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1- A figura da rede
Crítica do difusionismo
Cerca de vinte anos depois, Rogers revia essa teoria. Julgando-a demasiado ligada à
teoria matemática da informação, criticava-a por sua tendência a esquecer o
contexto, a definir os interlocutores como átomos isolados e, sobretudo a basear-se
numa causalidade mecânica, de sentido único. Em seu lugar, definia a comunicação
como “convergência”, “processo no qual os participantes criam e partilham a
informação para alcançar uma compreensão mútua” [Roger e Kincaid, 1981].
Substituía o antigo modelo difusionista pela “análise de rede de comunicação”
(communication network analysis). A rede compõe-se de indivíduos conectados
entre si por fluxos estruturados de comunicação.
Nos anos 80, Bruno Latour e Michel Callon elaboravam também uma problemática
da rede, contrapondo ao modelo difusionista o modelo da “tradução” ou da
construção sociotécnica [Callon, 1986; Latour, 1987]. Contra idéia de que a técnica
e a ciência são dadas, propõem apreendê-las em ação, estudar como elas se
constroem. “Traduzir” é unir em rede elementos heterogêneos; pela tradução são
captados e articulados elementos heterogêneos num sistema de interdependência.
Os inovadores devem conquistar aliados, tornar-se porta-vozes, com táticas para
suscitar interesse, conduzindo seus interlocutores, humanos e não-humanos, a
essas novas redes, novas séries de alianças. Assim se torna digno de crédito
determinado enunciado científico.
As ciências cognitivas
As ciências cognitivas formaram-se nos Estados Unidos nos anos 40, com o
movimento cibernético, contemporâneo do advento da teoria da informação, e com
o progresso da lógica matemáticana descrição do funcionamento do sistema
nervoso e do raciocínio humano. Elas tiveram continuidade, a partir da segunda
metade dos anos 50, com a hipótese cognitivista segundo a qual a inteligência
(incluindo a humana) de tal modo se assemelha a um computador, que a cognição
pode ser definida pela computação de representações simbólicas, os símbolos já
definidos como “elementos que representam aquilo a que correspondem”. A
inteligência artificial (IA) será sua projeção literal. No centro da hipótese
cognitivista, está a noção de representação. Ela induz uma maneira de
compreender o funcionamento do cérebro como dispositivo de tratamento da
informação, que reage de maneira seletiva ao meio, à informação proveniente do
mundo exterior. A IA pensa a organização como um sistema aberto em constante
interação com esse meio, com inputs e outputs.
O planeta híbrido
Essa tensão entre micro e macro, experimentam-na também os criadores das novas
“firmas globais”, ou transnacionais, esses “intelectuais orgânicos” do pensamento
empresarial. Tornados produtores de teorias e doutrinas, confundem o campo
conceitual da comunicação na era da mundialização: a amplitude da noção de
“globalização” é um de seus exemplos mais claros.
Esse sistema tem seus nós de rede, as novas megaunidades econômicas, cuja
súbita vocação cívica, proclamada com a ajuda de grandes campanhas de criação
de imagem, não pode fazer esquecer a lei que as funda: a busca do lucro e o
interesse exclusivo para os setores sociais solvíveis. A lógica pesada das redes
imprime sua dinâmica integradora, ao mesmo tempo em que produz novas
segregações, novas exclusões, novas disparidades [Mattelart A, 1992, 1994]. O
mundo “global” é o global marketplace; define-se a partir dos pólos que irradiam
esse poder. A despeito de seus próprios desequilíbrios sociais, os grandes países
industriais continuam a servir de referência única. A teoria difusionista, expulsa por
microssociologias que podem se revelar ingênuas diante dessas relações de força
retorna sub-repticiamente.