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SUMARIO A origem deste lioro 9 Beatriz. Azevedo/Leticia Coura Uma dramaturgia que perturba, provoca, revela, (questiona efascina 1 Femando Peixoto TEATRO DE BERNARD-MARIE KOLTRS Roberto Zucco 19 Tabataba 47 ORetorno ao Deseo 53 Na Solidio dos Campos de Algodio 89 Combate de Negroe de Cites 105 A ORIGEM DESTE LIVRO BEATRIZ AZEVEDO / LETICIA COURA CABARET BABEL Bermard-Marie Koltts, nascido na aberto e apaixonade pela Africa ¢ pelas trata questées que nos dizem respeito muito divetamente; ele coukece o Brasil como ningué Bernard-Marie Koltts erd um marco para o teatro bras década de 90. A Gia, Cabaret Babel, movida por uma'paixio @ primeira Ieitura que acontecen na Espanha em 1993, realizou no ano se- guinte o Ciclo de Leitura e Pesquisa da obra de Koltés na Alian- a Francesa de Sito Paulo, Tradusimas e lemos todas as swat ‘pevas publicadas na Franca. Partiiparam do ciclo atores, ar- tistas plastics, intsicos¢ intelecuais, 0 entusiasmo surgido nas Jevou a Paris em busca de mais informagées sobre 0 autor. 1 nm més percorremos os teatros onde suas obra jd haviam sido encenadas, recolhemos artigos, sta, fotos, fomas a Rédio France Culture onde suas pegas esido gravadas, real- -zamos entrevisias com profisionais que trabalharam com sua obra. Conkeceinos unt once mais sobre 0 wniverso de Koltés percorrend os cafés drabes que ele freqientava, 0 bairro onde ntes que marcem profun- ‘morauc, 0 metrO gue tomava, a damente sua drameturgia Seu imo Frangois Kolts nos presenteow com suas obras indditas, e ainda em Paris travames 0 primeiro contato com M. Séréme Li editor de Koltés na Franga (Editions de Minuit), 0 que possibilton esta publicagéo, De volta av Brasil com todo esse material na méo retoma- mos o Ciclo ¢ iniciamos.os ensaios da Opera Urbana Zucco, espetdculo resultado desse mergulho profundo na obra de Kole Langados simultancamente, pepe e lore faxem da Cia. Caba- ret Babel e da Ecditore Hucitec pontas-delanga nessa ousadia necesséria: publicar pela primeira ves no Brasil a obra de Bernard-Marie Kaltes, UMA DRAMATURGIA QUE PERTURBA, PROVOGA, REVELA, QUESTIONA E FASCINA FERNANDO PEIXOTO No dia 10 de maio de 1990 fui ao teatro Schaubithue, em reenago de wm dos mais exp or quem sempre tive grande 0 conkecia nem o texto, Roberto Bernard-Marie Kolés. Desde at spreso: en jd havia visto Bei sivas diretores con adwiragito — Peter Ste m, assistir a mais rece cco, nem 0 autor, 0 fi uguagemn eénica no foram tana novidade, mas a permanente e ‘inguieta invengao e criatividade do texto, a sucesso de cenas wesperadas construindo a de dramaturgiainsélita ¢ poétice, com instantes de um reatisio cruel em seguida substi- ‘tuidos por um quase teatro de absurd, a mescla conturbada contraditéria a teartica sociale individual, a luta de classes ¢ a intimidade da familia, eriando imagens feitas de sinbolos ¢ realista, as vexes parecia pré cobras de Jean Genet, as vexes trasia para a cena o realismo tradicional ou o realismo dialético de Brecht. Sat do teatro carregaudo 0 impacto e a dilacerante temdtien como algo vivo ¢ mesma olkaw- ro ne por alguns instante fig doas pessoas quenaguele mamento passawam pela Léhniner Plats, onde esd localivada a casa de espetdenlos, no centro do que era entio Bertim Ocidental,¢fiquei examinando cada um, sobretudo a maisjovens, pensando que alguém poderia ser como o persona gem que havia visto em cena: um jouem que comete uma série de sassassinates com absolute trangitlidade, como atos cotidianos normais, sem motives, sem édio, sem ser provocade, na verdade No dia seguinte bem cedo corvi para a Livraria Francesa de Berlim para ver se encontrava outras textos do mesimo autor. A Aeitura atenta do excepcional programa distribuido aos espectado- ves da Schaubiine jd me havia dado as primeiras informacées sobre Kolts sua obra, Algens compankeiros do teatro alemio naquela mesma noite haviain mefaladosobresua obra como uma revelagao tinica, ¢ zambém que Kolts, nascido em Metz, em 9 de ‘abril de 1948, havia falecido em Paris em 15 de abril de 1989. Comprei tts ores, 0 que havia, justamente as ontras tks pegas que, juntamente com Roberto Zucco ¢ com 0 brevitsimo mas admirdeel diélogo Tabataba, estdo agora reunides agui neste volume: O Retorno a0 Deserto, Na Solidio dos Campos de Algodioe Combate de Negro e de Ctes. Com mesmo dia e me ficou a certesa de que estava diante do mais expresiva erevoluciondrio dramaturgo do teatrafrancds conten poréneo. Em todos os textos, enfocando uma temdtica sempre diferente ¢ inesperada, Koltes consegue mergulhar a fundo. nia’ verdade contraditériae dilacerante do ser humano, sua existéncia enguanto 10 € enquanto parte de uma estrutura social formada de injustigas e violéncia, quase indescritfoe! porque em permanente mudanga. E sem ditvida estes textos, como na verdade toda a obra de Koltes, sio