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Mídias Interativos e Televisão Digital. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 2, n. 4, p.

81-92, 1998.

Mídias Interativos e Televisão Digital: revisão e considerações técnicas∗

Profª Drª Suely Dadalti Fragoso∗∗

O uso de novos mídiasfrequentemente se inicia a partir da apropriação de atributos e

técnicas específicos de outros pré-existentes. Em seus primeiros anos, livros

impressos eram feitos conforme os padrões utilizados para manuscritos, filmes eram

concebidos como apresentações teatrais tecnologicamente mediadas e a estrutura dos

programas de televisão era baseada na dos programas de rádio. Nesta era do

surgimento dos mídias interativos, grande parte das considerações sobre seu potencial

e impacto tem se concentrado nas modificações que a digitalização pode trazer para o

formato dos meios analógicos anteriores, e com especial ênfase, nas alterações que a

digitalização pode acarretar para a televisão.

Muitas promessas de ordem quantitativa já começaram a se materializar. Uma versão

simplificada do chamado 'vídeo-a-pedido' (video-on-demand), na qual os filmes

começam com intervalos de meia hora em diferentes canais digitais, por exemplo, foi

anunciada para o Reino Unido em 1998. O provedor, Cable & Wireless,

sugestivamente chamou o serviço de 'quase-vídeo-a-pedido' (near video-on-demand)

(The Sunday Times, 5 de outubro de 1997, p. 11.6). Também os primeiros passos da


anunciada redefinição dos papéis de emissor e receptor através da interatividade

começam a acontecer. Até o momento, uma das aplicações comercialmente mais bem

sucedidas da interatividade são os 'canais de compras' (shopping channels), nos quais

os anúncios publicitários deixam de subsidiar programas de televisão para virarem,

eles mesmos, a programação.

A participação em programas de perguntas e respostas, a possibilidade de opinar sobre

os finais das estórias de ficção e o fornecimento de opções quanto ao ponto de vista a

* A versão original deste texto foi redigida em inglês, como parte do capítulo 3 da tese de doutoramento Towards a Semiotic Toy:
designing an interactive audio-visual artefact for playful exercise of meaning construction, defendida pela autora junto ao
Institute of Communications Studies na University of Leeds em 22 de janeiro de 1998.

*∗∗Ph.D., M.Sc., Arq., atualmente atuando como Professora Convidada da Universidade de Caxias do Sul, junto aos
Departamentos de Artes e Arquitetura, Informática e Comunicação.

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partir do qual assistir a coberturas esportivas são constantemente anunciados como

manifestações embrionárias de uma revolução que virá promover maiores níveis de

participação por parte do público, libertando os telespectadores da hipotética condição

de ‘passividade’ imposta por características tecnológicas da televisão.

Este trabalho procura revisar as origens e o estado-da-arte de algumas tecnologias

cujo desenvolvimento está diretamente relacionado à questão dos mídias áudio-visuais

interativos, fornecendo subsídios para considerações sobre o potencial da

interatividade e o futuro dos meios de comunicação analógicos em geral, e da

televisão em particular, sob efeito da digitalização.

Mídias Interativos em Disco

Uma das primeiras tecnologias a trazer possibilidades interativas para o vídeo foi o

sistema analógico LaserVision, lançado pela Philips no final da década de 1970. Ao

contrário do que esperavam os fabricantes, o sistema foi um fracasso comercial. Sem

subestimar a imprevisibilidade inerente ao mercado consumidor, algumas

características do LaserVision na ocasião de seu lançamento podem ser consideradas

responsáveis pela falta de sucesso daquela tecnologia. Duas das possibilidades

centrais que deveriam fazer do LaserVision um sistema melhor que os videocassetes


não estavam imediatamente disponíveis para o público. Em primeiro lugar, o

anunciado acesso não-linear aos dados (random access), ou seja, a possibilidade de

acessar qualquer parte do disco em qualquer ordem, não era possível com o

LaserVision conectado apenas ao aparelho de televisão. Somente utilizado em

conjunto com um microcomputador, naquela época ainda longe da atual penetração

no mercado doméstico, era possível operar o LaserVision de forma não linear.

