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cAPI{TULO * DOIS O InstiTuTO NACIONAL DE Surpos-Mupos 1. As Discussdes po Finat po SécuLo XIX £ Inicio po SkcuLo XX ras séculos depois de Cardano ter afrmado ser 0 surdo capaz de apren- i der, € ter sugeride que o melhor meio para asua realizacdo seviaatravés da lingua escrita, 0 cenario europeu, principalmente o francés, mostrava os sinais das mudangas radicais que havia sofrido. ‘Quando Itard transferiu-se para o Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, em 1800, a Revolucdo Francesa estava em periodo de consolidacao: a casa em que 0 Abade de L'Epée, em 1760, tinha iniciado seu trabalho com surdos, havia se transformado em escola especializada e alguns anos antes, elevadaa Instituto Nacional, pela Assembléia Constituinte. Os anseios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade estavam no ar ¢ a educacao para todos era uma das grandes expecta- sivas De acordo com 0 relatério de Moura e Silva (1896: 6)', em 1800, Itard dis- punha apenas de uma classe no Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, dado © favoritismo do método gestual. Em 1880, o Congresso de Mildo dedlaroua su- perioridade do methodo oral puro? para a instrugio dos surdos e, a partir daf, 0 Instituto foi implartando gradualmente o oralismo até abranger todas as turmas. 1. Al. de Moura e Silva era professor do Instituto Nacional de Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, desde 1844. Consta no relatério que sua viagem a Paris deveu-se a uma licenga de seis meses, concedids pelo Ministro da Justica @ Negécios Interiores, para trata- mento de doenca na famfia, Aproveitando 2 sua estada na Franga, ofereceu-se para cuprir ‘um periado de aperfeigoamento na Institution Nacionale des Sourds-Muets de Paris. 2, © método oral aparece, algumas vezes, com essa designagSo para diferenciar do métado que procure combinar fala ¢ gesto, pois o métoda oral puro exclui 0 uso de gestos. 40 _A Epveacio pg Suppo No Br: Nesse relatério, que enviou para o diretor do Instituto Nacional de Surdos- Mudos do Rio de Janeiro, o professor A J. de Moura e Silva descreve a respeito das suas observacées feitas durante © periodo em que esteve no Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, cumprindo um perfodo de aperfeigoamento, Através do ttulo de seu relat6rio, Surdos-Mudos Capazes de Articular e Meios Priticos de lhes Dar a Palavra e, com ella, o Ensino, & possivel identificar as trans- formagées ocorridas, na Europa, em relago 4 educacéo do surdo, desde a pro- posta de Cardano, pois, de acordo com o que foi apresentado no capttulo anterior, Cardano havia afirmado que os surdos, mesmo sendo mudos, poderiam aprender através da escrita, jé que esta podia representar os sons da fala ou as idéias do pen- samento, Portanto, a mudez nao se constitula em impedimento para que o surdo pudesse aprender e a escrita seria o melhor meio para isso. J&, no século XIX, passa-se a enfatizar a fala como pré-requisito para o ensino. (© relatério consta de duas partes. A primeira, com 0 tulo de Methados de Ensino e Surdos Capazes de Articular, inicia com um breve histérico do Instituto Nacional de Surdos Mudos de Paris. Mostra que, de 1791 até 1879, ométodo de ensino era a linguagem escrita com © auxtlio de sinais, sendo concurrentemente uilizada a dactylologia, Narra que a classe de articulasdo, que existiva partir de 1828, era destinada somente a uns poucos surdos aptos e que o method oral puro, tinha sido adotado oficialmente em 1879. Esse método, diz ele, demorou sete anos para abranger todo o Instituto, uma vez que era introduzido a cada turma iniciante, a partir de | 880. Parece que o trabalho de Pereira exerceu grande influéncia para que se ado- tasse 0 método oral na educagéo de surdos na Franga. Tanto assim, que 0 profes- sor Gallaudet, dos Estados Unidos, que participou do segundo Congresso Interna- ional de Surdes-Mudos ocorrido no periodo de 6a | | de setembro de 1880, em Mild, relatou nos American Annals of the Deaf and Dumb, que 0 controle do con- gresso estava nas miios dos representantes da Sociedade Pereira, uma associagao ‘existente hi alguns anos em Paris, com o objetivo de assegurar 0 recenhecimento de Pereira como primeiro professor de surdos-mudos da Franga e para impor 0 método oral puro, como modelo tinico a ser adotado na educacéo de surdos. Gallaudet, ao criticar uma noticia publicada no jornal Times, de Londres, sobre a concluséo do Congresso, afirmou que pela prépria constituiggo dos seus mem- bros, 0 resultado no poderia ter sido diferente, pois, dos 164 membros atives, 87 eram da Ita, 56, da Franga, 8, da Inglaterra e a grande maioria deles era adepta do método oral (GALLAUDET, 1881 :1) Um dado interessante no relatdrio do professor Moura e Silva foi, também, a sua conclusdo a respeito do Congresso de Miléo. Diz ele que, apesar do Congres- Olsenrvra Naso so ter declarado a superioridade do methodo oral puro, nfo poderia ignorar as ponderacées feitas pelo americano E, Gallaudet, que achava que nem todos os sur= dos tinham condigées de aprender a falar e, portanto, para ele o melhor método seriao methodo combinado, Considerou 0 professor tio procedentes as palavras de Gallaudet que o Ins- tituto de Pzris, por ter adotado 0 methodo oral puro, de maneira uniforme para todos os alunos, teve logo que tomar uma medida em relago 20 citério de agru- pamento: (..) sindo remediasse o simithante mal, 20 menos 0 atenuasse: Essa medida (..) foi — abandonar-se a classiticacao pela idade, adoptada nos primeiros tempos de novo ensino, € recorrer-se & selecio dos alunos tomando-se como base a intelligencia e principalmente a aptidao de cada um d'elles para fallar (MOURA E SILVA, 1896: 8) Em seguida, o referido professor resume em trés tens o que verficou no Instituto: 19) - que todos os alumnos de fraca intelligencia, les arriérés, aos quaes se destinam as ultimas seccSes de cada anno, ndo se prestam absolutamente ao ensino pela palavra: além de tempo e dinheiro gastos inutilmente com elles, simithante ensino & verdadeiro martyrio para essa categoria de sur- dos, duplamente infelizes, e sacrifcio sem nome para o pobre mestre; 2°) - que os que ensurdeceram depois de haverem adquirido © uso da palavra, € os semi-surdos, principalmente d'entre uns e outros os que sio inteligentes, articulam, em geral, satisfactoriamente, podendo ser ouvidos com praze 3°) - que a articulagdo dos surdos de nascenca, salvo rarissimos privilegia- dos, sempre penosa, diffcil e desagradével (MOURA E SILVA. 