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Todos poderiam ser vistos como ‘mais ou menos obeecados pelo corpo do que somos, dependendo da perspectiva de andlise. O que diferencia a atual cultura somata dessas outras no é a quantidade de tempo despendido nos euie dados do corpo, mas a particularidade da relagio entre a vida psicol6gico-moral ¢ a vida fisica Entender, no entanto, como ovoreu a moderna vinida corponil cxige parciménia. O tema deve ser abordado passo a passo e sem a ambigio de explicagées exaustivas, Partindo desta premissa, sugito que 0 culto a0 corpo vem sendo condicionado por vérios fatores, centre 05 quas dois sio especialmente importantes: 1) o remapeament cognitivo do corpo fisico' e 2) a invasio da cultura pela moral cexpeticulo. O primeio fendmeno fomece as justifcativas racionas, 4 redexrigho do que somos; 0 segundo, as normas morais do que ser. Em conjunto, os dois vém competindo com outros ideais ‘dentidade pessoal, em particular com o idea! do sujeto sen Explicitando, podemos dizer que 0 Ocidente conheceu grandes modelos de construgto de identidade. No primeira, sujeito era instado a saber “o que era” pela forma como se af sentava em piblico. Adquirir uma identidade significava se portar socialmente segundo os ideais de conduta do grupo qual se pertencia por nascimento. O individuo reconhecido pares era o que se identificava com a posigio simbélica que lhe assinalada na hierarquia das castas. Da Antigtiidade greco- na até a sociedade aristocrética do Antigo Regime, este foi 0 canismo soberano de regulagio das identidades individuais, A expreno “corpo ko” pode parecer redundant, mas & epee de dsiernda Com tao de mowinr em outs tbalhos deste Heo, 0 ‘Bo corporis, embors ko sam «6 corporis, pos podem se dental decfton ¢stuagies do ambiente exten 206 No segundo tipo, a identidade foi concebida, sobretudo, como sinénima da vida intima. Esta forma de subjetivagio, esbogada na tradigio estéico-cristé e plenamente realizada no apogeu da cultura burguesa romantica ¢ sentimental, se assenta- va na idéia de que o “verdadeiro eu” era 0 eu interior, Isto é, 0 auténtico substrato do sujeito residia em seus impulsos, desejos e aspiragbes psicolégico- moras, ‘As duas formas, apesar das diferengas, tinham em comum 0 menosprezo pelo papel das fungées fisicas na composicio dos ideais de eu. Na tradigio politica ou guerreina da Antigitidade Clissica, por exemplo, 0 corpo fisico era percebido como uma espécie de instrumento mecinico a servigo da asda, ¢, na tradigdo floséfica, como um empecilho para que a alma alcangasse a esséncia da unidade ordenadora do mundo. O caréter do sébio, do herdi ou do politico no tinha vinculos com as necessidades animais. O homem supetior ¢ virtuoso agia por meio do corpo ou contemplava 4 realidade com a Razio, mas nada do que fazia ou pensava de mais nobre dependia da “estupider” da vida biolégica Na educagéo burguesa, intimista e sentimental, o desdém pelo fisico ganhow outra coloracio. Nao se tratava mais de pensar ‘no corpo como um obstéculo ao conhecimento racional do mun- do ou como uma rosca ferramenta usada para se atingir a gléria ou a imortalidade politica, A realidade somitica, entéo, era vista como uma ameaga & delicadeza da interioridade psicoldgica. Ela era a “nédoa humana’; 0 reservatério de instintos agressivos e sensuais que precisavam ser domados e postos a servigo da evolu- «0 sentimental, moral e espititual. Essa visio do corpo se manteve hegeménica por muito tem- Po, ¢, ainda hoje, influencia nossos ideais éticas ¢ psicolégicos. Nos tragos gerais, ela constitui o mticleo da moral dor sentimentos, 205 moral esta que vem sendo corroida pela moral do especéculo, Por este motivo, ¢ importante relembrar quais as suas pri racteristcas e acentuar os contrastes que 2 diferenciam da «ltima moralidade. 1. O corpo na educagio sentimental burguesa. A educagio sentimental burguesa baseava-se em duas ‘25 ticitas sobre a relagio do fisico com 0 subjetivo. A pri era a da divisio filosofico-religiosa entre mente ¢ corpo: @ da, a da subordinagio do aprimoramento fisico a0 aprimorat to sentimental Deixo de lado, no momento, a primeira para retomé-la ante, Passo para a segunda, mais préxima de nossa inves ‘Autores como Michel Foucault, Peter Gay ¢ Norbert daram a questio de forma minuciosa. Em outros estudos, cocasiéo de discutir © pensamento de Foucault sobre 0 ass razdo pela qual me limito a considerar apenas os tabalhos de Elias. Gay chamou 0 conjunto de disciplinas que visavam a0) moramento sentimental a parti do fisico de “educagio dos dos” (Gay, 1988, 1990, 1995, 2001). Nas grandes fin educagio equivale a0 que Norbert Elias chamou de pi ‘ivilizatério, nos estudos sobre a vida de corte no Antigo: (Elias, 1987, 1990). Para os dois, a finalidade da edt poral, na fase durea da burguesia