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Alguma Poesia

Profa. Esther Rosado

"Quando eu nasci, um anjo torto


desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida."

I. O Poeta
"Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais,
me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos".

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, no dia 31 de
outubro de 1902. Era o nono filho do fazendeiro Carlos de Paula Andrade e de dona Julieta
Augusta Drummond de Andrade. Itabira vai persegui-lo nos temas da infância e família e deu
nome a um de seus mais conhecidos poemas, que fazem parte do livro Sentimento do
Mundo, 1940:

Confidência de Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,


vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:


este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.


Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Fez os primeiros estudos no Grupo Escolar Dr. Carvalho Brito e, posteriormente, transferiu-se
para o Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, onde passa a estudar como interno, em 1916.
Tinha, então, 14 anos incompletos, mas volta para casa em decorrência de problemas de
saúde no final do ano letivo. Em 1917, passa o ano inteiro tendo aulas particulares e , no ano
seguinte, vai para Friburgo, estudar com padres da Companhia de Jesus, no Colégio Anchieta.
Lá, colabora com um jornalzinho escolar chamado Aurora Colegial e alcança, nos concursos
internos, os postos de coronel e general.
Mas indispõe-se com um professor de Português que o desacata, e acaba sendo desacatado
por ele.
É bom lembrar: tal professor acha o que Drummond escreve muito ruim, e acusa o poeta de
não saber tirar sentimentos nobres das palavras ( ah, como os professores de Português vivem
se enganando a respeito dos bons poetas...). Acaba expulso do colégio após
desentendimentos com o mesmo professor e passa a morar em Belo Horizonte, local para
onde se transferira toda a sua família.
Em 1921, ainda que timidamente, começa a publicar seus primeiros trabalhos na coluna social
do Diário de Minas. Entre 21 e 23 ganha alguns prêmios, publica alguns trabalhos nas revistas
Para Todos e Ilustração Brasileira e passa nos exames vestibulares da Escola de
Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte. É a época em que conhece Bandeira, Mário e
Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Blaise Cendrars, de passagem por BH. Troca
correspondência com Mário de Andrade, e se tornam, através dela, bons amigos.
Em 1925 casa-se com Dolores Morais; nesse mesmo ano, funda A Revista, em companhia de
Emílio Moura e Gregoriano Canedo, órgão do movimento modernista mineiro: a revista tem
apenas três números.
Em 1925 também conclui o curso de Farmácia e é o orador da turma. Volta para Itabira e passa
a ser professor de Português e Geografia, não demonstrando qualquer interesse pela profissão
de farmacêutico. Em 1926 volta para BH e passa a trabalhar no Diário de Minas, a princípio
como redator e depois como redator-chefe.
Em 1928, publica seu poema No meio do Caminho na Revista de Antropofagia, e torna-se o
pivô do escândalo nacional que este poema foi; no ano seguinte passa a trabalhar no Minas
Gerais, órgão oficial daquele Estado.
Em 1930, publica, finalmente, seu primeiro livro de poemas: Alguma Poesia.
O poeta tímido, melancólico e triste, como ele próprio se definiria, estava, finalmente, iniciando
sua longa trajetória na literatura brasileira. E viria para ficar, como ficou até hoje,
drummondiando a poesia.

Bibliografia:
Poesia: A Paixão Medida ( 1980)
Alguma Poesia ( 1930) Nova Reunião ( 1983)
Brejo das Almas ( 1934) Corpo ( 1984)
Sentimento do Mundo ( 1940) Amar se Aprende Amando ( 1985)
Poesias ( 1942) Tempo Vida Poesia (1986)
A Rosa do povo ( 1945) Farwell ( 1990)
Poesia Até Agora ( 1948)
Claro Enigma (1951) Prosa:
Viola de Bolso (1952)
Fazendeiro do Ar & Poesia Até Agora Confissões de Minas(1944)
( 1954) Contos de Aprendiz (1951)
Poemas ( 1959) Fala Amendoeira(1957)
Antologia Poética ( 1962) A Bolsa & A Vida (1962)
Lição de Coisas ( 1962) Cadeira de Balanço (1966)
Versiprosa ( 1967) Caminhos de João Brandão ( 1970)
Boitempo ( 1968) O Poder Ultra-Jovem, De Notícias e não-
Reunião ( 1969) notícias faz-se a crônica (1974)
As Impurezas do Branco (1973) Os Dias Lindos (1978)
Menino Antigo ( 1973) 70 Historinhas (1981)
Amor, Amores (1975) Contos Plausíveis (1981)
Discurso da primavera ( 1977) Boca de Luar (1984)
Esquecer para Lembrar ( 1979) O Observador no Escritório (1985)
II. A crítica, as características

"Sim: se eu tivesse o gosto das classificações diria que o Sr. Carlos Drummond de Andrade é o poeta
que mais unanimemente representa a poesia moderna no Brasil, através da linha fiel dos seus
desdobramentos. Na forma, na substância poética, nos temas, na posição histórica — tornou-se o poeta
mais representativo do Modernismo."

( Álvaro Lins, Os mortos de sobrecasaca, Ed. Civilização Brasileira, p.7, 1963)

Quando o segundo número da Revista de Antropofagia saiu à luz, carregava em seu bojo um poema que causaria
um verdadeiro escândalo na época:

No meio do caminho:

No meio do caminho tinha uma pedra


tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Uns poucos o aplaudiram como revolucionário, outros, os puristas acostumados ao rigor gramatical de Olavo Bilac,
Coelho Neto e Rui Barbosa, o tomaram por um analfabeto gozador e ressaltaram, em suas críticas, os "defeitos" do
poema:
• usava o verbo ter por haver;
• a regência do verbo esquecer estava errada;
• havia muitas repetições no texto, empobrecedoras demais.
Além disso, uns críticos conservadores observaram que o poema era um desrespeito a duas obras de autores
consagrados:
• "No meio do caminho" verso que inicia a Divina Comédia, de Dante Alighieri, poeta italiano do século XIV:
"Nel mezzo del camin di nostra vita";
• "Nel mezzo del camim" é nome de um dos poemas mais conhecidos de Olavo Bilac, poeta recém-falecido
àquela época e ainda tido como modelo literário parnasiano.
E Drummond amargou anos. Colecionou ataques muitos e elogios poucos. Entre os elogios, os de Mário de Andrade
e do crítico Álvaro Lins que, já na década de 60, daria o título de Os mortos de sobrecasaca ( nome de um poema
drummondiano) a um dos mais importantes livros de sua carreira.
E é nesse mesmo livro, num capítulo sobre o poeta mineiro, que Álvaro Lins reconhece que acertou ao apoiar
Drummond numa época de azedas críticas contra Alguma Poesia. É o que passamos a transcrever:

