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A_HOSICA DE PROTESTO 4'0 subdesenvolvido & Cangao do bicho e Proezas de Satanas.-- (1962-1966) LUIZ ANTONIO AFONSO GIANI 7 Cpa wpe le ot keller Ce? bolt EE lee A pele &. hey Vn rad Gory be Socal PLE Gpectprio f we Sone open, 26 ole Celie oles 6. 149 $4 ood r INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ‘CAMPINAS ~ 1985 - Tese apresentada ao Programa de Mestrado em So- ciologia do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas. A MOSICA DE PROTESTO 4'0 subdesenvolvido 4 Cangao do bicho e Proezas de Satans... (1962-2966) APRESENTACAO. 0... 000200 capITULO I - A INVESTIGACAO DA MOSICA DE PROTESTO: POR UMA SOCIOLOGIA DA MOSICA....... 1. 0 objeto de estudo: uma linguagem nado conceitual.. 2. Fundamentes tedrico-metodolégicos...... 3. Quadro de referéncia musical. 4, As determinagdes politico-ideolégicas da misica de protesto...ciceeeete teen ce 5. A misica de protesto em questdo, hoje........- CAPTYULO II - DOS PARTIDOS AS PARTITURAS..... 1. Radicalizagdo e resisténcia (1962 - 1966)..... 1.1. Os partidos..... 1.2. 0 movimento sindical. 1.3, 0 movimento estudantil. 1.4, Os movimentos de educagdo e cultura popular........ 1.5. Desmobilizagio e resisténcia (pds~64).... 2. © impacto do nacionalismo e do populismo sobre a linguagem musical... 2.1. A escola musical nacionalista....+....++ 2.2. As vertentes da misica de protesto...... 3. Contratempos: Rock, Jovem Guarda e Bossa Nova. CAPITULO III - A LINGUAGEM MUSICAL POSTA EM QUESTAO. 1, 0 manifesto do CPC. 2. 0 grande debate da "Civilizagéo Brasileira"... 3. Um confronto: J. R. Tinhorao e Caetano Veloso. 4. Concretismo e Misica Nova: a caminho do tropica- Lismo....eeee CAPITULO IV - A MUSICA DO TEATRO PARTICIPANTE...... 1. Um projeto participante....2..... 220s sees sees 2. Da Auto dos 99% ao Telecoteco.... 3. Em cena a milisica do povo.. i 13 1g 4. 52 60 69 73 73 80 84 91 112 14 114 129 140 153 155 167 207 216 237 239 242 259 3.1, A misica do povo interpretada por ele mesmo.:...... 3.2. © cancioneiro popular: um campo de coleta e inspiragao para a pequena burguesia msicista . 4, Sons que nao se ouvem mais.. CAPITULO V - A MUSICA DE PROTESTO NO CINEMA NOVO... 1. "Estética da fome": o cinema na realidade e a re alidade no cinema....-....+++0++ 2.-Fundamentos da linguagem musical documentagiio e inspiragiio folelérica e popular-urbana...: 3. 0 caso do CPC.. 4. Ciclo carioca....... 5. Ciclo paulista... 6. Ciclo mineiro.... 7. Ciclo nordestino...0. eee. eee CAPITULO VI - A MUSICA DE PROTESTO NO DISCO.....-----++ 1. D'"A voz do morro” a Sidney Miller.....+++++++ 2. primeira vertente: a voz do povo.. 3. Segunda vertente: a transfiguragao do cancionei- ro popular.....++ Terceira vertente: antropofagia musical.. CONCLUSAO. . 2.2 - + eee eee e eee ee eee 1, Misica Viva: manifesto de 1946... 2. Carta aberta aos misicos ¢ erfticos do Brasil. Camargo Guarnieri. 1950.....seseeeeeeee re 3. Carta-resposta de Koellreutter a Guarnieri. 1950 4. Progresso em misica. Claudio Santoro. 1951....++ 5. 0 subdesenvolvido. Carlos Lyra e Francisco de Assis -..----- 6. Misica Nova: manifesto de 1963.......--- BIBLIOGRAFIA....- TRILHAS MUSICAIS DOS FILMES........- TRILHAS MUSICAIS DO TEATRO......-+++ DISCOGRAFIA. 261 274 300 gun 311 323 327 333, 350 +359 379 379 384 400 al 453 469 aml 475 481, 485 495 499 503 Sil 514 APRESENTACAO Este estudo representa um caminho longo © peno- so. N3o se realiza uma tese de mestrado, no decorrer de dez anos, sem muito desgaste nas relagdes pessoais. Ganha a ciéncia, a Universidade, talvez a luta pela trans forma- gSo da sociedade... Mas, ¢ os desgastes e privagdes nopla no ffsico e emocional do pesquisador e seus efeitos nas re lagdes humanas? Dedico este trabalho 3 minha esposa Ana Luiza e nossos filhos Milena, Rossana e Carlos Frederico, que me écompanharam neste trajeto. Quero também estender minha homenagem ¢ gratidao aquetes que muito fizeram nos primeiros passos de minha formagao humanfstica e musical: meus pais, Anténio e Rita, e meu primeiro mestre na arte dos sons, Pe. Jorge Fialho. Este trabalho serfa ‘impossi~ vel sem o meu interesse especial pela misica. Mas este sé no bastaria, 0 s@men veio da militancia. Tempos de JUC... Hoje guardo com carinho a entrevista que realizei, quando presidente do B.A, do Conservatério Musical de Uberaba, com Aldo Arantes, entSo presidente da Unido Nacional dos Estudantes. 0 tema: cultura popular. A UNE~Volante passa- ve por 18 (maio de 1961). Nesta ocasi3o ja me colocava a quest3o principal que me levou, quinze anos depois, a pro por esta pesquisa junto ao Programa de Mestrado em Soclo~ logia da Universidade Estadual de Campinas. A quest3o me parecia bastante enigmattca: de que forma a misica, Vin guagem nao conceitual, expreséa. um programa politico revo lucion3rio ou se constitul como instrumento de dominacio? Nas letras das cangdes isto se pode discernir até mesmo ao nivel do senso comum, Porém, como se estruturam as melo- dias, os acordes, enfim, os elementos constitutivos da mis ca, no compromisso polftico? Para testar minhas hipéteses optet pela Investigagdo do primetro movimento de misica po- pular comprometido com a prética revolucionaria: a misica de protesto dos anos 60. Sob a Influéncia deste movimento transcorri minha juventude. Na formulagdo e desenvolvimento do projeto de pes quisa valeram-me a orientagao e o interesse dispensados pe- lo estimado mestre Manoel Tosta