europa, era levar 08 i a controlar tensées ¢ impulsos fisicos, em beneficio do af amento dos sentimentos. A burguesia fez do sentiment 2 Vor Cont, Janie Bec, Onkor mids «nr fir Rio. Gena 198 Iroc #9 in Ro, Rene Damask 1992, fur ¢ +r, Eat sk. 1994, Se fede en fr = ead 206 OVESTICIO E AURA lanterna do Coragio como havia feito do utilirarismo a lanterna da Razio. O sujeito sentimental se tornou 0 zer0 e 0 infinito do imagindrio burgués. Amar croticamente, procriar decentemente € criarfilhos senses dia “quem era quem’, em matéria de po- derecondmico, prestigio sociocultural enobreza afetiva, Para tanto, © corpo ¢ seus sentidos foram submetidos a rigorosas disciplinas, entre as quais as mais analisadas foram as sexuais as intelectuais, as higignicas © as de apresentagao social As disciplinas sesuairvisavam a moderar os prazeres sensu, de modo a drenélos pars 0 sentimental amoros, 0 euidade com a familia ou a sublimacio artistico-cientifica. As intelecruais buscavam adequar os sentidos ¢ a motticidade as exigencias da cul- {ura erudica: ler em vor baixa e de forma correta, escrever bem, Porta os livos em posigio corporal conveniente etc. As higibncas tinham por objetivo adestrar a visio, a audigfo, 0 tato, 0 gosto © 0 olfato, de modo a despertar nos individuos desprezo ou repulsa Pela sujeira, fetira © grossetia dos compos mal-educados. Normas de Timpeza; manciras de mesa; ritmos de trabalho, sono e lazer; apreciagio de certos esportes etc, eram itens obrigatérios na educa- So das criangas burguesas nas casas ou nas escolas. Por fim, as dlisciplinas de apresentaro social ou regras de etiqueta ensinavam 20s individuos como se vestt, andar, sortt, sentat,receber convidados, onversar, dangar, cantar, ocar instrumentos musicais ete, a fim de aque 0 “bergo” dos “bem-nascidos” Fosse evidente & primeira vista, Em retrospectiva, vé-se que a espontancidace corporal era ‘onsiderada a sede de paixGes ruces que deviam ser domesticadas para dar lugar 3 sutileza dos sentimentos. L4, onde estava a sensa- $40, 0 sentimento devia advit. O sujito fsico era a pedra bruta da qual a surgit, per via de porre ow per via di levare, 0 sujcito sentimental Na atualidade, a educagio do corpo tomou outro mudangas no valor moral conferido 3 autoridade, nas trabalho, nos padrées de consumo, nas estratégias da publicidade, e, enfim, nos conheci nos ideais de auto-realizagio redirecionaram-na part # somitica. Vejamos, entio, como os dois iltimos fatos ram para a difusio ¢ a solidificagio desta cultura 2. O remapeamento cognitive do corpo fisico. © progresso em alguns dominios do saber foi decis revalorizagio do corpo na formagio das identidades. O deles foi o da ciéncia, Nas duas ou trés dlcimas neurofisiologia, a neurologia e disciplinas afins neurociéncias ¢ a psicofisiologia, desfizeram muitas cestabelecidas sobre 0 papel do fisico na vida mental. As entre 0 fisico € o psiquico se tornaram infinitamente nuangadas desde que os cientistas, dispondo de mai financeiros ¢ com mais empenho intelectual, comegaram a tigar o funcionamento do cérebro. Atividades mentais, até peteebidas como auténomas em relagio as fisicas,tiveram, de seus correlatos neurais desvendados. Grificos e imagens dos por téenicas neuro-radioldgicas e leituras computador revelaram conexSes desconhecidas entre a estrutura do of dererminadas fungées psiquicas. Ties principais grupos de menos vém sendo pesquisados com mais freqliéncia: a) deficitérios produzidos por les6es anatémicas ou disfungbes légicas; b) comportamentos simples induzidos por estim Tim “Deano do comprar, ateenso do cons 208 itera de dreas corticais © c) intervengées farmacolégicas nas tro- fs sindpticas dos neurdnios.‘ Estas pesquisas mostraram corres- Pondéncias entre atividades neuroquimicas ¢ neurofisicas fun- Ses mentais que ampliaram, de modo significative, o conheci- Mento cientifico das interagGes entre 0 fisico € o psicolégico, O segundo dominio do saber esté estreitamente relacionado 80 primeiro, ¢ compreende os avancor das tecnolegias médicas. Por fecnologia, entendo a série de meios ¢ inserumentos que aumen- taram a expectativa de vida dos sujetos, desde as mais simples Fegras higitnicas e preventivas até as sofisticadas proteses orgini- 2s ~ inclusive as genéticas ~ ¢ inorginicas. Ter uma vida mais longa fez com que os individuos percebessem o corpo de outra manera. Viver até os 60 ou 70 anos de idade ¢ diferente de viver até os 80 ou 90. Os requisitos para uma vida produtiva, livre de dores © grandes limitasées, aos 90 anos, sio muito diversos da- queles exigidos quando as expectativas de vida eram menores Além do aumento da expectativa de vida, a sobrevivéncia em condig6es flsicas precétias passou a ser garantida por préteses, Firmacos ¢ outros meios de supléncia anatomofisiolégica antes inexistentes. A adaptagio ao ambiente, em