Humour e Poesia

"Refere-nos Chesterton que um dia perguntaram a Santo Agostinho o que de maior agradecia a
Deus; e ele respondeu: "ter entendido todas e cada uma das páginas que li". Que ninguém se
inquiete com a citação: eu não vou aplicar ao meu caso as palavras de um santo que foi também
um sábio. Nem vou me dirigir aos deuses para agradecer a capacidade de entendimento que só
me foi concedida com extrema economia. Penso, porém, que se me perguntassem o que mais
estimo no meu ofício de crítico, logo diria: ter entendido e sentido a poesia moderna. Uma
espécie de orgulho de me haver salvado de uma incompreensão que será a vergonha da nossa
época literária.
E, sobretudo, gosto de recordar que compreendi um poeta moderno, tão difícil e complexo como
o Sr. Carlos Drummond de Andrade, numa ocasião pouco ou nada propícia a essa iniciação na
poesia moderna. Sucedeu que, ainda incerto de gosto literário, ainda vacilante quanto a uma
possível vocação literária, veio ao meu encontro a aventura de um cargo dentro de um governo
estadual. Durante três anos quase que foram de nenhuma espécie as minhas leituras ou contatos
de ordem literária. Um deles foi com a poesia do Sr. Carlos Drummond de Andrade, de quem
somente conhecia um nome muito discutido; um nome exaltado com entusiasmo ou negado com
violência. Quase nada sabia, então, da verdadeira poesia moderna; e alguns dos seus imitadores
ou diletantes só faziam crescer, em mim, uma atitude de prevenção e indiferença.
Lembro-me de uma tarde, no ano de 1935, em que Odorico Tavares me levou os dois primeiros
livros do Sr. Carlos Drummond de Andrade: Alguma Poesia e Brejo das Almas. E lembro-me
também que a minha impressão foi a de quem recebe uma surpresa decisiva. Creio que surgiu da
leitura desses dois livros a minha posterior compreensão da poesia moderna. Em dois ou três
artigos, que se acham hoje sepultados em jornais do interior, deixei o testemunho dessa
impressão literária que há mais de seis anos me transmitiram os versos do Sr. Carlos Drummond
de Andrade. E dos seus poemas antigos, os versos que mais compreendi, foram exatamente
aqueles que vêm provocando uma espécie de pânico em algumas criaturas, que talvez
conquistem o reino dos céus, não sei: os da estrofe Mundo mundo vasto mundo e os de No meio
do caminho — Os muito famosos poemas de Raimundo e da Pedra no meio do caminho.”

Embora Carlos Drummond tenha, ainda, uma influência muito grande da primeira geração poética do Modernismo,
sobretudo a da forma do poema-piada, sua ironia e seu humor são absolutamente particulares, peculiares ao estilo
do poeta gauche . A abordagem aos temas do cotidiano, da saudade, da família, a terra natal, da própria poesia, da
infância, da descoberta do amor são nascidos de um estilo próprio, pessoal, de uma vivência especialíssima, da
observação e de um certo jeito mineiro de falar, ora contido, ora irônico, ora sentimental, ora brincalhão, quase. Veja
o exemplo:

Cabaré mineiro

A dançarina espanhola de Montes Claros


dança e redança na sala mestiça.
Cem olhos morenos estão despindo
seu corpo gordo picado de mosquito.
tem um sinal de bala na coxa direita,
o riso postiço de um dente de ouro,
mas é linda, linda, gorda e satisfeita.
Como rebola as nádegas amarelas!
Cem olhos brasileiros estão seguindo
o balanço doce e mole de suas tetas...

É inegável que o poeta Drummond capta o cotidiano em tom prosaico e anti-retórico, o que faz a crítica
considerá-lo modernista por inteiro. O "eu-poético" busca através do humor e da ironia estabelecer um
significado para a existência do homem no mundo. Crítico do universo em que se insere , o poeta vê o
mundo às vezes liricamente, ou com imensa angústia de impotente que em nada pode modificá-lo.
Podemos observar em Drummond três fases muito nítidas:

a. eu maior que o mundo:

Poesia de cunho irônico, o aparecimento dos poemas-piada, o humor cáustico. Este enfoque aparece
nitidamente no livro que agora analisamos, e em Brejo das Almas ( 1934). Neles, o poeta trata do jeito
do "eu" ver o mundo. O eu-poético é agente e paciente , diversionista, cáustico ou, até mesmo,
sentimental e reflexivo:

Não se mate Inútil você resistir


Carlos, sossegue, o amor ou mesmo suicidar-se.
é isso que você está vendo: Não se mate, oh, não se mate,
hoje beija, amanhã não beija, reserve-se todo para
depois de amanhã é domingo as bodas que ninguém sabe
e segunda-feira ninguém sabe quando virão,
o que será. se virão.
O amor, Carlos, você telúrico, Entretanto você caminha
a noite passou em você, melancólico e vertical.
e os recalques se sublimando, Você é a palmeira, você é o grito
lá dentro um barulho inefável, que ninguém ouviu no teatro
rezas, e as luzes todas se apagam.
vitrolas, O amor no escuro, não no claro,
santos que se persignam, é sempre triste, meu filho, Carlos,
anúncios do melhor sabão, mas não diga nada a ninguém,
barulho que ninguém sabe ninguém sabe nem saberá.
de quê, praquê.
( Brejo das Almas)

B) Eu menor que o mundo:

Os temas políticos, o sofrimento do ser humano e as guerras, a solidão, o mundo frágil, os seres
solitários predominam. A dor humana está lá; o eu-lírico se resguarda e canta o outro, tão mais
importante que ele próprio. Esta vertente desabrocha com os livros Sentimento do Mundo ( 1940), José
e A Rosa do Povo (1945).

