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4 SPECTOS FUNDAMENTAIS DA CULTURA GUARANI Pe eee nn Se Nae EGON SCHADEN CORPO E ALMA DO BRASIL ASPECTOS je FUNDAMENTAIS DA CULTURA GUARANI ' DEDALUS - Acervo - FAU AUINATON 20200004164 972781 ne Schiza Direitos exelusivos Difuso Buropéia do Livro ‘So Paulo PREFACIO 0 objetivo do presente trabalho & 0 estudo antropolégico da ltura e da aculturagéo dos indios Guarani hoje existentes no Brasil. ipre acentuar, de inicio, que nao hd todavia nestes capitulos a sio de retratar de modo pormenorizado a cultura tribal em ‘miiltiplos aspectos materiais e ndo-materiais. Para tanto, seria ido somente explorar, com atitude critica, a imensa e riquis- bibliografia sobre os antigos e modernos Guarani, acumulada (8 tempos da Conquista, como ainda, observando, de perto € tempo suficiente, as variantes e modalidades da cultura désses los em todos os subgrupos atuais da tribo (dentro e fora do terri- hhacional), ter em mira uma elaboracéo monogréfica dos dados wiveis. Por necesséria que se afigure contribuigdo dessa ordem, 0 que se tenciona fazer aqui. O objetivo destas paginas, em @ sentido mais modesto e despretensioso, em outro talvez menos, 1@ de captar, através da apresentagao e discussdéo de alguns aspectos wentais da cultura, a maneira pela qual se desenrolam os pro- ‘aculturativos no choque entre a configuracdo cultural Guarant sas formas de vida inerentes ou de algum modo ligadas a civi- (ilo ocidental. Pareceu-me haver nesta perspectiva, além do inte- ‘etnogréfico do material apresentado, contribuigao mais propria- antropolégica, de compreensao dindmica e funcional dos pro- culturais. Os aspectos escolhidos para a andlise sd0 apresen- dentro de um enquadramento geral mals amplo, no qual, a Wer, ndo se devia prescindir, entre outras coisas, de um capttulo lusério sobre o problema da classficacdo dos subgrupos da tribo ‘uiro sobre os caracteres fisicos dos Guarani Néo obstante as luzes que teria proporcionado, a comparagio ‘outras culturas, principalmente de tribos da familia Tupi-Gua- fot igualmente posta a margém, salvo em alguns poucos casos lonais. E’ que, em vez de apresentar andlise pluridimensional, ta ou exaustiva da cultura, me pareceu preferivel ater-me a um ‘mais restrito. Pon essa razio, achei de bom alvitre apoiar-me Imente em observacoes pessoais, pressupondo no leitor 0 co- 5 nhecimento do material bibliogréfico existente, pelo menos as fontes mais acessiveis. Pela natureza do trabalho, nao haveria grande vanta- gem na transcrigao, reprodugao ou resumo do que se 18 nos estudos de Nimuendajt e de outros autores, antigos e modernos, que escre- veram sobre as muitas tribos Tupt-Guarant. Por outro lado, as fontes ni poderiam ser ignoradas, sempre que nelas se encontrassem ele- mentos indispenséveis a compreenséio do problema capital aqui foca- lizado: 0 da aculturacao e concomitante destribalizago dos Guarani da atualidade em contacto com grupos e culturas estranhas. Como nado desejo apresentar aqui trabalho de erudicio, mas um esiudo antropolégico de parte do material colhido em minhas viagens, achei necessério resistir por enquanto a tentagdo, que surgia a cada asso, de discutir até que ponto e em que sentido as minhas obser- vacdes sobre éste ou aquéle problema concordavam ou ndo com as de outros autores. Nao fésse a posicdo assumida, jécil teria sido completar e enriquecer uma série de passagens do texto, que, por forca das circunsténcias, ndo podem deixar de ser fragmentirias Renunciei ao expediente, pois se 0 ensaio lucraria em um sentido, talvez perdesse em outro: sacrificar-se-ia 0 objetivo primordial a uma tentativa de elaboracao monogréfica. De outro lado, a incluso de uns tantos pormenores a primeira vista menos significativos para 0 entendimento dos problemas centrais do trabalho parecia justificar-se nna medida em que no sobrecarregasse 0 texto € proporcionasse em seu conjunto o indispensdvel enquadramento etnogrdfico das questbes formuladas. Autores que desejem retomar o assunto enconirardo talvez ai elementos concretos para 0 exame de outros aspectos dos fend- ‘menos de conservacdo € mudanca, de homogeneizacao intragrupal, de diferenciacio ¢ outros semelhantes. Na medida do possivel, a exposigio se orienta no sentido de sempre permitir ao leitor 0 confronto dos caracteres que imprimem unidade a cultura sribal Guarani com as manifestagées particulares € a espetializacdo dessa cultura no sistema préprio de cada um dos subgrupos ou dos vérios nicleos existentes em territério brasileiro. © principio metodolégico déste ensaio se caracteriza em resu- ‘mo no sentido duma descrigao integrativa com vistas ao conheci- mento do “ethos” tribal, apotado por uma visio funcionalista dos processos aculturativos. Para ndo ser inteiramente arbitréria, a esco- Mia dos aspectos discutidos ndo poderia ser feita sentio apds um estudo global da cultura. A rigor, porém, uma selecdo diferente deveria, em iitima andlise, revelar as mesmas linhas do dinamismo cultural Guarant. Isto quer dizer que 0 conceito de aspectos funda- 6 ‘aqui empregado nao se refere necessdriamente a elementos ss nucleares, nem a esferas de minuciosa elaboracéo cultural, 4 padroes e fenémenos cujo exame em seu conjunto parece evi- talvez melhor do que outros 0 cariter genuino ¢ préprio sistema em aprégo. Mas & preciso confessar também que na ‘contribuiu poderoso fator circunstancial: a maior ou menor tencia do material colhido em campo Na elaboracao, 0 esférco dispendido visa, de certo modo, a con- atiude funcionalista com a caracterizagto tipolégica ou, pelo | deogrdfica da configuragao cultural. Para ndo se alongar ssdriamente 0 texto, ndo se procuram tornar explicitas umas ‘conclusoes de ordem geral que neste sentido 0 antropélogo de- ‘com facilidade da propria apresentacao dos elementos obser- B notério que a maneira pela qual se expdem os dados — fo ndo se trata de simples reportagem ou “empirismo antropo- = niio somente pressupde uma posicdo tedrica, mas é teoria ‘se tem em vista quando se pretende que num trabalho de ciéncia Yaios “falem por si”. Na medida em que se consiga apresenté-los ‘modo que 0 conjunto venha a ter um sentido dentro de determina- Premissas cientificas e em que éste sentido se evidencie pela pré- iescricdo obietiva, parece possivel reducir a um minimo a dis- de teorias, a ndo ser que esta seja a intengdo do trabalho Haseia-se éste estudo em pesquisas realizadas entre indios de ‘Guarani de diferentes partes do Brasil. Iniciados em junho de J, 0s trabalhos se prolongaram, com numerosas e longas interrup- ‘uié as vésperas da publicacto. Fiz diversas visitas a trés aldeias do litoral paulista: Rio Branco, Bananal e Itariri; além tive repetidos contactos com indios dessas aldeias nas cidades Vicente e Sao Paulo. Nao estive na atual aldeia do Rio Com- (Serra dos Ttatins), mas conheci os seus moradores, quando Viviam no Itariri. ‘Trabalhei também no Pésto Indigena Curt laji, antigo Araribé, nas proximidades da cidade de Bauru, ‘algum material enire os Guarani da Palmeirinha (Baixo- hho veste paranaense), como também entre ox da Laranjinha jo de Xapecd, no “Jar-west’ de Santa Catarina. Convivi com a tribo, especialmente do subgrupo Kayové, em diversos ni- do sul mato-grossense: Dourados, Panambi, Amambai, Taqua- Yacarei, éste tiltimo de familias do subgrupo Nandéva. Nao me l conhecer algumas outras aldeias igualmente importantes, 7 como. por exemplo, a de Guarita, no Rio Grande do Sul. — Em principios do corrente ano, visitel, acompanhado pelo sr. Leén Ca- dogan, os Mbiié-Guarani de Paso Yovai (Yroysi), no leste paraguaio. A vantagem decorrente do niimero bastante grande de micleos visitados e da freqiiéncia dos contactos em miltiplas situacdes € con- trabalancada, infelizmente, pela pouca duragao da minka estada nos vérios aldeamentos. O mais longo periodo de trabalho ininterrupto em uma determinada povoacao fot a permanéncia de quatro semanas entre os indios de Dourados, em julho de 1950. As viagens se tornaram possiveis gracas a auxilios concedidos pela Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras da Universidade de ‘Sao Paulo, pela Reitoria da’ mesma Universidade e pelo Servico de Protecio aos Indios. A todos, os meus sinceros agradecimentos Quero agradecer também, € muito cordialmente, aos meus nume~ rosos amigos indios, que, as vézes com grande sacrificio pessoal, me ‘auxiliaram na realizacdo das pesquisas. Sem a boa vontade que sem- pre demonstraram, as pdginas déste livro nao teriam sido escritas. Impossivel menciond-los a todos aqui. Lembro apenas alguns nomes: Marcal de Souza, Pai José Bourbon Catalan Avelar, Pai Chiquinko, Tai Vitaliano, iandert Bastido, Capitao Maneco (ou Poydji, que é ‘txertiangé, meu pai adotivo) € Capitéo Francisco. Devo muitissimo a todos éles E, ao concluir, os meus melhores agradecimentos ao exmo. sr. Prof. Dr. Euripedes Simoes de Paula, D.D. Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciéncias € Letras da Universidade de Sao Paulo, que me aiudou a vencer a tédas as dificuldades; sempre pronto a socorrer, Jez 0 que estava a seu alcance para que éste trabalho fésse publicado da melhor forma possivel. Sao Paulo, 8 de julho de 1954. NOTA 4 SEGUNDA EDIC¢4O A benevoléncia com que éste trabalho, originalmente publicado como Boletim da Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras, foi recebido pela critica animou-me a aceitar a proposta de reedité-lo na colecao “Corpo e Alma do Brasil". Relendo-o, ache que ndo convinha mu- dao, de vez que néle se retratam aspectos de uma determinada si- twagdo historica da cultura tribal em interagio com a de populacdes vizinhas. Fiz somente algumas correcdes de pouca importancia. Umas tantas questbes particulares, aqui abordadas apenas de passagem, de- verdo ser discutidas, oportunamente, em ensaios especiais Sao Paulo, 23 de outubro de 1960. Carfruto 1 TRIBO GUARANI E SEUS REPRESENTANTES EM TERRITORIO BRASILEIRO ‘A maioria das populagées indigenas encontradas pelos desbra- res quinhentistas em terras da bacia platina falava dialetos do Guaran{ , estreitamente afim ao linguajar das chamadas tribos W, que dominavam quase todo o litoral brasileiro © grandes exter Wo interior. A unidade lingiistica daquelas tribos meridion: yponde relativa unidade cultural. Todavia, a existéncia de dife- fs denominagdes para os subgrupos regionais e, talvez, a grande dade espacial, produzindo notavel disperséo, sio 0s principais esponséveis pela opiniio, bastante comum, de que se trata ‘outras tantas tribos dist Se é provivel ter havido em outras épocas diferenciaco cultural (08 virios bandos de fala Guarani, no hé diivida, por outro e que nos tltimos quatro séculos se apagaram, em grande fs diferencas originais. Tanto as redugdes jesuiticas, dissemi por téda a bacia do Prata, como os efeitos da_colonizacio fem geral, desintcgraram as_primitivas configuragées comuni- Jevando a reagrupamentos diferentes, que nio podiam deixar Wuzit a clevado grau de nivelamento e homogeneizacio culturai Hntre 0s Guarani contemporineos a consciéncia de unidade filo chegou a prevalecer. Cada um dos subgrupos procura fe exagerar as diferengas existentes, a ponto de se criti- f ridicularizarem uns aos outros. A diversidade dos dialetos, priticas religiosas, de constituicao psiquica © mesmo fisica servem de motivo para cada bando afirmar a jento a sua pretensa superioridade sObre os demais. E’ ver- fi medida que se processa a desintegragao cultural em ia do convivio com gente “civilizada”, as dissensoes ten- ar lugar & consciéncia do “indio” em face do “br guts”) ou do “paraguaio”. Assim, sobre a base da inegivel 9 similitude étmica e da situagio comum de ambivaléncia em face do homem branco, chezam a desenvolver-se por vézes certos padroes, ée solidariedade e cooperacio, sobretudo em se tratando de peque- ros bandos reduzidos a pequenas areas de terra. Os Guarani do Brasil Meridional podem ser divididos em trés grandes grupos: os Nandéva (aos quais pertencem os Apapoktiva, que se tornaram famosos pelo trabalho de Curt Nimuendajti*), os, Mbiia e os Kayova. Estes tltimos sio 0s, tinicos que hoje em dia nio usam, em face de estranhos, a autodenominagio Guaranf. Quan- to as designagées correntes par as indmeras hordas encontradas na jiografia, a confusio é tal que toda tentativa de estabelecer ordem € condenada, desde logo, a resultados insatisfatérios. im que pése a ligeiras variagdes entre as numerosas aldeias, a divisio em trés subgrupos se justifica por diferengas sobretudo Lingiiisticas, mas também por peculiaridades na cultura material ¢ nfo-material. A essas particularidades far-se-4 referéncia, sempre que oportuno, no decorrer déste estudo. A existéncia de wés dia~ Tetos Guarani em territrio brasileiro pode ser verificada com a maior facilidade. Nao hé diivida de que fora do Brasil cxistem outros. Randéva (os que somos n6s, os que s40 dos nossos*) € auto- denominagao de todos os Guarani. Gostam de usar expresses como fiandevaekuére * (nossa gente), fiandéva eté (6 mesmo nossa gen- te), txé fiandéva e1é (eu sou mesmo Guarani, um dos nossos) © ou- tras semelhantes. Mas € a sinica autodenominagao usada pelas co- munidades que falam 0 dialeto registado por Nimuendajti com 0 m me Apapokiiva e que parece ter sido falado também pelos Tafiygué ¢ algumas outras hordas mencionadas por aquéle autor. Proponho, por isso, que se reserve o nome Nandéva para essa subdivisio. los Mbiié € apelidada de Txiripé f, “os Txiripazinhos” ® Em duas aldeias do litoral paulista (Itariri ¢ Bananal) vivem Nandéva que nos aspectos mais visiveis de sua cultura, especial- mente na ¢sfera material, se adaptaram de modo considerivel aos padrées observéveis entre a populacio daquela regito costeira. To- davia, 0 antropélogo no tem dificuldade de notar, logo no primeiro dia, persistincia de grande parte dos antigos valores tribais. O mesmo vale para os Nandéva da aldeia do Araribé, perto de Bauru, onde em principios déste século Nimuendajé partilhou durante anos ‘a vida de seus “irmios de tribo”. Estive com os Nandéva de Dou- rados e, no extremo sul de Mato Grosso, a poucos quilémetros da feonteira paraguaia, os visitei na aldeia de Jacare{ ou Porto Lindo, que, segundo as indicagdes de Nimuendajd, deve corresponder apro- ximadamente a0 ponto de partida das migragdes Apapokiva. E” ‘que os indios daquela povoacio também se vestem A maneira nejos, mas no mais nao sofreram influéncias muito inci {da parte dos atuais vizinhos de origem portuguésa ¢ espanhola. Mbiié (“gente”) € a autodenominacio mais usada pelos Gua- onhecidos na bibliografia como Kaingud, Kaiué ete. ¢ a que déva chamam ‘Tambéopé ° (“chiripa largo”) ow Txcira, Na- ('meus” ou “nossos amigos”). Nao raro, encontra-se também sles indios a denominacio Apiiteré, ow seja, Apyteré (corru- @ Apuiteré, Apiters), que éles proprios, no entanto, repelem depreciativo ®. Entre os paraguaios sf0 conhecidos pelo ape- de Baticolas, em atengao a0 chiripa que usam entre as pernas. ‘se ouve em outros subgrupos 0 apédo Avéhuguai, “ho- ide cauda”, dado pelo mesmo motivo. ‘Ao sul de Santos vivem duas hordas de Mbiié nas aldeias de Branco © Rio Comprido (perto de Ttatiri). Vieram do Para- ‘meridional nos titimos trés decénios. No oeste dos estados de Santa Catarina e Parand encontra-se por sua vez uma ide hordas Mbiié. Estive com éstes indios no pésto de Xapecd fldeia da Palmeirinha. Finalmente, contam-se ainda numero- TMbilé na regido florestal do leste paraguaio, especialmente no Gio de Guaira, mas também na parte setentrional da Argen- 1 no Rio Grande do Sul. Kayovd € 0 terceiro grupo, também conhecido como Teiii ¢ Wui*. A pronincia do nome (corrutela talvez. de kéd 7 yaud) ‘entre Kaiud ¢ Kadjové, com as formas intermedidrias Kaioud fi. Uso esta ultima®. Os Mbit pronunciam a palavra kai IA designacdo Teili (Teyi) € empregada por éles prOprios pa- (6 indios, qualquer que seja a tribo, com o significado de da terra”. Observa Nimuendaji que para os Apapokiva “Tegi € depreciativo. Nao o & para os Kayové, que 0 © ‘até para a populagao celeste de sua religiio. Tembekué nio waco; ouvi-a prineipalmente entre os Nandéva da fron- iia, que com ela designavam os Kayové. {que & subdivisio dos Kayové pertencem os Txiripé das do Parana, provavelmente idénticos aos Avétxirip4, mas dos Txirip4 ¢ (Nandéva). Todavia nao tive oportuni- Wotificar a hipétese. Um chofo de aldeia Kayové, Alberto, fet 0 nome Txirip’ apelido dado pelos paraguaios a um chamado Kuarapiité ‘0s Kayova parecem estar confinados a uma série de al- Sul de Mato Grosso (como Dourados, Panambi, Teicué, |, Amambai ¢ outras) © de regides contiguas do Paraguai. u ‘A. maioria_déles_vive, sob a administragdo oficial do Servico Protegio 0s Indios, em reservas mais ou menos extensts, decor, do-se a caga ¢ A lavoura, e trabalhando todos os anos durante al- guns meses nos grandes ervais daquela. zona. Nio hé noticia de que os Kayové tenham chegado, as migragdes, até eosta do" Atkintco ™ ect De qualquer forma, os Guarani constituem uma unidade ape- nas no semido de “tsbe-masio © ni como “uitoreuae’ ee oa terminologia de Malinowski. Conforme a situagao em que fe encontre um subgrupo, considera ou no os representantes de ‘um os outros como individuos de igual estirpe Todavia, a hostildade entre os diversos subgrupos da tribo ra- ramente chega a assumir feigéo de lita aberta. Com referéncia. aos Kainging © a outras tribos estranhas, a atitude é ou de médo ‘ou de ridicularizagdo. Era em geral com vivo interésse que se comen- favam gravuras © fotografias de livros antropolégicos. que eu. Ihes mostrasse. Com freqiéncia ouvi para quaisquer indios de iibo des. conhecida 0 nome “Tupinamba”.. ___ Para os brasileitos de origem Iusa, ou “gente de fora”, hi vi tlas denominagées, em geral depreciativas; neutro € o nome yvypare que ouvi entre Nandéva do litoral paulista. Estes também cha. mam 20s negros de ‘comida de onca”, bascados naturalmente na ctenca, bastante difundida no Brasil, de’ que as ongas tém especial predilesio pelas pessoas de pele preta', i __ A histéria dos Guaranf em territério paulista é bastante conhe- cida, gracas aos trabalhos de Nimuendaji e de outros investigado- res. Sabe-se que entre éles no ha remanescentes dos antigos Tupi da costa, desaparecidos jé no perfodo colonial. Ligam-se as correntes migratérias, provenientes do oeste, que se vém sucedendo desde o primeiro quartel do século passado. © motivo das jornadas & 0 vy. 4, 0 fim do mundo, profetizado pelos médicos-feticeiros. Nimuen- dajil indica, entre os grupos que chegaram ao litoral, a horda dos Tathigué (1820), a dos Oguahutva (1820), a dos Apapoktiva (1870) ©, ainda, um grupo relativamente recente, vindo em 1912. Hi mais €e um século, fundou-se um grande aldeamento em Itaporanga, perto de Itararé, em terras que parecem ter sido doadas pelo Barto de Antonina. Em 1910 viviam af uns 500 Guarani, que depois se dis- Persaram todos ou quase todos *. As causas da dispersio foram 2 atureza. Algumas familias se estabeleceram nos aldeamen- Ttariri ¢ do Bananal (em 1927 contaram a Baldus que fize- mudanga por motivo de espoliagdo), outras foram 2 regitio te, a convite de um missionério, Padre Sabino, para o sm na pacificacio dos Kainging do Rio Feio. E’ notério o fio da morte do Padre Claro Monteiro, que estava acompanha- alguns désses Guarani. O bando foi depois aldeado no Ara- ‘onde hoje se encontra o Pésto Curt Nimuendaja As migragdes mais recentes foram as de algumas levas de Mbtia e paraguaio © nordeste argentino que, atravessando 0 Rio do Sul, Santa Catarina e 0 Parané, chegaram 20 litoral de Paulo. ‘Tenho noticias de trés grupos, um vindo por volta de outro vindo em 1934 e um terceiro, que chegou em 1946, We vindo do Paraguai meridional, de territério contiguo & argentina de Misiones. Déstes trés bandos, 0s primeiros estiveram no Espirito Santo, em Minas Gerais'e no Araribi, @ agora parte na aldeia do Rio Branco e alguns poucos re- gentes no Estado do Espirito Santo; o terceiro, depois de con- falgum tempo com os companheiros do Rio Branco ¢ com Hariri, retirou-se para 0 Rio Comprido, na Serra do Itarit se pode afirmar que esteja encerrado definitivamente o ciclo Mogi Guara eo Gcpio do ioral, Ainda em meados de fncontrei no oeste catarinense, na regio de Xapecd, varias Mbiié, que manifestavam a intengio de vir até o litoral, @ fe reunirem a scus parentes ¢ amigos. Haviam realizado parte me estavam espera da ordem divina para levé-la a cabo. inados em pequenos micleos numa extensa dea, os Gua- fexistentes em territ6rio nacional se caracterizam pela mul ile de situagdes de contacto interéinico, oferecendo a0 antro- A possibilidade de estudar os fenémenos aculturativos em. am- ide variagio. Este fato foi quase determinante com relagio fa ser dado a pesquisa. Esta haveria de comportar, € claro, da tribo, mas focalizaria de. prefe- fungio da variabilidade das condigGes. A’ par disso, cumpi {@ outras conseqiiéncias dos contactos interstnicos, em es- oblemas de miscigenacéo ¢ as atitudes ambivalentes dos Mice da popuiagio ¢ da cultora “nacionais", de um lado, © unyento ecoldgico e econdmico com populagdes vizinhas © as formas de cooperacio ¢ competicio, do outro. Assim se infmica as mudancas provocadas na B alimentacio, nas téenicas, na organizagio social, na religiéo ¢ assim por diante. Esbocemos ripidamente as caracteristicas das aldeias visitadas. Bananal, a0 sul de Itanhaém, perto do Rio Préto, a 14 km para a esquerda da via férrea Santos-Juquié, mais ou menos na altura dy km 77. Em sua quase totalidade, 0 moradores s80 do subgrupo Nandéva. Parece tratar-se de uma horda que por volta de 1885 se dirigiu a ésse territério, vinda do Iguatemi, na regio fronteitiga entre © sul de Mato Grosso ¢ 0 Paraguai. Durante cérca de um ano, mais ou menos em 1925, viveram também no aldeamento as. familias Mbild vindas da regiio de Misiones ¢ que mais tarde fundaram 0 niicleo do Rio Branco. aldeamento do Bananal & um dos mais antigos dentre os que atualmente existem no litoral do Estado de Sio Paulo. E’ provavel que hoje se encontrem, entre os indios do. Bana. nal, descendentes de pelo menos trés hordas Guaranf: Tafigué, Apa- pokiiva ¢ Oguahuiva. Em 1949, 0 Servigo de Protegao a0s ‘Indios restabeleceu 0 pésto indigena que outrora existin no Bananal. Nos ltimos anos, a aldeia, que dispoe de um patriménio de 240 alqueires, mostrou muitos sinais de dissolugo. Numerosos fa- tores contribufram para isso, entre éles a tendéncia para a grande mobilidade espacial, conjugada com fendmenos de desorganizacio social decorrentes do contacto © do eruzamento com elementos da Pepulagio praiana. Em junho de 1946 contei no Bananal 57 mo: adores (entre indios, eaboclos casados com indias © mestigos), for- mando dez fogos a0 todo. Em novembro do mesmo ano. existiam nove fogos, pelos quais se distribuiam apenas 27 individuos: 16 {ndios, 2 caboclos ¢ 9 mestigos. Tempoririamente, parte dos mors dores se fixa em Sio Vicente ou em outro ponto proximo de algum centro litoraneo. Em 1948, quase tOda a aldeia morou durante vi- ros meses no km 10 da via férrea SantosJuquié. Os indios haviam abandonado os seus lates por causa de um acidente em que um ‘membro da comunidade perdera a vida. Saem também as vézes pa- ra uma temporada de “tratamento de sade”, i. , para consultarem algum curandeiro de fama. Nao raro, os homens se ausentam por semanas a fio para trabalharem cm alguma fazenda da regiao ‘de Itanhaém Tudo revela um estado de destribalizacio crescente. Parece ser jé relativamente considerdvel o ntimero de indias casadas ‘com caigaras, ¢ vivendo fora da comunidade. As unides mistas com ca- boclos € caicaras no seio da comunidade tendem a aumentar; os 4 com eaboclos © as festas freqlientadas por étes estio na lia, fazendo que a aculturacio se processe ripidamente no jo da cultura rural da regito. Na economia, a lavoura predo- sobre a caga, havendo atividades supletivas, como a explora- de palmitos para o comércio. Socialmente o grupo nio € coeso, e reflete na freqiiéncia de desentendimentos ¢ brigas, as alu- 0 “espirito de porco” e as continuas acusagées de magia negra feo da comunidade. Mariri, na Serra dos Itatins, entre Peruibe ¢ Juquid, na altura fhm 105 da via férrea Santos-Juquié. Ao que parece, & aldeia ly fundada