1896: 8) Na segunda parte do relétério, professor apresenta uma série de procedi- mentos necessérios, segundo ele, a todos os surdos capazes de adquirir a palavra articulada.? Sao exercicios para preparar 0s Srgios respiratérios como inspiragao, expiracio, exercicios de sopro e exercicios para preparacio dos Grgios da palavra, como movimentos de lingua ¢ de labios. Esses exercicios, de acordo com orela- 46rio, fazem parte do periodo preparatério. Em seguida, o professor coloca o sulbttulo Articulagao e inicia descrevendo 08 exercicios com vozes para, logo em seguida, colocar outro subtitulo, Ensino de Vozes (0 relatério no deixa muito claro, mas parece referir-se ao ensino de vorais), segundo 0 qual, diante de um espelho, sto realizados exercicios em que 3, Essa terminologia ¢ encontrada em virios documentos e livros escritos no final do século XIX referinde-se a0 ensino da linguagem oral, Portanto, neste texto, as expresses como lingua articulta, palavra ariclada, fl, ngua ora, Inguagem oral, lingua flac, terdo © mesmo significado, 42_AEnucacko po Surno so Baas, o.surdo deve perceber que existern dois elementos responséives pela produgéo das vo- zes posigdese vibragGes. O Ensino das Consondnaastambém € feito dante do espelho, através de iitagio e do tato, para perveber as diferentes vibracées produzidas na emis- so das consoantes. Em seguida, vem 0 ensino da syizbagao que consiste em ler, analsticamente, a palavra, prmeramente, nos bios do mestre, e depois, em outras pessoas, A partir daf, 0 aluno esta preparado para 0 ensino da lingua. Depois de aprender da lingua o suficiente, ele estard apto para as outras disciplinas do ensino primario, Segundo ele, o grande empenho do professor: (..) deverd constituir, antes de tudo, em desenvolver-the a inteligencia, me- thorar-Ine cada vez mais a articulaggo, e aperfeigoar-Ihe, quanto possivel, © conhecimento da lingua, passard a aprender cada uma d'essas matérias ainda sem outra alteraggo na marcha do ensino, propriamente dito, ango ser ade passarrnos também a ensinar fallando que até agora ensinamos escreven- do (MOURA E SILVA, 1896: 18-19) CConforme 0 relatério do professor Moura e Siva, o ensino das dsciplinas do cur- so primério seria posterior ao periodo reservado para os exercicios que visavam a0 desenvolvimento dos drgios utilizados na fala € posterior, também, ao ensino da Articulagao, que seria destinado, primeiramente, & producio articulatéria das vvoais e das consoantes. Depois disso, é que deveriam ser realizados os exercici- ‘0 que pressupunham a articulagao das palavras por parte dos alunos, assim como o trelriamento de leitura labial, através da articulagaofeita pelo professor. Nao est claro no relatério sé, inicialmente, eram apresentadas as slabas e depois as pala- ras ou isso era feito de forma simultanea, isto é, cada palavra era apresentada glo- balmente e decomposta em silabas. Isso demonstra que o ensino das matérias era posterior 20 ensino da lin- gua oral, Todavia, também nao est claro no relatério se 0 contetido da lingua oral, inicialmente apresentado aos alunos, corresponderia aquele que seria empregado mais tarde, pelo professor, no ensino das matérias do primdrio, © que, de certo modo, significava dividir 0 ensino em duas fases, oral e escrito Sé que a segunda etapa estava subordinada & primeira, o que demonstra que havia uma prioridade da aquisigio da lingua oral em relagfo ao saber escolar. A partir do Congresso de Miléo, segundo 0 que consta no relatério do. prof. A. |. de Moura e Silva, 0 Método Oral estava sendo adotado em varios paises da Europa, como instrument capaz de dar ao surdo maiores possibili- dades para adquirir a instrugdo que era transmitida na escola. Entretanto, no Brasil, a justifcativa para que o Instituto Nacional de Sur- dos-Mudos adotasse 0 ensino da palavra articulada deu-se por razOes diferentes. Ollnsnruro Nactonat. ps Suxpos-Muvos _43 O dr. Menezes Vieira’, em seu Parecer na 26* Questio da Actas e Pare- ceres do Congresso de Instrucgao do Rio de Janeiro, de |884, tece a sua argu- mentacio em favor da adogao do método oral da seguinte forma: (O Instituto do Rio de Janeiro baseando a educacéo no plano que regia em 1868 6 Instituto de Pariz, possue vicios desse plano. ‘Adaptando para instrumento geral de communicag&o a linguagem escripta € reservando para certos casos especiaes a articulacdo ou palavra articulada, cobedeceu 2 influencia imitativa, tornou pelo atalho e abandonou a estrada real. Collocou em segundo loger, reservou para casos particulares os gran- des instrumentos de uma educacdo completa, Desse alvitre resultou, no ha como negar, a diminuta frequencia de alurnnos & as dficuldades que hoje se entolham para uma reorganizacéo racional. Restituir a uma sociedade de analphabetos alguns surdos-mudos sabendo , ler e escrever de que vale © para que serve? Unicamente produzir nos pais 0 desgosto por verem perdido precioso capi- tal de tempo e ao educando dar uma linguagem que poucos comprehendem. Dos alumnos educados no instituto do Rio de Janeiro quantos ainda conser- vam a linguagem escripta? Tres ou quatro. Porque os outros abandonaram-na? Porque, na sociedade em que vivem, raros sabem lér e escrever. Claro esta, portanto, que 0 unico meio de restituir 0 surdo-mudo 4 socieda- de & dar-Ihe uma linguagem que todos comprehendam, dar-the a linguagem articuade, suprema aspiragéo do venerando lEpée® (MENEZES VIEIRA. 