Mãos dadas você que faz versos,


que ama, protesta?
Não serei o poeta de um mundo caduco. e agora, José?
Também não cantarei o mundo futuro. Está sem mulher,
Estou preso à vida e olho meus companheiros. está sem discurso,
Estão taciturnos mas nutrem grandes está sem carinho,
esperanças. já não pode beber,
Entre eles, considero a enorme realidade. já não pode fumar,
O presente é tão grande, não nos afastemos, cuspir já não pode,
Não nos afastemos muito, vamos de mãos a noite esfriou,
dadas. o dia não veio,
o bonde não veio,
Não serei o cantor de uma mulher, de uma o riso não veio,
história, não veio a utopia
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem e tudo acabou
vista da janela, e tudo fugiu
não distribuirei entorpecentes ou cartas de e tudo mofou,
suicida, e agora, José?
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por E agora, José?
serafins. sua doce palavra,
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, seu instante de febre,
os homens presentes, sua gula e jejum,
a vida presente. sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
( Sentimento do Mundo) seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio _ e agora?
José Com a chave na mão
quer abrir a porta,
E agora, José? não existe porta;
A festa acabou, quer morrer no mar,
a luz apagou, mas o mar secou;
o povo sumiu, quer ir para Minas,
a noite esfriou, Minas não há mais,
e agora, José? José, e agora?
e agora você? Se você gritasse,
você que é sem nome, se você gemesse,
que zomba dos outros, se você tocasse
a valsa vienense, sem parede nua
se você dormisse, para se encostar,
se você cansasse, sem cavalo preto
se você morresse... que fuja a galope,
Mas você não morre, você marcha, José!
você é duro, José! José, para onde?
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato, ( José )
sem teogonia,

c) Eu igual ao mundo:

É poesia especulativa, de natureza filosófica, nascida mais intensamente a partir de Claro Enigma
(1951). Focaliza o homem desencantado com a própria existência e, por ser assim, interroga e nega.
Observe:

Amar só proferi algumas palavras,


que pode uma criatura senão, melodiosas, tarde, ao voltar da festa.
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, Dei sem dar e beijei sem beijo.
amar a malamar, ( Cego é talvez quem esconde os olhos
amar, desamar, amar? embaixo do catre.) E na meia-luz
sempre, e até de olhos vidrados, amar? tesouros fanam-se, os mais excelentes.

Que pode, pergunto, o ser amoroso, Do que restou, como compor um homem
sozinho, em rotação universal, senão e tudo o que ele implica de suave,
rodar também, e amar? de concordâncias vegetais, murmúrios
amar o que o mar traz à praia, de riso, entrega, amor e piedade?
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Amar solenemente as palmas do deserto, Salvo aquele pássaro _ vinha azul e doido _
o que é entrega ou adoração expectante, que se esfacelou na asa do avião.
e amar o inóspito, o áspero, Oficina irritada
um vaso sem flor, um chão vazio, Eu quero compor um soneto duro
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma como poeta algum ousara escrever.
ave de rapina. Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, Quero que meu soneto, no futuro,
doação ilimitada a uma completa ingratidão, não desperte em ninguém nenhum prazer.
e na concha vazia do amor a procura medrosa, E que, no seu maligno ar imaturo,
paciente, de mais e mais amor. ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na Esse verbo antipático e impuro


secura nossa há de pungir, há de fazer sofrer,
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede tendão de Vênus sob o pedicuro.
infinita.
Confissão Ninguém o lembrará: tiro no muro,
Não amei bastante meu semelhante, cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
não catei o verme nem curei a sarna, claro enigma, se deixa surpreender.

Alguma Poesia insere-se na primeira fase. A das descobertas de experimentações. Algumas


características, no entanto, seriam suas a vida inteira: as repetições enfáticas, o uso das anáforas, o anti-
lirismo, o inusitado , o gauchismo do homem estropiado diante da surpresa de seus sentimentos, da vida
e de todos os componentes nela inseridos.

III. Alguma Poesia

O livro Alguma Poesia foi publicado em 1930, ainda em Belo Horizonte. Drummond aparece
timidamente: a impressão teve 500 minguados exemplares e as tais Edições Pindorama haviam sido
criadas por Eduardo Frieiro. Não era uma editora de verdade, existia apenas imaginariamente porque a
publicação havia sido facilitada pela Imprensa Oficial do Estado de Minas, sob módicos descontos na
folha de pagamento do funcionário Drummond que, à época, era redator do Diário de Minas, órgão oficial
daquele Estado.
Mas é o primeiro livro do autor e contém 49 poemas escritos entre a ironia e o humor tão característicos
do poeta.
Já nesse seu primeiro livro, Drummond se anuncia grande, desmistificador da palavra falsa, da frase de
efeito. Sua poesia se rende ao cotidiano, às expressões consagradas pelo povo, à sua mineiridade
saborosa e incomparável:

"Meu verso é minha consolação. (Cidadezinha Qualquer)


Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem
sua cachaça. ***
Para beber, copo de cristal, canequinha de
"Eu não devia te dizer
folha-de-flandres, mas essa lua
folha de taioba, pouco importa: tudo serve." mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo."
( Explicação)
( Poema das Sete Faces)
***
"Um homem vai devagar. ***
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar. "Depois voltou para casa
livre, sem correntes
Devagar ... as janelas olham. muito livre, infinitamente
livre livre livre que nem uma besta
que nem uma coisa."
Eta vida besta, meu Deus."
(Política)

Na época em que apareceram, os poemas drummondianos evocavam brincadeiras cheias de ironia,


quase que desrespeitosas, cuja irreverência exasperava os puristas da língua. Tomaram-no como
"provocativo", apontando-lhe erros grosseiros "de português".
No entanto, o poeta estava apenas começando uma tradição só sua, misturando temas inquietantes ( o
Poema das sete faces, por exemplo) de descoberta pessoal e do mundo; a família ( o poema Infância);
a sentimentalidade ( os poemas Sentimental e Balada do amor através das idades) e abordagens
insólitas ( Cabaré Mineiro).

Os poemas:

Poema das sete faces não houvesse tantos desejos.

Quando nasci, um anjo torto O bonde passa cheio de pernas:


desses que vivem na sombra pernas brancas pretas amarelas.
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu
coração.
As casas espiam os homens Porém meus olhos
que correm atrás das mulheres. não perguntam nada.
A tarde talvez fosse azul,
O homem atrás do bigode é uma gravura de sala de jantar.
é sério, simples e forte.
Quase não conversa. Anjos da guarda em expedição noturna
Tem poucos, raros amigos velam sonos púberes
o homem atrás dos óculos e do bigode. espantando mosquitos
de cortinados e grinaldas.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus Pela escada em espiral
se sabias que eu era fraco. diz-que tem virgens tresmalhadas,
incorporadas à via-láctea,
Mundo mundo vasto mundo, vaga-lumeando...
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução. Por uma frincha
Mundo mundo vasto mundo, o diabo espreita com o olho torto.
mais vasto é meu coração.
Diabo tem uma luneta
Eu não devia te dizer que varre léguas de sete léguas
mas essa lua e tem o ouvido fino
mas esse conhaque que nem violino.
botam a gente comovido como o diabo.
São Pedro dorme
Infância e o relógio do céu ronca mecânico.

A Abgar Renault Diabo espreita por uma frincha.