Também a ‘alta qualidade da imagem’ anunciada como uma das vantagens do

LaserVision era irrelevante, pois a visualização era feita nos monitores de baixa

resolução dos aparelhos televisores comuns. Por outro lado, os videodiscos analógicos

não ofereciam a possibilidade de gravação comum aos videocassetes, e a ausência de

títulos desestimulava a demanda pelo hardware.

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Em 1988 a Philips relançou o LaserVision, desta vez com áudio digital e com o nome

Laserdisc. Apesar de ser geralmente considerado pelos usuários um sistema de áudio

e vídeo de alta performance1, o Laserdisc também não fêz sucesso junto ao mercado

consumidor. As Tabelas I e II mostram o número de residências na Europa, E.U.A, e

Japão equipadas com Laserdiscs e videocassetes nos primeiros anos da década de

1990. Enquanto os maiores números para o Laserdisc são da ordem de 105,

alcançando 106 somente no Japão, o número de residências com videocassetes oscila

em torno de 107, chegando a 108 na Europa.

1991 1992 1993 1994


(000s) (000s) (000s) (000s)

Europa 196 287 397 512

Estados Unidos 674 898 1,185 1,490

Japão 3,600 4,450 4,980 5,580

Tabela I – Milhares de residências equipadas com aparelhos Laserdisc (adaptado de Screen Digest,
Agosto de 1994, p. 182).

1991 1992 1993 1994


(000s) (000s) (000s) (000s)

Europa 83,155 93,401 103,481 113,805

Estados Unidos 63,036 68,481 73,565 78,125

Japão 28,587 29,828 31,028 32,224

Tabela II – Milhares de residências equipadas com videocassetes (adaptado de Screen Digest, Agosto
de 1994, pp. 183-184).

Paralelamente à sua baixa penetração junto ao mercado doméstico, os sistemas de

vídeo analógico conquistaram o mercado das grandes organizações e companhias,

notadamente como instrumentos para treinamento corporativo. Dentre as companhias

que mantinham o vídeo interativo analógico para treinamento de pessoal durante os

anos 1990, a Halifax Building Society por exemplo considerava o sistema efetivo pela

1 Conforme Mr. R. Lowe, da Engenharia de Qualidade da Philips PDO, em entrevista pessoal realizada em 18 de abril de 1998
em Blackburn, Inglaterra.

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viabilização de treinamento uniforme e em horário flexível dos funcionários a

despeito de sua localização geográfica. Outras vantagens do vídeo interativo

apontadas pelo Televisual Services da Halifax Building Society eram a redução do

número de instrutores necessários e a minimização das despesas com conferências

para treinamento2.

Sistemas de vídeo analógico foram também aplicados à educação em geral, embora

com menos sucesso. Os vários projetos educacionais baseados em videodisco

analógico desenvolvidos no Reino Unido na década de 1980 promoveram a instalação

de cerda de 2.000 sistemas de vídeo interativo analógico nas escolas britânicas. Deste

total, apenas 30 por cento permaneciam em uso no início da década de 1990 (dados

do UK National Council for Educational Technology, obtidos a partir de Feldman,

1994, p. 82).

No intervalo de tempo entre o lançamento do LaserVision e do Laserdisc, surgiram os

primeiros equipamentos digitais destinados ao mercado doméstico. Logo após seu

lançamento em 1983, os Audio Compact Discs, daqui por diante referidos como CD-

As, tornaram-se um dos produtos eletrônicos mais bem sucedidos junto ao mercado

consumidor desde o advento da televisão. Além da alta fidelidade de reprodução, os


CD-As devem seu triunfo comercial à garantia de compatibilidade resultante da

existência de uma padronização rigorosa tanto para a gravação dos discos quanto para

a fabricação dos aparelhos reprodutores. A existência de uma ampla gama de títulos

desde o lançamento, o formato pequeno e a maior resistência dos CD-As em relação

aos discos de vinil também foram cruciais para o sucesso daquela tecnologia.

Com uma capacidade de armazenamento de 650 MBytes3, os compact discs são uma

das soluções para a constante demanda por maior capacidade de armazenamento que

desafia a indústria da computação. Compact Discs Read-Only Memory, ou CD-ROMs,

2 De acordo com Mr. Kevin Thornburn, gerente do Televisual Services da Halifax Building Society, em entrevista pessoal
concedida em 22 de março de 1994 em Halifax, na Inglaterra.