estimulos vigorosos para a construgao cde espetdeulos onde a imaginagao a invengdo necessariamente ‘ero que substiuir qualquer tendéncia a cair no convencional, Descobri também o fascinio de Heiner Miller por Koltts. Mesmo ndo falando francés, 0 que causou polémica na época, Miller Kolttsnasceu em Mets, no interiorda Franga,em 9 deabrilde 1948. Deixon a cidade com dezessete, dezoito anos. Viajou em seguida para o Canadé e para Nova York. Em 1970, com vinte «dois anos, foi pela primeira vex ao teatro ficou emocionado com 0 gue vin, sobretudo com a atris Maria Casarés. E comegou em seguida a escrever sua primeira pega, Les Amercumes, a partir do romance infincia de Gérki. Oto foiencenado em Estrasbur~ 10 Teatro Macionaltde Bstrasburgocesereveu wdrios textos que foram montados pelos atoreslalunos. Estudou diego na escola do TNS e em 1971 ele mesmo monton, naguela cidade, La Marche eProcés Ivre, Noano seguintearédio France Culturetransmitiva pega Ls Heritage, tendo Maria Casaréscomo ‘atria principal. Outros textos seus séio encenados ou transmitides por radio, Em 1977, no Festival “Off” de hviguon, estréia, com sua divegto, La Nuit Juste Avant Les Foréts: ele havia passado 12 ‘primeira pega encenada no Brasil endo estreadoem Si Paulo no Teatro Paiol em 8 de agosto de 1989 em tradugdo de Emilio di Biasie dire de Marcelo Marchioro). Miler afirma que Kollés «dum exemple raro na dramaturgja contempordnea: “As pega dos ‘outro’ antores geralmente possuem apenas usa estratura de tntriga's a intrige 1 catsetion'no teatro, I preferteel truer obscura. climinaresiaesrura deintriga. Em Koltes,aocontnrio, ‘id wma tstrutura de sia. Isso quer dizer que o autoresté mais ou ‘menos diretamentepresentecin seus textos, n.seus personagens. Et acho isso muito importante, porque neste momento a tendéac geraléa extingo do autor, a expulsio do antor do texte también doteatro. E por isso que Kolits no fundoéo iinico que me interssa sna no¢a dramaturgia”. 4rés anas sem escrever nada e, numa entrevista a J. P. Han, anos depois, afirma: “quando voltei a escrever, foi completamente diferente”. No ano seguinte viajou para a Niggria, depois para varios ‘outros patses da Africa e chegou a passe meses na Guatemala, 1979, onde escreven Combate de Negro e de Cies, segando este mesmo ano sua pega La Petit passon quatro mesesem Nova York Nuit Juste Avant Les Foréts é encenada em Pari Odeon, por Jean-Luc Botté e Ricard Fontana. Regressou no ano seguintea Nowa York em 1983 finalmenteestréia na Franga,com diregda de Patrice Chérean, Combate de Negro e de Cies, no Thre des Amandiersde Nanterre, tendo Mickel Piccolie Philippe Liotard a frente do elenco. Numa entrevista a Njaimi Simon, em 1983, Koltis declaron: “Na realidade, ssa obra nascen de wna vito furtiva irreal, mas enormemente emocionante: minka pri- imeira visio da Africa! Quando desci do avicto, me seuti agredida sobretudo pelo tremendo calor que me pesava ta nuca, quearrasa, e apenas atravesse as portas do aeroporto, todas as idfias sobre fica que en trasia se solidificarain nusia cena: um policial negro batia com violéncia em nan de seus irméos. Avancei ¢ de encontrei com essa barreia inoisivel, mas onipresente, olicamente 0s Braacos eos Negras. Olkei para os ‘mas nas olkasdelesbrithaoa para 0 lado des ‘dio tio tmenso, que Branco 1984 Kolts foi para o Senegal. E romance, ice A Cheval Trés Loin Dans la Ville, gue Aavia escrito em 1976, Afirmou que seu grande sono era o de escrever roman- ces; mas nd escrevia, porque néo poderia viver disso. Em 1985 Koltésveio ao Bras Sto Paulo, pelo menos. Deo Paulo escreveu una carta, datada de 22 de decembro de 1985, a sen irmio, onde comenta: "Sto Paulo é muito methor:1ma Nova Yorklatina, Larulhenta, confa- ndquinas eletrénicas mama espécie de corredor sérdido de bas-fond de Sao Paulo do que pmetras de praias do Rio (..)". 10 Theatre des Amandiers de Nanterre a pega Cais Oeste com diregto de Paurice Chtreau e tendo Maria Casa- 1&0 frente doelenco. Comenta Koltts: “Ao oeste de Nova York, em Manhattan, num cauto do West End, onde estd 0 velho porto, alguns hangares; hi grande hangar vasio, onde passe’ algunas hngar-s 1s, de acerto de contas, wan lugar onde a pal des. Basta entrar e voce se dé conta de que esté ugar privilegiado do mundo, uma espécie dequadrado mis- teriosamente abandonado em meio. ondeas plantas cpoderiam ter crescido de mancita diferente: um lugar onde nao existed orden normal, mas sim uma ousra ordem curiosa, gue foi seformando”.E prosseque:" Sentivontade defalar deste pequeno canto do mundo, que éexcepcional e, apesar disso, no nos parece estranho;en gostaria decontarestaestranka impressitoquesesente aoairavessaresteespaco imenso, aparentementeddeserto, coma lus ‘que vai mudando ao passar da noite os ruides dos passas¢ as voxes gue ressoam, alguém a tex lado, uina mito que subitantente te agarra". ainda em 1986 est Festival de Avignon, Tabataba, snansmitide pela rédio em 3 de agosto. 