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RESENHAS Franco, Afonso Arinos de Melo, O indio brasileiro e a Revolucdo Francesa: as origens brasileiras da teoria da bondade natural. Intro- Iberto Vendncio Filho, Preficio: Sérgio Paulo Rouanet. Rio de Tophooks, 2000, 318 paginas. Liberiad Borges Bittencourt* Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990) exerceu diversas atividades, dentre elas as de critico literdrio, historiador, memorialista, bidgrafo ¢ jurista, tendo caracterizado sua produgao bibliogréfica pelo estilo erudito e a preocupagdo em se apoiar em vasta documentagao. Suas obras mais conhecidas e que documentaram meio século de vida brasileira so Um estadisia da Repiblica (1955), Rodrigues Alves: apogeu e declinio do presidencialismo (1973) ¢ Alma do tempo (1979). indio brasileiro e a Revolugo Francesa foi publicedo em 1937 e reeditado, sem modificagses, em 1976. Com ambas as edigdes esgotadas, 6 livro, que se constitui numa andlise preciosa sobre as origens, transformagées € permanéncia dos mitos que os curopeus construfram em relagio ao Brasil, teve uma terceira edico em 2000, por casio da comemoragio dos 500 anos do Brasil. A década de 1930 foi prédiga em andlises que buscavam redescobrir e repensar a nagao. Esta obra de Afonso Arinos perseruta a influéncia social e popular do indio brasileiro dos séculos XVI a0 XVIII, constituindo-se num marco da historiografia brasileira. O autor mostra como, a partir do Renascimento, com o individualismo materialista, 0 indio americano, plenamente integrado 3 natureza, comega a influenciar as idéias revolucionéias. * Professora Doutora do Departamento de Histéria da Universidade Federal de Goids - UFC. 179 O processo que leva 20 rompimento do “constrangimenta social” imposto pelo soberano e do “constrangimento psicolégico” imposto pela Tereja, € influenciado pela idéia de que havia homens que nfo estavam sujeitos a esses condicionamentos. A partir dessas idéias uma determinada concepgao do estado natural se apodera da Europa. ‘A. comparacdo entre o homem sujeito a lei danatureza eo homem, degradado pela civilizagdo ressalta a perfectibilidade daquele em rela a esse tiltimo, O Brasil, entdo “Terra dos papagaios”, torna-se a terra das “gentes felizes” que o habitavam. E nesse cenério que as viagens de indios 4 Enropa, num primeito momento, ampliam essa visao do paraiso. Franco historiciza 0 encontro de Montaigne com trés fndios brasileiros, enfatizando como os fildsofos do periodo, na impossibilidade de difundir abertamente suas idéias, em fungao da severa vigilancia sobre temas politicos ¢ religiosos, divulgavam suas concepgées por meio das descrig6es de comunidades ideais. Essas comunidades cram ideais exatamente porque suas instituigdes cram opostas as que existiam na Europa, as quais esses fildsofos consideravam injustas e corrompidas De Thomas Morus e sua obra Utopia, passando por Montaigne gue afirmava ser a lingua tupi parecida com o grego, chegando a Locke, Franco disco:re sobre os aportes as idéias do homem natural que atingiriam seu ponto alto no século XVIML. Para o autor, este foi o século em que na Franca os escritores se tomaram reis ¢ no qual a fantasia suplanta o espitito. O ponte culminante é Rousseau ¢ 0 século XVIII, em que a busca de um regime politico-social perfeito dava o tom do debate para aqueles que dele podiam pacticipar. O autor enfatiza, entao, que apenas nesse periodo € que o Brasil, que continuaya a ser visto como primitive pelos europeus, € substituido, nas anélises, por outta parte da América, 0s Bstados Unidos. No entanto, segundo ele, a tese da bondade natural, em Rousseau, foi muito influenciada pelas imagens anteriormente construfdas sobre o indio brasileiro. Para Franco, “o rousseauismo foi mais que uma escola, foi um estado de espftito coletivo, uma concepgao de mundo” e, sob a influéncia de suas idéias, a Revolugao de 1848 se constituiu no “epflogo e coroamento da influéncia direta de Jean-Jacques Rousseau”, 180 Burtexcouan, Libertad Borges. 