3 Um Byte equivale a 8 bits de informação. Um KByte (Kilo-Byte) corresponde a 1.024 (210) Bytes, e um MByte (Mega-Byte) a
220 Bytes. Um GByte (Giga-Byte) representa 230 Bytes.

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chegaram ao mercado em 1985. A compatibilidade dos CD-ROMs e drives produzidos

por diferentes fabricantes foi garantida não apenas por uma padronização física, mas

por um padrão lógico que define o formato com o qual os dados e arquivos.devem ser

estruturados no disco. No final de 1993 o número de CD-ROM drives instalados em

microcomputadores era estimado em cerca de 9 milhões (Dataquest, 1994, n.p.).

Em 1991 (EUA) e 1992 (Japão e Europa), a Philips lançou mais uma tecnologia de

vídeo interativo destinada ao mercado consumidor, desta vez baseada em CDs digitais.

O sistema, comercialmente conhecido como CD-I, era compatível com os três mais

importantes sistemas de televisão, NTSC, PAL e SECAM4, desde o lançamento, e

contava ainda com um padrão internacional físico e lógico nos moldes daquele

adotado para os CD-ROMs. Em 1997, no entanto, os CD-Is já haviam se tornado mais

uma tecnologia de vídeo interativo destinada ao consumidor doméstico que fracassou

no mercado.

Um dos maiores problemas da primeira geração dos CD-Is, e que atinge também os

CD-ROMs, era sua incapacidade de lidar com vídeo em 'tempo real' ocupando a

superfície total da tela (full-screen, full-motion vídeo, ou FMV). Na verdade, a

provisão de FMV tem sido um dos maiores desafios para a indústria de multimídia 5
em geral. A Tabela III, organizada por Borko Furht, apresenta a demanda por

armazenamento de diferentes tipos de dados. Projetadas naquelas estimativas, os 650

MBytes de um CD-ROM poderiam ser usados para armazenar até 300 mil páginas de

texto em ASCII6, mais de uma hora de áudio ou mais de 85 fotografias de alta

resolução. O vídeo digital, por outro lado, pode levar a demanda por capacidade de

armazenamento a escalas muito maiores:

Por exemplo, um único frame de vídeo colorido, com cerca de 620 x


560 pixels a 24 bits por pixel, demandaria quase 1MByte. Em tempo

4 A existência do sistema brasileiro PAL-M é pouco conhecida fora do país.

5 A denominação 'multimídia' tem sido amplamente utilizada em contextos inadequados e com significados impróprios ou
imprecisos. Neste artigo, 'multimídia' significa um conjunto de informações armazenadas em formato digital cuja decodificação
deve resultar em diferentes linguagens (ou 'mídias'), basicamente texto, som e imagens, compondo uma única obra.

6 ASCII é a sigla para o American Standard Code for Information Exchange, no qual cada caractere é representado por um
código de dois bits.

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real, 30 frames por segundo, isto equivale a 30 MBytes por segundo
de vídeo. Um aplicativo multimídia típico, contendo mais de 30
minutos de vídeo, 2 mil imagens, e 40 minutos de som, demandaria
cerca de 50 GBytes para video, 15 GBytes para imagens estáticas e
0,4 GBytes para som. Isto significa um total de 65,4 GBytes de
armazenamento para todo o aplicativo (Furht, 1994, p. 48).

Textos Imagens Audio Animação Vídeo


Bitmaps Som ou voz Imagens e Imagens e som
de televisão,
ASCII Fotografias digitalizado som
Tipo analógicos ou
sincronizados digitais,
Fax sincronizados a
a 15-19 frames
24-30 frames
por segundo por segundo
Amostra: Voz/fone 2.5 Mbytes por 27.7 Mbytes por
segundo para segundo
Tamanho 2 KBytes 64 KBytes 8 KHz/8 bits
(mono) 320x640x16 para frames de
por por imagem
pixels por 640x480x24
página Detalhe (cor) 6–44 Kbytes por pixels (cor de 24
frame (cor de bits) 30 frames
segundo
7.5 MBytes por 16 bits) 16 por segundo
imagem Audio CD 44.1
frames por
KHz/16 bit
segundo
176 KB/ por
segundo

Tabela III – Demanda por armazenamento para vários tipos de dados (Furht, 1994, p. 48).

