que o facamos sobre 0 diva. E no serio absolutamente (5 mesmos pacientes que fardo as mesmas observagdes. O paciente neurético, em um clima de confian- 6 A psicanilise, eo setting psicanalitico, contém o germe da interminabilidade do processo, € nisso sio iatrogénicos. se ca, poderé facilmente fazer esta ob- servago no face-a-face. Um pacien- te neursético, como 0 entendo, quer dizer, com uma estrutura muito evo- Iuida de fancionamento psiquico, niio comegara do mesmo jeito no diva, isto € tomaré algumas precau- Ges, eno comentard tao facilmen- te as coisas. Ao contrario, um bor- derline atacar4 diretamente. Percurso: O senhor acha que o setting, o enquadramento psica- nalitico, poderia ter um efeito iatro- nico em si mesmo? Gilliéron: Estou seguro disso, nm e posso demonstrilo com casos clinicos; 0 setting psicanalitico tem ‘um aspecto iatrogenico, e nao nos damos conta disso. Por exemplo, no setting esti inscrita uma nogio de perfeicao, uma nogo muito narci- sica, A auséncia de duragio pré-de- terminada que esté inscrita no setting df automaticamente 0 sentimento de ‘uma cetta perfeicio possivel,¢, nisso, cle contém 0 germe da nao-termina” bilidade da andlise. Porque hi sem- pre uma possibilidade de sentirse imperfeito, e de lutar contra o senti- mento de imperfeicio. Portanto, ha algo de muito iatrogénico para certas estruturas cle personalidad Percurso: E a outra face da moeda: seri que o face-a-face com © paciente nfo pode ter um efeito de seducac? Gilliéron: Claro. Nao ha razio para ser severo de um lado € ndo do outro. O tisco do face-a-face é 0 desenvolvimento de “psicoses de transferéncia’, € 0 risco de sedugio é muito grande. Psicoses de transfe- réncia ou transferéncias erdticas sio dlificeis de lidar. Mas também 6 uma prova de que no face-a-face ocor- rem fendmenos especificos. Nao é uma defesa pelo controle da reali- dade, mas uma defesa pela negagiio da realidade. Sempre se teve medo de que. transferéncia no se desen- volvesse no face-a-face, mas € 0 contratio que ocorre. A questo diagnéstica eo término do tratamento Percurso: Um ponto que 0 se- nhor tem dado bastante énfase no seu tabalho é a questio diagnéstica.... Gilliéron: Sim. Estamos fazen- do estudos concretos, por exemplo, pesquisas cientificas sobre 0 que chamamos de “traumatismo psiqui- co”. E sobretudo um estudlo sobre as efeitos tauméticos de certos aconte- cimentos do passado de um sujeito, dos quais podemos ver tragos na sua vida atual. Como acontece entdio? Eu elaborei um questionétio, no qual estudamos alguns pontos especifi- cos de uma primeira entrevista com um paciente, o registro do que foi dito nos primeiros dez minutos. E tentamos fazer uma idéia precisa da personalidade do sujeito, sem ter outros dados. Reconstruimos 6 pas- sado dele; por exemplo: o pai era alcodlatra, a mae era de tal maneira, semter quaisquer dados, Penso que isso 56 se pode fazer com preciso recorrendo ao pensamento psicana- litioo, isto €, tentando ver como, psiquicamente, 0 sujeito integrou os fenéimenos, Percurso: © senhor poderia nos dar um exemplo de como se faz esta avaliaclo nos primeiros minu- tos de uma entrevista? Gilliéron: Sim... Notem que, ‘no exemplo que irei fornecer, trata- va-se de uma primeira entrevista - entre as que compdem as quatro sessdes - onde 0 que guiou o tera- peuta foi, justamente, © uso que 0 paciente fez do enquadre. Os pri- meiros minutos representam a me- thor situac3o experimental para estu- dar as manifestagdes transferenciais. Quais S20 as caracteristicas do pri- meiro encontro? A primeira delas € que © paciente nao sabe nada do terapeuta que ele ird encontrar; ele apenas conhece o estatuto de tera- peuta, A segunda é que o terapeuta no sabe nada de seu possivel pa- ciente a ser encontrado; ele apenas conhece 6 estatuto de paciente. En- to, no comeo ambos sé podem apoiar-se nos seus imagindrios. paciente espera algo de seu tera- peuta e este espera algo de seu paciente. A observacio dessas cuas expectativas ird fornecer muitas in- formagées sobre a vida psiquiica do paciente e de suia personalidade. da anilise precisa das primeiras in- teragdes que