1987 6 0 ano de estréia de Na Solidto dos Campos de Algodio em Nanterre com diregao de Patrice Chéreat. Segundo 0 priprio Koltts, "éuma histéria de dois pe sa, um didlogo a mancira do séeulo XVI Chérean declaron numa entrevista a Didier Merenze em 198) ‘procure ao mesmo tempo permanecer admirador ectica¢, sobre- tudo, permaneeer ertico, de amar Koltés por aquilo que ele 6, de traté-lo como um autor couo as outros. Se alguma coisa no me agrada, me parece muita longa, eu sei que devo the dizer. Few abordo 0 seu testo da mesma mantira como abordo Shakespeare ou Marivaus, sendo infiel a ele como tenho 0 hdtito de ser com les, Dita iss0, se comero ater referéncias em relagdo a obra de Kolits, ndo sto sento referéncias tiradas da expen ‘pagas que eu jd encenei. Sew teatro ndo se parece a nenkuin outro ‘gue possaexstr, a nenhum antor—mesmo contemporéneo— que eu tenka encenado — como Genet, por exemplo". 1988 é:um ano de muitos acontecimentos. Em Naaterr, com diego deLe Bondy, esrbia uma tradugao feita por Koltésde texto de Shakespeare, Conto de Inverno, Sabre a experiéncia, declarow Koltts em entrevista a V. Hotie: “E evidente que eu nao o, mas deves om quand este trabalho ‘me rodux muito prazer, éuma experiéncia a mais.(..) Traduair ‘Shakespeare permite ver como ele construia stas obras ¢com que iberdade”. Eainda esteano,com diregto de Chérean, tendo Michel Piccoli a frente do elenco, estrtia © Rerorno a0 Deserto. Em de suas 3 entrevista a M. Genson, afirna Kolts: “Ex estava em Mets em 1960. Meu paicra oficial naguelaépoca volteu da Argélia. Além ‘isso, 0 coltgio Saint-Climent estava situado ern plexo bairro ‘rate. Vivi a chegada do General Massu, ai explostes nos cafés <érates, tudo de longe, sem ter uma opinido, e apenas me fcaram impresses, as opinibes eu s6 as tie mais tarde. No quis escrever ‘uma pega sobre a guerra da Aredia, mas, im, mostrar como com dose anos voce pode sentir enogies a partirdeaconiecimentos que sedesenvokoem no exterior. Nointerior, indo transcorvia demado estranko: a Argélia parecia ndo existire, apesar dso, os cafés voavam pelos ares 0s drabes eran jogades no rio. Haviaestetipo de violencia a que uma crianga & sensiuel, ainda que néo a compreenda. Entre os doze eos deseseis anos as impresses si0 decisions, creo que atse decide tudo. Tudo, No men caso, viden- ‘emeeie,taboes tena sido iso 0 que me levow a me interessar mais pelos estrangeiros do que ples francees, Compreendi muito cedo ue eram 0 sangue novo da Franga, que se a Franga vivese sormente do sangue dos franceses se converteria num pesadelo, em alge pareida a Suga. A eterilidade total wo plano artiicaeem todos as outros”. Esta é uma temdtica quase permanente em Kolis: os margi- ais, 0: estrangeires, a politica e a polica, a violencia gratuita en Ide outubro de 1988, ele fax aftrmagées bastante claras: "Eu munca coloqueidtiaspoliticasnasiminhas pega, A gentendocscreve pegas sscrevo um panfleto politico, mas eu nd faco panfletas politicos nas minkas pegas. Eu néo tenho nenhuma razdo para escrever ma pega, ando ser ofatodeescrever, 60 em outrotrecho desmmascara o queckama de “franceses métios": "Se preciso falar de marginals em termos de violencia, s&o els. Os verdadeiros tarados sito os burgueses do interior. En quis mostrar que so ‘aqueles que a gente néo considera como marginats, Joucos, 08 assassinos. Quando mencionam a violéacia nas mix 4 has pegas, en afirmo: Estamos cercados dela. Os motoristas om seus automéveis so de wina violencia, de uma maldade terive, esto prontos para matar-a todos”. E continua: "Os europeus em eral, os ocidentais, to os verdadeiros monstros, Exister some 46 0s portugueses, que en acho absolutnvere maguifios porque Doceom sna nooreea, uma aristocracia incrfoel. Portugal me parece 0 iniee pats do mundo, assim como uma ilka, para min, onde eu me refugiaria.(..) eu tenko vontadedefalar nisso, pois as ‘minkas pecas falaim disso. B isso que pode me dar a idtia de escrever uma pega, Siio ds vewes cleras convo essa”. E ainda om 1980 yue noses escreve Roberto Zucco, sem livida seu texto mais fascinantee perturbador, Tratasse de um obra baseada em fates reais, a0 menos num personagen que realiente exi dia Koltts vin mura “metr6” um cartas de " coma fotos de um joven quehavia assassinado um po- “icon fascinadocomoresioea Selevade jovest, seu nrcereno Poucos dias depois assistin, pela televi ‘rapas, gue havia sido preso, escapando pelos tellades da prisio, sendo filmado pelas cimaras de teleoisto, desafiando o mundo, chegando a ficar s6 de cuecas, reso, dencerrado num hospital ‘modo que havia comet seu primeiro erime (0 primeira de ui 108 outres) quando matou sen préprio nai cow apenas quinze ara 15 de abril de 1989.com quarentae Zucco temsua estréia mundialem 12deabrilde 1990 na Schoubilhne