As técnicas de compressão de dados foram a saída para o problema de

armazenamento gerado pelo vídeo digital e aplicativos multimídia em geral. As várias

técnicas de compressão de arquivos se baseiam na remoção dos dados redundantes7,

visando a manutenção de uma relação vantajosa entre as inevitáveis perdas de

resolução e conteúdo informacional e os índices de compressão atingidos com cada

algoritmo.

Os padrões de compressão mais comuns foram estabelecidos pelo Joint Photographic

Expert Group (JPEG), Moving Pictures Expert Group (MPEG) e Specialist Group on

Coding for Visual Telephony. O padrão de compressão JPEG foi desenvolvido

especificamente para imagens coloridas de tons contínuos, e atinge uma média de

7 A redundância dos dados visuais, por exemplo, assume basicamente duas formas: ‘redundância estatística’, ou seja, a
semelhança ou igualdade entre um pixel e seus adjacentes; e a ‘redundância psico-visual’, baseada na tolerância à distorção do
sistema visual humano (adaptado de Hawker, 1992, p. 25).

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compressão de 15:1. O padrão MPEG foi desenvolvido para vídeo, e armazena apenas

a diferença entre os frames sucessivos, atingindo índices de compressão de até 200:1.

O padrão H.261, também conhecido como px64, foi desenvolvido especificamente

para comunicações utilizando vídeo on-line (por exemplo vídeo-conferências), para as

quais é mais importante a velocidade de transmissão do que a precisão da imagem.

Este padrão faz previsões para os valores de redundância em cada frame e entre

frames, e atinge índices de compressão de até 2.000:1 (Furht, 1994, pp. 49-50).

Técnicas de compressão foram também parte da solução para outro problema

relacionado à provisão de vídeo em tela cheia e em tempo real: a necessidade de

recuperação dos dados em alta velocidade. Os primeiros CD-ROM drives, hoje

conhecidos como single-speed, permitiam a transferência de dados a 150 KBytes por

segundo. Em 1998, drives operando a 1.800 KBytes por segundo, ou seja, doze vêzes

aquela velocidade já são o padrão, e drives que operam a 24 vêzes a velocidade inicial

estão se tornando cada vez mais comuns. Mesmo assim, a velocidade de recuperação

dos dados gravados em CD-ROM ainda é bastante inferior aos cerca de 30 MBytes por

segundo necessários para exibição de FMV.

Os Digital Video Discs (DVDs), disponíveis para o mercado consumidor desde 1997,
expandiram a capacidade de armazenamento de dados em unidades discretas para a

ordem dos GBytes, e começam a desafiar a estabilidade dos CD-ROMs como o

formato padãro para microcomputadores pessoais. Um DVD com uma camada e um

lado utilizável (single–layer, single–sided) pode armazenar 4,5 GBytes, enquanto os

DVDs de duas camadas e dois lados úteis (double–sided, double–layered) podem

conter até 17 GBytes de informação. Os DVDs regraváveis, ou DVD-RAMs,

suportavam inicialmente apenas 2,6 GBytes, mas o aumento desta capacidade para

cerca de 5 GBytes sempre foi considerado apenas uma questão de tempo.

Mídias Interativos On-Line

Ao lado do modelo para a distribuição de mídias interativos estabelecido pelos discos,

no final dos anos 1980 apareceram os primeiros projetos viáveis para a transmissão

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broadcast de vídeo interativo. Estas primeiras propostas eram baseadas em formatos

analógicos. Um exemplo destas primeiras propostas é o sistema TRANSIT

(Transmitted Interactive Television), proposto pela BBC e sua concessionária

Multimedia Corporation em 1987. O sistema TRANSIT era baseado na idéia de

separar o ato de transmissão de um programa do ato de assitir o


mesmo programa através da introdução de uma etapa intermediária
de gravação. Isto introduz um intervalo de tempo variável . . . que
fica sob o controle do microcomputador, o qual recebe instruções
tanto dos dados enviados pela emissora quanto do usuário final
(Armstrong, 1987, p.31).

