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A CIÊNCIA E OS SEUS PROBLEMAS

A CIÊNCIA COMO CULTURA

«Torna-se necessário juntar às exigências do desenvolvimento científico a


necessidade do aprofundamento de uma autêntica cultura científica, fundada na visão da
ciência como cultura e não apenas como um conjunto de saberes especializados
produtores de teorias e metodologias que eventualmente venham a ter uma aplicação
útil. [...] Mas importa também sermos prudentes e criteriosos, pois não podemos
subestimar os riscos, hoje visíveis e até bem preocupantes, de um desenvolvimento
científico 'disfuncional', [...] ou os riscos tecnológicos e os problemas colocados pelas
biotecnologias. Importa ensaiar uma reflexão aprofundada e exigente sobre ciência e
ética, que reúna cientistas, filósofos, sociólogos e até políticos, uma vez que a Ciência
deverá estar sempre ao serviço do homem e das causas e ideais que, ao longo dos
séculos, têm sido sempre o que de melhor produziu a condição humana.
Mais do que em séculos passados − incomparavelmente − é nos anos que vivemos
que a Ciência se tem afirmado, prodigiosamente, como pedra angular da aventura
humana. Os progressos são tão espantosos e surpreendentes que, espontaneamente,
mesmo aos mais distraídos, se impõe a pergunta: para onde caminhamos? Os progressos
conseguidos são de tal ordem − e os efeitos perversos desses avanços podem ser de tal
gravidade, para todos os humanos − que estamos, neste fim de século, pela primeira vez
na história, a abordar uma nova fase política internacional, em que os imperativos da
paz se impõem a todas as nações (…) Por outro lado, a salvaguarda do nosso comum
património − a terra, os oceanos, a atmosfera − tornou-se, para todos, independentemente
de políticas, credos ou sistemas sociais, um imperativo vital absoluto.
A sede de conhecimento é universal. Na satisfação dessa curiosidade essencial, a
Ciência encontra o seu sentido e a sua justificação mais profundos e genuínos. Torna-se
conveniente acentuar este quase lugar-comum para prevenir os equívocos de uma
atitude, que por vezes tem irrompido, de pretender subordinar a actividade científica a
princípios ou objectivos que são alheios à sua essência. A tentação 'utilitarista' e
'imediatista' de utilização da Ciência, para além de condenável, é contraproducente1
(…)»
Mário Soares, in A Ciência como Cultura, INCM, Lisboa, pp. 10 e 11.

- Comente o texto de Mário Soares, dando particular atenção às passagens


sublinhadas.

AS DUAS FACES DA CIÊNCIA

«O crescente poder que adquiriu a moderna tecnologia e a dificuldade de garantir


em todo o momento o seu controlo, fizeram com que muitos considerem que a nova
cultura técnica tende a ser desumanizadora (…) Contudo, tende-se a esquecer que as
suas vantagens são imensas e que, ao ampliar o quadro das nossas possibilidades reais,
aumenta a liberdade de acção dos indivíduos humanos. 0 poder que a ciência e a técnica
puseram nas nossas mãos, com o considerável domínio da natureza física, permite-nos
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Contraproducente − que produz efeitos contrários aos desejáveis; cujas vantagens são menores que as
desvantagens.

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realizar muitos dos nossos sonhos. Hoje já é científica e tecnicamente possível a


eliminação da pobreza e da miséria, tanto material como intelectual, das doenças e da
morte prematura, que têm sido o destino normal da humanidade durante milénios. E, da
mesma forma que podemos mudar a nossa realidade presente, podemos também
projectar e construir o nosso futuro. Podemos e devemos prever, planificar e executar
com vista ao estabelecimento de ideais a alcançar (...)
Para o bem ou para o mal, a grande esperança do homem dos nossos dias está na
ciência e na tecnologia. Contudo, hoje esta esperança já não pode ser tão ingénua como
o foi nos alvores da idade moderna, quando os homens que entreviram as suas
possibilidades pensaram nelas como instrumentos da grande libertação da humanidade,
que permitiriam aos homens ser donos e senhores do seu próprio destino, abrindo-se
diante deles uma etapa de necessária prosperidade e bem-estar para todos.
Hoje, passado este tempo, podemos comprovar que o aumento de conhecimento e
de poder que a ciência e os seus produtos técnicos trouxeram consigo nos deram
bem-estar, mas também vieram acompanhados de violência, destruição e morte. As duas
grande guerras que tiveram lugar no nosso século puseram a descoberto que o
desenvolvimento científico-tecnológico não iria trazer necessariamente bem-estar e
felicidade. Esse imenso poder que o homem acumulou pode rebentar e destruí-lo. É
certo que, como diz Aristóteles, a técnica é algo de maravilhoso enquanto está
'destinada a satisfazer as necessidades humanas', mas não se pode esquecer que se se
utiliza esse poder com fins de destruição, a ciência e a técnica resultarão numa
desgraça.»
Moisés González, Introducción al Pensamiento Filosófico, Tecnos, Madrid, pp. 236 e
237.
- Explique o texto.