situagdes de privasio fsica grave, revelou potencialidades auro-reguladoras e exptesi- vas do organismo das quais ndo suspeicévamos. O que era inter- retado como mera sobrevida, agora, é percebido como uma outra Jorma da existtncia humana viabilizada pela plasticidade corporal © terecito fator responsével pela alteragio na percepgao cul- tural do corpo é de ordem politica. O desinvestimento nos temas politicos tradicionais ~ conflitos de classe, conflitos entre Estado ¢ Sociedade, conflitos entte blocos ideolégicos, conflitos econd- 4 Sobre 0 stunt, ver Change, JanPie & Rice, Pal eg’ er ‘ena aie Pat Eons Otc co. 1098 ieee micos ete. ~ provocou um deslocamento do interesse dos indivle duos para questoes circunscritas & esfera social, como conflitos raciais, sexuais ou geracionais, Nos debates destes assuntos, a diferengas biolégicas se tomaram componentes fundamentais a construgio de identidades pessoais e sociais. Discussbes a da discriminagio de tendéncias erdticas minoritérias; acerca esteredtipos psicossociais sobre a natureza de homens € mull res; acerca do preconceito “racial”; e, por fim, acerca dos dire cu privilégios sociais a serem concedidos aos “cidadios de tel idade”, fizeram dos predicados corporais um dado crucial pleitos por igualdade moral ow politica © quarto fator & de ordem espiritual. As transformagoes fridas pela religiosidade ocidental permitiram a incluso de mentos das doutrinas espirituais da India, Tibet, China, etc, na formagio dos ideais de eu. A maioria das doutrinas das espiritualidades indianas ou chinesas tradicionais, e algul como o budismo, vém endo uma grande aceitagio entre as ses médias urbanas brasileiras. Uma das caracteristicas fundamentais das espiritualidades) ‘Aticas € 0 tratamento dado ao fisico na condugio moral do su A conporeidade fisica, em oposicio 3 religibes judaico-crist € vista apenas como obstéculo ao aperfeigoamento espititual excessos sensuais, como nas religides curocéntricas, sio desa dos. O corpo fisico, porém, nao é definido como um mero to de instincos moralmente perniciosos. Conhecé-lo & uma da para a vida virtuosa. Aprender a respirar, a se sentar, ase al a dormir ou a acordar corretamente sio etapas que se devem para superar o softimento ¢ chegar & serenidade ¢ & sabedority As espiritualidades asidtieas,além do mais, vém capad os individuos a discriminar sensagGes corpéreas que 210 irrelevantes para a clissica educagio burguesa dos sentidos. Na- quela educago, o conhecimento dos mecanismos de auto- regulasio fisica nunca foi associado & idéia de aperfeigoamento ‘moral ou sentimental. Detalhes anatémicos ¢ fisiolégicos do cor- po eram deixados & competéncia dos especialistas médicos. As douttinas asiétcas, a0 contririo, valorizam a consciéncia de sen- sages proprioceptivas motoras e articulares ou de fungées vitais como a respirasio, e, por esse meio, ajudam a consolidar 0 inte- resse contemporineo pela corporeidade.* Finalmente, 0 quinto fator & de origem intelectual. As teorias filoséficas sobre a natureza do corpo, aliadas ou nao as ciéncias ¢ tcenologias medico-biolégicas, favoreceram a revisio de muitas idéias sobre a natureza dos eventos mentais. Entre estas teorias, destaco a fenomenologia, 0 reducionismo fisicalista, a heterofenomenologia ¢ o pragmatismo lingiistico. Malgrado as peculiaridades técnicas que as distinguem entre si, dois elemen- tos so comuns a todas: a recusa da divisio cartesiana entre mente © corpo © a defesa da concepgio holistica ou ecolégica da vida mental As concepgies holisticas ou ecolégicas sustentam a tese de que a dualidade mente/corpo nasceu da ignorincia sobre a natu- rcza das relagées do organismo humano com 0 ambiente. Na ver dade, dizem os autores, nao existe divisio mente/corpo como nao existe nenhum “lugar neutro” onde corpo ¢ mente venham a se conectar. Tal elo ou espaco ficticio ~ como a glandula pineal imagi- nada por Descartes ~ & uma invengio desencontrada de pensado- om; Maria There de Costa O deprar do baie mo lo XXI — sore Lpufabnie 29 debate Tese de doutorae, nwetsto de Mediins Social da UER), 22; Soar, Gabi Baton. O bar na enepurniede « ie de arta ¢ ‘atnative bd, Tete de doutorado, Insta de Medici Soci da UERJ, 2004 2 res que tentam, a posteriori, religar 0 que suas proprias teorias haviam desligado de forma artificiosa © cartesianismo, em qualquer das variantes, no consegue provar o que postula, ou seja, a existencia de wm corpo que é pura ‘matéria extensa no espaco, divisivel esujcita as les icas da naturena ede uma mente que é substancia pensante, sem extensdo, indivistvel endo sujita as leis de causalidade mecanica ou outra.’ Obviamente, existe diferenca fenoménica entre 0 fico ¢ 0 mental. Todos sabe- ‘mos distinguir coisas fisicas, como andar, deglutir e suar, de eventos ‘mentais, como amar, odiar ¢ ter respeito pelo outro. Mas ambos 0s fendmenos, isto &, 08 dois tipos de manifestasto corporal aos quais damos sentido, n30 sio entidades metafisicas estranhas uma a ou- tra; sio expressbes diversas de wm mesmo corpo em contextos ambientais diferentes Distingao fenoménica ou fenomenoligica, portanto, nfo € distingao ontolégica. Na distingio ontoldgica, a propriedade que caracteriza um dado evento ¢ exclusiva dele € no pode ser partic Ihada pelo outro do qual se diferencia; na fenoménica, nada € jntrinseco a qualquer coisa ou The pertence como “qualidade pri- ‘maria’, pois tudo & questio de perspectiva descritiva. Sua, andar cou deglutir sio atividades com dimensées mentais, assim como amar € odiar expressam propriedades fisicas. Considerar tais fats de uma ou outra mancira significa, simplesmente, relaciond-los a0 ambiente de modo a ressaltar o aspeeto fisico ou mental de cada um. Fisico € mental sio distingSes operacionais que visam a facie litar a execugio de resolugies ¢ tarefas pragméticas. Aprendemos 6 Vee Crone, Nick, The Sail Bah Hal ity ad rn, London 8 Thows Oaks & New Deli, Sage Polcations, 2001 212 2 eoncebé-los como “seres” incompardveis ¢ incomensuréveis, por- que nao estévamos suficientemente atentos a dependéncia que ambos tinham da “relagéo com o ambiente”, Ao nos darmos con- ta de que © corpo visa primordialmente a agit sobre 0 meio, a distingio idealista se esfumaga, Do Angulo da relagio com 0 meio, 4 expressio fisica ¢ 0 modo do corpo agir e reagir ds circunstancias Presentes, enquanto a expresso mental, o modo de rememorar ages ¢ reagées passadas que auxiliam o organismo a obter satisfagso” nas interagSes atuais ou futuras com este meio. Ao agit no agui ¢ ‘agora, © corpo projeta os seus atributos fisicos no ambiente para interpreté-lo € modificé-lo, com vistas a satisfazer necessidades em curto prazo; a0 se retrair do presente imediato, relaxa o ténus da preparagéo para a ago ¢ permite que a meméria de ag6es pre- téritas reforce a eficicia da intengio pretendida Os fenomenologistas, sobretudo, pela descrigio aprofundada de fungées © movimentos fisicos iluminaram aspectos da cosporeidade obscurecidos pelo cartesianismo. As sensagées interoceptivas responsiveis pelo equillbrio gravitacional horizon- tal e vertical; pela oriemtas2o nas coordenadas espaciais de frente! vers0 ¢ cima/baixo; pelo controle do ritmo dos movimentos: pelo estado de prontidio para agir e pelo sentido de localizagio de partes do corpo em relagio a totalidade conporal, foram redefinidas como modalidades nao lingitsticas de conhecimento, em tudo seme- hanes ao conhecimento concetual. Isto &, 0 conjunto das ativida- des adaptativas ~ 0 chamado “arco intencional” ~ é formado pela “intencionalidade mental", mas também pelos reflexos inatos Por “stsagio" emtendo a coincdénca da tengo eom seus peoprios fas, ow Sci, 4 reaiagio plena da intengo, Sasfagi, por comsegints& eae categoria vailorativa que enplobs fates empitios como reaizag de itagber cognitions 213 hbitos fsicos, a “intencionalidade sensbrio-motora”. O fisico € cae paz de desempenhos refinados e criativos que eram subestimados ou desconhecidos.* Apés a renovagio cognitiva, 0 corpo deixou de ser um concei= ¢ inventado para unir teoricamente fendmenos concretos como 0 fisico eo mentale ressurgiu como o verdadeiro locus da concretude, A equacio explicativa se inverteu. No inicio, argumenta-se, esté 0 corpo que, na relagio com 0 meio, busca garantir sua auto- regulagio, auto-reprodugio ¢ autosatisfagio; depois emergem 0 fisico ¢ 0 mental, que nada mais sio que abstragées da inteligén- ia a servigo da eficiéncia © compo fisico, até entéo reduzido ao silencio da saiide ou 20 ruido da doenga, se mostra, agora, loquaz em suas demandas: ele intenciona, age, conhece, sente, jul e, se soubermos excutd-lo, fala” As minticias de seu funcionamento impuseram-se as consciéncias © jf fazem parte das regras de sociabilidade cotidiana. Hoje, em qualquer conversasio urbana trivial, é comum a referencia as taxas de colesterol Eun, € caro, dfcenga ene intenconaldade mental ¢« sensicio-motorn. Os reflec natin © ox hablton fos slo nancial efcaen apenas eat ‘contexts particles c-em tlagio 4 objeton parcalares,enguanto as intense tent, formas pelos ats volves, afetivose coiivos, ko eral pata individuos e citeunstincias divers ao tempo © a0 expago. Pats Hustae & aciomaldade do hibito fisen, pensemos no tguinte exemple, Se Grermog os tent driamente¢ a0 longo de anes em deternada exci, epee: thor o geo de mance exrcmamenteben-sacdid. No precsaremos reap {ular coneitualniente as propoedaes fscas dh cada ou a fades para at ‘yas fo fabrics para os sentarmon como sempre nos tetamose nfo cote thos o aco de ei enor machuear Eaten ne a cadis for retinas do gat o arranjo dos outros movels da sla for modiiado, hestaremos antes de wo fentat featemor