Diversas características fundamentais do TRANSIT se limitam com as condições

anteriormente apontadas como responsáveis pelo fracasso comercial dos sistemas


LaserVision e Laserdisc, principalmente no que diz respeito à falta de um nível de

flexibilidade somente possível em formato digital.

A combinação do desenvolvimento das técnicas de compressão à evolução e

popularização das redes digitais de comunicação, principalmente a rede Internet,

parecem ter finalmente viabilizado a transmissão on-line de multimídia.

Uma aplicação básica do potencial interativo dos mídias áudio-visuais on-line é a

chamada 'televisão interativa' (ou televisão bidirecional). Uma das primeiras menções

a programas de televisão interativos a tornar-se popularmente conhecida é a que

aparece no filme Fahrenheit 451, de François Truffaut (1966, baseado num livro de

Ray Bradbury de 1953). Na estória, a evolução de um programa de televisão

(falsamente) interativo podia ser (ou melhor, fingia ser) alterado pelos

telespectadores. O envolvimento da personagem que acredita na importância que lhe

seria conferida pelo fato de que estaria influenciando o encaminhamento do programa

é um dos pontos altos daquele filme de Truffaut.

No ano seguinte ao lançamento de Fahrenheit 451, um filme efetivamente interativo

foi exibido no pavilhão Tcheco da World Expo de 1967, realizada em Montreal,

Canadá. A audiência podia influenciar o desenvolvimento do filme selecionando entre

várias alternativas oferecidas em pontos-chave da estória (Laurel, 1993, p. 53).

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Poucos anos mais tarde, na década de 1970, entraram em operação alguns sistemas

experimentais de televisão bidirecional, nos quais o espectador tanto recebe quanto

envia informações. Os exemplos mais famosos são o sistema Hi-Ovis, em Higashi-

Hiroshima, no Japão, e o QUBE, em Columbus, Ohio, EUA (Toffler, n.d., pp. 168-

169, Mattuck, 1992, pp. 211-217 e Laurel, 1993, p. 53).

A Rede Globo de Televisão brasileira sempre explorou o apelo da provisão de 'poder

de decisão' para o público. A despeito da autoria definida das novelas brasileiras8, é

geralmente divulgado pela emissora que as estórias podem ser alteradas conforme os

resultados obtidos por pesquisas do Ibope9 revelem que o desenvolvimento desejado

pelo público difere da intenção inicial do autor. Indo adiante neste paradigma, a Rede

Globo lançou em 1992 o programa Você Decide. O formato, exportado para vários

países10, baseia-se no desenvolvimento de narrativas até o ponto de máxima tensão,

quando são verbalmente propostas algumas opções de continuidade. A audiência de

Você Decide usa o telefone para votar pelo curso preferido de ação, sendo que a

maioria dos telefonemas definirá qual a sequência final a ser exibida. O programa é

uma extensão natural tanto da prática de filmar diferentes finais para submeter à

apreciação de audiências-teste quanto do conceito de ‘Propaganda Televisiva de

Resposta Direta’ (Direct Response Television Advertising), no qual um número de


telefone para resposta é exibido durante o comercial.

O apelo da possibilidade de decidir o final das narrativas, participar ativamente de

programas de perguntas e respostas ou votar para os vencedores de competições pode

não ser, a longo prazo, o fator decisivo para o sucesso da televisão digital. Para alguns

autores, o potencial comercial da televisão interativa reside na “possibilidade de oferta

8 As novelas brasileiras diferem em pontos essenciais de seus equivalentes norte-americanos e britânicos, as soap operas. Estas
últimas não têm uma linha central de ação, e sua narrativa não se desenvolve em direção a um final no sentido Aristotélico. Soap
operas permanecem em exibição sem previsão ou mesmo intenção de encerramento, como é por exemplo o caso da britânica
Coronation Street, no ar há 40 anos. Nestas condições, o conceito de autoria comum às estórias das novelas brasileiras é
impraticável.

9 Ibope é a sigla para o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatísticas, criado em 1942, e cujas análises são consideradas
elemento básico para a avaliação do desempenho dos programas de televisão no Brasil (Mattelart and Mattelart, 1987, pp. 57–
58).