1884: 4). © problema que o dr. Menezes Vieira levanta no é 0 analfabetismo da populacdo em prejuizo do sutdo alfabetizado, 0 prejuizo de se alfabetizar um surdo num pais de analfabetos, 4, No foi possive encontrar maiores informagéies a respeito de quer erao de Menezes Vieira todavia, através do seu Parecer, alma ter exercido 0 magistério por catorze anos e, de acordo com sou relato em que afirma ter sido ciscipulo do dr, Tabias Leite, pode-se presumir que esses ance foram dedicadas & educaséo de surdos, no Institut, 55, De acordo com a epirafe apresentada pelo dr Menezes Vieira, Epée reconheca que o tnico ‘meio de introduziro surdo-mudo ra sociedade era aprendendo a se exprimir de viva voz e alera pala sobre os lébios. Conforme Quirés e Gueler,aidéia de EpSe er crar uma inguagem mimica universal foi porque, por ter criado a primeira escola de surdos, !Epée recebeu todo o tipo de crianga e se viu cbrigado a realzar uma instrugdo répida, que permse a esses surdos transformarem-se em elementos {Gteis manualmente para a sociedade, (QUIROS E GUELER, 1966: 287-293) 44_A Epucackovo Sugpo xo Brash ‘As suas palavras confirmmam o que varios autores jé escreveram sobre 0 descaso coma escola publica elementar no periodo Imperial e mesmo pés-Repibiica Se o Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, assim como outros na Euro- pa, havia adotado o método oral pela conwicgao de que, 20 adquiriralinguagem oral, © surdo disporia do meio mais eficaz para aprender, o dr, Menezes Vieira utilzava-se de argumentos exatamente contrérios a esses, para defender a implantagio do méto- do orale Instituto brasileiro. Do seu ponto de vista, a aprendizagem da lingua escrita era desnecesséria, uma vez que, nas relagdes sociais, o surdo nao se utlizaria desse tipo de conhecimento. Por isso, o dr. Menezes Vieira defendia que aprender a falar seria a coisa mais importante para os alunos do Instituto Nacional de Surdos-Mudos. No inicio do seu Parecer, ele sugeria a oralizago do surdo como uma proposta acabada de educacéo. Isto 6, 0 passo mais importante que 0 Instituto Nacional de Surdos-Mudos do Rio de Janeiro deveria dar, em relagdo & educacéo do surdo, era a adogéo do método oral puro, pois, para ele, o aprender a falar era mais im- portante que o aprender a ler e escrever, jé que o Brasil era um pals de analfabe- 10s, Porém, no final do seu Parecer, afirma: ‘A-educagto moral e a educacéo intellectual, por meio da palavra viva e ani- ‘mada, tornar-se ho mais robustas e desenvolvidas () Sias vibrag6es sonoras nic lhe dio idéias, aimagem da palavra articulada mol- dada no apparelho respective impressiona utilmente os orgios visuaes, Sirndo ouve a propria voz, si nfo sente o doce encanto de escutar-se, sentirs pelo tacto as agradaveis impresses que nos labios, na cavidade buccal e no larynge se produzem ) Propagar o ensino da articulagio charnada artificial e da jetura sobre os labios, julgo que € imperiosa necessidade para a educacdo dos surdos-mudos. Ge) Para eoncluir: © surdo- mudo é um cidadio apto para receber uma educagio completa; ‘Aa Estado, conforme a promessa consttucional, cabe 0 dever de dar-the a ‘educacio priméria (MENEZES VIERA, 1884: 5). Nesta tiltima afirmacio, o dr; Menezes Vieira (1884: 6) contraria o que ele préprio havia escrito ne inicio do seu Parecer, em relacdo & inadequacao do ensi- no da linguagem escrita num pals de analfabeto: © Instituto dos surdos-mudos do Brazil corresponderd ao fim para que foi creado, educando por meio da palavra articulada. HTUTONACIONAL be Surpos-Mupos 45 Para que. educagio efectue-se mais rapida e proficuamente conviré tomar evidente: Que a palavra articulada péde ser adquirida pela vista e pelo tato; Que a leitura sobre os labios deve ser ensinada desde os primeiros annos ‘Afirn de vulgarisar estas idéias cumpre: Que os vigarios propaguem-r'as entre os seus comparochianos; Que nas escolas primarias 0 ensino da leitura e da escripta seja feito pelo mesmo processo empregado nos institutos de surdos-mudos; ‘Que nessas escolas, especialmente as do sexo feminino, em um dos livros de leitura expressiva trate-se da primeira educagao que o surdo-mudo deve receber no seio da familia, © Congresso de Milo, realizado em 1880, considerou a superioridade do método Oral Puro em relagio ao ensino que combinava fala e gesto para o de- senvolvimento da linguagem do surdo-mudo e dediarou (.) 0 meio mais natural e efetivo pelo qual o surdo que fala* adquire o conheci- mento da linguagem & 0 método “intuitivo", que cansiste em expor, primeiro pela fla, e depois pela escrita, os objetose 0s ftos que ocorrem dante dos othos dos alunos (International Congress of The Edtication of The Deaf | 880: 5) Os participants do Congresso nao deixaram claro, pelo menos nesse docu- mento, qual era a expectativa em relacao 20 ensino de surdos no que dizia respeito & continuiddade da sua educacio escolar. Se o método oral tinha sido considerado © mais eficiente, pela justifcativa de que, uma vez oralizado, o surdo teria melhores pos- sibilidades de aprender, seria compreensivel que houvesse alguma mengio a0 ensino do ponto de vista da instrugao escolar. Aproposta de expor pela fase, posteriormente pela escrita, os objetos € os fatos que acontecem diante dos olhos dos alunos no indica que twa simiaridade com as propostas de ensino destinadas aos normals. Essa recomiendagzo metodo\6gica parece estar destina- dda apenas ao ensino da lnguagem oral ou 20 ensino da palavaarticulac Essa crientagio extraida, tahez, do