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DESTINO DEPINTURA (Shenz Conortop) A principal virtude da critica, frente a telas tao impressionantes,talvez seja saber calar-se. E s6 consentir palavras pre- imentes, inevitiveis, que tenham o poder de transmitic a perplexidade duradoura que essas pinturas imprimem em nossa per. Cengao. De fato, nao pedem contemplagao e sim convivio espiritual, Tudo nelas — desde a escala formidavel até a sabedoria trdgica de sua visdo retrospectiva — exibe uma densidade e uma intensidade existenciais que nao se colocam a disposi¢s0 do olhar. © pensamento visual promove aqui, a contra-corrente, a vontade de permanéncia do singular: resistindo a deliquescéncia © 8 desqualificagao generalizadas das aparéncias, tipicas de nosso cotidiano, tais obras destinam-se a fica. Mas ¢ um estranho espeticulo, talvez uma espécie fascinante de contra-espetaculo, o que finalmente apresentam. Tra- zem & luz 0 fluxo do tempo e sua capacidade aterradora de dispersar e dizimar, E, no entanto, todo o terrivel que surge, surge com um brilho, uma atualidade, frutos da determinacdo de um Eu lirica empenhado nada menos do que ern redimir a vacuida- de. a propria futilidade da vida, Inspirado por uma ética da auto-superaca0, comum aos expressionismos no sentido lato, a postica de Iberé Camargo seria uma declaragao enfatica em favor da repotencializagao constante da vida. O real seré movimento, esforco e ansia de realiza- ‘20, 0u seré apenas uma va esperanga, ilusdo mediocre de coeréncia e harmonia. A prética da pintura, no contexto da modemnidade tardia, consiste no discreto exercicio herSico de renovar a dinimica plastica da vida: atentar_acreditar naquilo que vernos, senti- ‘o plenamente, eis 0 que se £0 1a mais e mais dificil no deceptivo Império da Imagen Perceber, desde o principio, ¢ um modo de compreender e agir. © impulso cle uma oneméria ativa elimina desses qua- dros, a empreender quase uma autobiogratia das formas do pintor, qualquer acento nostélgico para emprestar-hes um carater de desatio, auténticos embora s6brios tours de force. E observi-los, admiré-los para valer, noo seria menos: devemos suportar © pés0 considerdvel de sua gravidade sem deixar escapar a sua inquietude, 0 transe de sua realizacdo. De manera ilagrante, a tela ¢ produto de gestos intempestivos e julzos contradit6rios, no furor de momentos eminentemente incertos — guiados contu- impossivel esquecer, pela intuicio infalivel de um artista votado incondicionalmente ao destino da pintura Retomar a figura humana, reelabord-la obsessivamente, raspié-la e refazé-la dee, cem vezes, repassar a sua historia en- ‘quanto a forma por exceléncia do ocidente, ¢ justamente a tentativa de reviver a sua agonia primitiva. E assim, saturadas todas a8 etapas, reaproximar-se de sua verdade primordial. No mesmo espirito radical, a terra suméria, o anti-ambiente a que essas, figuras pertencem, sugere algo como o primeiro dia depois do fim do mundo. Nesta versso conclusiva do Sul, com sua enormi- dade elementar, nenhum excesso é permissive, paisagem basica reduzida a tragos essenciais. Eo seu bilho écido, terroso, phimbeo juase purpura, desmente a naturalidade do teal; no limite, parece duvidar que o homem mocierno consiga resgatar qualquer ero de conaturalidade. Sob essa inédita luz arcaica, 0 mundo revela-se pela primeica vez um lugar secundaria, ancestral, exaurido pela repeti- ‘$40. A narrativa temporal retorna fatalmente a seu impasse inicial. Essas andnimas criaturas universais, paralisadas em um torpor metafisico ou movidas por uma agitagdo sem rumo, anunciam uma verdade humana veemente porém enigmatica, Nada, em todo caso, que nao esteja patente em seu drama pictorico. Ao contrario entretanto do que ocorria ao tempo de Goya, a quem cesses éleos remota mas legitimamente podem evocar, nenhuma distorcao expressiva sera eloquente o bastante para adietivar 0 _desespero cultural contemporaneo. Dai a compulsao criativa de lber® Camargo, arriscando-se nos extremos da pintura de ca- valet, de levar a rabo a concentragao e a dilapidacdo exaustivas de todo contedde formal expressivo, Nao ha pois como de-idir se contemplamos 0 olhar opaco da idiotia absolca ou a fisionomia compreensiva, ironica- mente implacavel, da lucidez integral. Nem ha garantias que o dilema seja crucial para a experiéncia estética dessas obras. Exist, sim, quero crer, um fato inegavel: ao evidenciar com semelhante grau de virtuosismo a miséria, a deméncia do presente, essas. felas tratam, na medida de seu alcance, de salva-lo. Eo que viéssemos a especular nao passatia provavelmente de uma anteci- aco ociosa e pretensiosa. Todos os que se disponham a enfrenté-las terso com certeza que encontrar as suas proprias pala- vras para ndo conseguir defini-las. Ronaldo Brito Rio de Janeiro, marco 1993

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