atentor 20 que fazemos. Neste cao, 0 hibito fico perde © poder de informar preconcetualmente o que podemot faxee, pols ea pariclar aa qual cle era eficiente mudov, A efickia do habito fsiea & fredutivelmentepestoal « dependente de contextoninfesiveis pars 4 rela de seu desempento exon. Sobre oasuni, ver Tees, Same. Bad end Wer = Tnvsodoctone by Haber t- Dey and Pe Haffman. Cambrsdge, Masachoet tne Landon, England. The MET Pres, 2001 214 ou triglceridios; as novas detas; aos novos exercicios fsicos; 3s novas técnicas de relaxagio ¢ alongamento muscular; aos ganhos ou perdas de “consciéncia corporal”, Mais que isso, além de aprendermos a distinguir diferentes estados posturais, diferentes ritmos respiratéi 0, diferentes estados de tensio ou relaxagio muscular, diferentes cstados de flexibilidade ou rigider articular, diferentes estados de circulagio artério-venosa etc., estamos nos habilitando a relacionar estados emocionais a variagbes em taxas de horménik certo tipo de alimento, a0 excesso de consumo de outros © que estava confinado 20 confuso reino das necessidades animais invadiu a arena piblica, Estar bem com 0 préprio corpo deixou de ser uma precondigio da exceléncia politica, religiosa ou sentimental para se tornar uma finalidade quase independen- te, O encantamento pelo corpo nos leva a desejar uma “boa vida fisica” com a intensidade com que outrora desejvamos a paz es- piritual, a honra civica ou o prazer sentimental 3. Um encanto sob suspeita, © moderno reencantamento pelo corpo, porém, esté longe de ser undnime, Muitos vém na recente corpolatria a marca da subordinagio a ideologias politicas ou a um triunfalismo cientificista sem razio de ser. Os novos saberes, dizem os criticos, por significativos que sejam, nao justficam entusiasmo teérico- moral de leigos e especialistas. Se o corpo vem ofuscando o brilho dda mente é porque vivemos em uma sociedade que perdeu a sua alma, Ninguém duvida de que a matéria corpérea seja a condigao sine qua non da vida biol6gica ¢ sociocultural, Esta condigio ge- nética, no entanto, nlc a promove & funcéo de chave epistémica para a compreensio de nossa humanidade ou de chave ética para 0 sentido da vida sUnANoIR REE COSTA © teor dos contra-argumentos usados pelos adversérios da virada corporal &, grosso modo, dessa ordem. Observemos, nos detalhes, como a controvérsia se desenvolve.’ Comecemos pelo progresso cientifico-tecnolégico sobre a naturcza ¢ 0 funciena- mento cetebrais, © cérebro, afirmam tais autores, nio é a caixa preta da mente humana, Um grande enigma ainda nao foi resol- vido pelas teorias fisicalistas do mental: a natureza da correlagso centre os achados neurais os fitos mentaiz, Como exemplo, tome- mos 0 caso da depressio, que vem sendo bastante pesquisada pe- las ciéneias. Entre os clinicos os pesquisadores, ¢ relativamente consensual a rese da causalidade neural das depress6es. O deste cordo comeca quando se trata de saber © que “causa” significa. Para alguns teéricos, como os partidérios do naturalismo prage miético," causa ¢ simplesmente aquilo que se encontra na génese de certos efeitos. Assim, a mudanga cerebral é causa da depression como muitos outros fatores psicoldgicos ¢ culturais. Qualquet evento fisico ou mental, cujo aparecimento fax surgir a depressd0 ceujo desaparecimento a abole, € legitimamente considerado uma “causa” da depressio. Para outtos te6ricos, como os representantes do fisicalisma ou biologismo reducionista, a explicagio ¢ insuficiente. Na opie nifo deles, as atividades fisico-guémicas tettatadas nas ima newrais no sio apenas uma das causas da depressio; sfo a ve deira causa ¢ 0 verdadeiro sentido do que se conhece como 3 Deno de indo a iscsi floxiia, plo fo de ser mas longa sob 10 Sobre nosio de matte pragmitice, ver Cosa, Juni Free.“ «© procesto picanalitcor Freud, Wigensea, Davidson e Ror i {kp ~ ena gmat, Rio, Rerame/ Dara, 1994, pp 9:6 216 OvEsTIcto Ea AUR ressio". Ou seja, a depressio é tida como “idéntica” & sua trans- ctigo neuroquimica, Esta idéia, todavia, esté sujeita a dois fortes contra-argumentos. © primeiro é de ordem lgica: 0 segundo, de ordem empirica (© contra-argumento légico ¢ 0 seguinte: um fato A no pode, a0 mesmo tempo, ser “causa” de um fato Be “idéntico” ao fato B. Uma causa que possui todas as qualidades de seu efeito nao ¢ causa do feito, & 0 proprio efeito. As atividades neuroquimicas ino podem ser, simultancamente, a “causa’ da depresséo e a pré- pria “depressi (© contra-argumento empirico pée em diivida a pretensa equi- valéncia entre a atividade neuroquimica e a atividade mental dlepressiva. A imagem das atividades neuroquimicas, objeta-se, nem “representa” a totalidade dos estados deprewsivas, nem a dos Processos depresives, No que concerne aos estado, isto é, a configu ragio global dos elementos que formam a depressio, é