Berlinck, responsdvel pelo jaa estudo, talvez Gnico, sobre’o CPC da UNE. Nao realiza pesquisa e 0 mestrado sem o companheirismo de Sflvio e Can- dida que, ‘semanalmente, por dois anos, me acalheram em sua casa. No levantamento de dados e registros fonograficos fo- ram muitos os participantes. Elizabeth, Jane e Cora contri- butram na pesquisa do diario Gltima Hora (1964-6), Junto & Biblioteca Nacional, na localizagao e acesso a acervos de discos © filmes ¢ organizegdo do material coletado. Henri- que Eduardo teve uma participagao especial no trabalho dele vantamento'e gravag3o das trilhas sonoras dos filmes junto & EMBRAFILME e & Cinemateca do Nuseu de Arte Moderna. A es~ tas entidades agradego.o apoio que me foi concedido direta- mente ou através do Servigo Social do Comércio - SESC, onde trabalho como técnico da Segao de Estudos e Pesquisas do De portamento Nactonal. fo SESC venho recebenda valioso apoio ao meu desenvolvinento profissional. Gragas a Rogério, Moacir, Eli e@ Manoelzinho pude chegar até © acervo discogré- co do Jornal do Brasil, um dos poucos redutos que encon trei. Nas Radios HEC e Roquette Pinto nada ha que possa ’ “9 contribuir para a meméria do movimento. 0 CED! foi uma grande descoberta. Gragas a muito amigos, de posse de dis cos raros, pude recuperar parte expressiva desta meméria. Outra fonte significativa foram o$ "sebos" de discos. Nun deles encontrei por um prego qualquer o antoldgico "0 po- vo canta! (do CPC/UNE). Muitas trocas de idéias e emprés~ timos de livros e discos me proporcionaram os companheiros identificados e preocupados com minha tarefa: Neise, Fio~ re, Juliano, Cafezeiro, Henrique Eduardo, Sflvio,Luiz Fer nando, Sebastido, Cristina, José Roberto, Vera, Gilda, Ti to, Isaura, Penha, Elizabeth, Ricardo, André, Sérgio,Lour dinha, Heloise e Daisy, A estes ¢ muitos outros @ minha gratid’a. Presto uma homenagem especial ao maestro Guerra Peixe, que me orientou na analtse de algumas pegas e me abriu caminhos para maior compreenséo da estética naciona lista, Sem o apoio da FAPESP, da CAPES, do CNPq © da Se~ cretaria Municipal de Educagao e Cultura do Rio de Janei~ ro, meu esforgo seria em vio. Finalmente, a homenagem maior jento da eu rendo a todos os que tornaram possTvel o mo masica de protesto. Pego-Ihes permlss3o para transmiti-la através de um representante muito significative: Geraldo vandré. Frente @ inexisténcia de uma Sociologia da Mi ca sistematizada, de que pudesse langar mao na etapa int- Tell tarefa cial de fundamentagao teérica, realizei a de uma revisdo bibliogréfica na tentativa de suprir este necessidade. A isto se destina basicamente o primeito ca~ pftulo, além da delimitagSo do objeto e suas varidveis e 10 da reflexdo sobre as determinagées poli tico~ideolé. (nacionalismo e populismo) da linguagem musical. No segun do capitulo trato das formas concretas de manifestagio das determinagdes, comegando pelos partidos polfticos.Dai pros. sigo até a abordagem das correntes do pensamento artist co-musical, sob o impulso destas determinagdes (terceiro capftulo). Os trés Gltimos capftulos sao destinados & de~ monstragée de como tais deter agdes se concretizam nas estruturagdes melédicas, ritmicas, harménicas e instrumen tais. Assim fecho © ciclo pensamento-pratica, pelo exame de um extenso repertorio musical. Que a Histéria aqui relatads nos permita a to- dos tirer mator proveito de um passado tao préximo quanto reprimido e que certamente sera devidamente resgatado com © recrudescimento do movimento popular na Nova Republica, Rio de Janeiro, junho de 1985 cavtruro 1 A_INVESTIGACAO DA MOSICA DE PROTESTO POR UMA SOCIOLOGIA DA MUSICA 1. © objeto de estudo: uma linguagéim nfo ‘conceitual......... 13 2. Fundamentos teérico-metodolégicos....-.+-+++- 3, Quadro de referéncia musical..... a 4. As determinagdes polftico-ideolégicas da misica de protesto.. se. eee eee ee cee ee eee ee etre treet eeeeteeec ence 52 5. A misica de protesto em questéo, hoje........ 60 CAPITULO I: A _INVESTIGACKO DA MOSICA DE PROTESTO: POR UMA SOCIOLOGIA DA MOSICA 1. 0 OBJETO DE ESTUDO: UMA LINGUAGEM NAO-CONCEITUAL A misica de protesto @ um movimento emergente do processo de radicalizagao politico-ideolégica, na Gltima etapa da democra~ cia populista (1961-4). Como forma de expressao da “alianga de clas ses" e do nacionalismo (niicleo ideolégico da “alianga de classes"), amiisica de protesto estrutura-se a partir de orientagdes -diver- sas, até mesmo contradit6rias, que vao desde as do pensamento bur- gués-liberal até as do materjalismo-dialético, como a do realismo socialista. As variadas conotagdes de orientagdo nacionalista en- contram seu elo comum no reconhecimento de determinadas formas de expresso musical das camadas populares rurais e urbanas concebi- das como elementos definidores da cultura nacional e popular. Tais elementos sdo utilizados como fontes de inspiragio e estruturagdo da criagio musical de segmentos da pequena burquesia, particular~ mente universitaérios, intelectuais e artistas profissionais, na lL. deranga do movimento. Com o golpe de Estado de 19 de abril ge 1964, eliminada a fragdo nacionalista hegeménica do poder e com ela o na cionalismo como ideologia oficial do Estado, séo exterminados | os movimentos e centros de cultura popular,principais niicleos de for- magao da misica de protestc. Dal em diante,o navimento redefine-se, orientando-se desta vez nao s6 contra o modelo de internacionaliza go da economia (om rapido processo de expansdo desde o governo de JK) mas também contra a nova ideologia do Estado militar,sob a he~ gemonia do imperialismo. A miisica de protesto atinge o seu apogeu sob a escalada da repressio, nos governos de Castelo Branco © Cos- tae Silva, sendo definitivamente exterminada durante o processo de endurecimento do regime militar consolidado pelo Ato Institucio nal n@ 5. 