em Berlin, com divegdo de Peter Stein, Durante os ensaios, no més de fovereiro, Stein conceden mma longa entrevista ine Laurent, da qual extratines um trecko especialmente ‘expressiva sobre sua visita do texto de Bernard-Mavie Kolits: “‘Duas coisas me interessam particularmente nesta pega. A primeira é uma interrogagao sobre a existéncia humana e esta sgnorancia ondeestuimas igo desta aeressividade. De onde vem a agé destrutiva sem motivo? Coma ela se forma? Nés dispomos de todas 05 modelos de discursos explicatioos que ascegnrain que é fata do annbiente, do meio social. Mas muito epressa vemos que estas antlises nfo so suficientes, Resta ento sun fator-de medo, de confisto, de irritagio. Passa a ser incontro- Mével. A exisiéncia de um matador, de nn ‘fazedor” de ates destrutivos contra os outros contra simesino, sen nenkunn snotive aparente, obrign a refletir a se confrontar com a ineertesa ea divida sobre 0 comportanenta do homen em gerat. Na origem desta divvida est sem ditvida, essesentimento que todos nds teamos esses tiltimas anos, da wossa impotéacia para fazer alguma cota: manipula, organizar, pensar os problemas, Hsse sentimento do absurdo ou do orgulho de nossas agBes. Entio 0 que faxer? Isso crian novos problemas, piores ainda. Todos os ates sensatos apresentamseimediatamentecomo insensatos, destrutives, contra si mesmes, contra a raga humana, contra a natureza etc. Onde encontraruma verdadeira rasito devivere deserwmn komen? Por ‘qe escolker 0 see ou o 118s se podemos fazer um ‘zapping’? Sito (questbes muito globais, muito gerais queseesconcem atris do tema da violencia instintion, Nato éa primeira ves:na historia do teatro (ow da literatura que se introduc: van ‘ator eriminaso’ sem motiva- io, Mas é 0 primeira ves que ele é npresentado sem nenhuma moral. Nés encontramos muitos ancestrais de Roberto, prinejpal- ‘mente em Genet, mas eles sito muito mais sentimentais ¢ em certo sentido muito mais morais. Nbs encontramos ainda em Genet 0 sentimentatisma e 0 moralismo do séeulo XIX. Kolies conta a ‘istéria desse serisolado, desse pobre garoto de ates inexplicdwcis einexplicados com uma perfeita amoralidade, e sem produsir a ‘menor conclusito moral. Ao contrtrio, Wt na pega contiouos ‘atagues contra todos os clckés, sentimentos ¢ valores. Roberto passa a ser assim 0 verdadeiro Homem. & ‘heroizagho’ éinevitd cel. Além do mais é 0 esquema da tragédia: cada homem gue fas aalguma coisaé um criminoso.A simples escolha de uma ago mata cs outras opgaes. Porque ele tem consciéncia desse assassinate, 0 homem sé pode comett-to cor uma dose extra de énfase, um furor ‘qe passa a serimediaamente a fonte de todes os pecados eobriga 0s denses a imervir. Na velka tragédia, 0 homem agia a fa-vor ou conira a sociedade que discutia suas agaes. Erm Zucco, o homem,0 Sazedor’, no tem newhurscontato com a sociedadese nia for om «a sociedad do espeticulo, que se contenta em engolir os fatose ndo diseutir mais nada. Mas as nossas sociedades néocsttoredusidas «a serem apenas isso? A fungito de Zucco é res-suscitar 05 velhos somhes herbices. Mas mesmo sem moral, como todas os herds, ee precisa de uma aporose: é 0 fim da pega. Tudo pode entao Suacionar em perfita frieza, uma sitwagaa de chogue interior.” E prassegue: "0 segundo tema que tne interessa nesta pega é de uma outa ordem. Em agasto de 1988 em Gladbeck, na Rul, howe 1m assalio ao Deutsche Bank, seguido da prio de refén, cingitenta ‘cinco horas onde os assaltantes puderam levar sua vida cot diana, exccutar assassinates transmitidos diretamente pela tele. visio e faser-entrevistas coletioas durante toda a sua viagem européia, Koltis fs referencia explicita a esse fato, Zueco mata a erianga sobesolhos da multidio, nmgrandemtimerodde pessoas que comenta a agit. Minka segunda interrogagio é: que papel repre- senta a violéncia, ou 0 eriminaso e sua agéo criminal, digamas 0 ‘ator criminoso' na organizagao piiguica da nossa sociedade? A ‘ago criminosa representou sempre um papel na economia da sociedad, ela éeutdo indispensdvel. Hé un tempo atras,tia-secom ‘muito interesse os atos de bravura des criminases. O noticiirio policial representava win papel teatral fundamental. Alias, sem todos os grandes matadores, Glitennestra ou Macbeth, no hd teatro! "Mas hoje, 0 papel do ‘ator eriminoso’ encontra wna nova necessidade, Tudo passa a ser piiblico, para ser contado, passtoel de ser difundido na Repitblica dos Camardes ao mesmo tempo queem Bertin, Podessefaser nina conestio mundial do noticidrio policial.A guerrandotporstoel por agora, pelomenos no Ocidente, ede repente 0 individuo ocidental, com falta de violencia organi- 18 ada, sente-se sempre no desejo — € na posite — de participar esses atos criminoses. Ele ¢ praticamenteforrado a ‘participa’. E como uma alienagéio, Tudo, em torno de nds, ¢ cimplice desse. «estado de coisas. Nos aeroportes, os homens te reistam, te ocam, 1 preparam fsicamente para agdesterroristas, Pensando niss00u ao, estamos mergulhadas nessa tensito. Quando a viagem acon tece sem uma Kistbria, de uma certa forma, hd uma decepgio. Se Eu aio ougo nada porque nto ‘vem nada pra ouvir € eu nfo vejo nada porque nfo tem nada pra ver.