0 indio brasileio # a Revolugdo Francesa, embora os revolucionarios visualizassem a [dade do Ouro no future & no no passado (p. 307). O autor conclui este livro, ressaltando o seguinte: esperamos ter trazido documentagdo aprecivel para 0 estudo de doutrinas predominantes no perfodo incipiente da democracia aplicada e na fase crepuscular do socialismo ut6pico. Interessou- nos prineipalmente a participagio do Brasil nesse proceso. Quisemos, com o esclarecimento de tal participagao, prestar também uma contribuigao cultural brasileira ao estudo de algumas idéias que correram 0 mundo. (p. 310) O livro esta dividido em scis capitulo. O primeiro trata das lendas do bom e do mau selvagem em que © autor refaz a trajetéria das lendas primitivas retomadas das tradigoes eregas pelos romanos, que as trans- mitiram aos seus sucessores da Idade Média e da Renascenca, ¢ da sua transformagiio ao Jongo da histéria. Homens monstruosos, ciclopes, seres fantasticos passaram a se localizar na India, pafs vasto € misterioso, possibilitando se tomarem criveis afirmagdes sujeitas a confirmagao em regides mais conhecidas. As lendas primitivamente fixadas na [ndia passaram a ser grada- tivamente transportadas para o Brasil pelos cronistas. Até mesmo as formosas mulheres guerreiras passaram dos textos gregos € romanos para as paginas recheadas de aventuras dos viajantes posteriores aos descobrimentos. As belas filhas e sacerdotisas da lua, as amazonas, foram localizadas no Brasil. Até mesmo 0 termo canibais, associado & Africa ou a fndia, passou a designar habitualmente os indios da terra do. Brasil. Neste capitulo, Afonso Arinos analisa, ainda, os depoimentos dos viajantes do século XVIe XVII. Desde 1507 a vida natural do indio era exposta através de varios textos: a Carta do piloto andnimo que traduzida para o latim correu o mundo, tendo sido incluida na coleténea Navegagaes e viagens de Ramiisio, uma das colegdes do género mais conhecida no periodo; a famosa carta de Américo Vespticio, Mundus novus, que narrava a expedigio de 1501, despertando o interesse e a curiosidade dos europeus a respeito do indio brasileiro. capitulo segundo narra as viagens de indios brasileiros 2 Europa. Os indios eram levados & Europa como simples curiosidade da terra ou como escravos (os portugueses costumavam escravizar os Histéria Revista, 6 (2) + 179-185, jub/dez, 2001 181 naturais das terras conquistadas) ou como prova dos progressos da conquista. A famosa festa brasileira de Rouen, em 1550, marcou a recepedo ao rei Henrique I e sua esposa Catarina de Médicis, que percorriam a Normandia e presenciaram o pitoresco espetdculo sobre a vida dos habitantes do chamado Novo Mundo. Nao foram escolhidos representantes dos aztecas ou dos incas, considerados mais civilizados, sim dos indios brasileiros, representantes do verdadciro estado natural. Cerca de cingilenta fndios, segundo Franco, dentre os trezentos figurantes, eram apresentados como sendo tabajaras ¢ tupinambés e apresentavam combates simulados totalmente mus. Foram vistos pelas mais altas personalidades francesas e estrangeiras que se encontravam naquele momento na Franga, Outro célebre encontro ocorreu em 1562 entre trés indios wpinambés e Montaigne, que escreveu sobre esse encontro em seus Ensaios, O capitulo terceiro discute a influéncia social e popular do indio brasileiro nos séculos XVI ¢ XVII, a partir de pesquisas histéricas ¢ Tite- rfrias. Essa influéncia do indio, sobretudo na Franca, deveu-se, segundo ‘Afonso Arinos, & sua presenga continua nas cidades da Buropa, principalmente nos portos maritimos, ¢ ao intenso intercimbio de comerciantes de portos de grande importéncia com regides da costa brasileira. Ha inclusive documentos arquitetonices que revelam essa influéncia, como os existentes no interior da igreja de S. Jacques, em Dieppe, um baixo-relevo com figuras de varios indios brasileiros. Palavras, alimentos, bichos, frutas, flores € gentes passaram a ser retratados em obras de brasileiros muito disputadas na Franga e, algumas delas, presenteadas por Mauricio de Nassau ao rei da Franga, Luis XIX, eao rei da Dinamarca, Frederico IIl. Objetos de enfeite, armas € utensilios cram encontrados em casas particulares da Franga. Montaigne, que possufa varios desses objetos, segundo Franco, mostra ‘quanto cles eram populares em castelos ¢ residéneias daquele periodo, chogando a influir na moda européia O capitulo quarto trata das idéias do século XVI. Franco enfatiza que, no Renascimento, “a revelacdo experimental dos segredos da natureza visivel, ¢ de muitas das suas forcas invisiveis, estourou a redoma teoldgica e escoldstica que envolvia a cigneia e o pensamento politico, © gue impedia o seu contato directo com a atmosfera objetiva da realidade exterior” (p. 127). Segundo Franco, os humanistas, compreendidos neste 182 Brrmexcover, Libertad Borges. O fdio brasileiro e a Revolupio Francesa. livro mum sentido mais amplo, de grandes espiritos do século XVI, aparentados mais pelas tendéncias filosdficas revolucionétias, foram “apaixonados” leitores dos livros de viagens e o confessam nas suas obras. Erasmo, Thomas Morus, Rabelais, Campanclla, Montaigne, com alibordade vigiada do periodo, faziam descrigGes de comunidades ideais, reinos de venturas na terra, A segunda parte do capitulo analisa O elogio da loucura, de Erasmo, que no se refere diretamente ao Brasil; A utopia, de Thomas Morus, que trata das narrativas de um portugués que teria sido companheiro de Ameérico Vespiicio ¢, guamnecendo um fortim, ou feitoria, teria ficado numa localizagio que, de acordo com a identificagao primitiva feita por Humboldt ¢ confirmada depois por Varnhagen, corresponde a Cabo Frio, no Brasil. Num século marcado por idéias revolucionérias, essas obras, agregadas as de Rabelais ¢ de alguns poetas, analisadas por Franco, aumentariam a atragao pela vida dos indios brasileiros, sobretudo na Franga. O capitulo € encerrado com um t6pico sobre Montaigne ¢ 0 espirito revolucionéio, que comparava os selvagens aos {rutos silvestres © 08 civilizacos aos frutos cultivados. “Estes dltimos é que deviam ser chamados bérbaros porque as suas verdadeiras qualidades naturais foram abastardadas pelas incomodagées exigidas pelo nosso gosto corupto” (p. 175). Além do ensaio sobre os canibais, sto frequentes as referencias ao homem natural do Brasil, na obra de Montaigne. O capitulo quinto analisa 0 indio brasileiro ¢ as idéias do século XVII, abundantes em utopias na Franca, um século depois de Thomas Morus e sua obra original. Franco, neste tépico, analise A tempestade, de Shakespeare, que no concorda com a presung&o humanista da inocéncia ¢ da bondade natural dos selvagens da América. Caliba c sua forma monstruosa, sintese de varios tipos lendarios de homem americano, abriga uma alma grosseira ¢ torpe. Franco passa por diversos autores € concentra sua andlise em Locke, afirmande que esse autor, ao falar do +homem natural americano, parece referit-se, também, ao indio brasileiro. capitulo sexto, focalizando as idéias do século XVII, analisa com rigor