impossivel dizer se uma imagem neural correlata a um estado depressivo “representa” a totalidade do transtorno ou apenas uma parcela dele, como a lentificagio do pensamentos a tristeza ou dor moral; a baixa da atividade motora; a diminuigio do sentimento de auto- estima; 0 enfraquecimento dos impulsos e desejos; a perda da vontade etc. Os estados depressivos, além desta composigéo plu- ral, sio diversos em intensidade, durasao, ¢ variam em fungio das circunstincias relacionais do sujeito com o ambiente; com seus ideais éticos, intelectuais ou espirituais; com sua biografia senti- 1 Uso 4 pees “eps cn um sentido proposiainent impeecia. Na He ‘ur expeicada brea rele cote o Esko eo men Es mula ergs dimmu qe oetcbro"wepresen” erentos ment evo gue orexadon cena ‘io arabe materi da gual on fon ments le pas “sparenctae” ag aes forma pr vidos de cnc ow rmahar tics, Eras que {ber to pears ao ttn que pretnde dete hen eto 27 mental, profissional ¢ familiar. Nesse enorme universo de do, saber 0 “qué” esti sendo “representado”, “evidenciado”, % ficado”, “memorizado” ou vertido na linguagem dos sinais quimicos ou clétricos requer uma pericia tedrica € récnien estamos longe de possuir. Por exemplo, qual a diferenga entre a “representagio bral” de uma depressio de natureza amorosa e a “represent cerebral” de uma depressio decorrente de doengas fisicas de frustragdes profissionais, econdmicas, politicas, religiosaly assim por diante? A representagio da depressio em todos eventos é a mesma? Se for, como justificar a existéncia de “id dade” entre a uniformidade do fato neural ¢ a diversidade fatos psicoldgicos? Como o homogénco pode ser “idéntica” heterogéneo; como o uno pode ser “idéntico” 20 miilkiplo? Pode-se objetar que, do ponto de vista terapéuticn investigative, nio importa como é “tepresentada” a depressio, fundamental é diagnosticar a modificagio neural que acom 0 estado depressivo, qualquer que seja a sua origem ou forma aparecimento. A objegio é sedutora, mas nio resolve a questi, Pois, neste caso, nao estamos mais falando de “depressio”, por de estados neurofisiolégicos que inibem ou liberam fragment do comportamento humano, como elagio, indiferenga afetiva, hipobulia, hipopragmatismo etc. Tais fragmentos, contudo, nig so patognomdnicos da depressio, ou seja, nfo so exclusivos dos quadros depressivos, e, sobretudo, no dio conta de seu real sige nificado subjetivo Constatar alteragdes neurais concomitantes a alteragbes mentais nao é 0 mesmo que constatar alteragdes fisico-quim cas correspondentes a alteragdes anatomofisiolégicas. O des vio nas taxas de glicose sanguinea, por exemplo, nao é apenas 218 uum fato contemporaneo aos sintomas elinicos do diabetes, é a prépria doenga traduzida na linguagem de seus constituintes quimicos. A descrigao das deficiéncias no metabolismo da slicose esgota a explicasio de sintomas, como a politiria, a polifagia e a polidipsia. © caso dos sintomas mentais € de outra ordem, Na de- pressio, a imagem neural do distarbio é apenas uma pequena parte do que significa “estar ou se sentir deprimido”. Depressio nao é um estado neurofisiolégico estagnado, que ocorre em pa- ralelo a certos sintomas mentais. E um precesso dinimico de atribuigao de sentido as telagées do sujeito consigo, com os ou- tros ¢ com o mundo. As neuroimagens “representam”, se tanto, atividades neuroquimicas concomitantes a hdbitos sensério- motores recorrentes, fixados em condutas psicopatoligicas, mas ‘do 0 processo formador de novas ¢ antigas condutas. Este pro- cesso, que & 0 sentido mesmo do sofrimento depressivo, com- porta atitudes e disposigies que se repetems, mas também habili- dades fisico-mentais criadas ad hoc © em situardes ambientais ‘inicas. Estas habilidades, por serem irrepettveis, no podem ser- vir de “padrio de reconhecimento” para eventos psicoldgicos faturos. Padrio, por definigio, implica regularidade, ¢ 0 que é ‘inico, irrepetivel, singular, néo pode ser “regular” ou “padronizavel", Imaginar que as técnicas de detecséo de ima- gens neurais “representam’ integralmente 0 processo depressivo equivale a afirmar que poderiamos conhecer o padrio neural de lum miisico que, em um dia feliz, comove a platéia com um dlesempenho excepcional ou de um jogador de Futebol que mar- ‘ca um gol ¢ leva o seu time a vitéria em uma partida final de campeonato. Tal possibilidade é inconcebivel por um motivo simples. Comportamentos complexos, como os descritos acima, 219 dependem de numerosos elementos de naturezas neural, psico- légica e culcural, mas, principalmente, do fluxo da vida relaciomah que nfo pira a fim de que a ciéncia possa, a seu bel-prazer, fixar qualquer um deles em imagens ou tragados.”