0 consagrado “hino" da misica de protesto, sua derradeira obra mais significativa, 6 Caminhando (ou P'ra nfo dizer que _niio falei de flores) de Geraldo vandré, interpretada pelo compositor em setenbro de 1968, no III Festival Internacional(fase nacional) da Cangao. Trés meses apds, a 13 de dezembro, Costa e Silva baixa o 4 Ato Institucional nv 5, suspendendo definitivamente as garantias constitucionais no pais. No seu campo especifico, a misica de protesto segue uma o rientagao nacionalista e popular, que tem um de seus mais fortes re presentantes na ja centenaria escola musical nacionalista, reconheci, da esta em suas ligagdes com a Semana de Arte Moderna de 1922, 0 pensamento musical de Mario de Andrade, o realismo socialista, as correntes musicais nacionalistas de outros paises e a negagdo das correntes vanguardistas/esteticistas cosmopolitas (como 0 dodecafo etc.). Da es nismo, a misica concreta, aleatéria, os "happenings cola musical nacionalista a misica de protesto 6 herdeira de uma forte orientagio neo-classica e folclorista. A luta politico-ideo~ légica representada por esta escola e pela misica de protesto con- siste basicamente na luta‘contra a internacionalizagdo da economia e da sociedade em geral sob.a égide do imperialismo.Trata-se de um amplo projeto de “autodeterminacio," o nacionalismo-desenvolvimen- tista, adotado através da "alianga de classes,"conciliando interes ses da burguesia nacional, a classe oper4ria e demais segmentos das camadas populares e médias. Na inst&ncia especffica da misica popu lar, a luta politico-ideolégica é travada contra a indiistria culty xal do imperialismo, imposta através do jazz, cock, ié ~18 e ou~ tros géneros em rapido processo de massificagdo. Destes, apenas o jaza 6 assimilado criticamente pela miisica de protesto, contribuin do para a formag&o de uma corrente musical conhecida como bossa no va nacionalista. Formado no 4mbito da pequena burguesia, o movimento da mi sica de protesto surge numa conjuntura caracterizada pelo profundo distanciamento sécio-econdmico e cultural entre as camadas médias © os trabalhadores do campo e da cidade, a baixa participagao popu lar e oper&ria no movimento socialista, o répido e recenté movimen to de incorporagio das massas no processo politico e a fraca orga- nizagdo politica e cultural da classe operfria, entre outros aspec tos. Tails condi¢des est&o na base das limitagdes objetivas e subje tivas no campo da incipiente organizag&o da agSo cultural de orien tagio popular/revoluciondria junto as massas, no momento mesmo em que a revolugio 4 concebi@a como necessdria e urgente. Nesta con- juntura, uma das principais limitagdes da miisica de protesto é o Bs seu confinamento quase total em determinados segmentos da pequena burguesia. Seus agentes, conscientes da necessidade de ampla atua- gGo junto 4s massas, empenham-se na aproximagio com os trabalhado- res da cidade e do campo até o momento em que esse propésito tor- na-se praticamente impossivel em decorréncla do golpe militar de 1964, No dificil percurso da misica de protesto,em diregao as mas- sas, s80 tragadas controvertidas trajetérias. £ 0 caso das polémi~ cas propostas "diddticas," “conscientizantes,” gue nem sempre en- contram aceitag3o geral nos movimentos de cultura popular, princi-~ palmente quando acusadas de "esquematitsmo" e subordinagao do esté- tico ao politico. Os protagonistas da pratica musical "engajada," pante," de "protesto" ou "revolucion4ria," organizados de um modo partici- mais ou merios ‘articulado com os partidos politicos, instituigdes cientificas (como o ISEB), movimentos e centros de cultura popular e movimentos especificos do cinema (cinema novo):da poesia e¢ do teatro, confrontam-se na teoria e na pratica com uma variada ordem de problemas, tais como o contefido politico-ideolégico e a qualida de estético-formal: No entanto, & importante observar que o imedia tiemo polfticormesmo nas praticas em gue este se coloca de forma claramente definida e intencional, nao determina necessariamente o rebaixamente estético. Outras questdes cruciais colocam-se ao ni- vel das representagées em torno do significado politico-ideolégico das manifestagées musicais consideradas segundo os interesses e con digdes da classe ou camada a que estio ligadas. Nas formas de pen~ samento inspiradas no realismo socialista ou por ele aprovadas en- contra-se, por exemplo, a afirmag3o do folclore nao sé como porta~ dor de clementos da futura "cultura proletaria,” bem como de pro- cessos esteticamente validos. No entanto, ha projetos culturais re volucionarios que negam a validade estética das manifestagdes "po- pulares” ou "do povo,” mas contudo definem-se pela utilizagao de seus processos de linguagem como condigao necessaria 4 comunicabi- lidade com as massas. £ 0 caso do Manifesto do Centro Popular de Cultura da Unifio Nacional dos Estudantes - CPC/UNE. Embora o Mani- festo expresse a visSo oficial do CPC, ele nfo representa necessa~ riamente o pensamento e a pratica da maioria dos artistas engaja~ dos no Centro. Questées semelhantes