Sinais do tempo
O ladrão da mão invisível por João Moura
Fim da Silly Season: O Canto da Sereia, O
Milagre Albanês, A Teoria do Erro de Casting
e o Grande Peixe de Pyongyang.
O fim do Verão ficou marcado pela eleição do
Menino Mais Traquinas da Silly Season, dis-
tinção este ano atribuída a Mikheil Saakashvili
pelo júri dos “The Silliest Boy of Silly Season
Awards”. O presidente da Geórgia, ao atacar
militarmente as Repúblicas independentistas da
Ossétia do Sul e da Abkhazia, julgando ter apoio
dos EUA, na qualidade de candidato à adesão à
NATO, fez exactamente o que Moscovo queria.
Em resposta a Rússia invadiu militarmente a Ge-
órgia, alegando que essas repúblicas são habi-
tadas maioritariamente por cidadãos portadores
de passaportes russos. Ter passaporte Russo no
Cáucaso é cool. A Rússia, depois de proclamar
a independência daquelas repúblicas, retirou sob
condições negociadas com a União Europeia
que tiveram várias versões.
O certo é que algo mudou na política externa
russa. É o ressurgimento da Rússia altiva e
orgulhosa, depois da regeneração pós-comu-
nista que reafirma o seu poderio, não admitindo
ingerências ocidentais na sua esfera de influên-
cia, depois de alguns anos passados a engolir
sapos. Os convites da NATO feitos a países da
antiga União Soviética são punhais cravados
nas costas da Rússia. A frota russa no Mar Ne-
gro terá até 2017 de abandonar Sebastopol na
província da Crimeia, Ucrânia, que já anunciou
intenção de não renovar a concessão. Curio-
samente a Crimeia foi uma prenda dada por
Nikita Kruchtchev à Ucrânia em 1954 na come-
moração dos 300 anos de aliança entre os dois
povos. O problema são os passaportes. Mais de
metade dos habitantes da Crimeia são russos e
na Rússia há quem defenda a devolução da Cri-
meia. As alternativas são Novorossiysk, no Mar
Negro, no sul da Rússia, ou o porto de Tartus,
na Síria, em pleno Mediterrâneo.
O reconhecimento da independência do Kosovo
pelos EUA em Fevereiro e depois, a conta-
-gotas, pelos seus aliados, foram, gota-a-gota,
fazendo transbordar o copo da paciência russa.
A resposta dada na Geórgia foi eloquente.
O que não é menos verdade é que o Kosovo faz
fronteira com a Albânia e é habitado, maioritá-
riamente (92%) por albaneses. Até um analista
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de Wall Street teria visto ali o embrião de um
problema chamado Grande Albânia. Em Outu-
bro, quando na bancada dum estádio de Braga,
os adeptos albaneses desfraldaram uma faixa
gigante a dizer “Obrigado Portugal”, Carlos
Queirós continuou a fazer de conta que não
percebia que a Albânia tinha crescido. A Selec-
ção Portuguesa empatou a zero, encerrando a
sessão em baixa.
– O Nuno Gomes devia ter entrado mais cedo –
disse o Zé Carlos desolado enquanto me punha
mais uma imperial à frente. Ao menos, só se
estraga uma Albânia. – Pensei eu.
Já Mickey Rourke teve uma rentrée notável com
o seu desempenho no filme “The Wrestler” de
Darren Aronofsky. Quando em 1991, aos 35
anos, abandonou Hollywood para se dedicar, já
tardiamente, ao boxe profissional, todos acha-
ram que ele não estava bom da cabeça. Perdeu
o prestígio, a mulher e os amigos e afundou-se
na escala social, até ao ponto de se tornar
amigo de Mike Tyson ou de apoiar o reforço de
poderes de George W. Bush. Depois de cente-
nas de combates que lhe desfiguraram a cara e
quando finalmente se preparava para disputar o
título mundial, fez-se luz. O seu médico neuro-
logista, perante um electroencefalograma as-
sustador, tal a gravidade das lesões reveladas,
disse-lhe: – Tu, não estás bom da cabeça.
Foi o momento de viragem, iniciando o regres-
so à sétima arte, premiado agora pelo júri do
Festival de Veneza no papel de um homem que,
à beira dos 40 resolve iniciar uma carreira de
lutador de Wrestling, perdendo o prestígio, a
mulher e os amigos... Foi um casting brilhan-
te, porque Mickey Rourke foi escolhido para
fazer... dele próprio. Estamos aparentemente
perante um caso muito sério de competência.
Será possível que estejamos perante um res-
ponsável que ousou fazer uma escolha estúpi-
damente óbvia, evitando correr riscos estúpidos
e no final ainda ganhou dinheiro e prestígio?
Enquanto isso, na Coreia do Norte, Kim Jong-Il,
o Grande Peixe que vive no Aquário de Pyon-
gyang, era a estrela das casas de apostas que
especulavam sobre se ele estaria vivo ou morto
inspirados no novo livro do jornalista japonês
Toshimitsu Shigemura, “O Verdadeiro Kim
Jong-il”. Este especialista em matéria de ➤
1 2

1. Mickey Rourke e Darren

Aronofsky venceram o
Leão de Ouro na Bienal de
Veneza com o filme “The
Wrestler”
2. Martin Luther King, o
homem que ousou sonhar
com a igualdade de direitos
entre brancos e negros
3. Imagem manipulada: Ba-
rack Obama ou Abraham
Lincoln?