|Nossa presenga aqui é alguma coisa? pletamente;as metralha- oras, as sirenes mudas, nossos olhos abertos sendo que a essa hora todo mundo tem os olhos fechados. Eu acho intl ficarcomos olhos abertos pra na lhar pranada, os ouvidos atentos pra nfo ouvir nada, enquanto a essa hora nossos contemplar nossas paisagens inieriores., Voeé acredita no universo interior? PRIMEIRO GUARDA —Eu acredico que nao € intiil que a gente esteja aqui, para impedir as fugas. SEGUNDO GUARDA — Mas nao id fuga aqui. impos- ‘el. A prisio € moderna demais. Mesmo um prisioneiro bem pequenininho nao poderia fugir. Mesmo um prisi to pequeno quanto um rato, Se ele passasse pe grades maiores, depois, tem as grades’ mais finas, como num coador, ¢ depois mais fines ainda, como uma peneira. Teria que ser Ifquido pra poder passarentre elasyE uma mao lou, néo podem sar jomo voce acha que alguém pode ter a idéia de ésfaquear ou estrangular, primeiro a idéia, € depois passar pra agio? PRIMEIRO GUARDA — Puro vicio. SEGUNDO GUARDA — Bu que sou um guarda jé faz anos, cusempre olhei osassassinos procurando onde pod estar o que faz. com que eles sejam de prisio, ineapaz de esfaquear ou estrangular, incapaz até de tera idéia de fazer isso. Bu pensei, eu procure, eu fiquei até olhando quando eles tomavam banho, porque me disse~ ram que era no sexo que 0 instinto assassino se alojava, Eur vi mais de seiscentos, ¢ nenhum ponto em comum entre cles; tem gordo, pequeno, magro, bem pequeno, redondo, pontudo, tem ainda os enormes, ¢ nio da pra chegar a nenhuma conclusio a partir disso. PRIMEIRO GUARDA — Puro Vocé niio esta vendo alguma coisa? , eu estou falando, Aparece Zucco, andando no alto do telhade. SEGUNDO GUARDA— Ni, nada nada, PRIMEIRO GUARDA — Eu também no, mas tenho a impressio de estar vendo alguma coisa, SEGUNDO GUARDA — Bu estou vendo um homem andando no telhado. Deve ser efeito da nossa falta de sono, PRIMEIRO GUARDA—O que é que um homem faria em cima do telhado? Vocé tem razao. A gente deveria de vezem quando fechar os olhos para ver nosso universo interior. SEGUNDO GUARDA— Eu diria mesmo queeragRober- , to Zucco, aquele que foi preso essa tarde pelo assassinato do pal, Uma besta furiosa, uma besta selvagem. PRIMEIRO GUARDA— Roberto Zuceo. Nunca ouvi falar. 2 SEGUNDO GUARDA — Mas vocé esti vendo alguma coisa, ali, ou 6 eu estou vendo? Zucco continua avangando, trangitilamente, sobre o telhado. PRIMEIRO GUARDA — Eu imagino que estou vendo alguma coisa. Mas 0 que que € Zucco comega a desaparecer airds de uma chaminé, SEGUNDO GUARDA — um prisioneiro fugindo. Zucco desaparece. PRIMEIRO GUARDA — Merda, vocé tem razio; 6 uma fuga. Tiras, holofotes, sirenes, IL ASSASSINATO DA MAE A inde de Zucco, de camisola em frente a porta feckada, A MAE — Roberto, eu estou com a mio no telefone, eu disco e chamo a policia ZUCCO — Abre pra mim. AMAE —Nunea. ZUCCO —Se eu der um chute na porta, ela cai, voc® sabe muito bem, nio se faga de idiota AMAE — Ta bom, fiz isso entio, doente, louco, faz isso acorda os vizinhos. Voc8 estava mais seguro na prisio, por- ‘que se virem voce, vocé vai ser linchado: no se admite aqui que alguém mace 0 proprio pai, Até os cachortos, nese baitro, vio te olhar atravessado. Zucco esmurra a porta, 22 A MAE — Como voce conseguiu escapar? Que espécie de pristo essa? ZUCCO — Nunea me manterio preso por mais do que algumas horas. Nunca. Abre, mae, Voc® vai fazer uma lesma perder a paciéncia, Abre, ou eu derrubo esse barraco, AMAE —O que é que vocé veio fazer aqui? De onde ver essa necessidade de voltar? Bu no quero mais te ver, eu niio quero mais te ver. Voce niio é mais meu filho, aeabou. Vocé, pra mim, ndo vale mais do que uma mosca na merda. Zucco arromba a porta. AMAE — Roberto, ndo chegue perto de mim. ZUCCO — Eu vim buscar meu uniforme. AMAE —Seu 0 qué? ZUCCO — Meu uniforme: minha camisa céqui ¢ minha calga de combate. A MAE — Essa imundicie de roupa militar. Pra que é que ‘voce precisa dessa imundicie de roupa milicar? Vocé é louco, Roberto. A gente deveria ter compreendide isso quando ‘voce ainda estava no bergo e jogado voeé no lix ZUCCO — Anda logo, mic, répido, traz meu uniforme de uma vez. AMAE — Eute dou dinheiro. E dinheiro 0 que voce quer. Vocé vai poder comprar todas as roupas que vocé quiser. ZUCCO — Eu nao quero dinheiro. Eo meu uniforme que eu quero. A MAE — Eu nfo quero, eu nao quero. Eu vou chamar os vizinhos. ZUCCO — Eu quero meu uniforme. AMAE —Pirade gritar, Roberto, péra de gritar, vooé me di médo; pira de gs inhos. Eu nio posso te dar o seu uniforme, é impossivel; ele