serio deduzidas as motivacdes profundas que levaram © paciente 4 consulta. No exemplo, entiio, 0 paciente chega & consulta. Passa-se mais ou menos o seguinte: ‘TERAPEUTA: "Por que vocé ‘veio?” PACIENTE: “Eu pedi para falar com vocé porque eu queria comegar ‘uma psicanélise. Isto por necessida- de pessoal, mas também pela ne- cessidade de saber se € possfvel que seja feita uma psicandlise didatica ‘Apesar da minha idade avangada @0a), eu ainda nfo tenho uma situagio definida na minha vida ‘Vocé acha que poderia ser itil, do ponto de vista profissional, fazer ‘uma psicanilise didtica enquanto formagaic?” O psicoterapeuta pede maior preciso, em particular se 0 paciente vem procurar um trata- mento ou uma formagio. A isso 0 ©@Da anilise precisa das primeiras interac6es, serio deduzidas as motivagoes profundas do paciente. @@ paciente responde, um pouco con- fusamente: “Eu sofro com a situaglo de no ter uma profissio € a psica- nélise didética pareceu-me uma boa solugo.” Observe-se que esses pri- ‘meiros minutos de uma entrevista entre dois individuos desconheci- dos forriecem-nos logo ~ se conse- guimos analisé-la - informagdes bem precisas. O paciente fez, mani- festamente, uma confusio légica ‘muito importante. Ele no reconhe- ceu claramente 0 aspecto terapéuti- co; ele fez de conta que é um desempregado procurando um tra- 6 balho. Hé anos ele nao consegue encontrar um trabalho fixo, ainda que tenha feito bons estudos uni- versitérios. B veio pedir uma psica- nélise para fazer disso uma profis- sto, Ele nao se interrogou sobre 0 que o impediu de desfrutar seus estudos, mas veio pedir, simples- mente, uma profisséo para 0 psico- terapeuta. Se o paciente tivesse dito: “niio preciso de tratamento, mas quero uma anilise didatica’, teria tido um reconhecimento implicito do enquadre € eu no teria titado as mesmas conclusdes. Mas 0 pa- ciente, de fato, fez uma confusao de nivel l6gico ao nfo reconhecer 0 aspecto terapéutico do enquadre, isto é, ele nfo se reconheceu como paciente. Ele estava imerso numa confuso de pensamento. Assim, observo que se trata de um caso patognoménico de uma organiza- Glo psicética de personalidade. O pr€-psicstico confunde o enquadre psicoterapéutico e a vida stcio-pro- fissional. J4 0 perverso procura usar do enquadre em seu prdprio pro- veito, € 0 neurético respeita o en- quadre, reconhece-se € considera se como fesponsével por suas prOprias dificuldades. Se 0 psicote- rapeuta sabe manejar esses trés ti- pos de situagdes, ele estaré em me- Thores condigdes de propiciar a0 seu paciente mudangas significati- vas nas “quatro sessbes”. Evidente- mente, no se pode adotar a mesma atinude frente a cada uma dessas organizaces ce personalidade. Percurso: E quais as referén- cias te6ricas que 0 senhor vem uti- lizando para pensar a questio diag- ndstica? Gilliéron: Em termas de refe- réncias psicanaliticas propriamente ditas, 0 quadro teético da psicopa tologia ao qual me reporto € basea- do nas elaboragtes de Freud que tratam de diferentes organizagdes de cardter, mas € fundado sobre 0 tabalho de Kemberg ¢ Jean Berge- ret, no que tange as organizacdes da personalidade, e também sobre os trabalhos de Bouvet a respeito das ENTREVISTA/DEBATE relagdes de objeto. Hé ainda Ber- nard Brusset, que fez estudos sobre as relagdes de objeto na perspectiva de Fairbaim; esses estudos também ‘me interessam. De outro lado, ha ainda um trabalho pessoal; isto é, eu coloquei em discussio as fomu- lagdes desses autores sobre a base a observagio dos pacientes, Eu procuro diferenciar, por exemplo, onganizagbes pré-psicética e bor- derline, e formulo uma definigio bastante precisa da organizagio perversa. Percurso: Como se faz, em psicoterapia breve, quando 20 final do tatamento ainda hi coisas a serem tratadas? Gilliéron: Essa é uma questio que nos colocamos sempre. Do meu ponto de vista, isto retoma aquilo que discutimos a propésito do efeito eventualmente iatrogenico da psicandlise. Pois ha sempre, mes- moo final da andlise, alguma coisa que seria necessitio resolver. Por- tanto, quando colocamos esta ques- to, algumas vezes € porque nos apoiamos numa