método a origem e a trajet6ria da teoria da bondade natural. “O século dezoito completou o trabalho cautelosamente iniciado, Partindo da natureza concebida como uma ordem abstrata, criou homem abstrato co divinizou, Voltara natureza, reintegrar-se no seu convivio purificador, Histéria Revista, 6 (2) + 179-185, jul/dea. 2001 183 heurir nas suas leis ensinamentos que conduzissem & reforma da civilizagdo, eis a tese romantica” (p. 235), que seria modificada em sua aplicacao pelo sentido revolucionaio. ‘A andlise de Franco sobre 0 perfodo centra-se em Lafitau, Raynal, Montesquieu, Voltaire, Diderot e a Enciclopédia, chegando a Rousseau. O autor destaca que @ preocupagio de observar todas as instituigGes politicas, a fim de formar um regime politico-social perfeito, foi dominante no século XVII. O Brasil continuava a ser um pafs primitivo c idflico aos olhos europeus, mas o progresso material, que deveria ser buscado a qualquer prego, desloca o interesse para os Estados Unidos, principalmente depois da sua Independéncia. © indio brasileiro perdia entio seu espago nas reflexées filoséficas. ‘A idéia de Natureza em Rousscan foi considerada confusa pelos seus etiticos, segundo Franco, em razdo de referir-se a necessidades psicolégicas freaiientemente informes ¢ confusas, resultado do “estado mérbido de impoténcia ¢ inadaptagdo" de Rousseau. O contrato social co Emilio, apesat das criticas de autores como Voltaire, imprognaram as discussGes da época. A obra Emilio influenciou Babeuf, que defendia seus ensinamentos, ¢ para marcar 0 culto respeitoso da Revolugao pelo seu maior filésofo, proceden-se ao traslado dos restos mortais de Rousseau ao Pantheén Nacional, jazigo que a patria reservou aos grandes homens. ‘ARevolucao de 1848 foi, segundo Franco, o epilogo ¢ 0 coroa~ mento da influéncia direta de Rousseau. Segundo o autor, “os teéricos & os intclectuais desse episddic histérico, os Cabet, os Louis Blanc e mesmo Proudhon (este, apesar das injiirias que assacava contra o “cidadao de Genebra”) so, sob certo aspecto, verdadeiros continuadores do rousseaufsmo, na medida em que participavam da crenga na bondade natural do homem'” (p. 307). ‘Apesar de relegada 20 ostracismo no Brasil e pouco divulgada, a visio de Afonso Arinos ¢ inovadora. Pensar a influéncia das representagées constru(das na Buropa acerca do indio brasileiro, no perfodo em que foi visto como 0 bom selvagem, como base para as teorias do homem natural, contrapde-se a algumas teses, como as de Varnhagen, que minimizam a histéria ind{gena, mas obtiveram maior divulgagio no nosso pats. 184 Brrvexcourr, Libertad Borges. O indio brasileiro e a Revolugdo Francesc A tese de Franco nao fez escola no Brasil, possivelmente porque nio foi publicada no exterior, em especial na Franca, vitrine das novidades intelectuais da época. Por outro lado, porque veio a piiblico num perfodo €m que Gilberto Freyre era aclamado pela publicagdio de Casa grande & senzala, com uma concepgao que inovava os estudos sociais no pals, causando forte impacto nos estudos da érea. Recentemente, a obra O fndio brasileiro e a Revolugdo Fran- ces ven sendo retomada pela historiogratia, Apesar de sua grande crudigao, € possivel sua compreensdo mesmo por parte do leitor nio familiarizado com a tematica. A utopia do nove mundo, a idealizagao do nosso indio, as crdnicas dos viajamtes e obras de autores importantes séo temas analisados nesse livro, num encadeamento cheio de imagi nagio, Na verdade ele se constitui num ensaio hist6rico comparado que permanece atual, 0 que caracteriza as obras consideradas classicas, Historia Revista, 6 (2): 179-185, jul /dez. 2001 185

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