igualmente no século passado. Vivem lé umas 8 a lias Nandéva, em situagéo cultural compardvel a das que no Bananal. Entretanto, no encontrei ai unides mistas en- iboclos. Havia no grupo apenas um individuo de ori- iferente; natural do Parand, dizia-se mestigo de pai jo © mie Guarani. Durante algum tempo viveu na aldeia um po de familias Mbiié vindas do Paraguai em 1946 sob a diregio Handeri Miguel; mais tarde foram estabelecer-se junto a0 Ri nido, igualmente na Serra dos Itatins. Entre éstes Mbiié a reli- Aribal sofreu pouca ou nenhuma influéncia crista em época ils missdes jesuiticas. Rio Branco, nas proximidades da Praia Grande, 20 sul de San- Huns 13 km do mar, no vale do Rio Branco, isto é, atrés da ide Jacupiranga. Fundada hé cérca de trinta ‘anos. Quando a el em 1946, a populacio presente era de 55 individuos, sendo ens, 15 mulheres e 23 criancas. Todos éles pertenciam 20 po Mbiis, com excegio de um velho casal Sandéva e de uma Imestiga, vindos de outra aldeia. Nao havia nenhum caboclo a. Os moradores se distribufam por doze casas, cada uma do geralmente uma familia elementar, mas as vézes forman- de duas ou trés, ¢ reunindo assim os elementos constitu- de familias-grandes. Hoje 0 mimero de indios da aldeia é bem Feduzido. Cultivam os indios do Rio Branco forte consciéncia fem oposigio a0; “portuguéses” © no admitem casamentos feom éstes. Gostam de fazer expedigées comerciais para vilas des do litoral e mesmo para a capital do Estado. Na Praia © nesses centros de populagio tém contacto freqllente com wle mundo”, com turistas ¢ viajantes, © que os toma pedin- interessciros, além de extraordindriamente alcoslatras.. Pou © 05 que trabalham em fazendas préximas da aldeia. ‘Fim comparacio, por ‘exemplo, com a aldeia do Bananal, onde p © criarigus so aféveis, conversando com qualquer estranho, 15 nota-se que no Rio Branco as mulheres, retraidas e desconfiadas, mal sabem dizer duas frases em portugues. Araribé, atual Pésto Indigena Curt Nimuendajti, junto a0 Rio Batalha, a pouco mais de 30 km da cidade de Baur. Vivem neste ani (em sua quase totalidade Nandéva) hé varios los a tentativas de educagio para 0 trabalho re- gular © para a eficiéncia econémica.,Os resultados so tidos como insatisfatérios em comparagio com os que, no mesmo pésto, se al- ceangaram com indios Teréno. Por ocasiio de minha primeira sita’(fevereiro de 1947) contavam-se no posto 78 Guarani, al de alguns mesticos. Nao sio raros os contactos com a populagio cabocla da regio Palmeirinha, no oeste paranaense, na margem do Rio Iguacu, a cérea de sete léguas da sede do Pdsto Indigena Mangucirinha, ha- bitado por indios Kainging. Os indios da aldeia da Palmeirinha, vindos do territério de Misiones ¢ da érea contigua do leste do Pa- raguai, sio todos do subgrypo Mbiid e em parte parentes dos mo- radores da aldeia do Rio Branco. Quando os visitei, 0 censo ind cava 144 pessoas, entre homens ¢ mulheres, 72 de cada sexo. De- vido & dispersio das moradas, ndo me foi possivel verificar a contagem. Limeira, no Xapecs, oeste de Santa Catarina. Igualmente indios Mbiié, vindos do territério de Misiones, em parte parentes muito pt6ximos de alguns do Rio Branco ¢ de outros da Palmeirinha. A aldcia — tdldo, como ai se diz —, formada de umas 15 casas, fica entre os rios Xapecé e Xapecdzinho, perto da confluéncia. Nao tive oportunidade de ir até a aldcia, de dificil acesso, mas convivi du- rante alguns dias com parte do’ grupo no P. I. Xapecé (de indios Keingéng), onde os homens as vézes trabalham na lavoura como diaristas. Douwrados (Pésto Indigena Francisco Horta), a eérea de u légua da cidade do mesmo nome, sul de Mato Grosso. Por ocasiio da minha primeira visita estavam registados mo posto 548 indios, entre os quais alguns mesticos. Eram Guarani, — dos subgrupos Kayové (355 individuos, sendo 173 do sexo masculino e 182 do feminino) e Nandéva (42 individuos, sendo 22 do sexo masculino € 20 do feminino) — ¢ Teréno (151 individuos, sendo 77 do sexo masculino © 74 do feminino). Desde essa época a populagio tem diminufdo consideravelmente, sobretudo em conseqiiéncia da tu- berculose pulmonar e de outras doengas. Os Nandéva abandonaram praticamente a religifo tribal, no realizando mais ceriménia de espécie alguma; também entre os Kayovd a influéncia do Cristianis- 16 si tomando incremento através de catequese desenvolvida pela © protestante fundada nas imediagSes do. posto especialmente [prestar assisténcia aos indios © converté-los a0 Cristianismo. palei no pOsto nos anos de 1949, 1950 e 1951. ‘Panambi, a algumas éguas do Pésto Indigena Francisco Horta ivamente de indios Kayova, umas 250 pessoas em 1949). puieos anos a aldeia conservava em larga escala os velhos pa- da tribo, mas hoje esté em vias de dissolucao em do avango cada vez mais répido da Coldnia Federal ourados, cuja dirctoria mandou lotear quase integralmente as dos indios, a fim de distribu‘las a colonos vindos de fora. hei no Panambi em 1949 ¢ em 1951. feicué (Posto Indigena José Bonifacio), sul de Mato Grosso, pio de Ponta Pord. Nao pude trabalhar neste posto, onde fapenas algumas observagdes em ripida visita em 1949, época 4 populacio contava entre 200 ¢ 300 Kayové ¢ alguns pou- \léva. Estes haviam vindo de Dourados ¢ aquéles, em gran- de Benjamim Constant ou Amambai. — O pésto esti or- do para a producdo de erva-mate. ‘Anambai (Pést0 Indigena Benjamim Constant), a uma légua dle do. mesmo nome (ex-Uniso), no sul de Mato Grosso. jo da minha primeira visita estavam registados no pOsto Todios Guarani, todos do subgrupo Kayov. Alguns Nandéva hhaviam instalado na aldeia foram cxpulsos pelo capitio | Durante alguns meses do ano, quase todos 0s indios do gomo de outros niicleos menores da regio, se empregam Givateiros, sendo muito procurados pelos patrdes. Trabalhei em 1949 © 1951. piri (Reserva Cérro Perd), niicleo Kayové sob a juri Posto Indigena Benjamim Constant, junto & fronteira pa- Wh & duas Iéguas da vila de Anténio Dias (ex-Nuverd). Vi- fins 200 Guarani, quase todos do subgrupo Kayova. Fiz & ‘uma visita em junho de 1949. E’ 0 micleo em que tra- {@ casal Watson em 1943. ‘ou Porto Lindo, reserva sob a jurisdigio do Posto In- Benjamim Constant.’ A’ aldeia, situada mo extremo sul de Os40, entre o Rio Iguatemi ea Serra de Maracaju, se es- meia 1égua da fronteira paraguaia. A grande maioria € Nandéva, cuja cultura ndo demonstra ter sofrido Aransformagdes pelo contacto com moradores de outra ori- ;. Em parte sio provenientes de nécleos proximos de além- I bs fronteira; alguns dizem mesmo ter nascido na Vila Iguatemi, no Pa: Taguai, ¢ um ou outro parece jé no ser indio puro, mas mestico do: crioulos. Quando estive entre éles, em junho de 1949, contei céres de 120 pessoas. Resumindo, pode-se dizer que a tribo Guarani, que em séculog passados dominou em grandes extensdes dos Estados meridionais do Brasil ¢ em territ6rios limitrofes do Uruguai, da Reptiblica Argen: tina e do Paraguai, esté hoje reduzida a poucos milhares de indi- viduos, que, em sua maioria, excecdo feita dos que vivem no P. raguai oriental © no territ6rio argentino de Misiones, j4 néo ocupam 4ieas extensas e coneretas, mas estio confinados a pequenas reser vvas ow aldeias sob protegao ou mesmo administrago oficial. De outro lado, € notério que'a cultura Guarani ¢ o seu substrato bio. igico esto profusamente representados na atual populagio mesti fs, mormente do Paraguai, tendo af dado origem a uma cultura hibrida ibero-indigena sui generis, merecedora de cuidadosa andlise antropolégica sobretudo por causa de sua multiplicidade de aspe tot, variando entre formas quase-tribais © rurais, de um lado, e cul- turas urbanas de acentuado cardter civilizatério do outro. Mas também aquéles grupos remanescentes da antiga “nacio Guarani, que na composigao étnica e na forma de vida se conser varam {ndios, esto longe de apresentar homogeneidade cultural ex todos os aspectos. Jd em virtude de diferenciagdes anteriores & chi gada do europeu, a cultura Guarani, pelo isolamento dos diferentes subgrupos da tribo, possufa apenas relativa uniformidade no tocante A lingua, a religido, & tradigio mitica e a outros setores da cultura A diferenciagao se foi acentuando muito nos tempos coloniais, quan: 4 parte das populagves foi submetida, durante mais de um século, a tutela jesuitica, retornando, algum tempo apés a expulsiio dos mis. mnirios, a suas primitivas condigdes de existéncia. Depois, pela Progressiva ocupagio do antigo territério Guaranf por elementos de origem portuguésa ou espanhola, empenhados em atividades de eco nomia sobretudo extrativa, mas também produtora, os indios da tribo entraram em situagdes de contacto cultural bastante variadas. E: fie nalmente, nos tltimos 130 anos, os movimentos migratérios de uma série de hordas Guarani em direg4o a0 litoral brasileiro vieram aus mentar ainda nimero das modalidades de experiéncia cultural, le- vando mesmo alguns grupos da tribo a contactos mais ow menos fre= lientes com a moderna civilizagio urbana. 