esté sujo, ele ‘std nojento, vocé nio pode vestir esse uniforme assim. Me dé um tempo que et lavo, seco e passo esse uniforme. ZUCCO — Pode deixar que eu mesmo lavo, Eu vou na lavanderia automatica, i, vooe vai acordar os AMAE —Voed esté variando, meu filho. Voe8 estéc tamenté louco. ZUCCO — E 0 lugar do mundo que eu prefiro. E calmo, é tranqililo, ¢ cem mulheres. A MAE — Nao me interessa, Eu nao quero te dar esse forme. Nao chegue perto de mi estou de luto pelo seu pai, seri que voeé vai me matar, agora ami vez? ZUCCO — Nao tenha medo de n doce e bonzinhocom voct. Por que vooé teria medo de mim? Por que vocé 0 meu uniforme? Eu estou ZUCGO — Bsquece, mie. Me di meu uniforme, minha camisa efqui e minha calga de combate; mesmo sujo, mesmo amassado, me di meu uniforme. E depois cu vourembora,ctt jure. AMAE — Fuieu, Roberto, fui eu que te pari que voe’ salu? Se eu nio tivesse te parido aqui, se eu niio ivesse te visto sair, € acompanhiado com os meus olhos até que te pusessem no bergo;se cu ni tivesse colocado, desde ida mudanga do seu corpo até o ponto em mudangas acontecerem © se eu nio nde nesta cama, eu acre que nfoé 0 meu filho que eu tenho aqui na minha frente. No entanto, eu te reconhego, Roberto. Eu reconhego a forma do seu corpo, seu tamanho, n vi m pra 10 pescogo de su ou apertar Por que essa crianga, fo ero ano3) ficou louca de repente? sensat€durante vinte © q Como vocé saiu assim dos trilhos, Roberto? Quem colocou um tronco de Arvore sobre esse caminho tio reto pra fazer voeé eair no abismo? Roberto, Roberto, um earro qu num barranco, nfo tem conserto? Um trem que descar 8. A gente abandona esse trem, esquece. Eu te esquego, Ro- berto, eu ja ve esqueci ZUCCO — Antes de me esquecer, ma fala onde esté o meu uniforme. A MABE — Ele esta ai, dentro do balaio. Esta sujo € todo amassado. (Zuceo tira 0 uniforme do balajo.) E agora embora, voc me juro: ZUCCO — Esté bem, eu jurei, a gente nao centa fazer com que ele volte pros tri Eleseaproxima da mde, acaricia-a, dé wn beijo, apertaca contra sizela geme. Ele a soltae ela cai, estrangulada. Zucco tra a roupn,veste seu uniforme e sa IIL, EMBAIXO DA MESA Na coxinka, Uma mesa, coberta com uma toalha que vai até o chdo. Entra a irmé da menina, Ela vai em diregio a janela, abresa um pouco. AIRMA— Entra, aio fz barulho, tira seus sapatos; senta af ecala a boca, (A smenina entra pela janela.) Entio assim, a uma hora dessas da noiteeu teencontroagachada, encostada num muro qualquer. Seu irmio esta de carro correndo a Cidade inteira e eu posso te dizer que quando ele te encon- trar, ele vai encher essa sua bunda de chutes, porque ele jé estava ficando louco atrés de vocé. Sua mie ficou espiando nna janela durante horas inventando todas as hipéteses do mundo, desde o estupto colerivo por um bando de arruacei- ros até 0 compo decepado que seria encontrado em um 23 bosque, sem falar do sédico que teria te prendide no porto, tudo passou pela eabega dela. B tem tantacerteza de que nie porte © esti irmio, ¢ eu espero que ele cl . (Tenpo.) Nias eu estou venk bunda. Quando explicar por que, j4 que voé tinha per vocé voltou pracasa tio tarde? Porqu nio abrir o bico, eu vou comegara ficar nervosa, eu também, las as suposigdes. Me cmao. (Tempo.) O que aconteceu ist6ria de menina, vocé encon- ca como todos os car que eles passem a pobrezinha, quervocé q} Porque 08 garotos so uns imbecis ¢ fazer & passaramio na bunda das meninas. 24 ‘esperar a sua hora, ¢ que nés escolheremos, todos juntos — stia mie, seu pai, se —praquem voot alguém consiga com violencia, ¢ isso, quem ousara fazer, a uma menina como voce, tio pura, tao virgem? Diz pra mim que ninguém foi violento com vocé. Diz pra mim, diz que rhinguém te roubou isso, nfo é, isso que no deve serroubado de voce. Responde, Responde ou eu vou ficar zangada, (Barulko.) Esconde ripido embaixo da mesa. Eu acho que é ‘0 seu irmao que ests chegando, A menina desaparece embaixo da mesa. Entra o pai,de pijama, meio dormindo, Kile atravessaa cosinha, desaparece alguns segundos, atravessa de novo a cozinka e volta ‘para 0 sea quarto, A IRMA — Vocé € uma menina, vocé ¢ uma pequena virgem, voc & a pequena virgem da su doscu pai edasua mie. Nao me diga essa coisa horrivel 4 bocs. Eu ficou louca, Vocé esti perdida, ¢ nds todos, petdidos com vocs. Extra o ini, fazendo sobre ele. AIRMA—Nio 1 nao fica nervoso. Ela nfo esti aq Eh foi encontrada mas el 10, senio eu acabo ficando or favor, porque depois voce poder se arrepender ¢ até chorar. O IRMAO — Nada poder desgraga que acontecesse com a mink esd essa noite ela me es pou. as horas, ‘em todos esses anos em que cu tomei conta dela, Adesgraga precisa de mais cempo pra se abater sobre algué: A IRMA — A desi isa de tempo. quando quer, cla transforma cudo em um instante. EI destréi em um instante um objeto precioso que a gente iguarda durante anos. (ln pega ui objeto