? © que importa ressaltar, no meritério conhecimento ci- entifico da depressio, nao ¢ a falsa identidade semantica dos fatos psfquicos com os fisicos, mas a possibilidade empirica de se intervir nos esquemas sensério-motores bloqueados em e5- tados de equilibrio deficitério. Isto muitissimo, ¢ formidé- vel, mas é tudo. Querer ir além, ¢ inferie dos exames comple- mentares a hipétese do reducionismo fisico-quimico da depressito apenas mostra a tendéncia moderna a se deixar fascinar pelo corpo fisico, assim como, em épocas precedentes, nos deixa- ‘mos fascinar pelo mundo dos sentimentos. No auge da cultue ra sentimental, foi ficil accitar que os acontecimentos mental nada tinham a ver com as fungées fisicas do corpo, porque este ‘vamos convencidos de que 0 nosso verdadeiro ew era um et sete timental, Uma ver accito este pressuposto, 0 corolirio era come puls6rio: sentimentos, conflitos ¢ sintomas mencais «6 poderie am ter uma natureza psicoldgica! Foi assim que muitas teoriag psicolégicas, inclusive a psicandlise, encontraram eco na cule tura contemporinea. Hoje, 0 animo das mentalidades € outro. Na cultui somética, se torna cada vex mais plausfvel aceitar que os fe menos psicoldgicos tenham uma causalidade fisica. O fisico, 12 Node impede, ¢ obvi, que venhamos a se cultunimentetsnados pas fla depressio ow qualquer cut etado mental por men da bnguagem Seu {ive a convengao sep asta por todos. Matt sistema de notasfo ingii fhesmo se viele 1 ee fund, io seria menos arbitra 220 Oo VEstfcio ea aves pecialmente na dimensio cerebral, deixou de ser © coadjuvante para ser 0 grande astro das historias sobre a mente. Os enormes € inegaveis progressos das citncias “des- recalearam” a imagem do corpo fisico recalcada na Era dos sentimentos. O insignificante de outrora é, hoje, extremamente significativo. As restrigées teéricas apontadas neste primeiro tépico po- dem se estender, mutatis mutandir, as politicas de minorias. Al- guns estudiosos insistem em chamar a atengio para 0 que nelas € inconsistente, no obstante os reais avangos éticos obtidos, que poucos pensam em subestimar. Dois grupos de objesio si0 levantados contra a presensa invasiva do corpo na teoria e priti- «as sociais. O primeiro, de filiagio marxista, é bem representa- do por Turner (2001). Turner se insurge contra a prevaléncia da nogio de corpo no pensamento contemporineo, argumentando que este artefato tedrico naturaliza os fatos histéricos, neutrali- 22 08 conflitos de classe ¢ deixa intocado © modo de reproducio econdmico-social do capitalism. Para 0 autor, 0 pensamento corpocénttico, ao invés de res- suscitar o materilismo vulgar dos séculos XVIII e XIX, median- tea ideologia do Aipermaterialismo biolégico, deveria criticar “as relagées de produgio pessoal, que significam, simultaneamente, controle da produgio das identidades pessoais e das condig6es imateriais da existéncia pessoal corpérea” (2001: 45), $6 assim crvitaria a ilusio fetichista do corpo e combateria, de fato, a hie- rarquia socioeconémica opressora de maiotias € minorias. © uso do corpo como referente identitério nessa vertente, ou seja, como lum subcapfeulo na luta contra a alienagio capitalist, pode real- mente contornar as armadilhas ideolégicas que o cercam. Caso contrério, apenas perpetua 0 que as politicas de minoria buscam modifica. [A segunda objecio € de matemnidade arendtiana, e concerne 20 papel do corpo na teoria politica da autora." Para Hannah “Arendt, © corpo, em sua realidade fisica, & um existente politica mente pré-qualificade. Politica & exercicio da liberdade, e liberda- dde nada tem a ver com 0 corpo, que pertence ao reino da necessi dade, Necessidades particulares podem integrar, é claro, a at dade politica, mas a titulo de preliminares ¢ no de finalidades. A ‘ilkima razio da politica continua sendo a defésa do Ber comum ¢ do direito a felicidade prépria a cada um. Estes objetivos no po- dem se subordinar a objetivos privados de qualquer sorte, sob pena de serem traidos em seus fundamentos. Em uma sociedade democrética ¢ republicana, qualidades fle sicas no podem justificar a exclusio de certos individuos do use firuto de seus direitos humanos bisicos, mas também néo podem ser trunfo na reivindicagio do direito de cidadania, O que nos torna excelentes como cidadios ¢ a capacidade de manter 0s idee ais de liberdade ¢ diteto & felicidade vivos ¢ ativos, Isto, todavia nao deve estar compulsoriamente atrelado a posse de atributos fisicos peculiares a determinados grupos ou individuos. Restrime gir o exercicio da politica & defesa de interesses deste tipo ¢ corre (0 isco de justificar a fragmentagio individualista da sociedadey produzida justamente pelo sistema discriminador que s¢ quet | modificar. © papel do corpo na toia poten de Arend, ver Tamborino, Job Carpaeal Tare ~ Pain, Nutty, Plier Lanta /Boalder/New York/ Ox Rowman & Lice Prblihers, In. 2002 Helle, Agnes, eher, ete, Le madiniady bs Boron del cps. Ediciones Penna ‘Omega Francisco "Da sere 1 None os do corpo submeio 4 bmi corpo", in magyar de Fowl ¢ Dele ravines miter. Orgs Rg ‘Odhnd, I. toe Veet A. Rig, DP&A. 202: 9.20; "Biopocas da reflexes pair de Michel Fovcan, Agnes eller © Hannah Arend i Tne ~ Coir, Sate dae 8. a. 14, fe/2008 BOATS. 