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. Lá embaixo


Minha mãe ficava sentada cosendo. suspiram bocas machucadas.
Meu irmão pequeno dormia. Suspiram rezas? Suspiram manso,
Eu sozinho entre mangueiras de amor.
lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acaba mais. E os corpos enrolados
ficam mais enrolados ainda
No meio-dia branco de luz uma voz que e a carne penetra a carne.
aprendeu
a ninar nos longes da senzala — e nunca se Que a vontade de Deus se cumpra!
esqueceu Tirante Laura e talvez Beatriz
chamava para o café. o resto vai para o inferno.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso Também já fui brasileiro
café bom. Eu também já fui brasileiro
moreno, como vocês.
Minha mãe ficava sentada cozendo Ponteei viola, guiei forde
olhando pra mim: e aprendi na mesa dos bares
-Psiu... Não acorde o menino. que o nacionalismo é uma virtude.
Para o berço onde pousou um mosquito. Mas há uma hora em que os bares se fecham
E dava um suspiro ... que fundo! e todas as virtudes se negam.

Lá longe meu pai campeava Eu também já fui poeta.


no mato sem fim da fazenda. Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas e outros substantivos
E eu nào sabia que minha história celestes.
era mais bonita que a de Robinson Crusoé. Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.
Casamento do céu e do inferno
No azul do céu de metileno Eu também já tive meu ritmo.
a lua irônica Fazia isto, dizia aquilo.
diurética E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam. arruinados.
Eu irônico deslizava Hamburgo, embigo* do mundo.
satisfeito de ter meu ritmo. Homens de cabeça rachada cismam em rachar
Mas acabei confundindo tudo. a cabeça
Hoje não deslizo mais não, /dos outros dentro de alguns anos.
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não. A Itália explora conscientemente vulcões
apagados,
vulcões que nunca estiveram acesos
a não ser na cabeça de Mussolini.
Construção E a Suíça cândida se oferece
numa coleção de postais de altitudes altíssimas.
Um grito pula no ar como um foguete.
Vem da paisagem de barro úmido, caliça e Meus olhos brasileiros se enojam da Europa.
andaimes hirtos.
O sol cai sobre as coisas em placa fervendo. Não há mais Turquia.
O sorveteiro corta a rua. O impossível dos serranos esfacela erotismos
prestes a declanchar.
E o vento brinca nos bigodes do construtor. Mas a Rússia tem as cores da vida.
Mas a Rússia é vermelha e branca.
Sujeitos com um brilho esquisito nos olhos
criam o filme bolchevista
Toada do amor /e no túmulo de Lenin em Moscou parece
/que um coração enorme está batendo, batendo
E o amor sempre nessa toada: mas não ate igual ao da gente...
briga perdoa perdoa briga. Chega!
Não se deve xingar a vida, Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.
a gente vive, depois esquece. Minha boca procura a "Canção do Exílio".
Só o amor volta pra brigar, Como era mesmo a "Canção do Exílio"?
para perdoar, Eu tão esquecido de minha terra...
amor cachorro bandido trem. Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá!
Mas, se não fosse ele, também
que graça que a vida tinha?
Lanterna mágica
Mariquita, dá cá o pito,
no teu pito está o infinito. I. Belo Horizonte
Meus olhos têm melancolias,
Europa, França e Bahia minha boca tem rugas.
Velha cidade!
Meus olhos brasileiros sonhando exotismos. As árvores tão repetidas.
Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como
um caranguejo. Debaixo de cada árvore faço minha
Os cais bolorentos de livros judeus cama,
e a água suja do Sena escorrendo sabedoria. em cada ramo dependuro meu paletó.
Lirismo.
O pulo da Mancha num segundo. Pelos jardins de versailles
Meus olhos espiam olhos ingleses vigilantes nas ingenuidade e velocípedes.
docas.
Tarifas bancos fábricas trustes craques. E o velho fraque
Milhões de dorsos agachados em colônias na casinha de alpendre com duas
longínquas formam janelas dolorosas.
/um tapete para sua Graciosa Majestade
/Britânica pisar.
E a lua de Londres como um remorso. II. Sabará
Submarinos inúteis retalham mares vencidos. A Aníbal M. Machado
O navio alemão cauteloso exporta dolicocéfalos
A dois passos da cidade importante Aleijadinho que as esculpiu,
a cidadezinha está calada, entrevada. palpitam na água cansada.
( Atrás daquele morro, com vergonha do
trem.) O presente vem de mansinho
de repente dá um salto:
Só as igrejas cartaz de cinema com fita americana.
só as torres pontudas das igrejas
não brincam de esconder. E o trem bufando na ponte preta
é um bicho comendo as casas velhas.
O Rio das Velhas lambe as casas
velhas,
casas encardidas onde há velhas nas
janelas. III. Caetê
Ruas em pé
pé-de-moleque A igreja de costas para o trem.
PENÇÃO DE JUAQUINA AGULHA Nuvens que são cabeças de santo.
Quem não subir direito toma vaia... Casas torcidas
Bem feito! E a longa voz que sobe
que sobe do morro
Eu fico cá embaixo que sobe...
maginando na ponte moderna —
moderna por quê?
A água que corre
já viu o Borba. IV. Itabira
Não a que corre,
mas a que não pára nunca Cada um de nós tem seu pedaço no
de correr. pico do Cauê.
Na cidade toda de ferro
Ai tempo! as ferraduras batem como sinos.
Nem é bom pensar nessas coisas Os meninos seguem para a escola.
mortas, muito mortas. Os homens olham para o chão.
Os séculos cheiram a mofo Os ingleses compram a mina.
e a história é cheia de teias de aranha.
Na água suja, barrenta, a canoa deixa Só, na porta da venda, Tutu Caramujo
um sulco logo apagado. cisma na derrota incomparável.
Quede os bandeirantes?
O Borba sumiu.
Dona Maria Pimenta morreu.
V. S. João Del-Rei
Mas tudo tudo é inexoravelmente
colonial:
Quem foi que apitou?
bancos janelas fechaduras lampiões.
Deixa dormir o Aleijadinho coitadinho.
O casario alastra-se na cacunda dos
Almas antigas que nem casas.
morros,
Melancolia das legendas.
rebanho dócil pastoreado por igrejas:
a do Carmo — que é toda de pedra,
As ruas cheias de mulas-sem-cabeça
a Matriz — que é toda de ouro,
correndo para o Rio das Mortes
Sabará veste com orgulho seus
e a cidade paralítica
andrajos...
no sol
Faz muito bem, cidade teimosa!
espiando a sombra dos emboabas
no encantamento das alfaias.
Nem Siderúrgica nem Central nem roda
manhosa de forde
Sinos começam a dobrar.
sacode a modorra de Sabará-buçu.
E todo me envolve
Pernas morenas de lavadeiras,
uma sensação fina e grossa.
tão musculosas que parece foi o
O mar não me importa.