s30 colocadas na teoriae na 16 pr&tica da misica de protesto com relagio as formas de expressao musical de segmentos da pequena-burguesia, considerada em suas a~ proximagées com a miisica em escala internacional: £ 0 caso da ver~ tente nacionalista da bossa nova. Trata~se de uma das principais contradigdes da misica de protesto, decorrente da divisio entre os que afirmam e os que negam a validade da aceitagio critica da in- fluéncia jazzistica. Com relagao 4s formas de expresso “eruditas," o movimen- to da misica de protesto expressa a consagragdo da escola musical nacionalista e a negago do falso vanguardismo estético-formal des comprometido com a vanguarda politica. Bsta negag&o volta-se con- tra as linhas do pensamento burgués-liberal que fundamentam _ movi- mantos esteticistas como 0, dodecafonismo, ‘o concretismo, o. movimen to aleatério, os “happenings,” etc. Tais movimentos tentam apro- priar-se do materialismo dialético em seus estudos e manifestos. Isto se d& principalmente através de colagens, como as citagdes ex traidas de obras classicas (como 0 Manifesto de Marx e Engels ,1848) e do pensamento de Maiakowsky feitas por representantes da poesia concreta articulada com © movimento "Misica Nova." A hipStese inicial, que orienta todo o processo de inves- tigagio, voltava-se para as implicagées da ideologia nacionalista no processo mesmo da composigiic musical, nic apenas como processo de criag&o, como esta se manifesta na partitura, mas incluindo tan bém 0 momento da interpretagao, mesmo porque parte das manifesta- gées musicais das camadas trabalhadoras independem de partitura.Na formulagio da hipdtese, partimos do pressuposto de gue a linguagem musical, isto &, a praética social de organizar os sons,reflete ne- cessariamente uma determinada forma de concepgao do mundo. As for- mas de conceber o mundo, as ideologias, sio geradas no interior das classes sociais. 0 movimento das ideologias expressa-se também a~ través das artes. Assim se estabelece uma das principais formas de relagaio entre misica e sociedade. Se a contradigao principal,na de mocracia populista, di-se entre o desenvolvimentismo nacionalista - que € 0 niicleo mesmo do Estado populista - e o imperialismo, for mulamos a hipétese de que a linguagem musical de resisténcia teria seus elementos estruturais e a forma de organizé-los definidos sob a determinagaéo das linhas gerais do nacionalismo e, de um modo es~ pecial, das linhas politico-ideolégicas de orientagio mais 4 es~ querda, responsiveis pelos projetos de arte revolucionaria. A his- téria das praticas musicais esta assim, sem que se negue sua rela~ tiva autonomia, determinada pelo movimento das contradigdes sociais, econdmicas e politico-ideolégicas. Tais contradigdes s&o determinan tes, em primeira e iiltima instancia, Nosso objeto de estudo sao as obras musicais,segundo seus elementos de estruturacdo: a melodia, a harmonia, o ritmo e a for= magao instrumental, enquanto elementos organizados sob a determina gio do movimento politico-ideolégico. A linguagem aqui analisada & a musical, en seu sentido estrito, a dos sons ngo verbalizados! 1) Tevantamos ¢ analisamos o repertério musical mais xepresentativo do movimento. Como critério de representatividade,consideramos que as obras musicais mais significativas sdo as produzidas e/ou veicu ladas no ambito dos projetos nacionalistas, especialmente aqueles orientados ‘por uma preocupagio artistica revolucionaria. Tais pro- jetos, resultantes do encontro de propostas diversas, com hegemo- nia do pensanento de esquerda representativo do Partido Comunista Brasileiro -PCB, circulam basicamente- através do teatro, do cine~ ma e do disco. Nosso objeto de estudo est& assim distribufdo,segun do cada um destes campos: a) misica no teatro, b) misica no cinema e c) misica no disco Para que nao haja repetig&o, o levantamento e andlise do extenso repertévio discogrAfico nao inclui as obras j4 inclutdas no teatro e no cinema. muitos estudos sobre a misica popular (nos seus titulos 6 explicita a referéncia & misica) tem por objeto nao a misica e sim a letra das cangdes. (.1)Not: 18 © periodo abrangido pela pesquisa vai da origem do movi~ mento & sua fase de consolidagao. Dai o titulo D'o Subdesenvolvido &_Cangéo do Bicho e Proezas de Satands, cercando basicamente os a- nos de 1962 a 1966. Nao temos o propésito de investigar o movimen- to at6 a sua extingSo, simultanea & crise do movimento tropicalis ta, na conjuntura marcada pelo Ato Institucional nv 5. Deixamos as sim de abordar os dois Gltimos anos (1967/8) que,embora constituin do um tempo histérico relativamente curto, mas profundamente denso em sua conjuntura polftico-ideolégica e musical,demandariam esfor- go e tempo impossiveis para as nossas condigées e propésitos de in vestigaco. Se, por um lado, deixamos de percorrer o movimento até a sua etapa final, ganhamos no entanto em aprofundamento e riqueza doctumental em torno de sua origeme formagZo. 0 repertério da misi ca de protesto aqui analisado nao est& organizado através de téeni cas de amostragem. Considerando basicamente a produgao musical do eixo Rio-Sao Paulo, levantamos e analisamos a quase totalidade das obras mais representativas do movimento. Se obras ‘significativas esto excluidas, tal fato deve-se fundamentalmente 4 extrema difi~ culdade ou impossibilidade de acesso as fontes. Delimitamos 0 le- vantamento documental a dois tipos de registro fonografico: 0 das peliculas cinematograficas e 0 discografico. Nossa maior insatisfagao, neste ato de investigagdo, nao se relaciona contudo com a exclusdio da fase final da misica de pro testo brasileira. Lamentamos sim a impossibilidade de desenvolver- mos, nas condigdes dadas de trabalho, a an&lisé comparativa entre @ nossa misica de protesto e a de outros povos, como a "protest song" americana ou a "cancién protesta" chilena.'