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TERÇA-FEIRA
II. SE PECAR SETE VEZES no dia contra ti..., sete vezes lhe
perdoarás5.Sete vezes, isto é, muitas vezes. Até no mesmo dia e na mesma
coisa. A caridade é paciente, não se irrita6.
Quando uma pessoa é sincera consigo própria e com Deus, não é difícil que
se reconheça na posição desse servo que não tinha com que pagar. Não
somente porque deve a Deus tudo o que é e tem, mas porque são muitas as
ofensas que lhe foram perdoadas. Só lhe resta uma saída: recorrer à
misericórdia de Deus, para que faça com ele o que fez com aquele servo:
Cheio de compaixão, o senhor deixou-o ir-se embora e perdoou-lhe a dívida.
Mas quando este servo encontrou um dos seus companheiros que lhe devia
cem denários, não lhe soube perdoar nem esperar que estivesse em condições
de pagar-lhe, apesar de o companheiro lhe ter pedido que se apiedasse dele.
Então o senhor chamou-o e disse-lhe: Servo mau, eu te perdoei toda a dívida
porque me suplicaste. Não devias também tu compadecer-te do teu
companheiro, como eu tive compaixão de ti? A humildade de reconhecermos
as nossas inúmeras dívidas para com Deus ajuda-nos a perdoar e a desculpar
os outros. Se tivermos em conta tudo o que o Senhor nos perdoou,
perceberemos que aquilo que devemos perdoar aos outros – mesmo nos casos
mais graves – é pouco: não chega a cem denários. Comparados com sessenta
milhões, são nada.
A nossa atitude ante os pequenos agravos deve ser a de não lhes dar muita
importância (na realidade, na maioria das vezes, não a têm) e desculpá-los
com elegância humana. Quando perdoamos e esquecemos, somos nós que
mais lucramos. A nossa vida torna-se mais alegre e serena, e não sofremos
por ninharias. “Verdadeiramente a vida – que já de per si é estreita e insegura –
às vezes se torna difícil. – Mas isso contribuirá para fazer-te mais sobrenatural,
para te fazer ver a mão de Deus: e assim serás mais humano e compreensivo
com os que te rodeiam”8.
“Temos que compreender a todos, temos que conviver com todos, temos
que desculpar a todos, temos que perdoar a todos. Não diremos que o injusto é
justo, que a ofensa a Deus não é ofensa a Deus, que o mau é bom. No
entanto, perante o mal, não responderemos com outro mal, mas com a doutrina
clara e com a acção boa: afogando o mal em abundância de bem (cfr. Rom XII,
21)”9. Não cometeremos o erro daquele servo mesquinho que, tendo-lhe sido
perdoado tanto, não foi capaz de perdoar tão pouco.
III. A CARIDADE dilata o coração para que caibam nele todos os homens,
mesmo aqueles que não nos compreendem ou não correspondem ao nosso
amor. Ao lado do Senhor, não nos sentiremos inimigos de ninguém. A seu lado,
aprenderemos a não julgar as intenções íntimas das pessoas.
Das intenções dos outros, não captamos senão umas poucas manifestações
externas, que muitas vezes ocultam os verdadeiros motivos da sua conduta.
“Ainda que vejais algo de errado, não julgueis imediatamente o vosso próximo
– aconselha São Bernardo –, mas desculpai-o no vosso interior. Desculpai a
intenção, se não puderdes desculpar a acção. Pensai que terá sido levado a
ela por ignorância, por surpresa ou por fragilidade. Se a coisa for tão clara que
não vos seja possível dissimulá-la, ainda assim procurai crer desse modo e
dizei no vosso interior: a tentação deve ter sido muito forte”10.
(1) Mt 18, 21-35; (2) São Tomás, Suma Teológica, 1, q. 25, a. 3, ad. 3; (3) São João
Crisóstomo, Homilia sobre São Mateus, 30, 5; (4) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n.
309; (5) cfr. Lc 17, 4; (6) 1 Cor 13, 7; (7) cfr. Mt 18, 24 e segs.; (8) São Josemaría Escrivá,
Sulco, n. 762; (9) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 182; (10) São Bernardo,
Sermão 40 sobre o Cântico dos Cânticos; (11) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 635; (12)
Santo Agostinho, Confissões, 2, 7; (13) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 20.