222 OVESTIGIO EAAURA ‘Além do mais, hiperestimar o valor dos predicados fisicos na formasio dos objetivos politicos pode ser um meio involuntirio € inadvertido de identificar os individuos ’s suas vidas muas. Entre tanto, a vida nua, a vida biol6gica, s6 tem “valor moral” se for vista como um atributo de sujeitos que gozam do dircito de tet a sua integridade fisica e a sua dignidade de pessoa humana preser- vadas. Sem este selo ético, ela esta exposta aos desmandos © & arbitrariedade dos tiranos, como no terror nazista ou nos sérdi- dos episédios de “limpera” étnica, religiosa ou racial. Na histéria ocidental contemporinca, 0 exemplo do nazismo mostrou que a tentativa de justificar a igualdade ou, a0 contririo, a supremacia de uns individuos sobre outros com base em crtérios biolégicos culminou no exterminio. Assim, as politicas de identidade cor- poral, para cumprir os seus objetivos de eqitidade e justiga, de- vem ter a precaugdo de valorizar as bioidentidades sem deixar de fora os propésitos politicos mais vastos. O terceito tépico, © das espiritualidades asidticas, também se mostrou vulnerével a criticas. Como ilustragio, cito a opiniao de Slavoj Zizek sobre duas dessas espirivualidades, 0 budismo taoismo (Zizek, 2001). Zizek, um filésofo de inspirasso lacaniana, opina que qualquer visio de mundo, religiosa, espiritual ou poli- tica, carrega em seu. bojo elementos transgressores, apagados de sua superficie racional" Estes clementos formam 0 miicleo origi- nal da crenga ¢ podem vir & tona por ocasifo de disputas entre figis pelo monopélio da ortodoxia ou de lutas ideolégicas contra doutrinas adversirias. Nestes casos, a crenga ameagada vé-se obri- gada a mascarar, negociar ou simplesmente suprimir alguns de 140 fundamento da tee da “tanegresio incrnte” is crengas detiva da tora de {acan sobre a irupgio do Res! nos furor da eadeiaSimbulca Este aspeeo do raciocinio & dapensivel pars 4 chiidgio do ponto de vata te Zach 223 seus principios para “perseguir” ou “neutralizar” os porta-vozes da contestagio. O modelo da perseguigo marcou a dominasio catdlica da Europa ¢ os regimes politicos autoritérios, ditaroriais ou totalitérios. Neste modelo, os contestadores ~ descritos como bruxas, hereges, infis, dissidentes, subversivos ou radicais ~ sfo climinados ou banidos da vida publica No modelo neutralizados, a demonizagio do transgressor dé lugar & sua cooptagio. A ideologia leiga do capitalismo globalizado funcionaria desta mancira, Apés ter solapado a moral religiosa, que havia se tornado um estorvo 3 sua expansio, a dinimica capix talista volta agora a requisité-la como valvula de escape para alge mas de suas contradig6es. Desta feita, porém, a religiosidade jue daico-crista foi pretetida em sua fungio de “épio do povo” pelas espititualidades asidticas, que se revelaram mais complacentes com 6 estilo de vida competitivo e consumista do que o antigo crise anismo ocidental. Para Zick, no momento mesmo.em que no nivel da ‘infracstrutura econ6 mic tecnologia eo capitalismo ‘curopeus triunfam em todo o mundo, nivel da superestraturaideoldgie’ a eranga judaico-critdéa 1 proprio espaso europeu pelo ataque do pensamento da "New asic’ o qual, em suas diferentes aparéneias, do" Budismo ocide (contrapartda contemporinea do marxismo ocidental, como opost ‘mansisino-leninismo asitico) a0 diferentes" Taos, ests estbel como ideologia hegem6nica do capitalism global (2001: 12) [A participagio budista na reprodugio ideoligica do eaph lismo consistiria no seguinte: (..) 0 "Budismo ocidentl’ se spresenta como remédio conttaa cstressante da dinimica capitalist, pornos permitir dssociar€ inceioreserenidade (Gelasenbei\, mas, de fato, funciona como o tosuplemento ideolégico daquela dinimica. Asim, em vez da critica ao ritmo aceleado do progress tecnolégicae das mudangas soca, taoismo © budismo ensinam a renunciar a0 controle sobre o que acontece, Iejitando ese objetivo como algo que faz parte ‘da légica da dominagio ‘moderna’. Em vez do dominio do Outro, como no judaismo ou crs nismo, aregra € ‘deixar-se ir’ enquanto se ‘guarda disténcia interior € indiferenga em relagio 3 danga louca do acelerado process, distancia baseada na compreensio que essa convulsto socal e tecnolégica em ‘leima instinca, apenas uma proliferasio nio-substancial de aparéncias ‘que, verdadciramente, em nada concerne o mais profundo ceme de nosso ser" (2001: 13). Donde, prossegue ele, 0 meditative ‘Budismo ocidenta’ se imcio mais eficiente que temos de paticipar plenamente da dindmica

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