?? {2 }Nota: Sao contempordneos os movimentos da misica de protesto brasileira e chilena. Veja~se,sobre o tema,o testemunho de Patri- cio Manns ,cantor,pesquisador de folclore,escritor,amigo de Violeta Parra e autor da obra dedicada a sua amiga (MANNS,Patricio.Violeta Parra. Barcelona,Ediciones Jicar,1978). Sao notérias as _semelhan- gas folcloristas de ambos os movimentos. Quanto As ligagdes entre misica ¢ ideologia observa-se,por exemplo, que Violeta Parra(ao re- tornar da_Buropa,inaugura a "Carpa de la Reina" em 1966) e€ o grupo de “La Pefia" (Isabel Parra,Angel Parra,Rolando Alarcon, Patricio Manns e Victor Jara) estavan "muito ligados aos partidos da classe trabalhadora, em particular o Partido Comunista,colaborando cons~ tante e desinteressadamente com eles, em especial durante as campa 2. EFUNDAMENTOS TEORICO-METODOLOGICOS 2.1. TEORIA A misica é mais um dentre os novissimos campos de estudo da Sociologia. Na literatura ocidenta] merecem destaque os trabalhos pioneiros do maestro.e filésofo da Escola de Frankfurt: Theodor W. adorno.‘ 3) a literatura nacional 34 despontam teses, como a de José Miguel Wisnik (0 Coro dos Contrérios:\a misica em torno da se- mana‘de 22), em que se desenvolve a preocupagio com o nexo entre o nivel social e o estético-musical. Vale aqui transpor o comentario do préprio Wisnik sobre a sua metodologia e certos pressupostos ins pirados em Adorno: "De maneira mais extensiva, foram decisivos os escritos de Adorno sobre misica, no sentido de clarearemas pers- pectivas de uma visdo de conjunto dos fatos musicais,en volvendo num mesmo movimento. compreensivo uma série de fatores de ordem estética e social. De Adorno recorri, pois, Aqueles pontos em que procura fornular as relagies entre a evolugao interna e em certa medida auténoma da linguagem artistica, em face das condigées concretas em que ela se produz. A transposigio para o ambito da so- clologia da misica dos conceitos de Marx,de forgas pro~ dutivas e condigdes de produgiio, tem muito de metafora (o préprio Adorno afitma que nem sempre fai possivel en contrar 0 nexo conereto entre o nivel social e o estéti, tico) mas eles poem em confronto dialético a composigao, nhas polftieas por Wais longas que elas fossem" (idem, p. 65). A Democracia Crist4, no governo, mantém sob sua mira a "cancién pro- testa”sem no entanto obstrui-la. As "peflas" se multiplicam, espe~ cialmente no meio universitario. Sobre a répida difusao do movimen to, P. Manns registra que "nao poucas gravagées de integrantes da *peha" arrebataram muitas vezes os “primeiros lugares de populari- dade" dos monstros internacionais: os Beatles,£lvis Presley, entre outros" (idem, p. 61). (3 )Entre outros estudos de Adorno,os especificos sobre a Sociolo- gia da Misica so Sociologie de la musique,in Musique em jeu 2, Pa ris, Scuil, mar. 1971 e Reflexions em vue d'une sociologie de ‘la musigue,in Musique em jeu 7, Paris, Séuil, mai. 1972. . 20 (4) WISNIK José Miguel. 0 coro do: a técnica interna, a atitude do intérprete ao mesmo tempo que as condigées econémicas e ideoldgicas em que a misica se produz, “a mentalidade musical e 0 gosto dos auditores." Esses elementos me pareceram adequados, pois, para referir conjuntamente a teda uma série de fatores internos e externos 4 linguagem, que sao maté- ria das tensées do Modernismo brasileiro. Como afixma Adorno,se as novas técnicas da lin- guagem musical podem modificar ou fazer explodir o es- tado de determinadas condigdes de produgao (gerando no vos comportamentos de escuta, como aqueles provocados em seu tempo e modo préprios por Wagner ou pelo jazz), as condigées de produgao podem impulsionar | ("Richard Strauss séria inimaginavel sem a ascensdo. da grande burguesia ale") ou limitar as forgas produtivas {como teria acontecide com a miisica contemporanea). A histé- ria do Modernismo brasileiro talvez tenha mito a ver con o impulso e a limitagao que servem para desenhar seus movimentos de contradigao, e nfo sé no ritmo de suas fases como na dinamica interna das obras mais re- presentativas. Essa tensdo @ viva em toda a obra de Mario de An drade, mas est também em Villa-Lobos de outro modo,se & que consegui sugerix na obra do compositor a marca de uma espontaneidade criadora que absorve tragos da vanguarda para mobilizar novas possibilidades de cria~ go, xeduzidas, por outro lado, pela adogio interna de expedientes capazes de responder 4s solicitagdes do meio, entre populistas e reaciondrias, fechando muitas vezes seus movimentos de abertura criadora numa repeti go 4 estratificada do bombAstico ou do ornamental. Trata-se de um problema aberto,pois dependerd sempre de uma definigio do modo como a misica se aproxima da ideclogia sendo (ou permanecendo) irredutivel a cia.” ontrarios: a misica em torno da semana de 22. S40 Paulo,Duas Cidades,Secretaria da Cultura, Ci- €ncia e Tecnologia, 1977, pag. 180. 