VI. Nova Friburgo Eu vi a lagoa.


A lagoa, sim.
Esqueci um ramo de flores no A lagoa é grande
sobretudo. e calma também.

Na chuva de cores
da tarde que explode
VII. Rio de Janeiro a lagoa brilha
a lagoa se pinta
Fios nervos riscos faíscas. de todas as cores.
As cores nascem e morrem
com impudor violento. Eu não vi o mar.
Onde meu vermelho? Virou cinza. Eu vi a lagoa.
Passou a boa! Peço a palavra!
Meus amigos todos estão satisfeitos Cantiga de viúvo
com a vida dos outros.
Fútil nas sorveterias. A noite caiu na minh'alma,
Pedante nas livrarias... fiquei triste sem querer.
Nas praias nu nu nu nu nu. Uma sombra veio vindo,
Tu tu tu tu tu no meu coração. veio vindo , me abraçou.
Mas tantos assassinatos, meu Deus. Era a sombra de meu bem
E tantos adultérios também. que morreu há tanto tempo.
E tantos, tantíssimos contos-do-
vigário... Me abraçou com tanto amor
( Este povo quer me passar a perna.) me apertou com tanto fogo
me beijou, me consolou.
Meu coração vai molemente dentro do
táxi. Depois riu devagarinho,
me disse adeus com a cabeça
e saiu. Fechou a porta.
Ouvi seus passos na escada.
VIII.Bahia Depois mais nada...
acabou.
É preciso fazer um poema sobre a Bahia...
Mas eu nunca fui lá. O que fizeram do Natal

A rua diferente Natal.


Na minha rua estão cortando árvores O sino longe toca fino.
botando trilhos Não tem neves, não tem gelos.
construindo casas. Natal.
Já nasceu o deus menino.
Minha rua acordou mudada. As beatas foram ver,
Os vizinhos não se conformam. encontraram o coitadinho
Eles não sabem que a vida (Natal)
tem dessas exigências brutas. mais o boi mais o burrinho
e lá em cima
Só minha filha goza o espetáculo a estrelinha alumiando.
e se diverte com os andaimes, Natal.
a luz da solda autógena
e o cimento escorrendo nas formas. As beatas ajoelharam
e adoraram o deus nuzinho
Lagoa mas as filhas das beatas
Eu não vi o mar. e os namorados das filhas,
Não sei se o mar é bonito, mas as filhas das beatas
não sei se ele é bravo. foram dançar black-bottom
nos clubes sem presépio. tijolo.
O canto dos homens trabalhando trabalhando
mais perto do céu
cada vez mais perto
POLÍTICA LITERÁRIA mais
A Mauoel Bandeira - a torre.
E nos domingos a litania dos perdões, o
O poeta municipal murmúrio das invocações.
discute como poeta estadual O padre que fala do inferno
qual dêles é capaz de bater o poeta federal. sem nunca ter ido lá.
Pernas de sêda ajoelham mostrando geolhos.
Enquanto isso o poeta federal Um sino canta a saudade de qualquer coisa
Tira ouro do nariz. sabida e já [esquecida.
A manhã pintou-se de azul.
No adro ficou o ateu,
SENTIMENTAL No alto fica Deus.
Domingo...
Ponho-me a escrever teu nome Bem bão! Bem Bão!
com letras de macarrão. Os serafins, no meio, entoam quirieleisão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçadas na mesa todos completam
esse romântico trabalho. POEMA QUE ACONTECEU

Desgraçadamente falta uma letra, Nenhum desejo neste domingo


uma letra somente nenhum problema nessa vida
para acabar teu nome! o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria! domingo sem fim nem comêço.

Eu estava sonhando... A mão que escreve êste poema


E há em todas as consciências um cartaz não sabe que está escrevendo
amarelo: mas é possível que se soubesse
"Neste país é proibido sonhar." nem ligasse.

ESPERTEZA
NO MEIO DO CAMINHO
Tenho vontade
No meio do caminho tinha uma pedra - ponhamos amar
tinha uma pedra no meio do caminho por esporte uma loura
tinha uma pedra o espaço de um dia.
no meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento Certo me tornaria
na vida de minhas retinas tão fatigadas. brinquedo nas suas mãos.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra Apanharia, sorriria
tinha uma pedra no meio do caminho mas acabado o jogo
no meio do caminho tinha uma pedra não seria mais joguete,
seria eu mesmo.

IGREJA
A Manoel Bandeira POLÍTICA
A Mário Casasanta
Tijolo
areia Vivia jogado em casa,
andaime Os amigos o abandonaram
água quando rompeu com chefe político.
O jornal governista ridicularizava seus versos, O jornal conta histórias, mentiras...
Os versos que ele sabia bons. Ora afinal a vida é um bruto romance
e nós vivemos folhetins sem o saber.
Sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais Mas surge o imenso chá com torradas,
que apoiavam a Câmara em exercício. chá de minha burguesia contente.
O gozo de minha poltrona!
Entrou a tomar porres O doçura de folhetim!
violentos, diários. Ó bocejo de felicidade!
E a desleixar os versos.
Se já não tinha discípulos.
Se só os outros poetas eram imitados.
NOTA SOCIAL
Uma ocasião em que não tinha dinheiro
para tomar o seu conhaque O poeta chega na estação.
saiu à toa pelas ruas escuras. O poeta desembarca.
Parou na ponte sobre o rio moroso, O poeta toma um auto.
o rio que lá embaixo pouco se importava com O poeta vai para o hotel.
ele E enquanto ele faz isso
para misteriosos carnavais. como qualquer homem da terra,
uma ovação o persegue
E teve vontade de se atirar feito vaia.
(só vontade). Bandeirolas
abrem alas.
Depois voltou para casa Bandas de música. Foguetes.
livre, sem correntes Discursos. Povo de chapéu de palha.
muito livre, infinitamente Máquinas fotográficas assestadas.
livre livre livre que nem uma besta Automóveis imóveis.
que nem uma coisa. Bravos...
O poeta está melancólico.

Numa árvore do passeio público


POEMA DO JORNAL (melhoramento da atual administração)
árvore gorda, prisioneira
O fato ainda não acabou de acontecer de anúncios coloridos,
e já a mão nervosa do repórter árvore banal, árvore que ninguém vê
a transforma em notícia. canta uma cigarra.
O marido está matando a mulher. Canta uma cigarra que ninguém ouve
A mulher ensangüentada grita. um hino que ninguém aplaude.
Ladrões arrombam o cofre. Canta, no sol danado.
A polícia dissolve o meeting.
A pena escreve. O poeta entra no elevador
o poeta sobe
Vem da sala de linotipos a doce música o poeta fecha-se no quarto.
mecânica. O poeta está melancólico.