18 Parece que, em virtude dos fatos apontados, os Guarant da dade constituem um dos exemplos mais instrutivos para 0 es- ‘das conseqiiéncias de situagdes de contacto entre populagdes gines americanas e culturas de tipo ocidental. Nenhuma tribo parece ter sido submetida, nestes quatro séculos, as in- de tio variadas situagées interculturais.. ‘Quem quer que procure conhecer em suas préprias aldeias os Guarani da atualidade, nao deixa de perceber desde logo que dominios de sua cultura se apresentam inteiramente abertos @ s estranhas, a0 passo que em outros é extraordinariamente {© apégo aos padrdes tradicionais. E’ bem complexo o conjun- is fatores responsaveis por essa forma de reagio aos contactos 5, ndo podendo ser compreendida senao com referencia oblema tedrico central da aculturagio, concernente 2 reinter- glo dos novos elementos em térmos do “ethos” tribal, ou seja, jodacdo do conflito, sobre a base de experiéncias anteriores, fs solugdes ¢ os valores tradicionais, de um lado, ¢ as inovagoes fe tornam necessérias ou desejéveis, do outro. Em sua composicéo numérica, as aldeias Guarani da atualidade como vimos, entre uns 40 ¢ algumas centenas de indivi- Em conseqiigncia da extraordinéria mobilidade espacial, 0 0 dos miicleos esté sujeito a constantes modificagdes. Os gru- IMenores s0 0s que se encontram junto ao litoral em contacto [populagdes rurais e urbanas, enquanto as aldeias mais numero- 0 situadas mais para o interior, em diferentes pontos da ex- Dacia do Parané. As aldeias grandes, com duzentas ou mais Subdividem-se, porém, normalmente em diversos. grupos lo- feada um dos quais constituido por uma parentela que tem co- Wicleo a familia-grande de uma personalidade de prestigio, ge- lum chefe religioso (nanderd, entre os Nandéva © MbUd; fenire os Kayové). Sdmente em determinadas circunstincias, fem importantes festas religiosas, a horda ou aldeia tOda apa- inte como unidade. fo tocante ao grau de cocsio social das diferentes comunidades, iminuicio esté, por assim dizer, na razio direta do tempo © grupo vive em relagdes constantes com populagies estra- Dentre as causas sobressaem, em primero lugar, o maior ni- de casamentos interétnicos e, em segundo, condigdes desfavo- Para a realizasio slas ceriménias religiosas, que constituem Gomo veremos, uma das fOrgas que mais cimentam a solida- rupal dos Guarani © exemplo mais frisante de tal situagio é a aldeia do Bananal, tna costa do Estado de Sio Paulo. Os indios dessa aldeia vivem hi varias geragdes em associagio estreita com habitantes rurais de ‘gem luso-brasileira. A prolongada convivencia levou a relacdes vi Cinais estreitas, que aparecem, por exemplo, na troca de servigos cco- Dpimlcos (sobreeuio ami mutica) cna frecitecia com quo os cll boclos participam das festas realizadas na aldeia india. A economia se aproxima da dos caboclos, especialmente na importincia quase: exclusiva do cultivo do solo em detrimento da caca. Pela aceitacio de individuos estranhos na comunidade como cénjuges das mulhe= res indias rompeu-se a primitiva homogeneidade étnica, o que difi- culta a realizagéo das ceriménias religiosas, das quais, exige a digo, devem participar todos os membros do grupo, sem excecio. Os ddvenas ndo somente ignoram os elementos constitutivos © 0 sig- nificado das ceriménias, como também as acham ridfculas; por isso. fa sua realizagio se tomou cada vez mais rara, até praticamente ex- tinguir-se. O principal fator de coesio comunitéria, a comunl dos ideais religiosos, perdeu, assim, a sua atividade, o que se reflete ‘nos constantes desentendimentos ¢ inimizades no scio do grupo Bem diversa é, por exemplo, a situagdo na aldeia do Rio Branco, localizada igualmente no litoral’ paulista, mas constituida exclusi mente de indios Mbué. Em sua proximidade quase nio hd popu- lagdes caboclas com as quais se pudessem ter estabelecido relacies constantes. De outro lado, parte da populagio esté quase sempre fora da aldeia, em cidades ow vilas préximas, numa espécie de tournée comercial, vendendo artefatos © pedindo esmolas. A fore ‘ma de contactos interétnicos a que esta sujeita difere, pois, essen- cialmente da que os Nandéva do Bananal vém experimentando hi gerages. No hé, na comunidade, elementos que sejam conside dos corpos estranhos: Assim, de aldeia em aldeia, a experincia aculturativa dos indios Guarani assume formas especificas de acérdo com a variagao dos fatéres, 0 que dé ao pesquisador a possibilidade de investigar 0 que nelas hé de constante € comum, e quais as manifestagoes devidas & contingéncia de situagdes particulares. Em suma: os Guarani talves representem entre os indios atuais 0 exemplo mais apropriado para fe estudar a varedade de" reagoes acolturativas antl OU. conta aculturativas de uma determinada configuragdo de origem, bem co- ‘mo a importincia dos fatdres que interferem no proceso. pesar de tudo, porém, a tentativa de estudar a cultura Gua- No unidade talvez pareca ousada. Com igual direito poder- fm trés, quatro ou mais culturas Guarani. As popu- fque falam algum dialeto Guaran{ distinguem-se uma das ou- jf foi assinalado, em muitos aspectos da vida econémica, \Gi0 social, do sistema religioso © dos demais setores da Mas, acima’ dessas diferengas indiscutiveis, hé um fundo de elementos idénticos ou semethantes, em virtude do qual 105 bandos se apresentam como unidade em oposicio a outras Inclusive da familia Tupi-Guaranf. De vez que a linha divi- Pentre culturas e subculturas nao decorre necessiriamente de ‘Objetivos bem definidos, aplicéveis com rigor, por assim F matemitico, as classificagdes das tribos tendem a variar de ‘autor, segundo a posicéo teérica e os conhecimentos de ‘Além disso, a escolha de determinados problemas para a ide campo e ulterior discussio cientifica nfo raro faz. apa- s as diferengas que de outros pontos de vista Jpudessem ser desprezadas, levando, inversamente, a descurar thangas que em perspectiva diferente se revelariam ser de cin capital. | © esf6rgo de estudar a cultura, ow melhor, determinados jparticulares da organizagio social e do sistema religioso de Jprupos de fala Guaranf em sua teagio a situagdes de con- m populagdes de ascendéncia ibérica, leva A convicedo de hangas no sistema religioso ¢ na organizagio social, es- {quanto 20 cunho que imprimem & marcha aculturativa, {© alcance que possam ter as diferengas naquelas e em ou- culturais. E’ pelo menos neste sentido que a diversi- e importincia secundaria, determinando simples facies de uma configuracio tinica. Nao obsta, € claro, que se mpreender 0 que ha de especifico em cada uma dessas sub- Wslo, porém, se vai tornando cada vez mais dificil, porquanto Yvieram apagar em parte as diferencas originals. Em eos, o convivio de familias Nandéva, Mbiid e Kayové le- Yntenso processo de homogenciza¢ao (como, por exemplo, do Arariba) que nesses grupos hoje se torna impossivel ‘Gon 0 necessirio rigor as-linhas divisorias entre uma sub- Putra. Por outro lado, € surpreendente o clevado grau de secundaria que se’ processou nas virias aldeias ¢ que ‘que 0s mesmos valores e as mesmas tendéncias bésicas podem encontrar expresso ou concretizagio em pa- iuigdes & primeira vista inteiramente dispares. Pareceu- a ‘me preferfvel, por tudo isso, estudar 0 conglomerado como um todo, procurando ver, antes do mais, o que éste tem de comum ¢ carac terfstico em alguns de seus aspectos bésicos e em suas reagées oj ccontactos com culturas diversas, especialmente de tipo rural. NOTAS 1. A grafia das denominagses obedece is normas da convengdo assinada no Rio de Janeiro em 14 de novembro de 195%), Por ocasido da 1a. Reunido Brasileira de Antropologia, reunida no Museu Nacional. © texto da convengio foi publicado na Revista de Antropologia, vol. II, n.? 2, Sio Paulo, dezembro de 1954 2. Nimuendaja, 1914. E? talvez o mais importante estudo até hoje publicado sdbre a cultura Guarani 3. Nimuendajé, 1914, pig. 286, escreve: “Quando os Guarani fem sua lingua se referem a si préprios como povo ou como horda, empregam a expressio ‘Sandéva’, no caso de se incluir a pessoa. que se fala, e ‘Oréva’, quando a pessoa a que se fala é de outra tribo, Uma e outra coisa significam ‘nossa gente’, a segunda expressio com exclusio e 4 primeira com inclusio da pessoa a que se dirige a pa: layra.” Segundo informagio por mim colhida, os membros da tribo, uando se encontram, sem se conhecerem, identificam-se dizendo: Txé Mandéve”, eu também sou Guarani 4. Na medida em que ocorrem no decorrer da exposigio, tér mos ¢ frases em Guarani sio apresentados em dialeto Sandéva, salvo. nos casos em que, pelo contexto ou por mengio especial, se verifique: tratar-se de um dos outros dialetos, Aqui ¢ acolé a variabilidade da proniincia se reflete também na grafia adotada. Com exceco do 1), {ue representa a vogal caracteristica do Guarani, o valor fonético dos. sinais é 0 do sistema de transcri¢ao Iata empregado para a grafia das designagdes tribais, a que se féx referéncia em nota anterior 5. 6. BY, alias, a denominagao empregada por mim em tra. batho anterior. Schaden, 19480 7. Talvez seia de interésse lembrar, a propésito désse nom a observagao de Karl von den Steinen, quando éste diz, referindo-se a0) fato de que uma aldela Auetd por éle visitada no Alto-Xingu pod ser considerada o ponto central da navegacio pelos canais que, cot algumas lagoas, cortavam o territério da parte baixa do Kulisehw € do Batovi: “E? realmente interessante que o nome désses indios areca ter esta significacio, Sio chamados ‘Auiti’ pelos seus via mhos; era, em Guarani, a forma adjetiva apité, ‘que esti no centri no meio’, Karl von den Steinen, 1940, pig. 192 anda Hanke confirmow-ane em 1954 serem of Ten Tin vistas, no Paroguntseentionaleattaraimente 10en- fis autodcwoninacdo.’Vivem a prosimidede de Tta~ at sans sci. (Capi, Formosa Ske) podem set thes arts ic do viagem a exval, Vin trabathos anteriores escrevi Kayué (Schaden, 1947, Sobre a denominago Kayové, a sua etimologia e a con- fe tem dado origem nos trabalhos relativos aos grupos da (rani, publiquei extensa nota em apéndice ao trabalho de Indaji, Apontamentos s6bre cs Guarani (Nimuendaja, 1954, trabalho de Gustav von Koenigswald (1908), em nhém se faz a freqiiente confusio entre Kayova e Mbiti, je que os primeiros avancaram, em suas migragées, até © Malinowski, 1944, pigs. 165-106. Free uate get cura de werdade e até mostra a doenca irque de Holanda, 1949, pag. 249. , Aatual Capitao Maneco do Arariba), que deixou a al- Pana faite Gore ans. Sobre a historia de ea Bondo Be int core cane av que aeompanban os ADor= Fae ptarangae Cart'Nimaendate Cienda, 1984 23 Carfruco TL ASPECTO FISICO f sS'Iesmo defunto, para ver o tamanho da cova.” Essa fontradica entre caboclos, j4 passou também para os Gua Mbiié do oeste paranaense muitos se negaram a permit ‘antropométricas, dizendo que basta medir © corpo ju para que éste comece a definhar. Em Amambai par- feniérro de uma crianca Kayové: antes de se abrir a se- pai tirou a medida, quebrando uma vara no comprimento que © pesquisador, com stias mensuragées, possa fa- hepra contra o individuo. Homens ¢ mulheres nfo raro Wil modo apavorados durante 0 processo que o suor Ihes i) corpo. Manifesta-se ai a mania de perseguicio que do- parte dos Guarani. No Araribé, onde medi quase todos dulios, os chefes de familia reuniram-se depois, & noite, apitio, a fim de discutirem 0 assunto. Na opiniao de [ista, eu tirara as medidas para thes mandar roupa, outros fora para fazer retratos, outros julgavam tratar-se de con- ire outros, enfim, que era “para acabar conosco, que uquinhos”. Explicagio esta que, alls, se coaduna bem , colhi as medidas de 26 Mbiié, 17 homens ¢ 9 mu- do Araribé, a mensuragio abrangeu ao todo 25 homens e 16 mulheres. O material seré analisado em T'Nos outros aldeamentos no tirei medida alguma, ide por em perigo os trabalhos de antropologia cultural. Ite aos caracteres descritivos ou somatoscépicos dos iificil estabelecer um tipo tribal. Alguns hd, especial de tragos tio acentuadamente mongoléides que & Jvel distingutlos de individuos japonéses. Durante a | a policia paulista prendeu como espides a varios Mbié, 25 Julgando tratar-se de japonéses do litoral. Os tragos mongoléides fa em com que muitos aparentem menos idade do que tém. Individuos de tipo “‘caboclo” stio comuns entre os Nandéva, sem que néles se ossa determinar qualquer grau de mestigagem com elementos cats casbides. A cér da pele oscila, em escala bastante ampla, entre os extremos do moreno-claro © do moreno-escuro, de tonalidade bronzeada, e nig avermelhada, embora os préprios Guarani as vézes afirmem ser pid i. 6 vermelhos. Entre os Kayové, encontrei alguns com a cor de mu latos escuros. Individuos claros existem nos trés subgrupos, mas si0) mais freqtientes entre os Nandéva; caso extremo é o da familia de Joaquim Branco, do litoral paulista, e que deve o nome portugues 4 c6r da pele. No sul de Mato Grosso, os Kayové dio aos Nandi © apelido de Mbairy avd, térmo para o qual obtive a tradugio de “in- dio branco”. No hé indicio de que a pele clara seja devida a crt. zamento com gente estranha, de origem caucasdide. Também nio me foi possivel verificar yualquer influéncia negréide, que pudesse ex- plicar a cér muito escura de alguns. — No Rio Branco, a mulher de um Mbiié teve sucessivamente trés filhos albinos, de olhos “azuis” De qualquer forma, no se nota uniformidade na cbr da pele znem mesmo no interior dos diferentes subgrupos. Os proprios indios ‘im conseiéncia disso; na aldeia Mbiié do Rio Branco encontrei uma mulher com o apelido de “Papatdja”, com referéncia A sua pele clara, © outra apelidada de “Na-G”, em atengio A sua cbr escura., © cabelo é em geral bem préto e liso, mas hé também i viduos que 0 tém castanho ruivacento e um pouco ondulado, Nio encontrei velhos de cabelo branco, mas alguns, de setemta anos de idade, ligeiramente grisalhos. Os pélos da barba, escassos, comecam a clarcar um pouco mais cedo. A. pil corpo € quase nula Nio raro, a disposigio dos dentes 6 irregular. Com relativa fre~ qUéncia nota-se a falta dos incisivos superiores, sobretudo. nas aldeias €m que se costuma chupar muita cana-de-acticar. O desenvolvimento da cirie € atribuida, pelo menos entre os Nandéva, 20 uso do sal na alimentagio; ha os que dio como causa também 0 consumo da carne meio crua ou s6 moqueada. O certo é, porém, que se encontram mui tos adultos com os dentes muito bem conservados, sem nenthuma falha ou sequer indicios de cérie. Entre os Kayovd, nos individ uos despro- vvidos dos incisivos superiores, a coroa dos inferiores tem uma e meia Yez 0 comprimento da dos outros dentes. Alguns Mbiid da aldeia ‘da Palmeirinha tinham ligeiro prognatismo alveolar, acompanhado de %6 . Quanto a éste particular, os indios interrogados disseram Matava de mutlasio, mss de formato congénita. incia da plica palpebralis nao é generalizada em nenhum ibgrupos. E fato estranhdvel, porque as minhas observe- Was mesticas me levam a admitir a dominfincia genética fer entre os Guaran{, Em numerosos casos a prega nao pbrir a cartincula " ‘ilo as mutilacdes fisicas em uso entre os Guarani. A te € a perfuracio do lébio inferior, a que se submetem mm idade pré-pubertéria. A medida que progride a acul- ibandona-se 0 uso do tember ou botoque labial, bem como © labio. Os Nandéva devem té-1o abandonado ha muito 9 vi entre éles nenhum individuo de lébio furado. Mas na iisse grupo, Tupd, o deus do trovio, passa pelo céu com eluzente, representado pelo raio, 0 que parece indicar J tempos idos os Nandéva também conheceram ésse enfeite. Vex uma parte dos Mbiié atuais no tem o furo labial, e os ientam ndo costumam usar o fembetd; meninos Mbiié de vos somente num grupo do Ttariri (litoral paulista) 1946 viera do Rio Grande do Sul sob a chefia do fiandert Os que mais se aferram a0 costume sio os Kayové, se bem les também jé se encontrem adultos que ndo sofreram a No sul de Mato Grosso, o furo labial tido como 0 istintivo dos Kayova (ai também chamados de Tembe- furado”) em oposicao aos Nandéva; os Kayové ridicula- como tendo “cara de mulher”. 