2r © nexo com 0 social no perfodo nacional-populista nos le- va a concluir sobre uma estreita relagio entre a ideologia e a lin guagem musical. Com intensdo diversa de J.M. Winisk, nao investiga mos a relativa antonomia, e sim, o nexo em que a linguagem musical se articula com as determinagdes politico-ideologicas. Na literatura nacional,temos conhecimento de uma Gnica ten tativa de sistematizar uma teoria sociolégica da misica, Trata-se das Teses sobre _a misica, ‘5? de esforgo,da parte de miisicos brasileiros,no sentido de apreender que expressam talvez o primeiro gran- © processo da produgdo musical 4 luz de principios marxistas.No en tanto.um dos equivocos fundamentais das\Teses reside na sua funda- mentagio a partir da utilizaglo ortodoxa e esquematica de alguns capitulos (I,II e III) de Los conceptos elementales del Materialis mo Histérico de Martha Harnecker.‘©) as teses reduzem a produgao musical A produgio material. Todas as 48 Teses parecem ter por ba- se © principio exposto na 2a. Tese: “o objeto de trabalho musical © fenmeno sonoro, 0 fenémeno sonoro, ou simplesmente, o som, & uma matéria bruta..."'7). a redugdo da produgo musical 4 esfera do trabalho “direto" deve-se talvez ao desconhecimento dos autores © mesmo de Marta Harnecker em torno da obra em que Marx dedica~se mais 4 distingiio entre trabalho "material" e "ndo-material", "ime- diato" e “indireto", "produtivo" e ‘improdutivo". Trata-se do Capitu lo Inédito (VI) do Capital, editado pola Siglo XxI em 1971, quando a obra dé M. Harnecker 34 se achava na 6a. edicio. ‘8? m.aarnecker nao inclui o Capitulo Inédito na sua "bibliografia minima comenta- da." As Teses de A. Jardim e N.H. Cavalcante ndo nos dio portanto nenhum subsidio metodolégico no campo da, investigagdo das relagées (5) JARDIM, Antonio e CAVALCANTI,Nestor de Hollanda. Teses sobre a miisica. In Encontros com a Civilizagao Brasileira,vol.8,1979,p.228 (5) HARNECKER,Marta. Los _conceptos elementales del Materialismo His térico.México, Siglo XxI, 6a. ed., 1971 (7)JARDIM, Antonio e CAVALCANTI, Nestor de Hollanda. Op. cit, p.225. (8)MARX, K. Capitulo VI (inédito). El Capital Libro I. Buenos aAi~ res, Siglo XXI, Ga,ed. 1974. 22 entre ideologia e misica. Nao sendo esta a preocupagao dos autores, eles nao avangam além dos limites da relagdo mlisica/mercadoria. Na literatura sociolégica universal, incluem-se entre as tentativas pioneiras da Sociologia da Misica. os estudos de Max We ber e Pitirim a. Sorokin.‘*? No pensamento dialético, continuam a inda desconhecidus entre nés os estudos tedricos no campo especifi co da misica realizados pelo realismo soviético. Dos paises nio so cialistas ja estamos recebendo a produgao tedrica mais profunda ¢& extensa realizada no campo da teoria social da miisica, Trata~se da “teoria critica" aa estética e da misica produzida pelo Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt. £ desenvolvida basicamente por Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969) . Filésofo e compositor ,es. tudou composigao com Alban Berg (1885-1935), um dos,maiores expo~ entes da revolugdo musical do século XX. Entre 1932 e 1959, Adorno escreve os seguintes estudos sobre a misica: A situag&o social da misica(1932),Sobre o jazz (1936), O fetichismo_na misica e a regres so da audigdo (1938), Fragmentos sobre Wagner (1939), Sobre_misi- ca popular (1940-1), Dissonancias: a misica no mundo administrado (1956), Figuras sonoras. Escritos musicais (1959) e Filosofia da nova misica (1959). 10) A teoria de Adorno, no que se refere ao engajamento poli- tico da misica 6 inconciliavel com os propésitos de nossa tese. Es. colhendo como objeto o movimento da misica de protesto, na socieda de brasileira dos anos 60, investigamos uma dimensao que tem em A~ dorno um de seus maiores negadores, qual seja,-a dimens&o da misi- ca “engajada". Tanto Adorno como Benjamim denunciavam a nog&éo de TU)WEBER;Hax. Los fundamentos racionales y sociolégicos de la mé. sica. Economia y sociedad, Esbozo de Sociologia compreensiva. Méxi co, Fondo de Cultura Economica, IT, apendice, 1969,p-1118 .SOROKIN, Pitirim A. Fluctuation of ideational, sensate, and mixed forms of music. Social and _cultucal Dynamics, New York, American Book Compa ny, volume oné, chapter twelve, 1937, p. 531. (10) Algumas tradugdes: Moda sem tempo (sobre o jazz). In VELHO,Gil perto(org.). Sociologia da arte,IV. Rio de Janeiro, Zahar,1969. 0 fetichismo na misica e a regressdo da audigdo. In BENJAMIN, W. et alii. Os pensadores, Textos escolhidos, S40 Paulo, Abril Cultural, Vol. MITT, 1975- Filosofia da nova misica, Sio Paulo, Perspectd va, 1974. 23 engajamento ou “tendéncia", determinada a partir do contetido ideo- légico. Para Adorno a funga’o social da arte reside em sua auséncia de fungao. A justificativa de sua condenagao da arte "engajada” ou "revolucionaria" (Adorno dirige suas eriticas contra Brecht, Lukits © 0 realismo socialista de estilo zhdanoviano) & comentada por M. Jimenez em Para ler Adorng. Conforme M. Jimenez, assim pensa o mes tre de Frankfurt: "A arte deve ser considerada como um agente de transformagao social, nao como uma espécie de espelho no qual se re fletiriam os ferimentos da decomposigdo social"(...) "Lukacs come- te enfim 0 erro de pensar que a arte possa ser apologética,engquan- to que, para Adorno, ela sé existe para’ exercer a critica. A arte n&o € a celebracio de uma ordem, mas protesto veemente contra todo sistema opressivo. A arte nao é, neste :sentido,conhecimento, nem cristalizagao de carater humanista das experiéncias do passado. A representagao de tais experiéncias néo pode ser revolucionaria, 