CORAÇÃO NUMEROSO
SWEET HOME
Foi no Rio.
Quebra-luz, aconchego. Eu passeava na Avenida quase meia-noite.
Teu braço morno me envolvendo. Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas
A fumaça de meu caminho subindo. inumeráveis.
Havia a promessa do mar
Como estou bem nesta poltrona de humorista e bondes tilintavam,
inglês. abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas. JARDIM DA PRAÇA DA LIBERDADE
A Gustavo Capatiema
Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer) Verdes bulindo.
faziam de mim homem-realejo Sonata cariciosa da água
imperturbavelmente fugindo entre rosas geométricas.
na Galeria Cruzeiro quente quente Ventos elísios.
e como não conhecia ninguém a não ser o doce Macio.
vento mineiro, Jardim tão pouco brasileiro ... mas tão lindo.
nenhuma vontade de beber, eu disse:
Acabemos com isso. Paisagem sem fundo.
A terra não sofreu para dar estas flores.
Mas tremia na cidade uma fascinação casas Sem ressonância.
compridas O minuto que passa
autos abertos correndo caminho do mar desabrochando em floração inconsciente.
voluptuosidade errante do calor Bonito demais. Sem humanidade.
mil presentes da vida aos homens indiferentes, Literário demais.
que meu coração bateu forte, meus olhos
inúteis choraram. (Pobres jardins do meu sertão,
atrás da Serra do Curral!
O mar batia em meu peito, já não batia no cais. Nem repuxos frios nem tanques langues,
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou nem bombas nem jardineiros oficiais.
eu Só o mato crescendo indiferente entre sempre-
a cidade sou eu vivas desbotadas
sou eu a cidade e o olhar desditoso da moça desfolhando
meu amor. malmequeres.)

Jardim da Praça da Liberdade,


POESIA Versailles entre bondes.
Na moldura das Secretarias compenetradas
Gastei uma hora pensando um verso a graça inteligente da relva
que a pena não quer escrever. compõe o sonho dos verdes.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo. PROIBIDO PISAR NO GRAMADO
Ele está cá dentro Talvez fosse melhor dizer:
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento PROIBIDO COMER O GRAMADO
inunda minha vida inteira. A prefeitura vigilante
vela a soneca das ervinhas.
E o capote preto do guarda é uma bandeira na
FESTA NO BREJO noite estrelada [de funcionários.
De repente uma banda preta
A saparia desesperada vermelha retinta suando
coaxa coaxa coaxa. bate um dobrado batuta
O brejo vibra que nem caixa na doçura
de guerra. Os sapos estão danados. do jardim.
A lua gorda apareceu Repuxos espavoridos fugindo.
e clareou o brejo todo.
Até à lua sobe o coro
da saparia desesperada. CIDADEZINHA QUALQUER

A saparia toda de Minas Casas entre bananeiras


coaxa no brejo humilde. mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Hoje tem festa no brejo! Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus. PAPAI NOEL ÀS AVESSAS
A Afonso Arinos (sobrinho)

PAPAI NOEL entrou pela porta dos fundos


FUGA (no Brasil as chaminés não são praticáveis),
As atitudes inefáveis, entrou cauteloso que nem marido depois da
os inexprimíveis delíquios, farra.
êxtases, espasmos, beatitudes Tateando na escuridão torceu o comutador
não são possíveis no Brasil. o a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
O poeta vai enchendo a mala, coisas que continuavam coisas no mistério do
põe camisas, punhos, loções, Natal.
um exemplar da Imitação Papai Noel explorou a cozinha com olhos
e parte para outros rumos. espertos,
A vaia amarela dos papagaios achou um queijo e comeu.
rompe o silêncio da despedida.
− Se eu tivesse cinco mil pernas Depois tirou do bolso um cigarro que não quis
(diz êle) fugia com todas elas. acender.
Povo feio, moreno, bruto, Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas
não respeita meu fraque preto. postiças
Na Europa reina a geometria (no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara
e todo mundo anda − como eu − de luto. raspada)
Estou de luto por Anatole e avançou pelo corredor branco de luar.
France, o de Thaïs, jóia soberba. Aquele quarto é o das crianças.
Não há cocaína, não há morfina Papai entrou compenetrado.
igual a essa divina
papa-fina. Os meninos dormiam sonhando outros natais
Vou perder-me nas mil orgias muito mais lindos
do pensamento greco-latino. mas os sapatos deles estavam cheinhos de
Museus! estátuas! catedrais! brinquedos
O Brasil só tem canibais. soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celulóide.
Dito isto fechou-se em copas.
Joga-lhe um mico uma banana, Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
por um tico não vai ao fundo. no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
Enquanto os bárbaros sem barbas que lá dentro mulheres elefantes soldados
sob o Cruzeiro do Sul presidente brigavam [por causa do aperto.
se entregam perdidamente
sem anatólios nem capitólios Os pequenos continuavam dormindo.
aos deboches americanos. Longe um galo comunicou o nascimento de
Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
SINAL DE APITO apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.

Um silvo breve: Atenção, siga. Na horta, o luar de Natal abençoava os


Dois silvos breves: Pare. legumes.
Um silvo breve à noite: Acenda a lanterna.
Um silvo longo: Diminua a marcha.
Um silvo longo e breve: Motoristas a postos. QUADRILHA

(A este sinal todos os motoristas tomam lugar João amava Teresa que amava Raimundo
nos seus veículos para movimentá-los que amava Maria que amava Joaquim que
imediatamente.) amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o
convento, Raimundo morreu de desastre, Maria
ficou para tia, E se os olhos reaprendessem a chorar seria um
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto segundo dilúvio.
Fernandes
que não tinha entrado na história. (Desconfio que escrevi um poema.)