Congresso de Mio ou, entio, pelas mudangas que foram realizadas no Instituto Nacional de Surclos-Mudos de Paris deve ter ido de en- contro 8s expectativas do dr: Menezes Vieira em relagio & educagio do surdo” 6. O termo utilizado em inglés ¢ speaking-deaf aqui traduzide por surdo que fla 7. Xavier(Op. cit.p.10) chara a atencfo para 0 equivoco de se estabelecer essa relagdo ireta entre dependéncia cultural e dependéncia econdmica, como se 2 primeira fosse um pprolongamento da segunda, pos, na épaca em que o Brasl depencia economicamente da nglaterra, ua ‘Gependncia cultura, especakmente no que ciz’arespeto-ao campo pacagogico, era ances 40_A Enucagio po Suppo Xo Brasil. = Isso me permite fazer duas consideragdes a respeito da proposta do dr. Menezes de Vieira: a primeira é que tenha interpretado a deliberacao do Con- gresso de Milo como uma orientacdo destinada somente a oralizagdo do surdo, Isto é, para o dr. Menezes, a proposta de educagao para os surdos, indicada no Congreso, limitava-se somente ao ensino da palavra articula- da, Pela omissio em relagio & instrugio escolar, as consideragbes feitas no Congresso dao margem a esse tipo de compreensao, apesar de valorizar 0 método como sendo melhor meio para 0 surdo aprender. Ou, entéo, o dr. Menezes Vieira estaria, de fato, preocupado com a in- sergio social do surdo, Dessa forma, adquirir a lingua escrita, num contexto em que ninguém sabia ler, ndo era © caminho mais adequado Parece que, para o dr: Menezes Vieira, o analfabetismo da populagio trazia pre- juzo ao surdo, daa sua reinvindicacio para priorizar 0 ensino da palavra articulada No entanto, Ribeiro (1986: 63-73) mostra que, mesmo antes dessa época, jé haviam aparecido propostas que visavam impulsionar a educacdo do pats. © fim do tréfico de escravos nao sé trouxe trégua para as relacdes conflitivas entre os senhores de terra e os ingleses, como significou um avanco para a nova estruturago social capitalista. Isso contribuiu para a disponibili- dade de capitais externos, em forma de empréstimos e investimentos, os quais vieram através dos ingleses e também do capital que antes era utilizado na compra de escravos. Conforme Hollanda (1963: 61-62). a extingao do comércio de escravos, origem de algumas das maiores fortunas brasileiras do tempo, deveria deixar em disponibilidade os capitais até entao utilizados para a importacao dos negros Segundo esse autor (HOLLANDA, 1963: 62), a prépria fundagao do Banco do Brasil teria sido um meio encontrado para o aproveitamento des- se capital: “pode-se dizer que. das cinzas do tréfico negreiro, iria surgir uma era de aparato sem precendentes em nossa histéria comercial.” E um perfodo de mudangas aceleradas: “a ansia de enriquecimento favorecida pelas excessivas faciidades de crédito, contaminou logo todas as classes e foi uma das caracterfsticas notéveis desse periodo de ‘prosperidade" ( p. 62) E um perfodo rico, com propostas de reformas que passam pela aboli- go da escravatura, pela queda do Império até a Reptblica. Para Ribeiro (1986: 65), a modernizagao foi uma exigéncia de fato, que decar- reu da mudanga de uma sociedade rural agricola para urbano comercial: Liverais e cientificistas (positivistas) estabelecern pontos comuns em seus programas de a¢do: aboligSo dos privilégios aristocréticos, separacao da O IvermreTo Nacional. DE SuRDO: a Igreja do Estado, instituicdo do casamento € registro civil, secularizagao dos cemitérios, abolicio da escravidao, libertago da mulher para através da instrugio desempenhar seu papel de esposa e mae e a crenca na edu- cacéo enquanto chave dos problemas fundamentais do pats. Nesse contexto de transformagées, a deficiéncia da organizagéo escolar é alvo de criticas e surgem propostas de reformas nessa rea. Paiva (1987: 54) afirma que, a partir de 1870, é que comega.a se difundir a preocupagéo com a instrucdo elementar, mas ela desempenha papel de pequena importancia nas lutas politicas que precedem a Republica, Segundo a autora, apds a queda da Monarquia, era esperado que houvesse umavango no campo da educacéo, decorrente dos ideais democraticos presen- tes no movimento republicano, o que deveria ter provocado uma difusio do ensino popular. No entanto, esses ideais nao sobreviveram € as pretensdies em relagio & educagio foram tolhidas pela vitbria do federalismo e pela retomada do poder por parte das oligarquias estaduais, no final do século XIX, Para Xavier (1992: 115), o que se percebe, nesse periodo, é que as dis- cusses a respeito das preocupacées com 0 ensino publico nunca ultrapassaram © terreno dos debates, uma vez que isso nunca se traduziu em medidas efetivas ouagies concretas para a criagio de escolas para as camadas populares. Para ela, alincorporacao de madelas estrangeiros néo se dava por ingenuidade ou por des- conhecimento da realidade nacional, mas, sim, porque vinham de encontro a in- teresses de determinados grupos. ‘Quando o dr. Menezes Vieira argumenta que é desperdicio alfabetizar um surdo num pals de analfabetos, porque este tipo de conhecimento no terd ne- nhuma aplicabilidade e, por isso, resultaré em esquecimento, demonstra que a realidade nacional ndo the desconhecida A explicacio da imitacio como medida imediatista, que visava diminuir rapi- damente a diferenga cultural com os paises mais desenvolvides, poderia ser uti- lizada através do Parecer feito pelo mesmo: ‘Trezentos sessenta e quatro institutos disseminados pela Allemanha, Fran a, Estados Unidos, Italia, Inglaterra, Austro-Hungria, Suecia, Suissa, Belgica, Hespanha, Canad, Dinamarca, Russia, Hollanda, Australia, Ja~ po, Portugal e Brazil, educando vinte e quatro mil citocentos sessenta € dous surdos-mudos, provam eloquentemente 2 redempgio desses infe~ lizes entre os povos civilisados (MENEZES VIEIRA, 1884: |), 48_AEpuengko po Suxno xo Brasit Outro documento signfcativo desta época é o Parecer do dr. Tobias Leite*que, depois de apresentar as diversas razGes porque os paises europeuse 0s Estados Unidos investam na educa¢ao dos surdos-mudos’, afirma: “Entre os primeiros e os ultimos © Brazil deve tomar o seu logar. [Mas, acrescentou, primeiramente, que 0 go- verno deveria verificar se haveria] no Brazil surdos-mudos em numero tal que va- tham o sacricio que exige a sua educacdo” (LEITE, 1884, p. 1). O dr. Tobias Leite questiona, ainda, a veracidade do total de surdos-mudos, apresentado no recenseamento feito pelo Império que apontou o niimero de 11.595, ou seja, um surdo-mudo para 856 habitantes, proporcao enorme que colocava 0 Brasil no terceiro lugar na incidéncia de indlviduos surdos-mudos.'