3 que ela reenvia 4 ideologia burguesa reaciondria,a cujos designios acaba por servir, quando nao favorece o oportunismo polftico do par +2) engajamento politico da arte, como a de denfincia ape- nas pelo conteiido, conduz 4 “integragiio social." Para Adorno,o mun do critico da arte sé pode residir na sua simples presenga no mun- do. © modo desta presenga nao & pelo engajamento declarado. Ao con denar a critica através do conteiido, a tomada de posigdo pela re-~ presentag&o realista do contelido, ele afirma que desta forma no se atende aos interesses de uma pretensa revolugao. A tomada de po sigio manifesta, a deniincia manifesta, deixa intacta a ‘ sociedade que ela deveria supostamente questionar. "A representagdo realista do contefido 6, em todos os casos,ineficaz em traduzir os movimen- tos e as contradigées da sociedade,as quais, pensa Adorno,se mani- festam sempre de maneira mais ou menos “subterranea." A obra de conteido realista se petrifica e anula o aise sua deniin- cia." (12) gimenez retira da Teoria Bsté Ponta o citasios "onde a arte parece reproduzir a sociedade ela nao produz mais que um co mo se"'14)_ q deniineia manifesta petrifica os conflitos e antago- Ti)SIMENEZ, Marc. Para ler Adorno. Rio de Janeiro,Francisco Alves, 1977, p. 114 e 140. (12) JIMENEZ, Marc. op. cit. p. 137 (13) Adorno, ao falecer, em 1969, nao chegou a concluir a Teoria Estética (14) JIMENEZ, M. op. cit. p. 137 24 nismos sociais e os esquematiza . Haveria assim uma contradigdo em querer "representar” o que,em Gltima andlise, jamais 6 tio eviden~ te no atual mundo administrado: as lutas de classes. As obras de arte nao podem adotar uma posigio politica direta. E se isto acon~ tece, sé se a4 de forma periférica. Adorno critica o “didatismo"de Brecht. Para ele, a atitude deste é autoritaria: "pele técnica de dominagio de que foi virtuose, ele quis controlar 0 efeito..." as) © engajamento declarado.expée a obra & atuagdo da ideologia totali thria. Conclui Jimenez que o engajamento n&o &, entdo,para Adorno, a condigio necessaria que permite definir a arte como praxis. Se se torna, como em Brecht, sistematico e normativo,o engajamento se impde A obra da mesma maneira dominadora que procura, paradoxalmen te denunciar. 16) ge adorno condena Brecht pela sua estética docon tofido, no entanto reconhece seu mérito pelos resultados obtidos sg pre a forma. Para Adorno, -a arte exerce sua critica pelo que exis~ te de imanente na forma. A critica social adquire sua violéncia quan ado 0 conteiido no é manifesto, mas camuflado e integrado adequada- mente numa forma que se torna propriamente critica social. Adorno ‘toma posigéo pela liberag3o formal da vanguarda est&tica,Esta sim, incomoda * profundamente a sociedade. $6 a liberagdo realiza efeti- vamente a unidade do critério est&tico e do critério social. Para Adorno, a politica cultural de Zdanov (dogmatism stalinista dos anos 32) acorrenta e destréi as forgas estéticas produtivas. Jime nez observa que a denfincia da nogdo de engajamento,determinada a partiz do contefide ideolégico, apresenta semelhangas quando se com para Benjamim e Adorno, este criticando o realismo socialista © a~ quele o fascism, 17) para Adorno, "toda inovagio formal se inscre, ve, contrariamente 3s aparéncias,, no quadro de uma praxis politica que visa A transformagio da realidade existente. Enquanto 0 vicio do realism consiste na tentagéo de uma reconciliagdo romintica e sentimental com a realidade, o construtivisme pesquisa constante- mente a adequagiio da arte com o mundo desencantado." (e) Tis) Citagac extraida da Teoria Estética de Adorno feita por JTMEKEZ, M. op. cit., p. 156. (16) SIMENEZ, M., op. cit. p. 159 (17) JIMENEZ, M. op. cit. p. 141 (18) JIMENEZ, M. op. cit. p. 167 25 Os comentarios de M. Jimenez em torno da teoria de Ador- no incidem basicamente sobre a Teoria Estética, filtimo texto que Adorno (morreu em 1969) pretendia concluir em 1970. Hventualmente ha referéncias 4 Filosofia da Nova Misica (la. edig&o alema:1959). Como Jimenez, Phil Slater também submete a teoria de Adorno a uma critica marxista. Ele conclui que a praxis estética da luta de clas ses nao tem importéneia para a teoria de Adorno.) 0 repiidio de Adorno & comunicagao discursiva "quebra o nexo teoria-praxis ao e~ vitar qualquer luta agitacional concreta para a consciéncia de cles se de massa." 0 conceito de arte como negagSo reproduz todas as fa Ihas da teoria critica da sociedade. Est longe de nossas possibilidades uma apropriagao eri- tica da teoria da Escola de“Frankfurt.’Nem @ nosso propésito reali. zar uma metacritica do movimento da miisica de protesto a partir de uma "teoria critica,” inclusive porque a teoria em torno da rela~ ¢&o entre vanguarda estética e vanguarda politica permanece ainda bastante nebulosa e controvertida nos dias atuais. Estamos no en- tanto bastante atentos para nao caucionar a decisiio escapista da vanguarda musical ou a utopia ou "voluntarismo artistico” da van~ guarda politica dos anos 60. Adolfo Sanchez Vasquez verifica que nas Gltimas décadas a politica seguida pelas vanguardas marxistas- leninistas, dentro e fora dos paises socialistas, contribuiu para o di vorci’d entié' as. duas vanguardas,divéreio este que tanto interessa 4 bur~ guesia. Por um lado, a rebeldia artistica no quadro do conformismo social torna-se cimplice da ordem burguesa. "As vanguardas artisti cas reagiram procurando preservar-se do cont&gio de todo o = virus politico e com isto estavam apenas a tornar-se ciimplices da politi ca mais retrégrada. A vanguarda politica, por sua vez, fechava os olhos ao verdadeiro significado e grandeza da revolugio art{istica do nosso tempo e fomentava uma arte que, em Gltima instancia, se a limentava de formas j4 decadentes. 