FAMÍLIA MÔÇA E SOLDADO

Três meninos e duas meninas, Meus olhos espiam


sendo uma ainda de colo. a rua que passa.
A cozinheira preta, a copeira mulata,
o papagaio, o gato, o cachorro, Passam mulheres,
as galinhas gordas no palmo de horta passam soldados.
e a mulher que trata de tudo. Moça bonita foi feita para namorar.
Soldado barbudo foi feito para brigar.
A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
o cigarro, o trabalho, a reza, Meus olhos espiam
a goiabada na sobremesa de domingo, as pernas que passam.
o palito nos dentes contentes, Nem todas são grossas ...
o gramofone rouco toda noite Meus olhos espiam.
e a mulher que trata de tudo.
Passam soldados.
O agiota, o leiteiro, o turco, ... mas todas são pernas.
o médico uma vez por mês, Meus olhos espiam.
o bilhete todas as semanas Tambores, clarins
branco! mas a esperança sempre verde. e pernas que passam.
A mulher que trata de tudo Meus olhos espiam
e a felicidade. espiam espiam
soldados que marcham
moças bonitas
O SOBREVIVENTE soldados barbudos
A Cyro dos Anjos ... para namorar,
para brigar.
Impossível compor um poema a essa altura da Só eu não brigo.
evolução da [humanidade. Só eu não namoro.
Impossível escrever um poema - uma linha que
seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra ANEDOTA BÚLGARA
mais.
Era uma vez um czar naturalista
Há máquinas terrivelmente complicadas para as que caçava homens.
necessidades mais simples. Quando lhe disseram que também se caçam
Se quer fumar um charuto aperte um botão. borboletas e [andorinhas,
ficou muito espantado
Paletós abotoam-se por eletricidade. e achou uma barbaridade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta


muito para atingirmos um nível razoável de MÚSICA
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto. A Pedro Nava

Os homens não melhoraram Uma coisa triste no fundo da sala.


e matam-se como percevejos. Me disseram que era Chopin.
Os percevejos heróicos renascem. A mulher de braços redondos que nem coxas
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado. martelava na dentadura dura
sob o lustre complacente. Mas quando vi você nua
Eu considerei as contas que era preciso pagar, caída na areia do circo
os passos que era preciso dar, e o leão que vinha vindo,
as dificuldades... dei um pulo desesperado
Enquadrei o Chopin na minha tristeza e o leão comeu nós dois.
e na dentadura amarela e preta
meus cuidados voaram como borboletas. Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
COTA ZERO onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
STOP.
A vida parou Mas quando ia te pegar
ou foi o automóvel? e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal...
INICIAÇÃO AMOROSA Me suicidei também.

A rede entre duas mangueiras Depois (tempos mais amenos)


balançava no mundo profundo. fui cortesão de Versailles,
O dia era quente, sem vento. espirituoso e devasso.
O sol lá em cima, Você cismou de ser freira...
as folhas no meio, Pulei muro de convento
o dia era quente. mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.
E como eu não tinha nada que fazer vivia
namorando [as pernas[morenas da lavadeira. Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
Um dia ela veio para a rêde, tenho dinheiro no banco.
se enroscou nos meus braços, Você é uma loura notável,
me deu um abraço, boxa, dança, pula, rema.
me deu as maminhas Seu pai é que não faz gosto.
que eram só minhas. Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
A rêde virou, te abraço, beijo e casamos.
o mundo afundou.

Depois fui para a cama CABARÉ MINEIRO


febre 40 graus febre.
Uma lavadeira imensa, com duas têtas imensas, A dançarina espanhola de Montes Claros
girava o espaçoverde. dança e redança na sala mestiça.
Cem olhos morenos estão despindo
seu corpo gordo picado de mosquito.
BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES Tem um sinal de bala na coxa direita,
o riso postiço de um dente de ouro,
Eu te gosto, você me gosta mas é linda, linda, gorda e satisfeita.
desde tempos imemoriais. Como rebola as nádegas amarelas!
Eu era grego, você troiana, Cem olhos brasileiros estão seguindo
troiana mas não Helena. o balanço doce e mole de suas tetas. . .
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos. QUERO ME CASAR

Virei soldado romano, Quero me casar


perseguidor de cristãos. na noite na rua
Na porta da catacumba no mar ou no céu
encontrei-te novamente. quero me casar.
 Ora essa, era o que faltava.
Procuro uma noiva E a mulher ajunta: - Que idiota.
loura morena
preta ou azul - A casa é um ninho de pulgas.
uma noiva verde - Reparaste o bife queimado?
uma noiva no ar O piano ruim e a comida pouca.
como um passarinho.

Depressa, que o amor E todas as quintas-feiras


não pode esperar! eles voltam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.

EPIGRAMA PARA EMILIO MOURA ELEGIA DO REI DE SIÃO

Tristeza de ver a tarde cair Pobre rei de Sião que morreu de desgosto
como cai uma folha. por não ter um filho varão.
(No Brasil não há outono Pobre rei de Bangkok educado em Oxford,
mas as folhas caem.) pequenino, bonito, decorativo,
que morreu especialmente para nos comover.
Tristeza de comprar um beijo O filho que desejava, a Ásia não deu
como quem compra jornal. e seu desejo de um filho era maior do que a
Ásia.
Os que amam sem amor Pobre rei de Sião, que Camões não cantou.
não terão o reino dos céus. Amou três mulheres em vez de dez mil
e nenhuma lhe deu um filho varão.
Tristeza de guardar um segredo De sua costela real nasceu uma pequenina
que todos sabem siamesa.
e não contar a ninguém Ao vê-Ia, o rei caiu para trás como um europeu,
(que esta vida não presta). adoeceu, bebeu um veneno terrível e morreu.

Seu coração enegreceu de repente,


o corpo ficou todo fofo.

Depois queimaram o corpo fofo e o coração


preto [numa fogueira esplêndida
SOCIEDADE e a alma do rei de Sião fugiu entre os canais.

O homem disse para o amigo: Pobre reizinho de Sião.


- Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa SESTA


e quando o homem chegou com a mulher, A Martins de Almeida
soltou uma dúzia de foguetes.
A família mineira
O homem comeu e bebeu. está quentando sol
A mulher bebeu e cantou. sentada no chão
Os dois dançaram. calada e feliz.
O amigo estava muito satisfeito. O filho mais moço
olha para o céu,
Quando foi hora de sair, para o sol não,
o amigo disse para o homem: para o cacho de bananas.
 Breve irei a tua casa. Corta ele, pai.
E apertou a mão dos dois. O pai corta o cacho
e distribui pra todos.
No caminho o homem resmunga: A família mineira
está comendo banana. de todos os homens,
legalistas, rebeldes.
A filha mais velha
coça uma pereba O inimigo resistia sempre e foi preciso cortar a
bem acima do joelho. água do quartel. Corno resistisse ainda, a água
A saia não esconde circulou de novo, desta vez azul, de metileno. A
a coxa morena torneira aberta escorre desinfetante. O canhão
sólida construída, fabricado em Minas - suave temperamento local
mas ninguém repara. não disparou.
Os olhos se perdem
na linha ondulada Olha a negra, olha a negra,
do horizonte próximo a negra fugindo
(a cerca da horta). com a trouxa de roupa,
A família mineira olha a bala na negra,
olha para dentro. olha a negra no chão
e o cadáver com os seios enormes,
expostos, inúteis.
O filho mais velho canta uma cantiga nem triste
nem alegre, uma cantiga apenas mole que
adormece. Só um mosquito rápido O general, com seus bigodes tumultuosos, era o
mais doce dos seres, e destilava uma ternura
mostra inquietação. O filho mais moço ergue o vaporosa em seu hábito de usar culotte sem
braço rude enxota o importuno. A família perneiras. A um canto do salão atulhado de
mineira está dormindo ao sol. mapas e em que telefones esticados retiniam
trazendo fatos, levando ordens, eu fazia,
exercício fácil, a caricatura do seu imenso nariz.
OUTUBRO 1930 Que todos acharam ótima e reprovaram com
indignação cívica.
Suores misturados
no silêncio noturno. A esta hora no Recife,
O companheiro ronca. em Guaxupé, Turvo, Jaguara,
O ruído igual Itararé,
dos tiros e o silêncio Baixo Guandu,
na sala onde os corpos Igarapava,
são coisas escuras. Chiador,
O soldado deitado homens estão se matando
pensando na morte. com as necessárias cautelas.
Pelo Brasil inteiro há tiros, granadas,
De 5 em 5 minutos um ciclista trazia ao Estado- literatura explosiva de boletins,
Maior um feixe de telegramas contendo, mulheres carinhosas cosendo fardas
comprimida, a trepidação dos setores. O com bolsos onde estudantes guardarão retratos
radiotelegrafista ora triste ora alegre empunhava das respectivas, longínquas namoradas,
um papel que era vitória ou a derrota. Nós homens preparando discursos,
descansávamos, jogados sobre poltronas, outros, solertes, captando rádios,
abríamos para as notícias olhos que não viam, minando pontes,
olhos que perguntavam. Às 3 da madrugada, outros (são governadores) dando o fora,
pontualmente, recomeçava o tiroteio. pedidos de comissionamento
por atos de bravura,
O funcionário deitado ordens do dia,
não pensa na morte. "o inimigo (?) retirou-se em fuga precipitada,
Pensa no amor deixando abundante material bélico,
tornado impossível cinco mortos e vinte feridos...
no minuto guerreiro. Um novo, claro Brasil
E fecha os olhos surge, indeciso, da pólvora.
para ver bem Meu Deus, tomai conta de nós.
o amor com sua espada
de fogo sobre a cabeça Deus vela o sono dos brasileiros.
Anjos alvíssimos espreitam A Europa é uma cidade muito velha onde só
a hora de apagar a luz de teu quarto fazem caso de [dinheiro
para abrirem sobre ti as asas e tem umas atrizes de pernas adjetivas que
que afugentam os maus espíritos passam a perna na [gente.
e purificam os sonhos. O francês o italiano, o judeu falam uma língua
Deus vela o sono e o sonho dos brasileiros. de farrapos.
Mas eles acordam e brigam de novo. Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma
canalha só,
lê o seu jornal, mete a língua no governo,
EXPLICAÇÃO queixa-se da vida (a vida está tão cara)
e no fim dá certo.
Meu verso é minha consolação.
Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que
sua cachaça. entortou.
Para beber, copo de cristal, canequinha de Eu não disse ao senhor que não sou senão
folha-de-flandres, poeta?
folha de taioba, pouco importa: tudo serve.

Para louvar a Deus como para aliviar o peito, ROMARIA


queixar o desprezo da morena, cantar minha A Milton Campos
vida e trabalhos
é que faço meu verso. E meu verso me agrada. Os romeiros sobem a ladeira
cheia de espinhos, cheia de pedras,
Meu verso me agrada sempre... sobem a ladeira que leva a Deus
Ele às vezes tem o ar sem-vergonha de quem e vão deixando culpas no caminho.
vai dar uma [cambalhota,
mas não é para o público, é para mim mesmo Os sinos tocam, chamam os romeiros:
essa [cambalhota. Vinde lavar os vossos pecados.
Eu bem me entendo. Já estamos puros, sino, obrigados,
Não sou alegre. Sou até muito triste. mas trazemos flores, prendas e rezas.
A culpa é da sombra das bananeiras de meu
pais, esta sombra mole, preguiçosa. No alto do morro chega a procissão.
Um leproso de opa empunha o estandarte.
Há dias em que ando na rua de olhos baixos As coxas das romeiras brincam no vento.
para que ninguém desconfie, ninguém perceba Os homens cantam, cantam sem parar.
que passei a noite inteira chorando.
Estou no cinema vendo fita - de Hoot Gibson, Jesus no lenho expira magoado.
de repente ouço a voz de uma viola... Faz tanto calor, há tanta algazarra.
saio desanimado. Nos olhos do santo há sangue que escorre.
Ah, ser filho de fazendeiro! Ninguém não percebe, o dia é de festa.
À beira do São Francisco, do Paraíba ou de
qualquer córrego [vagabundo, No adro da igreja há pinga, café,
é sempre a mesma sem-si-bi-li-da-de. imagens, fenômenos, baralhos, cigarros
E a gente viajando na pátria sente saudades da e um sol imenso que lambuza de ouro
pátria. o pó das feridas e o pó das muletas.
Aquela casa de nove andares comerciais
é muito interessante. Meu Bom Jesus que tudo podeis,
A casa colonial - da fazenda também era... humildemente te peço uma graça.
No elevador penso na roça, Sarai-me, Senhor, e não desta lepra,
na roça penso no elevador. do amor que eu tenho e que ninguém me tem.

Quem me fez assim foi minha gente e minha Senhor, meu amo, dai-me dinheiro,
terra muito dinheiro para eu comprar
e eu gosto bem de ter nascido com essa tara. aquilo que é caro mas é gostoso
Para mim, de todas as burrices a maior é e na minha terra ninguém não possui.
suspirar pela Europa.
Jesus meu Deus pregado na cruz,
me dá coragem pra eu matar
um que me amola de dia e de noite
e diz gracinhas a minha mulher.

Jesus Jesus piedade de mim.


Ladrão eu sou mas não sou ruim não.
Por que me perseguem não posso dizer.
Não quero ser preso, Jesus ó meu santo.

Os romeiros pedem com os olhos,


pedem com a boca, pedem com as mãos.
Jesus já cansado de tanto pedido
dorme sonhando com outra humanidade.

POEMA DA PURIFICAÇÃO

Depois de tantos combates


o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.

As águas ficaram tintas


de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.

Mas uma luz que ninguém soube


dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.

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