® Confirma sua suspeita 20 referir-se a um encontro que teve com o Bispo do Paré que havia trazido da Franca dois padres educadores de sur- dos, que seriam os responsdveis pela fundacao de um instituto na sua diocese, iniciativa tomada em razao da estatistica apontar que haviam 236 surdos-mudos no Par e 23 no Amazonas. Mas tal instituto ndo péde ser criado pelo fato de o Bispo ter verificado que nao havia surdos-mudos na sua diocese: ‘hio € exacto;" [teria dito o Bispo,] “eu mesmo percorri em visita pastoral todas as aldéas e choupanas da minha diocese e no encontrei um s Continua o dr. Tobias Leite, relatando outros casos: Enviando todos os annos 0 meu relatério aos reverendos Bispos, acompa- nhado de alfcio em que thes pedia sua cooperacio, por intermédio dos parlochos, para que viessem para 0 instituto © maior nimero de surdos mudos, 8. Conforme Menezes Vieira, Tobias Leite era médico ¢, quando assumiu o INSM, era chefe de Seg nasecretara do Impéria, Segundo documerto encontrado no INES, 0 4° dretor do Instituto Nacional ce Surdos-Mudos, do Rio de janeiro, Assumiu interinamente, de agosto de 1868 2 1872; apartrdal, foi dlretorefetvo até 1896. De acordo com suas publicagées, era adepto do ensino através de gestos . Nas ‘Actas @ Pareceres do Congresso de Instrucgao do Rio de Janeira consta como Tobias Rabello Lite. Nas demais publeagSes, e mesma na relagso dos diretores do INES, cansta somente Tabias Leite Neste texto, me referi-me-eia ele sempre camo Tobias Let, 9. O dr. Tobias Leite afirma em seu Parecer: “Na Alemanha, na Inglaterra € nos pafses escandinavos, a educagso de surdas-mudos é obra socioléica, Na Franca ena Ilia & mais umn meio a que recorreu o partido derical para engrossar suas fleas e melhor resstir as invasties dos adversérios, Nos Estados Unidos da América é uma questic economia que se resume em converter entes indtels ‘em operirios habeis, ou por outra, em augmentaro nimero de productores" (1884: |). 10..A posigio do dr. Tebias Leite & contraditria, pois foi autor das raductes do material que era Uitiizado no INSM de Pars. Publicou 500 exemplares que foram distribuidos nas provincias de Minas, Sio Paulo, Parané e Goyaz, em 1871. Depois, fez outras publicagBes, em 1874, eo compéndia das obras. em 1881, e, neste parecer, questiona a necessidade de inves na educagio dos surdos colocando em divida 0s dados estatcticos, ne SuRDOS-Munos 49 ‘ovenerando Bispo de Cuyabi, o finado Sr. D. José, respondeu-me em officio de 20 de Agosto de 1875 nos seguintes termos: Aqui eu nao deixo de fallar e recommendar a bondade e beneficio do insti- tuto dos surdos-mudos dessa corte, mas devo declarar a V. Ex. que pouco ‘ou nada aproveitam as minhas palavras; além disto, o numero de surdos- mudos, desta provincia esta extremamente elevado no relatério de V. Ex; nesta cidade e nos logares préximos a ella ndo vejo algum, e si algum existe rem isso me consta: ha apenas quatro ou cinco sandeus, bobos ou idiotas, dos quaes existe maior numero no termo da Diamantina, Guiou-se \. Ex. pela estatistica da provincia mandada imprimir pelo gover- no, da qual tenho aqui um exemplar; julgo, porém, conveniente asseverar a V. Ex. que tal estatistica est cheia de erros e falsidades, e que & pena que se gastasse tanto dinheiro com obra téo imperfeita..” (LEITE, 1887: 2) Ao questionar os dados estatisticos oferecidos pelo Império, o Bispio'jus- tifica a implantacdo do atendimento na dependéncia do némero de surdos exis- tentes. Se o nimero encontrado fosse considerado insuficiente, néo seria dado a esses surdos nenhum tipo de atendimento'!: “por occasiéo da seca que flagellou a provincia do Ceara, e que agglomerou em torno da capital milhares de familias, pedi por mais de uma vez (...) que promovessem a vinda de sur- dos-mudos para o instituto” (LEITE, 1884: 2) Mas, de acordo com o relato, também desta vez responderam ao dr. Tobias Leite que nao havia surdos-mudos entre os retirantes. Continua o seu Parecer, recomendando que seja feito um novo levanta- mento e, em relagio & educagéo, responde a uma série de perguntas por ele mesmo formuladas: Qual a extensio que se deve dar & instruc¢o de surdos-mudos do Brazil? (© fim da educagio do surdo-mudo nao é formar homens de lettras Gd. Qual o ensino profissional que mais convern — 0 artistico ou o agricola? Por tres razées sou do parecer que 0 ensino profssional que mais convem a0 paiz e ao surdo-mudo brazileiro é 0 agricola. 1, Lemas (1981: 42) aponta que quando Huet, considerado o primeiro professor de surdos do Brasil inicio seu trabalho er local provisério na Colégjo de Wassimen, pois o Instituto ainda no havia sido criado, seus primeiros alunos foram um menino de 12 anos € uma menina de 10 anos. Para a ‘educagio destes dois alunos foi obtida uma verba do Império. Através do Marqués de Abrantes, Huet ‘bteve do Imperador D. Pedra las faciidades para fundar o primeiro educandério de surdos. 