concepgio carre- ada ideologia da perfeicio. Entio, como fazemos? Dizemos: bem, infe- lizmente no pudemos fazer tudo, A coisas que so imperfeitas na exist@ncia. Tentamos interpretar 0 sentimento de insatisfacio do pa- lente em funcio dos seus desejos de onipoténcia narcisica, ou perfei- Go narcisica, € © fato € que esta interpretagio alivia bastante os pa- cientes. Mas se eu pensar que devo deixar um paciente perfeitamente feliz no final, ¢ sem problemas, é evidente que no poderia terminar ‘nunca Percurso: Como o senhor vé a dissolucio da transferéncia? Isto é, no final do tratamento, como se coloca a questio da dissolugio da transferéncia? E os restos no resol- vidos? Ferenczi utiliza este termo, € © senor fala de Ferenczi a propé- sito das psicoterapias breves. Gilligron: Sim, estas idéias par- tiram de Ferenczi A primeira resposta & se vocés podem me mostrar al- guém em andlise que tenha resolvi- do completamente sua transferéncia com 0 analista, bem, pedisia para velo. A resolugio da transferéncia com o analista freqientemente leva anos depois que se termina a andli- se. Em psicoterapias breves, assim como as concebo, uma vez que € uma psicoterapia claramente nos principios psicanaliticos, mas num Contexto diferente, os problemas do término ligados 2 resolugio da transferéncia sio muitas vezes ex- tremamente agudos. Eh certamen- @@Uma parte da resolugio da transferéncia passa sempre pelo luto fantasmiatico, na andlise ou na terapia breve. ee te um primeiro passo bastante do- loroso, que é dado nese momento, ‘em diregio ao fim. A menos que se termine com movimentos transfe- renciais bastante positivos, isto é, que © paciente saia guardando de seu analista uma boa lembranca. Poderfamos estar falando de resolu- Go de transferéncia? Nao. Existem talvez alguns aspectos.transferen- iais que foram resolvidos, mas hi, em todo caso, 0 apoio numa boa relacZo com alguém. A resolucio da transferéncia se fard mais tarde, no contato com a realidade, e talvez 6 com a possibilidade de rever 0 ana- lista num contexto diferente, O fato de se viver numa pequena cidade, como é o meu caso, faz com quie se encontre € reveja-se 0 analista em outros contextos. Certamente a re- solugio da transferéncia é bastante dificil; mas o apoio sobre uma trans- feréncia positiva pode ajudar muito na vida da pessoa. Nao se trata de negaclo, pois no desconsidero 0 problema do luto. Se o final da psicoterapia breve ocore num mo- vimento maniaco de negacio do Iuto, entao ela fracassou. ima parte da resolugio passa sempre pela anilise do Tuto, mas é um luto que deve ser analisado como fantasm4- tico. Isto é, € 0 luto de uma relagio {deal com 0 analista, ideal que po- detia dar todo o prazer que a vida cotidiana nao oferece. Em suma: existe uma resolucdo parcial da transferéncia, que € necessaria para terminar. Percurso: Qual € a relagio en- tre o final do tratamento numa psi- coterapia breve ¢ 0 “corte” proposto por Lacan? Gilliéron: Huma diferenca fundamental. Primeiramente, o limite de tempo faz parte de um contrato com 0 paciente, No sou eu quem cotta; estabelece-se um contrato que faz parte do seiting. A limitaclo tem- poral faz. parte desde 0 inicio, e isto conceme tanto ao paciente camo 20 psicoterapeuta. Nao € algo que eu mesmo decida, num determinado ‘momento, para, por assim dizer, aju- dar o paciente a tomar consciéncia de alguma coisa. Creio que esta é 2 dliferenga fundamental. A outra dife- renga consiste em que, por ser algo chordem docontato, estamos dante de algo elaboravel, e temos um cesto tempo de elaboragio. Digamos que Lacan nio teve um papel mais des- tacado nas elaboracdes dos autores que trabalharam sobre o tema da psicoterapia breve. No que tange 20 trabalho que eu fago, é certo que todas as elaboragdes sobre a organizagao das petsonalidades, sobre a fungio equilibrante, a importincia da fungio simbélica no equilibrio psiquico de um individuo, esses si0. elementos certamente influenciados por La can. A nogio que a mim parece muito til, porque ninguém além de Tacan a abordou de maneira to in- teligente, € a nogio de forclusio. Percurso: Qual & sua definicao