e joga-0 no cdo.) E 1 gente no pode recolher os pedngos. Mesmo gritando, 2 ente nio poderia recolher os pedagos. la vem Entra o pai. Ele atravessa a cozinka como wa primeira ves € desaparece. OIRMAO— Me aju OIRMAO — Divide comigo. AIRMA — Eu jf estou transbordando OIRMAO— Eu vou beber alguma coisa, (Ble sa.) O pai volta OPAI—Vocé esta chorando, minha filha? Eu acho queouvi alguém chorando, (A ir se levanta,) AIRMA — Nao. Eu estaya cantando. (la sai.) OPAI—Voc6 tem razao. Quem canta os males espanta. (Ele sai.) Depois de um momento, a menina sai de debaivo da mesa, se ‘aprosina da janela, abre-a wn pouco, faz Zucco entrar. A MENINA — Tira os sapatos. Como voeé se chama? ZUCCO — Me chame como vocé quiser. E vocé? AMENINA — Eu? Eu nfo tenho mais nome. Me chamam © tempo todo por nomes de bichinhos bobos, pintinho, pintassilyo, pardal prefetiria que me chamassem de rato, cascavel ou porca. 0 que € que voce faz, na vida? ZUCCO — Na vida? AMENINA — &, na vida. Seu trabalho, sua ocupagio, co- movoce ganha dinheiro, erodasessas coisas que todo mundo faz? ZUCCO — Bu nao fago 0 que todo mundo faz. AMENINA — Entio, justamente, me diz o que vocé faz. ZUCCO — Eu sou agente secreto, Voce sabe 0 que é, um agente scereto? AMENINA — Bu sei o que é secreto. ZUCCO — Um agente, além de ser secreto, ele percorre o mundo, ele tem armas AMENINA — Voce tem uma arma? ZUCCO — Claro que tenho. AMENINA — Me mostra, ZUCCO — Nao. AMENINA— Entfo, vocé nffo tem uma arma, ZUCCO— Otha. (Ele tira wn puntal.) AMENINA — Isso no é uma arma, ZUCCO — Com isso, vocé pode matar tio bem quanto ‘com qualquer outra arma, AMENINA— Fora matar, quer secreto? ZUCCO — Ele viaja, vai pra Africa. Voc conhece a Africa? AMENINA — Muito bem. ZUCCO— Eu conhego uns lugares na Africa, umas monta- nnhas tio aleas, onde neva o tempo todo. Ninguém sabe que neva na Africa. Eu, é isso o que eu prefiro no mundo: a neve 1a Africa que cai nos Iagos gelados. AMENINA— Bu queria it vera neve na Africa. Eu queria andar de patins nos lagos gelados. ZUCCO — Tem também rinocerontes brancos que atra- vvessam 0 lago, por baixo da neve. AMENINA — Como vocé se chama? Me diz o scu nome. ZUCCO — Bu nunca vou dizer o mett nome, A MENINA— Por qué? Eu quero saber 0 seu nome. que ele faz, um agente 25 ZUGCO — E um segredo. AMENINA— Bu sei guardar segredos, Me dizoseu nome. ZUCCO — Eu esqueci AMENINA— Mentiroso, ZUCCO — André. AMENINA—Nio, ZUCCO — Angelo. AMENINA — Nito goza da minha cara que eu grito. Nao nenhum desses nomes, ZUCCO — E como voet sabe, se voeé nio sabe? A MENINA — Impossivel. Bu o reconheceria na mesma hora, ZUCCO — Eu nao posso te dizer meu nome. ‘A MENINA — Mesmo se voeé nao pode me dizer, diz, assim mesmo, ZUCCO — Impossivel Poderia me acontecer uma des- saga. AMENINA — Nio cem problema, Diz assim mesmo. ZUCCO — Se eu te dissesse meu nome, eu morreria A MENINA — Mesmo se voc morrer, me diz seu nome assim mesmo. ZUCCO — Roberto. AMENINA — Roberto o qué? ZUCCO — Contente-se com isso. AMENINA — Roberto o qué? Se voeé nio me disser, eu grito, ¢ meu irmio, que ests muito nervoso, vai te matar. ZUCCO — Vocé me disse que vocé sabia o que era um segredo. Seri que vocé sabe mesmo? AMENINA— a dnica coisa que eu sei perfeitamente 0 que é, Me diz.o seu nome, me diz 0 seu nome. ZUCCO — Zueco. A MENINA — Roberto Zucco, Eu nunca vou esquecer esse nome, Esconde embaixo da mesa; vem vindo gente. Entra a mit. AMAE — Vooé esti falando sozinha, meu rouxinol? 26 AMENINA — Nao. Eu canto para espantar os males. AMAE —Vocé tem razio. (Vendo o objet quebrade,) Tanto melhor. Tem um bom tempo que eu queria me ver livre dessa sujeira, Ela sai. ‘A menina vai fcarperto de Zucco, que estdescondido soba mesa. VOZ DA MENINA — Voce, garoto, vocé me tirou a vir- dade, © agora ela é sua. Nao havers outra pessoa que vai poder tirar isso de mim. Agora ela 6 sua até 0 fim dos seus dias, ela seré sua mesmo quando voc i iv=7 ic ‘esquecido, ou morrido Vocé vsca mareado por mim como por uma cieattiz depois de uma briga. Eu nfo corro o ris- co de esquecer, porque eu nio tenho outra pra dar pia ninguém; pronto, esta feito, até fim da minha vida, Est dada e ela é sua, IV. AMELANCOLIA DO INSPETOR Reeeppio de uit hotel de putas do Pequeno Chicago. © INSPETOR — Eu estou triste, madame. Bu sinto 0 coragio bem pesado e eu nao sei por qué. Eu estou constan- temente triste, mas dessa ver tem alguma coisa me incomo- dando. Normalmente, quando eu me sinto assim, com von- tade de chorar ou morrer, eu procuro o porqué disso. Eu penso em tudo 0 que aconteceu durante o dia, durante a noite, € na véspera. E eu acabo sempre encontrando algum acontecimento sem importiincia que, na hora, no me ¢ ‘mou muito a atengao, mas que, como uma porcariazinha de um micrdbio, se instalou no meu corngio.e fica me atormen- tando em todos os sentidos. Agora, quando eu descubro qual foi © acontecimento sem