2 Bits aie do inca paulista, 0 grupo mais influenciado ‘eabocla, as mulheres furam os ldbulos das orelhas para ‘rincos. Um indio désse grupo me falow também em tatua- fntuito magico, em ambos os bracos; todavia, nao obscr- {ndividuo com sinais dessa natureza y 4 mulheres tém 0 cabelo curto; a maioria o deixa cair s6lto ‘dos ombros. A mulher Mbiid, a0 cortar 0 cabelo, re- insversalmente sObre © vértice, prendendo-o com dois nés, wud), um sObre a testa, © outro na nuca; quando a cabeleira cer, desaparcee a repartigdo transversal € fica um n6 sd- Tegiio do occipicio. As Nandéva do litoral de Séo Paulo fazer uma ou duas trangas compridas, 0 que excepcio- também se observa entre as Mbiid dessa regito. Uma jo- iva. da aldeia dé Itariri usa até ondulacao permanente, além Gom rouge € baton. Os homens dos virios grupos j ‘0 corte de cabelo comum entre os caboclos; excetua-se parte ea dos Kayové, mais conservadores, que mantém o penteado tradicional © cabelo cai na frente até a altura das sobrancelhas e no occipicio tat ‘bém € cortado horizontalmente. Sobre 0 cabelo assim penteado co pente de lascas de bambu, os pat ou rezadores usam 0 djeguak diadema de plumas, que é aderéco exclusive do sexo masculino na cceriménias religiosas. A maneira tradicional de cortar 0 cabelo et forma de coroa também se observa em algumas mulheres Kayo as outras, “mais modernas”, jé 0 deixam crescer mais comprido, Influéncias culturais no aspecto fisico manifestam-se no desem volvimento da musculatura dos. bragos ¢ das pernas. As mulhe tm os bracos rijos pelo uso cotidiano da mio de pilio. Homens mulheres tém as panturrilhas salientes em conseqiiéncia das longa caminhadas ¢ devido a0 fato de as mulheres terem de carregar nat costas todos os produtos da roca, a0 passo que os homens que tr balham nos ervais mato-grossenses sio obrigados a carregar fardot de centenas de quilos (causa, alids, de freqllentes hémias ou “ren. diduras”). © desenvolvimento da musculatura das pernas é, em part te, devido também ais dangas quase difrias de que participam todoy 8 membros da tribo Em todos os grupos Guarani, a natalidade € bem elevada. Em) geral, a mulher tem no curso de sua vida uns dez a doze filhos, mmias déstes pouco mais da metade alcanca a idade adulta. Ha ale deias em que a mortalidade infantil se eleva a sessenta por cento, Mas conhego também uma velha Nandéva que teve dez filhos, doy quais ito ‘ou nove chegaram 2 idade adulta; é, entretanto, caso excepcional A mulher Guaranf deseja ter muitos filhos. Com 0 intuito de facilitarem a concepcio, as Kayova tomam 0 ché de uma planta, chamada memby did ti did; dizem que as vézes basta a mulher pass sar perto dessa planta para ficar grivida. Ha outra planta que so uusa para favorecer a concepedo de filo homem. Pelo menos os Kayova e Nandéva preferem a prole masculina. Entre os Kayovi e Mbtié afirma-se haver 0 infanticidio dos gt eos € diz-se ocorrer também o estrangulamento das criancas.alei jadas. Mas, quanto aos Nandéva, tenho noticia, por exemplo, de um casal com filhas gémeas, ambes vivas © uma’ dclas alejjada; no Araribé conheci uma familia Nandéva com filhos gémeos de sexo. masculino. A atitude diferente em face dos gémeos se funda talver nna grande diversidade das representagies miticas a ésse respeito. Em. aldeias de Kayové ¢ entre os Nandéva de Jacaref encontrei indivi. duos beécios ¢ andes, aos quais, aliés, se dispensava especial carinho, A um déles o pai (Kayové) me apresentou como Tapa rymbé, 28 #, isto é, concebido sem que houvesse relagées sexuais , € enviado em substituicdo a um filho anterior, falecido. (95 métodos pouco racionais de se ctiarem os filhos Weis pelo alto indice de mortalidade infantil, Por ocasiio ‘ou festas, as criancas dormem ao relento, expostas ne- vitimas de gripe ou de pneumonia, Durante. os iar do dia, muitas mies f¢ prolongam do anoitecer a0 raiar do dia, 1 fs lactentes montados nos quadrs, sem darem atengio 3s didas a que os expdem a noite tdda; sOmente eriangas ro- mm a tais praticas. Os padrdes culturais vém, assim, jun- fatGres da seledo natural Bi len al droes de higiene em vigor entre os Guarant so muito rudi- Ibda sorte. De ordinério, ndo se nota a menor preocupagao p corpéreo. Um Mbiid do Xapecd me disse que “os Gus- sujos, porque nasceram mesmo para serem pobres”. Ha- m fio na proximidade da aldeia, os rapazes uma vez ou m talvez algum banho, mas apenas com a intencio de re~ 10 corpo em dia de calor ou de se divertirem na gua. Os do litoral dizem que, na opinio dos “antigos”, © banho ma- vida longa”, crenga, aliés, existente também em outras indigenas; lembram-se de um velho que exigia das erian- Mle manha cedo tomassem banho no tio, “para ficarem for- feonfessam que os Guarani de hoje “preferem ficar perto do ‘© cheiro de suor ¢ de fumaga que os caracteriza tem sido prOneamente como “odor racial” 4 de sade nio so boas. Nas aldeies do tora, por tos sofrem de malaria, doencas venéreas, gripes freqiien- A iiregulridade na alimentagio e 0 slooolismo diminuem a fisica. Os Kayova do Mato Grosso so dizimados pela tu- ‘que entre éles se propaga com facilidade, néo somente por falta de asscio, como pelo costume de muitas pessoas come- tempo nos mesmos pratos ou cuias, de prepararem a chicha mentada com auxilio de saliva) em grandes cochos cole~ @ dspensarem o chimarrio c,sobretudo, 0 teres (bein a fria, tomada com bombinha de succio), e, final- atuais, possibilidade de submeté-los a qualquer medi tica; a tuberculose, a que chamam “peste” ou “tosse Hida como fruto de feitico, podendo, por isso, ser curada ‘medidas de contrafeitigo. Doengas mentais so raras, embora no seja dificil encontrar i dividuos de emotividade “doentia” ¢ outros que tenham freqiientes al cinagées. No P. I. Francisco Horta viveu por varios anos um Kayo A resisténcia 4 mesticagem arrefece A medida que se intensi cam 0s contactos e 0 entrosamento econdmico entre os indios © populagdes caboclas. Nota-se também estreita relagio entre as-m dancas da vida religiosa € 0 néimero de casamentos interétnicos. © niimero de unides conjugais entre Guarani e caboclos € mul maior do que entre éses indios © elementos de outras tribos HG uns vinte anos, convivem com os Guarani do Araribé algum fomilias da tribo dos Teréno, oriundas de Mato Grosso; até hoje nil se verificou nenhum casamento entre pessoas dos dois grupos; cd heci, porém, nesse posto um casal constituido de homem Kaingi ¢ mulher Guarani, cuja vida, aliés, se distinguia por constantes rixa domésticas. Ha anos residiu também nessa aldeia um alemio, Grilt ken, casado com mulher Guarani; alguns filhos do casal vivem_hoj nas proximidades de Bauru. As unides mistas entre Guarani e caboclos no sio raras, mot ‘mente nas aldcias prolongando hé vérios decénios. Consoante a regra da hipergamia @ssas unides se dio entre mulheres indias e homens caboclos. A\ excegées so pouquissimas; tenho noticia de dois casos em que mens Guarani constituiram familia com mulheres caigaras do lito ral sul de Sio Paulo. Entre os Nandéva diminui rapidamente a re sisténcia aos casamentos com elementos estranhos; é que a ess unides se liga cada vez mais a idéia de ascensfio social. No Ararib 1s fndias casadas com “civilizados”, i. é, com caboclos, considera se a elite do grupo. O fenémeno, € claro, reflete o alto grau d estribalizago em que