de psicanilise? Gilliéron: Para mim, quando falo de técnica, refito-me 4 psicand- lise classica, a0 paciente no diva, & regra da associacio livre. Do panto de vista técnico, psicandlise concer ne a0 enquadramento psicanalitico ao que nele ocorre. Fis uma defi- nico muito simples. Agora, a outra definicao esté relacionada a0 corpo testico: € quando as coisas ficam mais complexas, porque a teoria € algo modificdvel e mobilizavel. A minha definicao, neste caso, € esta: © que resta dos modelos de funcio- namento psiquico descritos por Freud quando eu mudo 0 contexto? ‘Trata-se da psicandlise que me serve como referéncia tedrica para expli- car 0s fenémenos que aparecem em. um contexto dado ou em outro. E uma forma de metapsicologia ne- cessiria a explicaclo dos fendme- nos psiquicos. A nocio de transfe- réncia, por exemplo, eu a coloco em questio, © que nos permite dizer que se trata de transferéncia ou de nao-transferéncia? Quando falamos de transferéncia, o que per- mite ao analista dizer que “nio € com ele”? £ ai que devemos recor- rer nogio de enquadramento, por- que © paciente nao vem ao analista para amé-lo, para detesti-lo, mas vem porque busca tratamento. A psicanélise, para mim, € uma abor- dagem te6rica do funcionamento psiquico, mas que eu tento constan- temente repensar & luz de uma re- flexo sobre o método propriamen- te dito. Percurso: Aquilo que pode- ‘mos considerar como especifico da psicandlise - a associacao livre e a interpretagao da tansferéncia— ga- ante que no ‘nos tomaremos um guru para o paciente? Gilliéron: O método pode ga- rantit isso, mas no € exatamente assim, Porque tudo depende do que © analista vai fazer com as associa- ‘es do paciente. © que eu posso mostrar é que muitos analistas, no fundo, tendem, numa anilise pro- priamente dita, a reagir as associa- es do paciente; quer dizer, sen- fem as associagbes como se fossem provocacdes, e depois se defen- dem. As agbes de defesa so tipicas quando ha um movimento transfe- rencial agudo demais, intenso de- 6 Mesmo numa andlise propriamente dita, ha muitos elementos interativos que € preciso perceber e tratar. ee mais. Af 0 analista coloca limites. E colocar limites € defender-se, mais do que deixar 0 paciente viver as coisas e depois estabelecer um corte através da interpretacao. Ha inime- ras formas de interago na andlise que no sio percebidas. Um exem- plo bastante tipico, apresentado por ‘uma analista, era de um paciente que ela considerava obsessivo, & que tinha entrado com ela num principio de repeticio. Isto €, toda vez que a analista dava uma inter- pretacto, o paciente respondia: “sim, vooé tem razio, isso mostra 7 bem até que ponto yoo? me com- preende. Alids, eu vou contar algo ais, isso me lembra que no passa- do ete...” Depois a analista interpre- tava isso como uma resisténcia, di- zendo: “voc8 vé, no fundo, voc necessita me dar razio etc...” € 0 paciente respondia: “é verdade. Alids isso me lembra que no meu passado ...”. I8s0 durou cerca de dois anos, até o momento em que a analista se irritou e aguardou um ‘momento em que o paciente estava mais zangado para Ihe dizer: “voce ‘vé que no esti concordando comi- go”. Esta foi uma reaglo. A atitude de corte real teria sido outra: con- frontar o paciente com a realidade de sua agressividade, e dizer-lhe que todo seu comportamento tio obediente estava ligado a proble- mas de agressividade. Nao servia de nada apontar, colocar em evidéncia, © comportamento, sem se despren- der da coisa através de uma inter pretacdo. Por exemplo, dizer: “constato que vocé experimenta uma forte necessidade de me dar tazio, € que provavelmente esta necessidade esti ligada & necessida- de de fazer de mim um ser extrema- ‘mente positivo e benevolente...” A partir daf, podemos avangar. Por- tanto, aceitar, mas também dar sen- tido. Sto aspectos da técnica que aprendi basicamente nos meus tra- balhos com psicoterapias breves, e por isso que digo que mesmo na psicandlise ha elementos interativos que € necessirio saber tratar. Nora eee eee sore Soe eee Se es osc Ss Spin ema pe Boe =e

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