…/…

«Por definição é bom progredir. Mas quando se trata da ciência e da técnica não
devemos pôr em causa, hoje, esta evidência? Penso no contraste entre duas frases
relativamente célebres. A primeira é de Francis Bacon, no fim do século XVI: "O
principio da ciência é realizar tudo o que é possível". Que optimismo! Estava-se no
início da grande aventura do conhecimento científico 2. Sonhava-se em compreender o
que se passa no mundo que nos rodeia, e, deste modo, tornarmo-nos os seus donos e
fazer "tudo o que é possível".
Em eco, três séculos e meio mais tarde, há a frase de Albert Einstein, na noite de
Hiroshima: "Há, contudo, coisas que era melhor não fazer". Ora, depois que Einstein
desapareceu, "as coisas que era melhor não fazer" têm-se acumulado. As nossas
capacidades de acção e de destruição foram sendo acrescentadas em proporções
gigantescas.
Podemos matar todos os homens em algumas horas. É tecnicamente possível.»
Roger-Pol Droit (1990).

«A ciência corrompe-se quando se põe ao serviço da destruição, do privilégio, da


opressão ou do dogma. Isto é possível porque há cientistas e dirigentes de instituições
científicas que se corrompem, colaborando em tarefas repugnantes (…) Entre os

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O autor refere-se à Revolução Científica dos séculos XVI-XVII.

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máximos responsáveis da corrupção da ciência pelo poder subjugador e explorador,


salientam-se os cientistas-administradores ou gerentes da ciência que, com o louvável
propósito de obter facilidades para os institutos que administram, assumem
compromissos com as forças da morte e da fome, às quais, supostamente, nunca falta
dinheiro. A corrupção da ciência continuará enquanto se encontrarem dirigentes desse
novo e florescente empreendimento que se chama investigação científica, que estejam
dispostos a lamber as botas ou a adorar o bezerro de ouro com o fim de obterem trinta
dinheiros para comprar aparelhos e homens. Monstruosa contradição esta, que consiste
em dedicar a vida à morte, em pôr o saber ao serviço da ignorância, a cultura aos pés de
quem a destrói e prostitui.
A ciência posta ao serviço da destruição, da opressão, do privilégio e do dogma 
forças armadas, trusts, partidos ou igrejas  pode ser muito eficaz e até criadora em
certos aspectos limitados. Mas contribuirá para a satisfação dos desejos de uma ética
humanística: o bem-estar, a cultura, a paz, a autodeterminação, o progresso?»
M. Bunge (1988).

- Considerando os textos anteriores, desenvolva o tema: «Progresso e Corrupção»