ELES & ELAS 59

 O ladrão da mão invisível
➤ Coreias sustenta que o grande líder teria mor-
rido em 2003, vítima de diabetes e que desde
então o regime ter-se-ia socorrido de sósias
para desempenhar o seu papel. O investiga-
dor japonês defende ainda que Vladimir Putin,
então presidente da Rússia e o seu homólogo
chinês Hu Jintao, terão negociado com um
impostor, a menos que... Kim Jong-Il tenha
crescido 2,5 centímetros nos últimos tempos.
A avaliar pela recente actualizaçao da lista dos
estados considerados terroristas pelos EUA,
que apresenta como maior surpresa a saída da
Coreia do Norte que previsivelmente irá retomar
a fantochada em que se transformou o desman-
telamento do seu projecto nuclear.
Rebenta a Bolha! O Milagre Irlandês, a Pesca
na Islândia e o Amor no Alaska?
Arrumados os artefactos de praia, regressamos
lentamente à realidade. Ainda meio estremu-
nhados, verificamos que a crise financeira, que
já dura há mais de um ano, continua de boa
saúde, com as taxas de juro e o petróleo em
alta. Embalados pela tranquilidade deste quadro
idílico de referências que já nos são tão familia-
res, resolvemos dormir só mais cinco minutos.
Subitamente quando acordamos em sobres-
salto, descobrimos que já é tarde demais. Os
bancos de investimento na América estão a
declarar falência. O pânico em Wall Street
alastra aos mercados de todo o Mundo. A crise
subprime afinal era só a ponta do iceberg. De
repente, descobriram a toxicidade dos acti-
vos que tinham em carteira. Há bancos dentro
do sistema financeiro americano que não são
regulados pela autoridade competente. Há uma
deficiente avaliação do risco de crédito, quer no
que respeita à capacidade de endividamento de
quem pede emprestado, quer no que respeita
à avaliação, a prazo, daquilo que é dado como
garantia de pagamento. No crédito à habitação,
a garantia de pagamento é a hipoteca sobre
a pseudo-avaliação do imóvel... O problema é
que o verdadeiro valor do imóvel parece ser um
assunto que não interessa a nenhuma das três
partes: comprador, vendedor e financiador. Sur-
preendente? Porquê discutir o valor, se eles já
chegaram a acordo sobre o preço? Afinal, o mo-
delo de desenvolvimento económico dos EUA
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não era muito melhor do que o português ou o
irlandês. Assentava na mesmíssima especula-
ção imobiliária. Um modelo de desenvolvimento
em que a construção civil é considerada “o mo-
tor do crescimento económico” e a banca o seu
“combustível”. Quando as casas se começaram
a negociar por preços muito acima do seu valor
a bolha começou a crescer. Quando as taxas de
juro começaram a subir, muitas famílias não pu-
deram acompanhar. Mas parece que desta vez
os bancos não se ficaram a rir. – Ah e tal, há
são fundos estruturados de natureza “comple-
xa”... – dizem-nos eles. São fundos de altíssimo
risco, como aliás o nome indica. Fundos que
incorporam múltiplos “activos” entre os quais
hipotecas sub-avaliadas e mal-paradas e outros
que ninguém sabe o que são ou como foram
avaliados, nem por quem, muitos deles cotados
com triplos AAA por agências privadas onde
trabalham uns miúdos traquinas, que não inves-
tigam... nem são investigados, mas que emitem
relatórios, pareceres e ratings, baseados não se
sabe bem em quê, conferindo uma credibilidade
virtual àquelas mixórdias de dívidas incobráveis
e hipotecas sobreavaliadas que são cozinha-
das num bolo que depois é cortado às fatias e
servido com nomes bonitos numa embalagem
atractiva a quem não faz a mínima ideia do que
está a comprar. Como os mercados assentam a
sua estabilidade na visibilidade e na confiança
dos agentes, a bolha tinha de rebentar. Aliás, o
problema das bolhas é que rebentam sempre.
Como dizia a anedota, o problema foi um estú-
pido qualquer que se lembrou de perguntar de
que era feito o bolo, ou seja, quanto valiam de
facto as casas.
O saneamento destes activos sobreavaliados
será lento e doloroso. A pressão colocada na
remuneração dos accionistas não foi refreada
por uma regulação que impedisse excessos de
alavancagem e a consequente exposição ao ris-
co. Os administradores destes naufrágios foram
pagos a peso de ouro. Alguns conseguiram gas-
tar sumptuosamente, já depois de serem decla-
radas as falências. Saíram com indemnizações
milionárias. Até agora não foram apuradas
responsabilidades, nem deduzidas acusações.
Gordon Brown atribuiu as culpas à inocência
dos mercados. Inocente. ➤
Sarah Palin – Enquanto a Rússia abraça o Capitalismo, os EUA nacionalizam
uma parte do seu sistema financeiro...