importincia que me fez softer tanto, ewacho graga, o micrbbio é destruido como uma pugs ‘com a nha, € fica tudo bem, A MADAME — Voeé fica inventando cadaver € cafetio, inspecor O INSPETOR — Nao cem tanto cadéver assim, Mas cafe- is, Aliés era bem melhor se tivesse re menos cafeti A MADAME — Ji cu, prefiro os eafetdes, eles me fazem bem vivos preciso ir, m ta histéris de OINSPETOR — me, Adeus. Zucca sai de wm quart, fecha sua porta & chave AMADAME — Ni se deve dizer adeus, inspetor. Oinspetor sai, segnido por Zuceo. Depois de alguns instantes, uma puta, histérica, entra. APUTA—Madame, madame, forgas diabélicas acabam de atravessar 0 Pequeno Chicago. O bairro esté todo uma confusiio,as putasnio trabalham com boca aberea, os ido, tudo Figou 0 demnio na si remente, que no abre a ientes quem a gente falou tanto, entre nds, mulheres — si do inspetor. A gente ficou olhando, nés, as meninas, cor como se fosseasombra dele;ea sombrachega perto, como 20 meio-dia, cada vex mais perto das costas curvadas tuma faca bem grande de como'se a reflexfo profunda onde ele estava mergulhado aacabasse de encontrar uma solugio. Depois todo o seu corpo nda no chao, Nem o assassino nem a sua haram em nenhum momento. O menino tinhaos olhos fixos sobre o revélver do inspetor: ele vai, pega 0 revélver, poe dentrodobolso,¢ nente, coma tranquilidade do deménio, madame. Porque ninguém se mexeu, todo mundo que estava ali ficou imével, olhando ele iremborn. Ble de a senhora tinha de balanga, € ele a iiembora, trang} V.0IRMAO A coninka, A menina estd contra a parede, aterrorizada. OIRMAO—Nio tenhamedodemim, pintinho. Eu niovou te fazer mal. Sua itm é uma idiota, Por que ela acha que eu te daria uma surra? Agora voce € uma f8mea; eu nunea bati numa fémea. Eu gosto das fe 3 € 0 que eu prefiro. E ‘muito melhor do que umairma maisnova. Enche osaco,uma irma mais nova, Tem de ficar o tempo todo vigiando, com 0 olho em cima dela. Pra proteger 0 qué? A virgindade? Por quanco tempo é necessrio vigiar a virgindade de uma irma? ‘Todootempoque eu passe’ te vigiando étempo perdido. Eu , cada hora lamento todo esse tempo. Lamento cada d cima de voed. A gente deveri perdida com o olho en deflorar as meninas desde bem pequenas, assim de 9s irmaos mais velhos em paz, eles nfo teriam nada para ssar 0 tempo fazendo outta coisa. Bu vocé tenha logo dado pra alguém; porquic agora cu tenho paz. Vocé faz.0 seu caminho, cu fago ‘omeu cuinio tenho maisde ficarte carreyando atrés de: Bem melhor, vem beber alguma coisa comigo. Vocé precisa 2 aprender, agora, a no baixar mais os olhos, a nio fiear vermelha, a olhar pros garotos de frente. Tudo isso acabou. Nao tenha mais vergonha de nada. Levanta acabeca, olhaos homens, encara mesmo, elesadoram. Nao serve pra nadaser timida, nem um seguado mais. Solta tudo de uma vez. Vai andar no Pequeno Chicago no meio das putas, vira uma puta vocé vai ganhar dinheiro ¢ ndo vai mais depender de nin- guém. E quemsabeeu vou te encontrar num desses baresde pu enche bem menos 0 saco © a gente se diverte muio mais, Nilo perea mais seu tempo baixando os olhos ¢ fechando as pernas, pincinho, isso nfloserve mais pra nada, De qualquer, forma, agora, casamento, no tem mais tomar conta de vocé para o.casamento, val baaixasse os olhos timidamente até o dia do casamento, mas agora que no tem mais casamento, cudo 6 mais nio interes- sa. Tudo dle uma vez, lo perdido: 0 casamento, familia, seu pai, sua mie, sua irma; € eu estou pouco me fodendo. Seu pai ronca de miséria,e sua mie chora; é melhor deixi-los chorando € roncando e ir embora de casa. Voc8 pode fazer filhos: a gente nfo esté nem ai, Voc€ pode no fazer, a gente nfo esta nem af do mesmo jeito. Vocé pode fazer o que vocé quiser. Bu parei de tomar conta de vocé, € voc parou de ser uma menina. Vocé ato tem mais idades voce poderia ter quinze ou cinquenta anos, éa mesma coisa. Voce € uma f@mea e taco mundo est pouco se fodendo, af eu ce fago um sinal, ¢ seremos companhciros de bar; apena| VI. METRO Exmbaixo de um cartas intitulado “PROCURA-SE", com a foto de Zasco no centro, seam nome; sentades lado a lado em um Banco de wna estagio de metra, depois da hora de fechar, wis scnhur sis vetho e Zuceo. OSENHOR—E do queseriarazofvel sou tim homem velhoe me atrasei mais estava todo feliz porter conseguido 28 pegar o tiltimo metré quando de repente, num cruzamento deste labirinto de corredores € escadas, eu nfo reconheci mais a minha estagio, que eu freqiiento no entanto tio regularmence que eu pensei que a conhecia tio bem quanto ‘conhegoa minha cozinha, Mas cu ignorava que ela escondia, por trés do percurso simples que eu fago todos os dias, um mundo obscuro de tiineis, de diregdes desconhecidas que eu teria preferido ignorarmas queaminha distragioconfusa me obrigou a conhecer. Ai de repente as luzes se apagam €

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