UMA NOVA PERSPECTIVA MORAL

«'Ciência sem consciência é a ruína da alma': muita água correu sob as pontes da
história e da ciência desde que François Rabelais, na primeira metade do século XVI,
escreveu esta máxima premonitória. 0 autor de Pantagruel dificilmente podia imaginar
que esta afirmação, que ele havia tão sabiamente sublinhado, seria elevada no nosso
século a um ponto tão extremo. Na sua época, apenas apareciam os primeiros focos
daquilo que se ia tornar, nos séculos seguintes, o sol resplandecente da ciência
experimental moderna. E ninguém, salvo talvez o génio profético de um Leonardo da
Vinci, poderia então suspeitar até onde iria a conquista científica e técnica do mundo e
menos ainda adivinhar, não somente as promessas, mas também os perigos que
provocaria para a humanidade esta apaixonante aventura.
Os resultados, temo-los nós diante dos olhos: jamais esta tensão entre ciência e
consciência, técnica e ética, chegaram, como hoje, a extremos que constituem uma
ameaça para o mundo inteiro. A genética molecular e a energia nuclear, para citar dois
exemplos significativos, podem ser, em princípio, segundo a maneira como as
utilizamos, grandes benefícios ou grandes danos. Tudo depende do uso que se faz dos
conhecimentos científicos, da sua aplicação correcta ou incorrecta. Assim, aquilo que
chamamos a civilização industrial, que beneficiou o homem em tantos aspectos, pode
danificar, quando só interessam as preocupações económicas, o nosso meio ambiente,
noção preciosa de que apenas tomámos consciência há algumas décadas.
Tal é o reverso da medalha fulgurante do progresso, que nos recusamos a ver.
Estamos tão fascinados que não nos apercebemos das ameaças que pairam sobre nós e
que nos deviam persuadir a rever radicalmente, numa perspectiva ética universal, o
futuro da ciência contemporânea. Não devemos esquecer os aspectos negativos, a face
obscura que apresenta a ciência, quando as suas aplicações não respondem às exigências
culturais, quando ela não tem em conta as necessidades humanas fundamentais, quando
ela não é devidamente submetida ao interesse social. Porque, se a ciência e a técnica

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podem contribuir para a sabedoria, já seria muito perigoso que a viessem a substituir.
Como o disse, com uma lucidez exemplar, Bertrand Russell: ‘A humanidade, graças à
ciência e à técnica, está unida para o pior sem o estar ainda para o melhor. Os homens,
no mundo inteiro, aprenderam a técnica da destruição mútua, mas não aprenderam a que
seria mais desejável, a da cooperação mundial... cada progresso do conhecimento e da
técnica torna mais necessária a sabedoria; embora a nossa época tenha ultrapassado
todas as outras pelo conhecimento, ela não beneficiou de um progresso equivalente no
que respeita à sabedoria'. E, na sua conclusão, Russell reclama 'uma nova perspectiva
moral'.
Sem ela, a hecatombe que nos ameaça poderá tornar-se fatal. Donde a necessidade
duma revolução científica que poderá realizar-se no dia em que o saber, em lugar de
estar enfeudado ao poder, virá equilibrá-lo. Hoje, o saber sustenta, cada vez mais, o
poder; a ciência favorece em excesso a força − aí onde ela devia ser a escora3 da razão.
A revolução reside num uso ponderado do saber. Trata-se, portanto, de instaurar uma
ordem cientifica que dê os meios de assegurar a todos os homens as condições decentes
de subsistência − alimentação, saúde, cultura... −, uma nova ordem científica que
suponha uma mudança de orientação tecnológica, uma reorientação profunda das
aplicações da ciência, longe do horizonte atómico e do consumo desenfreado actual.
Ciência e consciência, técnica e ética: tal é a responsabilidade a assumir se não
queremos chegar à 'ruína da alma', que equivaleria hoje simplesmente ao aniquilamento
da humanidade.
Esta responsabilidade diz-nos respeito a todos, sem excepção, porque estamos
todos no mesmo barco, mas ela incumbe de forma particular aos intelectuais, aos
homens do pensamento e da ciência, àqueles cuja obra está na origem do conhecimento,
tanto teórico como prático. Os sábios, os intelectuais em geral, em razão da natureza do
seu trabalho, devem reflectir nos problemas graves do mundo actual com todo o
conhecimento de causa e rectidão indispensáveis, sem se deixarem influenciar pelos
interesses políticos do momento ou pelas particularidades culturais, por muito legítimas
que sejam.
Não é fácil precisar de que maneira os homens de ciência podem agir para
inflectir o sentido no qual os interesses poderosos orientam, ou manipulam os seus
trabalhos e os frutos daí tirados. Mas é aos cientistas que cabe a responsabilidade de não
calar − eles devem pelo contrário pô-los em relevo − os perigos que acarreta um uso dos
seus conhecimentos científicos que os desvirtue ou falseie, por não se medir as
consequências sociais, económicas, culturais, enfim, humanas. [...]
A UNESCO prossegue um papel essencial: contribuir para elaborar e maturar esta
nova perspectiva ética sem a qual a paz e um desenvolvimento plenamente humanos são
inconcebíveis.»
Frederico Mayor Zaragoza, in Le Courrier, UNESCO, Paris, Maio de 1988.

- Destaque as ideias essenciais do texto.

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Escora − peça que ampara ou sustém outra; (fig.) amparo; encosto.

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