50_A Enueagio no Sumpo xo Beasit A primeira € que s6 0 ambiente do campo pode corrigir as consequencias de sua deficiente hematose ¢ dar-Ihe robustez e longa existencia () Na profissdo de artistas, ou operarios, unica & que se podem entregar nas ci- dades, 86 por excepséo nfo séo cruelmente explorados pelos chefes das officinas, ou emprezarios de trabalhos, levando-os a conflctos,lutas e desgos- tos em que ndo poucas vezes a moral é sacrifcada, e crimes so perpetrados. Finalmente, porque o maximo interesse do paiz est em augmentar o nume- ro de trabalhadores agricolas, habeis e moralizados () . Assim, ao Estado deve caber 0 encargo de concorrer para a manutencao do pessoal docente; as provincias para o material e 4s municipalidades para a manutengo dos alunos. ‘Ao Estado e 4s provincias nao faltam recursos; resta dal-os 4s municipalidades, Para isso penso que seria sufficiente 0 imposto municipal de S00 réis por crianga, cobrado pelo vigario no acto do baptismo, ou pelo official do registro vil no acto da inscrigéo. Sei que os impostos drectos encontram sempre naturale formidavel repugnancia, mas a modicidade da quantia, a facilidade da cobranga e a grandeza da applicagao cancorreriam muito para que o pagamento desse imposto pas- sasse de onus a uma contribuigo voluntaria, ¢ muito de coragio (LEITE, 1884:, 3.5), Em 1885, € concedida a Lei do Sexagendrio; o fim do trabalho escravo jf era uma realidade bem proxima, Portanto, esse interesse do pais em aumentar os tra- balhadores agricolas, foi uma expresso utilizada pelo dr. Tobias Leite, de for- ma nao muito clara, pois, de acordo com Sodré (1963:249) (1) Se havia resistncias @ obstéculos a transformagio do trabalho escravo em trabatho livre pelo aproveitamento da massa africana de origem, rotula- da pela cdr e onerada por trés séculos de regime escravista, havia que apelar para a introduséo de trabalho nao-africanos. Cuidou-se, por algum tempo, que a Asia substituisse a Africa como fornecedora de mio-de-obra, € teria~ ‘mos, no caso negros substituidos por amarelos, e a escraviddo pela servidao e nio pelo trabalho livre. As resisténcias externas, entretanto, impediram que tal soluglo fosse adotada.(...) Assim, nfo surgiu outra salda que no a da imigracio, visando as populagdes empobrecidas da Europa, Diante disso, fcam para mim as seguintes questdes: quando o dr. Tobias Leite propée ensino profssional agricola, teria ele claro o lugar que o surdo-mudo ocu- paria nesse novo quadro que jé estava sendo pensado ou, para ele, o trabalho para Olver To Nacioxat pe Suxnos-Mupos o surdo era encarade — como aparentemente ainda o é atualmente — uma sim- ples ocupacéo, um arranjo feito pela instituigdo que executa essa fungio come par- te de suas atribuigoes? Se.a minha observacao estiver correta, essa posigdo do dr. Tobias contraria as iniciativas que fizera em prol da educacao de surdos em anos anteriores, OINSM, como vernos adiante,jé dispunha de um considerdvel acervo biblio- gréfico, com obras escritas no século XIX que jé demionstravam a capacidade do surdo para a aprendizagem, algumas, inclusive, com orientacéo didética para o en- sino de disciplinas escolares. Em 1871, odr. Tobias Leite fez uma adaptagdo para o portugués do Methode pour Enseigner aux Sourds-Muets, da professor J. |. Vallade Gabel, do Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, adepto da linguagem oral. Foi o primeiro livro para professores de surdos escrito em portugués ¢ recebeu 0 titulo de Licdes de Linguagem Escripta. Foram distribuidos 500 exemplares entre as provincias de Minas, Sao Paulo, Parand e Goiés. Em 1874, publicou o Guia para Professores Primérios, contendo orientac6es para 0 ensino de arithimética e metrologia. Em 188, reuniu essas duas obras € publicou o Compéndio para o Ensino dos Sur- dos-Mudios, com 400 paginas. © livro apresenta uma parte que é chamada de theorica, que consta de perguntas € respostas que vo desde as causas da surdez até possibilidades do surdo aprender os conceitos de Deus e da alma, A parte que diz respeito & orientacgo para os professores consta de exemplos detalhados para © ensino dos elementos gramaticais como, verbos, adjetivos, pronomes, advérbi- 0, etc. @ orientagdo para o ensino de arithimeética e metrologia. Tobias Leite, em Noticia do Instituto dos Surdes-Mudes do Rio de Janeiro (1877), publicagio que parece ter sido criada por ele préprio para divulgara edu- cago dos surdos-mudos no pais, afirma que a finalidade do Instituto é dar ao sur- do-mudo instruccéo litteraria e ensino profissional: A instrucgao litteraria é dada em 6 a 8 annos, € comprehende: 0 ensino da lingua portugueza pelo meio da escrita, da arithimetica até decimaes com applicagdes 45 necessidades da vida commum, da geometria plana com applicagdes 4 agrimensura, da geograghia e historia do Brazil, e nog6es da historia sagrada, (© mode pratico do ensino da lingua portugueza é 0 prescrito no livre Ligées de Linguagem Portugueza, extrahidas de diversos methodos em uso nos insti tutos da Europa, com as modiicagGes que a localdade, a occasito, a inteligencia, © temperamento, a indole, a idade & os habitos do alumno exigem, 2. Tanto nas publicagées do dr. Tobias Leite, assim como na publicaglo do Regula- mento Interno, datado de 1§ de dezembro de |B57, 0 instituto recebe o nome de Ins- tituto dos Surdos-Mudas. URDO NO BRASIL Servem de assumpto para as ligSes de linguagem escripta os objectos que existem e 08 factos que se do, ou que de proposito se praticao no Ins- tituto. Para auxilio € complemento desse ensina intuitivo e visual, possue © estabelecimento e faz uso constante de uma numerosa collegéo de es- tampas de origens allema e franceza, representando accoes, factos e cenas da vida real no mundo exterior, e bem assim de um apparelho para 0 ensino da arithimetica, de uma colegéo completa de pesos e medidas do systema metrico, de figuras geometricas de madeira, mappas € globos geographicos. As ligGes que comegéo pela