0 resultado foi o divrcio, du~ rante anos e anos, entre a vanguarda artistica e a vanguarda poli~ tica, na medida em que esta,dentro desta situagao,nao poderia acei TS)SLATER, Phil. OFigam ¢ significado da Escola de Frankfurt: uma perspectiva marxista. Rio de Janeiro, Zahax, 1978, p. 205. 26 tar o conformismo politico e social daquela que, por sua vez, nao se poderia resignar 4 limitago de sua liberdade e potencialidade eriadoras ou que o carter da arte se reduzisse a verter 0 novo no velho. Essa situag4o comegou a modificar-se timida e lentamente nos dltimos anos, embora, porém, pesa muito ainda, neste problema, 4 u@o) carga negativa de passado. Mich8le Mattelart aborda alguns aspectos importantes da cang’o de protesto, ao focalizar o “encontro sutil entre a linha musical e a linha tem&tica da cang&o enquanto "meio de comunicagio © arte de comunicagado capaz de interpretar constantemente a histé- ria...» (2D) A autora aponta para a necessidade de focalizar a can~ ¢&o de protesto nao apenas em seu,valor de instigadora da luta mu sical, mas também como mensagem artistica. M. Mattelart lembra con tudo que "uma cangdo que se caracteriza por divulgar uma merisagen de natureza propagandistica corre todos os riscos de ser muito ma, Gogmatica, grosscixamente manipulada por uma ideologia que forga seu valor de expressSo." Quanto ao poder real da cang3o de protes to, enquanto arma da luta social, ela afirma que, dadas as condi- gdes estabelecidas pela indiistria cultural, pode-se dizer que a eangio de protesto resume-se a fazer ruido, fora dos pequenos cir- culos onde sua veiculagao corresponde a uma consciéncia social e¢ politica mais avangada. ?? Considerando toda a reflexio exposta até aqui chegamos 4 conclusao de que nZo contamos com nenhum estudo tedrico-metodologi co voltado especificamente para o campo da investigag3o das relagées (20) VASQUEZ, Adolfo Sanchez. Vanguarda artistica e vanguarda poli- tica. Inet alii. Cultura e Revolugdo. 0 Congresso Cultural de Havana. Coimbra, Centelha, 1977. p. 7/-B8. (21) MATTELART Michéle. El conformismo revoltoso de la cancién popu lar. In.: ECHEVERRIA, R. et alii. Tdeologia y medios de _commicacién Buenos Aires, Amorrortu, 1973. p. 139 (22)Idem. Nota: este texto de M. Mattelart,pronunciado por ocasifio do Segundo Festival da Cangao organizado pela vicereitoria de Co~ municagdes da Universidade Catélica do Chile,bem como os outros tex tos.da citada obra, surgiram entre 1970 ¢ 1972,publicados pelo Cen tro de Estudios de La Realidade Nacional (CEREN)da referida Universi. dade.Seguindo uma tendéncia geral da América Latina,o CEREN volta~ se para os estudos das manifestagdes ideolégicas neste periodo de tentativas revolucionarias,sendo extinto pela Junta Militar que des tituiu Allende, en 1973. ; . 27 entre misica e ideologia e do qual pudéssemos extrair os funéamen- tos para o estudo da misica de protesto. Frente 4 fraqueza tedrica {no sentide de sua incipiéncia e pequena escala de produgao) do ma terialismo dialético no campo da misica, somos forgados 4 retomada do pensamento dos classicos (Marx e Engels) e de outros pensadores nais recentes (Gramsci, Althusser, Poulantzas e Goldman), no campo da arte em geral, e de alguns esporddicos ensaios realizados a par tir dos anos 50, no pais, como o de Claudio Santoro. A reflexéo des te compositor, 4 luz do realismo musical soviético, @ apresentada ne artigo Progresso em misica publicado no érgio do PCB, a revista cultural Para Todos, n. 7, de margo de 1951 (vide comentarios so- bre o contexto em que € publicado o artigo,as p.120-4 de nosso estu- do). No momento, nos restringimos As consideragées tedricas em toz no dos classicos e demais pensadores, citados. Marx e Engels nao tiveram condigées concretas de produ go tedrica no campo da arte em geral e da musica em particular. 0 fato destes pensadores terem se dedicado ao estudo das relagdes de produgao tem sua explicagao nao sé nos limites historicamente esta belecidos @ produg’io do materialismo dialético (criado por eles), mas também & prioridade dada 4 esfera das relagées de produgiio,con siderada em sua instancia de infraestrutura. E neste campo, leve-se ém conta a grande resisténcia ao pensamento de Marx e Engels por parte de seus adversaries. Em carta a Bloch, Engels afirma que "bi: tiveram sempre o tempo, o espago, nem a ocasido de dar a devida im portancia aos fatores que intervem no jogo de agdes e reagdes" (Car ta de 21/22 de setembro de 1890). Engels refere-se aqui ao "jogo de agdes e reagdes" entre as estruturas econémicas, juridico-politi cas e ideolégicas. A concepgdo de que a arte é uma express4o também ideo~ légica tem seus fundamentos na teoria das relagdes de produgdo e suas determinagdes sobre as formas de consciéncia. Tais fundamen- tos sio tragados inicialmente pelos classicos do materialism dia~ lético. As relagdes de produgao, isto 6,a estrutura econémica «da sociedade, formam a base real sobre a qual se levanta a superestry tura juridica e politica. As relagées de produgao correspondem’de- terminadas formas de consciéncia. A transformagao destas formas de

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