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FONTE: Site da Academia Brasileira de Letras

In: http://www.euclidesdacunha.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?
from_info_index=51&infoid=7864&sid=614

JOÃO ALMINO REENCONTRA A BRASÍLIA MODERNA E ARCAICA

Moacyr Scliar

Capital volta a ser tema de autor e diplomata em romance narrado em primeira pessoa

João Almino é diplomata e escritor. Como tal, incorpora-se a uma ilustre tradição que inclui, entre outros, Alexandre Herculano, Camilo Castelo
Branco, Antero de Quental, Eça de Queiroz, em Portugal; e, no Brasil, Guimarães Rosa, João Cabral, Sergio Paulo Rouanet, Alberto da Costa e Silva,
Affonso Arinos de Mello Franco.

Diplomatas em geral têm uma ampla visão do mundo, ao qual acrescentam, no caso brasileiro, a vivência de Brasília, que, por sua curta história, ainda
não se transformou num cenário preferencial para a ficção brasileira, como acontece com Rio de Janeiro, São Paulo ou Salvador.

Mas não resta dúvida de que a capital federal representa um desafio para os escritores: ela é a expressão política e geográfica de um processo
modernista que se traduz na arrojada e controversa arquitetura; é a síntese das etnias brasileiras; é uma cultura sem raízes no passado e, portanto,
original (como identificar o sotaque brasiliense?); e é o lugar no país em que mais se encontram estrangeiros.

Foi essa vivência que motivou o ficcionista João Almino a escrever a sua Trilogia de Brasília, integrada pelos romances "Idéias para Onde Passar o
Fim do Mundo" (1987) -indicado ao Prêmio Jabuti e ganhador de prêmio do Instituto Nacional do Livro e do Prêmio Candango de Literatura-, "Samba-
Enredo" (1994) e "As Cinco Estações do Amor", este vencedor do prêmio Casa de las Américas em 2003.

Para Almino, Brasília é a síntese do país, uma mistura de moderno e de arcaico, um cadinho de nossas múltiplas identidades. Uma fonte inesgotável
de inspiração, portanto, e não é de admirar que a trilogia tenha evoluído para um quarteto, o que acontece agora com "O Livro das Emoções"
(Record).

O romance é narrado em primeira pessoa pelo principal personagem, Cadu, um fotógrafo cego, empenhado em editar uma espécie de diário
fotográfico que receberá o nome de "O Livro das Emoções". Entre parênteses, essa melancólica e intrigante combinação, cegueira e fotografia, é bem
mais freqüente do que se poderia imaginar e remete a nomes conhecidos como os de Evgen Bavcar, Alison Bartlett e Edoardo Piccinini.

João Almino, que aliás também é fotógrafo, transforma as fotos que nem o personagem nem o leitor podem ver em ponto de partida para a narrativa.
O resultado é uma espécie de álbum fotográfico, uma coleção de diferentes retratos, cada um representando um personagem e uma história.

Altman

No prefácio, Alcir Pécora compara o estilo de João Almino ao do cineasta Robert Altman (1925-2006), e, de fato, como nos filmes de Altman, o foco
narrativo vai "passeando" entre os personagens, compondo um painel (ou um álbum fotográfico): o amigo Maurício, as mulheres com quem Cadu vive,
Joana e Aída, Eduardo Kaufman, nêmese de Cadu, deputado envolvido em política e negociatas. Pessoas que retratam a classe média brasileira do
século 21.

"Toda fotografia é prova de um encontro, às vezes marcado, às vezes fortuito", escreve João Almino ao final do romance. De encontros marcados e
encontros fortuitos são feitas as nossas vidas e a história do país em que vivemos.

No caso do Brasil os inexoráveis encontros marcados resultam de um passado elitista e autoritário; os encontros fortuitos são proporcionados pelas
inesperadas mudanças que ocorrem em nosso mundo, como estamos vendo no presente momento, em que o Brasil de repente aparece como
potência emergente.

João Almino soube captar ambos os tipos de encontros. E isso faz de "O Livro das Emoções" uma bela expressão da nova literatura brasileira.