forma imperativa e continudo pela interrogativa, ppassio pouco a pouco 4 forma narrativa, em que os alumnos s8o obrigados néo 86 a apresentar narracoes do emprego do seu tempo no intervalio de uma aula & outra, como a fazer descripgdes dos quadros que thes sio indicados pelo professor, e a narrar por escripto os factos que virgo praticar ou que praticdrdo nos passeios fora do Instituto. (© ensino da palavra articulada ainda no comesou, por néo estar ainda pro- vida a cadeira dessa materia, creada pelo regulamento, como mais um meio de instruccéo litteraria, Desde a 14" ligio do compendio 0s alumnos comecdo a copiar da lousa, letra por letra, e palavra por palavra, e finalmente a ligao que 0 professor Ihes deu na taboa negra, na qual também escrevem, e assim aprendem a calligraphic. (© ensino do desenho é dado por modélos gradativos desde a linha recta até = .0 sombreado fizain. ‘A educacao profissional é dada por ora: Na officina de sapateiro, que faz todo o calgado necessério para os alumnos para os particulares que 0 encomendao; Na offcina de encadernacdo, que encaderna os livros das Repartigées Publi- cas e de particulares Logo que o numero de alumnos f6r sufficiente, outras officinas sero estabelecidas. Ao artefactos das officinas dé-se um valor, do qual metade ¢ recothido a0 Thesouro nacional como indemnizagao da materia prima, a outra metade & recolhida 4 Caixa Economica, e escripturada em cadernetas no nome do alumno, que retira capital e juros quando deixa o Instituto. Hé alumnos que fazem o peculio de 150 réis (LEITE: 1877: 5-8) © Instituto era freqtientado por alunos internos, cujo limite de vagas era 100 © pagavam 500 réis por ano. Os alunos externos ndo precisavam pagar. © governo admitia até 30 alunos internos gratuitos, nesta ordem de preferén- cia: primeiro os desvalidos; em segundo lugar, os filhos de pequenos lavrado- Olnsnruro Nack ‘Suxpos-Mupos_53 res que moravam longe da Corte; em terceiro, os filhos de militares; em quar- to, os fihos de empregados pUblicos que tivessem mais de dez anos de servico, Para ser admitido no Instituto, o candidate tinha que ter mais de nove & menos de catorze anos. Nao era permitida a perman€ncia dos alunos que com- pletavam dezoito anos: a partir dessa idade, eles eram obrigados a deixar 0 Instituto. Também os alunos que completavam seis anos de permanéncia eram dispensados, mesmo que nio tivessem concluldo sua eduucagdo litteraria, © ensino de linguagem articulada era obrigatério somente aos surdos mudos accidentaes? que tivessem menos de doze anos e, mesmo nesses ca- 305, 0 aluno poderia deixar de freqtient-l, caso 0 médico julgasse inconvenient Na parte do livro em que se dirige aos pais, Tobias Leite faz considera- Ges em relagdo & profissionalizagio do surdo-mudo: E inquestionévelmente de maxima importancia e conveniencia que o'surdo- mudo tenha um offic, ou arte de que subsista Na escolha do officio ou arte a que © surdo-mudo deva applicar-se, convem atender-se A sua constituigéo physica, 4 localidade em que tem de residir, 4 sua aptidio, e até & posigio ou genero de vida de seu pai Em geral, as artes e offcios convém mais aos habitantes das cidades, © a agri- cultura a0s dos campos. Das artes e offcios devem ser preferidos os que podem ser exercides em qualquer parte, cidade, ou pequenos povoados. Sapateiro, afalate, correciro, torneiro, oleiro, chapeleiro, tintureiro, impressor e encadernador, sio industrias que muito he convém, ) Nas fabricas de far, tecer, ¢ outras congeneres, os surdos-mudos so muito aprecaveis, nfo tanfo porque aprendem facimente, mas porque so fidelissimos executores das instrucgées e ordens do patréo (LEITE, 1877: 22-24). Quando escreveu a introdusio de Ligdes de Geographia do Brasil, Tobias Leite ressaltou que os alunos do Instituto “(...) que nao se destinéo para a car~ reira das letras, mas para as profiss6es de artistas e de trabalhadores — leva- ro conhecimentos sufficientes da geographia de seu paiz” (LEITE: 1873: 3). 13, O dr. Tobias Leite classifica a surdo-mudez em dois tipos: “congérita e accidental. A primeira provém de falas na organisagio do individuo; a segunda de acidantes desde o nascer até didade de 7 a annosi come, per exempla: a compreensio do cranes nos partas demorados, aimpressao do ar tio, as priticas superticiosas das parteires, of males do 7° cae da dentigo, as febres, 0 sarampio, as quédas (ou pancadas, etc." (LEITE: 1877:12). 10. NO BRASIL 54_A Epucagio po 8 O seu Programma do Ensino do Instituto dos Surdes-Mudos no Ano de (876 traz todo contetido que era dado do |? a0 6° ano."* ‘As medidas em relacio & educago das camadas populares no se concretiza- vam; no entanto, parece que 0 governo subsidiava as publicacdes do dr. Tobias, gue divulgavam nao 36 o trabalho que era realizado no Instituto, como tam- bém propunha, através desse material, oferecer orientagdo para professores € pais de surdos-mudos em varias cantos do pals Escrevi, anteriormente, que acreditava ser possivel encontrar na historia da educagio comum brasileira, uma série de explicagdes para a configuracio da educa- «Go especial, assim como acreditava, também, que, paralelamente a essa mesma hist6ria, havia se desenrolado um percurso tragado autonomamente pela edu- cago especial e que, portanto, ao me propor buscar as explicagdes pela secundarizagio do trabalho pedagégico, partia do pressuposto de que seria necessério percorrer essas duas historias, através de suas juncdes e disjungdes. Mas, ao estudar a aparente desvinculaco entre os percursos tracados por cada uma dels, luz dos candicionantes histéricos, é possivel identificar que eles ndo foram construidos paralelamente, no houve uma relacio de desvinculamento ou independéncia, mas, sim, de complementaridade Parece que a proposta da educagio de surdos era uma outra coisa, nfo por que caminhava