10 Na Grã-Bretanha, por exemplo, serviu de base para o programa Do The Right Thing (Faça A Coisa Certa).

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de programação ‘sob medida’, selecionada por gênero e transmitida quando e como

solicitada sob um preço padrão” (Jenkinson, 1994, p. 21). Mais uma vez seguindo um

modelo pré-digital de ‘interatividade democrática’, em 1997 a Rede Globo permitia a

votação por telefone para decidir qual dentre três opções de filmes seria exibida no

programa Intercine. Em 1998 a votação por telefone permite a decisão sobre o

conteúdo da próxima edição semanal do programa Fantástico, e a participação em

pesquisas de opinião realizadas no decorrer do programa.

Para além de pesquisas de opinião de natureza binária, ou seja, baseadas em

alternativas possíveis de traduzir em termos de 'sim' e 'não', e da apresentação de umas

poucas opções em momentos-chave de uma estória, a televisão e o vídeo interativos

podem tropeçar na matemática básica. O número de sequências a serem produzidas,

gravadas e armazenadas para uma estória interativa pode aumentar em proporção até

exponencial ao número de pontos de decisão e opções disponibilizadas. A Figura 1

mostra como uma estória interativa com apenas cinco pontos-chave para tomada de

decisão, cada um levando a três sequências diferentes, pode ser desenvolvida em até

oitenta finais diferentes. Uma versão de dez minutos desta estória interativa

hipotética, por exemplo, poderia ser composta de até cento e vinte e uma sequências

de vídeo de dois minutos cada uma. Apesar de demandar produção de vídeo


equivalente a um filme de quatro horas de duração, para o espectador a estória final

seria curta, e o número de opções apresentadas extremamente restrito. Não é de

surpreender, portanto, que a maioria dos vídeos interativos já realizados seja composta

de sequências convergentes, dando origem à impressão de que “todos os caminhos

levam a Roma - isto é, todas as sequências do filme levam ao mesmo final” (Laurel,

1993, p. 53, comentando o filme interativo tcheco exibido em Montreal em 1967).

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Figura 1 – O número de sequências que compõem uma estória interativa pode aumentar em proporção
exponencial ao número de pontos de decisão e opções disponíveis.

Hardware Caseiro

Como resultado direto da digitalização dos mídia, alguns autores prevêem a

transformação dos aparelhos de televisão em ‘Centros Caseiros de Communicação’

(Home Communicational Sets) (Wicklein, apud Wegner, 1985, p. 52). Estes “centros

digitais de comunicação poderosos, acessando informação e serviços tanto lineares

quanto interativos a partir de redes de telecomunicação por cabo, satélite e sem fio,

híbridos de informações em rede e produtos em CD" (Feldman, 1994, p.29) seriam

“utilizados em casa para assitir filmes, ler as notícias, jogar, consultar acessores
pessoais tais como contadores e advogados, fazer reservas de teatro, etc” (Bowen,

1994, p. 119).

A viabilidade comercial destas estações digitais centralizadas é, no entanto,

questionável. Embora a penetração dos microcomputadores no mercado doméstico

tenha aumentado muito desde os tempos da LaserVision, a aceitação de quaisquer

equipamentos como eletrodomésticos parece estar vinculada não apenas à facilidade

de instalação e simplicidade de manuseio, mas também ao ocultamento de tecnologia

digital do usuário final. A despeito das muitas ilusões sobre o conceito de

‘computador amigável’ que permeia o design de microcomputadores pessoais desde o

advento dos Apple Macintosh em 1984, o apelo dos aparelhos que são explicitamente

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computadores ainda parecem estar restritos a um grupo específico de consumidores.

O processamento digital já está espalhado pelas nossas casas numa variedade de

aparelhos diferentes. Desde o forno de microondas até a secretária eletrônica, as casas

dos anos 1990 de certo modo confirmam a previsão da década de 1970 segundo a qual

“computadores estariam no centro de nossas casas, operando o aquecimento, o alarme

contra roubo, gerenciando os telefonemas, etc”. A diferença entre a realidade de hoje

e as previsões de vinte anos atrás é que não existe apenas um único computador

centralizando todas as atividades da casa, mas um computador dedicado dentro de

cada aparelho doméstico (MacGregor, 1994, p. 120).