Folha de S. Paulo (SP) 2/8/2008


FONTE: O Estado de São Paulo

In: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090208/not_imp320027,0.php

Domingo, 08 de Fevereiro de 2009 | Versão Impressa

Espaço dos homens estilhaçados


O Livro das Emoções, de João Almino, é romance futurista narrado por um ex-fotógrafo cego e setentão

Eustáquio Gomes

Programado como trilogia, o ciclo de romances que João Almino vem construindo desde 1987, com Ideias para Onde Passar o Fim
do Mundo, passando por Samba-Enredo (1994) e As Cinco Estações do Amor (2001), chega ao estado de quarteto com O Livro das
Emoções (2008), encerrando (?) com apuro de linguagem e densidade narrativa o primeiro grande painel romanesco fixado no
cenário da capital federal.

O cenário brasiliense não é aliás tão relevante em Almino como foi, por exemplo, a paisagem humana do Rio de Janeiro para
Marques Rebelo. Será um erro grave de caracterização se a obra de Almino vier a ser tomada no futuro, como já vem ocorrendo,
por este aspecto empobrecedor que não faz justiça à universalidade de seus temas. Equivaleria a dizer que O Livro das Emoções é
um romance futurista apenas porque o narrador - um ex-fotógrafo setentão cego - escreve suas memórias (intercaladas com o
cotidiano factual) no ano 2022.

Assim como a Curitiba de Dalton Trevisan traduz mais que uma metrópole do Sul, uma geografia moral que pode ser encontrada
em qualquer parte onde haja sedutores e seduzidos, a Brasília de Almino é o espaço dos desencontros, vazios e fragmentações do
homem desterrado - não apenas de sua geografia, mas no interior de si mesmo -, do mesmo modo que a Europa das andanças de
W.G. Sebald espelha mais propriamente a alma humana que os palcos de horrores ali tão minuciosamente descritos.

Que Almino tenha feito o "projeto de uma fundação escritural de Brasília", como ressalta Alcir Pécora, isto é outra coisa.
Restringindo-se tal "fundação" ao campo da ficção de cor local, é de justiça lembrar que a ficcionalização da capital já havia sido
iniciada antes por Esdras do Nascimento, Herberto Sales e Alan Viggiano, encontrando hoje continuadores em novos ficcionistas
como, por exemplo, Margarida Patriota.

Sebald foi aqui lembrado porque, como o Almino de O Livro das Emoções, usa a fotografia como parte integrante da narrativa. Em
Sebald, as reproduções fotográficas são uma escora onírica para um texto tão descritivo e minudente quanto o de Flaubert,
embora com um fundo metafísico implícito, enquanto em Almino a fotografia é o próprio assunto e inclusive define a estrutura do
romance, ainda que permanecendo fora do texto. Tecnicamente, as fotografias servem de respiradouro ao texto compacto de
Sebald; em Almino elas são o suporte invisível do texto, transformando-se, à medida que são convocadas, na linguagem da
memória fragmentada e entroncando muito claramente na tradição machadiana do Memórias Póstumas, que são ácronas, e mais
particularmente no Memorial de Aires, que é um diário cronológico.

O contraponto com um escritor já universal como Sebald não é disparatado porque, trabalhando ambos com os sedimentos da
memória (e frequentemente com a desmemória), situam-se em domínios técnicos antípodas, os que ainda hoje predominam: de
um lado, a forte tendência da narrativa inconsútil e compacta, de fundo proustiano, que encontrou seu elemento seminal em
Thomas Bernhard nas décadas de 1970 e 1980, e que aqui tem seu representante mais notório em João Gilberto Noll; de outro, a
escrita fragmentária e codificada que entre nós floresceu esplendidamente com Machado, Oswald de Andrade e mais
recentemente com Flávio Moreira da Costa e Ivan Angelo. É uma escrita que prefere comportar-se como se fosse uma antologia de
si mesma - como dizia Oswald - dando função aos espaços em branco e operando com transições bruscas capazes de refletir a
aceleração do tempo e o despedaçamento do indivíduo na sociedade. Nada de tão novo: Petrônio praticou-a no Satiricon, um livro
do início da era cristã.

O que há de novo em O Livro das Emoções é que, entre tantos puzzles perpetrados nos últimos tempos, o de Almino funciona e
transcende sua contingência histórica graças a uma linguagem refinada, uma fabulação sempre engenhosa e um estilo que faz
bem numa época de indigência da escrita entre nós, sobretudo no romance. Em plena maturidade técnica, ele ainda é bastante
jovem para alçar voos em outras direções, talvez até mais altos. Depois do quarteto, o que virá?

Eustáquio Gomes, escritor, é autor, entre outros, de A Febre Amorosa e O Mapa da Austrália

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