ELES & ELAS 61

 O ladrão da mão invisível
– Diz que foi uma mão invisível que fez desapa-
recer o dinheiro – disse o Zé Carlos enquanto
me servia a bica no café lá da rua. – Parece
que já o apanharam. Foi um tal de Adam Smith.
O FBI acredita que ele não agiu sozinho e que
o seu principal cúmplice se chama Milton Frie-
dman. Hoje em dia não se pode vender fiado a
ninguém.
– O Dias da Cunha é que tinha razão... – pro-
vocou alguém sentado na penumbra ao fundo
do balcão. E prosseguiu: – A culpa, em última
análise... é sempre do sistema.
No meio do ruído de fundo alguém disse: O pro-
blema da crise de crédito é que o estilo de vida
dos americanos nas últimas décadas passou a
ser... venderem casas uns aos outros.
As notícias que vão chegando em catadupa
parecem chegar de um mundo distante que já
nem sequer é parecido com o nosso. Oiço a
apresentadora: – A Islândia, o país com o maior
índice de desenvolvimento humano do Mundo,
perante o colapso do seu sistema bancário,
decide dedicar-se... à pesca.
O plano de 700 mil milhões apresentado por
Henry Paulson para estancar a crise e restabe-
lecer a confiança do sistema financeiro pareceu
não convencer os mercados. Já Gordon Brown
defendeu um novo sistema de Bretton Woods,
ou seja, a reformulação do papel regulador de
instituições como o FMI ou o Banco Mundial,
defendendo a criação de soluções globais, num
momento em que a Europa actua numa espécie
de “cada um por si e salve-se quem puder”.
A queda dos índices bolsistas só é ultrapassa-
da pela queda nas sondagens de John McCain
arrastado pelo erro de casting que foi a escolha
da ultra-conservadora Governadora do Alaska,
Sarah Palin, candidata a Vice-Presidente
pelo Partido Republicano. Como se já não lhe
bastassem chatices como a gravidez da filha
adolescente, ou a antiga filiação do marido no
Partido Independentista do Alaska, ou acusar
Barack Obama de ser apoiado por terroristas,
o que foi reprovado pela maioria dos analistas
políticos, Palin ainda foi acusada pelo Ministério
Público de abuso de poder, na questão do des-
pedimento de um responsável pela segurança
que recusou demitir o ex-marido de sua irmã.
A propalada arma secreta, Sarah Palin foi as-
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sim, feitas as contas, um tiro no pé. Veremos…
Do derradeiro debate entre os candidatos
Obama e McCain que em directo iam sendo in-
terpelados telefonicamente pelos telespectado-
res, surgiu a surpresa. O vencedor do debate
chamava-se... Joe the Plumber, que não tinha
dado descanso ao telefone durante o debate.
As principais cadeias de televisão disputaram
o exclusivo da sua visão esclarecida do ca-
nalizador sobre a política fiscal proposta por
Obama.
Bill Clinton deixou no final do seu mandato a
economia americana em estado de graça. Ge-
orge Bush vai deixar no final do seu mandato a
economia americana que é uma desgraça. As
ilações possíveis são muitas, mas é legítimo
que nos interroguemos: – Então afinal para que
é que serve a Sala Oval?
O Travestismo Económico e a Troca de
Papéis. O Auto da Fé e a Auto Regeneração.
Chapéus Há Muitos!
É irónico verificar que, enquanto a Rússia adere
ao capitalismo e privatiza a sua economia, os
EUA fazem o contrário, percorrendo o caminho
inverso, negando tudo em que sempre acredita-
ram e que sempre defenderam, admitindo, para
a humilhação ser total, que afinal o mercado
não funcionou, nem teve capacidade de auto-
regeneração nem de auto-regulação. E a mão
invisível? A verdade é que ainda ninguém a viu.
A América admitiu, derrotada, que a solução
era o aumento da regulação e, com isso, aponta
ao sincero arrependimento como caminho da
redenção. Não é estratégia, é fé. Porque a fé
nunca morre. O Prémio Nobel da Economia foi
atribuído a Paul Krugman, acérrimo crítico da
liberalização e da falta de regulação que Milton
Fridman defendeu há 30 anos, combatendo as
ideias de equilíbrio e regulação defendidas pelo
modelo criado por John Maynard Keynes nos
anos 30.
Enquanto procuro o fim desta crónica, vão
chegando notícias frescas da “Moda Lisboa”
que indiciam que os chapéus voltaram a estar
na moda. Faço zapping. Passo por milésimos
de segundo pela RTP Memória e oiço a voz de
Vasco Santana no filme “A canção de Lisboa” a
dizer: – Chapéus há muitos, seus palermas! n