Embora a centralização de diferentes tipos de dados oriundos de fontes diversas seja

crucial para várias aplicações profissionais, a nível doméstico a concentração de

muitas atividades em uma única estação poderosa, e consequentemente cara, pode ser

economicamente inviável. Para além da escolha entre adquirir mais um dispendioso

‘Centro Doméstico de Comunicação’ para uso simultâneo por diferentes membros da

família ou esperar até que as crianças terminem de ver um filme para poder acessar o

dicionário eletrônico, é quase certo que consumidores típicos prefeririam adquirir

várias plataformas mais baratas que desempenhassem cada uma uma função diferente.

Parece mais provável que os sistemas de computação para uso doméstico se

desenvolvam como redes internas, particularmente aquelas formuladas conforme o

modelo do ‘computador onipresente’ (ubiquitous computing), um “avanço do uso do

computador a partir da disponibilização de vários computadores espalhados pelo

ambiente, mas invisíveis para o usuário” (Weiser, 1993, s.p.). É interessante notar que

a descrição de uma casa high-tech divulgada pelo jornal britânico The Sunday Times

em 1997 incluía doze aparelhos digitais independentes somente na sala de estar11,

vários deles conectados entre si (Murphy, 1997).

Em um ambiente de ‘computador onipresente’ totalmente desenvolvido, diferentes

11 Televisão com tela gas-plasma, televisão bidirecional, NetStation, PlayStation, câmera digital de vídeo, auto-falantes, fones de
ouvido com redutor de ruído, conversor analógico-digital, controle de autômatos, DVD, Minidisc e aquário virtual.

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aparelhos se comunicariam entre si e com uma estação central de processamento de

dados através de sinais de rádio. O mesmo princípio embasa o programa Things That

Think (Coisas Que Pensam) do Massachussets Institute of Technology (MIT), descrito

com entusiasmo por Tony Smith:

O Programa Things That Think do Media Lab foi baseado na idéia


de que a tecnologia da informação somente será útil de verdade
quando puder fornecer a informação necessária onde quer que o
usuário esteja, exatamente quando solicitada e com o mínimo de
trabalho. Para fazer isto, os sistemas precisam estar conectados a
uma rede poderosa e onipresente, capaz de estabelecer comunicação
entre os vários terminais, capaz de entender que tipo de informação
você solicitou e portanto o que precisa ser fornecido. Isto tem ainda
que ser feito de forma invisível. . . . O pessoal do Media Lab gosta
de falar sobre sapatos que podem captar dados do tapete quando
você entra numa sala e transmití-los a uma tela em seu relógio. Este
pode ser um exemplo extremo, mas não é tão bobo. . . . Uma xícara
pode ter que checar se o café que continha ficou frio ou foi bebido.
Ela pode informar a máquina de fazer café que é preciso esquentar
um bule novo, e indicar isto através da emissão de uma corrente
pelo seu corpo (sua Área de Rede Pessoal - Personal Area
Network), a qual é detectada pelos seus sapatos e redirecionada para
a máquina de café através dos fios no tapete (Smith, 1997, p. 209).

Apesar do fascinante apelo dos aquários virtuais e xícaras que decidem quando

preparar mais café, é preciso não esquecer que tecnologia alguma pode se estabelecer

comercialmente sem que haja relação entre suas características e as exigências e

necessidades do mercado consumidor. Mesmo as estratégias de indução de demanda

mais eficientes precisam de um ponto de partida a partir do qual possam ser aplicadas.

Até mesmo a impressora de tipos móveis de Gutenberg poderia ter sido um fracasso

do qual poucas pessoas teriam sequer ouvido falar sem "atender e alimentar a

demanda por material de leitura gerada pela classe média secular, emergente e

crescentemente educada" (Arundale, 1994, p. 1). Superados os obstáculos técnicos, a

utilização de sistemas interativos pode permanecer confinada a porções específicas do

mercado consumidor na ausência de aplicativos percebidos como essenciais, que

possam justificar o investimento em hardware.

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