desvinculadamente da educacéo comum, mas porque a sua cons- ‘trugio teve como referencia a educagdo dos normals. © que significava que nao poderia ser igual, uma vez que a populacio nao era igual aos normais, nao tinha os requisttds necessérios exigidos para a obtengio do saber. Penso que, por isso, de- finiu e estabeleceu seus objetivos, expectativas, diferente da educacio comum, mesmo afirmando que a surdez nao trazia prejulzo & inteligencia, Provavelmente, Por isso, a sua manutengio, apesar de se propagar que fazia parte do dever do Es- tado, esteve situada no terreno do favor e da filantropia © Regulamenta interno do Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, elaborado em 15 de dezembro de 1857, traz 0 seguinte: ‘Art. 3° A inspecgio superior do Instituto he confiada 4 Commisséo compos- ta das pessoas caridosas, que promoverao 0 seu estabelecimento, e assignaréo © seu Programa, Art. 4° Compete 4 Commisséo Inspectora: 14.0 "Programa de Ensino do Insituto dos Surdos-Mudos" ano de 1876 pade ser encantado 10 Anexe |, datese de dovtoramenta da autora: O Oralimo camo Mtol Pedagcpo Cantus 20 stad da Hit de Eucagio do Surdo no Brasil O lysnrvto Nacional § 1° Escother d entre os seus membros os que deverdo servir de Presiden- te, € Secretano della; e bem assim convidar a outras pessoas caridosas para suprirem as vagas que deiarem os membros actuaes (Brasil, Instituto dos Surdos-Mudos, \857: |). Para Jannuzzi (1985:3), a Educagao Especial surge como iniciativa filantrépica marcada pela influéncia européia, onde a sociedade civil jd vinha atuando no sentido de separar 0s pobres e desvalidos, mas com o deficente isso & mais forte. A presenga de inimeros religiosos deve-se, provavelmente, 4 promessa do cristianismo de recompensa moral pelas acdes em favor dos desvalidos. Afirma, ainda, que a ideologia do favor estava presente na distribuiggo de re- cursos do Estado, citando a fundacdo do Imperial Instituto dos Cegos'’, que contau com 0 beneplécito do Imperador Pedro Il Conforme jé foi apresentado, anteriormente, em 1877, Tobias Leité publicou o programa de ensino do Instituto, que compreendia seis anos de estudos, periodo este denominado instrucgao litteraria. Menezes Vieira, em B84, através do seu Parece; questionoua proposta de ensino do tituto e a metodologia adotada. Advogou para os surdos-rmudos aaquisi¢éo da lin ‘guagem oral eainstrucio priméria e que a duragio prevista, naépoca, erade quatro ancs, Nessa mesma data, o préprio Tobias Leite defende, em seu Parecer, que a educagio dos surdos-mudos deveria se limitar & instrucdo primétia, Mas, de acardo com suas préprias publicagées, ele havia afirmado que o contetido do ensino do Instituto era uma adaptacio dos programas de outros institutos europeus para os surdo-mudos brasileiros "..) com as modificagbes que a localidade, a occasido, a intelligencia, o temperamento, a indole, a idade @ os habitos do alumno exigem" (LEITE, 1877: 6) Parece ser contradit6rio, pela trajetoria e pelas proprias publicagdes do dr. Tobias Leite, que ele propuzesse uma reducio na educaco dos surdos-mudos, colocando- a.com o mesmo tempo de duragio dos normais, sem fazer qualquer referéncia ao conteddo da progremagéo escolar a sua equiparacdo com o das escolas comuns e, também, no fazendo nenhuma ressalva & especificdade do ensino de surdos. Estaria o dr. Tobias Leite priorizando a profissionalizacao e por isso colo- cava em segundo plano 0 ensino do conteuido que havia selecionado? Nesse caso, pode-se afirmar que o dr. Tobias Leite, um século depois, estava atuan- do de modo semelhante a L’ Epée, que dizia ser obrigado a dar instrucdo répi- da para formar individuos Uteis manualmente para a sociedade, 15, Lemos (1981) refere-se ao institute como Imperial Instituto dos Meninos Cegos. A Bvcacio po Srmpo xo BRasit © dr. Tobias Leite havia afirmado que o “fim da educagéo do surdo-mudo nao € formar homens de lettras” e que o primeiro impedimento, para isso, eraa auséncia da audigo, acrescentando que a surdo-mudez era mais frequiente entre 98 pobres. Entiéo, completou: "o facto € que paucos tém-se tornado notéveis nas lettras’. No entanto, 0 dr. Menezes Vieira havia afirmado, em seu Parecer, que 0 surdo-mudo era um cidadgo apto para receber uma educacdo completa. Tanto o dr, Menezes Vieira quanto 0 dr. Tobias Leite deixam claro nos seus Pareceres a expectativa que tinham em relagio educacdo dos surdos-mudos Para o primeiro, falar e compreender a fala dos outros era mais necessério que aprender a escrever numa saciedade de analfabetos, pois, dessa maneira, teriam um instrument mais eficaz para se relacionarem: a fala seria 0 “unico meio de restituir 0 surdo-mudo 4 sociedade "Para o dr. Tobias Leite, a énfase deveria ser dada no ensino profissional "no tanto porque os surdes aprendem facilmente, ‘mas porque sio fidelissimos executores das instrucgées e ordens do patra.” © Regulamento Interno do Instituto dos Surdos-Mudos traz em seu Art. 2° que ‘(...)o mesmo Instituto tem por fim a educagio intelectual, morale religiosa dos surdos-mudos de ambos os sexos que se acharem nas condicées de rece- be-la" (Brasil, Instituto dos Surdos-Mudos, |857: |) © documento néo expiicta o que seriam essas condigées e quais os crité- rios que foram utilizados para avaliar a capacidade dos alunos para receber a edu- cacao que era proposta no Instituto. 2. A PepaGosIA EMENpATIVA DE 1930-1947 Se foi possivel obter algumas informagées sobre discussées ocorridas no final do século XIX, desde a necessidade da criacdo de um instituto de educacdo de surdos até a metodologia que deveria ser empregada, o mesmo nio aconte- ceu nos perfodos que sucederam a gestdo de Tobias Leite até 1950. © nico documents obtide foi escrito pelo dr. Armando de Lacerda que ini-

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