se encontram ésses indios. Isto néo vale para os Mbiié, que nao admitem em sua comus nidade elemento estranho a tribo. As mais das vézes, nao consegue sequer viver em boa harmonia com alguma familia Nandéva que por qualquer motivo, se venha estabelecer em seu meio. Tive no {icia de um caso excepcional: um indio da aldeia Mbité do Rio Bran, cc se teria casado com mulher praiana. Nao conheci 0 casal, vivia nalguma fazenda. Dizem 0s Mbiié que no podem permitir casamentos com indi viduos “de fora”, porque éstes “no sabem rezar”, isto é, nao podem Participar satisfatdriamente das ceriménias religiosas. “S6 Guarant| de verdade € que reza”, explicou-me uma india désse grupo. Tam 30 déva e 05 Kayové acreditam que os “civilizados” © os SE at ee a Teomunicacao mistica com as divindades e 0s espiritos pro~ HPrvilégio do indio puro. Nas aldeias do litoral encontrei "um caboclo paranaense, Leocédio Chagas de Oliveira, Imestico de Guarani; nasceu em Catas Altas, no Alto- 9 da divisa Parané-Sio Paulo. Embora goze de bas- figio entre os indios e participe das rezas dancas, tendo Bo titulo de “yvyrdidja”, dizem éles que nenhum yvyrdidid tor) podera descer néle, porque Leocédio néo ¢ mem- stram, de um lado, que a religiio tribal € a bar- Paderora que se opbe ao crusamento com gente estranha ique as Unides mistas nfo deixam de afetar profunda- fribal, atingindo de maneira direta a esfera nuclear da jo aspecto mais palpavel & a realizagio das ceriménias BOs Guaranf, principalmente os mais velhos, tém_plena esse processo e, em suas conversas, insistem na relagdo fintre © niimero crescente de unides interétnicas © os fe- We desorganizacio social © desintegragio cultural. Capfruto IL (LGUNS ELEMENTOS DA CULTURA TERIAL E SUAS TRANSFORMACOES, 1. A aldeia, as habitagdes ¢ 0 mobilidrio ss de cultura caracteristica de regio florestal, em que ide subsisténcia incluem as lides da caga em combina- Jimanho da terra, os Guarani se estabelecem, sempre que @ selo da mata, evitando a paisagem aberta dos campos as, longe de constituirem conglomerados compactos de “consistem cm casas isoladas, mais ou. menos distantes Wutras, espalhando-se pelas clarciras abertas na floresta. Milo € possivel determinar um “centro” da aldeia, a mio fonsidere como tal a habitagio do fanderi, médico-feiti- ‘ofquatstt, casa de festas religiosas. De fato, a constru- fe realizam as ceriménias € ponto de convergéncia das Pelais e religiosas do grupo, de modo que as aldeias que haja dois ou mais chefes religiosos, tendem a de- N outros tantos niicleos bastante independentes, cada propria. Na maioria dos casos, essas unidades sociais ielas sob a diregio de um chefe de familia-grande. que outrora, 20 que tudo indica, a familia-grande — unidade de producio, consumo e vida religiosa — hhabitagdo, suficientemente espagosa para abrigar pessoas, hoje s6 encontramos a casa grande, € as- Iitulo de excegio e sobrevivéncia, em uma ou outra Os Randéva e os Mbilé atuais vivem em habitagdes correspondentes as familias elementares ou nuclea- Eases dois grupos, no é facil descobrir os motivos da se explicaria ou por influércias da era jesuitica ou pbilidade espacial das hordas. Quanto aos Kayovi, @std em plena atividade o processo de individualizagao 33 3 econémica, através do entrosamento do silvicola nas atividades ¢ trotivas e produtivas regionais, a_adocio da morada da familia mentar_corresponde a imperidS@necessidade imposta pela tray formagio da economia. Acasa grande, construgio tipica de numerosas tribos do gt po TaprGuarant, & dos elementos mais imponentes da cultura Mm ata Rapovd, Chomenas tapvisuacd tendons grande) ou 6 djekuti “casa fincada”, (kuti, fincar, cutucar) ou, em portugt “casa beira-chdo”. Além da base quadrangular, .duas si as caracteristicas essenciais: emi primeiro lugar, a propria cobertura, dl eendo até 0 chio, forma os frontdes; em segundo, a “linha” (cumecita nijo.tem suporte. O feitio geral é o de uma canoa emborcada, com 4 citées em forma de ogiva. Vejamos uma descrigio suméria da dga-djekunti de Pat Chigi tho, chefe religioso da aldeia de Panambi. Comprimento: cé 18 m; largura: 8 m. Frontées de cites cobertos de sa consiste, pois, em quatro faces de cobertura, que fecham todos lados, estendendo-se a cumecira em sentido norte-sul. Tres enti das: uma a leste, outra ao norte e a terceira ao sul. Em frente, i & para este, estende-se grande pitio, como terreiro de danga, talvez 500 metros quadrados. No interior: quatro grandes’ vig ttansversais, duas A direita e dua’ esquerda da entrada princip repousando sobre as vigas Tongitudinais, contra as quais se apdis as ripas da parede-cobertura fincadas no solo. Do lado oposto entrada principal, um “altar”, armacio de madeira, diante da q se realiza parte das dancas religiosas. A dea-djekuti' € construgio solida, que resiste as intempéri durante muitos anos. Nela nao se descobre nenhum prego: tudo amarrado com cip6. Quando a primitiva habitagio da famiflia-grande Kayova ced © sew lugar a certo nimero de casas para familias elementare: ‘aio sofre apenas redugio de tamanho, mas também mudangas bi tante profundas em sua estrutura arquiteténica, aproximando-se Virios sentidos dos tipos de construcio rural brasileira eqpariiguaid A aculturagdo nas diferentes esferas da cultura material no. pk ria deixar de acompanhar e em parte mesmo de preceder a mudat 98 correlatas na esfera niio-material. Do ponto de vista arquiteténico, duas slo as caracterfsticas o senciais da casa grande dos Kayovs em oposigio as habitagGes cab 34 0; a falta de separagio ou diviséio entre cobertura © pa- Segundo lugar, a auséncia de suportes para a linha cen- ira. Was primeiras concessdes que se faz a arquitetura cabo- pglio de suporte central para a linha da cumecira. De- mura se destaca das paredes. Enfim, constréi-se 2 na- & de “ramada”), varanda ou alpendre, as vézes isolada erta com sapé.” Serve como “living and dancing room" de transigio entre a morada tradicional Kaydvi oa ubocla & a casa do indio Mbopi de Dourados: 20) feitio mente Kayova veio juntar-se a varanda ibérica para 0 Jugar de porta ainda se usam uns pedacos de lenha, b s Kayové cqusirufdas segundo a téc~ gnal da tribo.j4 so bem raras, A_quase-totalidade dos prelerir_casas de tipo caboclo ou, quando muito, as gtlo. misto, que tende a perder, cada vez mais, os tra- livicola. Aegasg Kayovd (tadicional satistaz a en Ee ne ab fL-o-conjunto_de familias. clementares_que, congregadas 3s, acarretaram, cl Emos,_o_fracion: nde. coneomitantsmetie a subsiuicio-da ca- clo_mais_ow_menos pr Jas_outras, Para certas dangas ‘eligiosas e profanas Chicha, executadas parte na area de dancas diante da fo interior desta, a construgdo tradicional tem a van- ecer melhores condigdes de espaco, por nao ter, na ppostes ou estacas que estorvem os movimentos’ dos i da casa Kayové de tipo tradicional € limitada sd- @ A largura, que depende do comprimento das. varas hilo; a construcio pode ser mais longa ou mais curta, lias elementares que formem a f j Seria facil aumenté-la, fazendo um puxado; todavia que tal se verifique. da casa grande nfo € adequado as novas condigées de Vi. A familia clementar vai-se tornando cada vez mais, mental de producéo © consumo. A economia, dei o-suficiente, obriga o homem a sair da aldei isas que veio a considerar indispensivei ‘que sdmente a civilizagéo the pode proporcionar. Pelo fato de du homem adulto isoladamente ganhar 0 seu dinheiro segundo servigos que presta ao patriio, rampe-se_a_primitiva producto gry Tio raras se vio tornando as casas grandes entre os. Kayo) que encontrei somente trés nas varias aldeias que visitei: a de Chiquinho, na aldeia de Panambi; a de Isidro, em Dourados; e ui tno Taquapiri ou Cérro Perd. A do primeiro e a do Taquapiri 9d iam como habitagao ¢ como casa de festas, enquanto a de Isid menos do que a de Pai Chiquinho, era usada sOmente para as fest de chicha que nelas organizava Pai Vitaliano, pai de Isidro. Mas af sisti também a festas de chicha em casas de construgio moder embora mais espagosas que as moradas comuns. A grande casa dangas de Pat José Bourbon Catalan, em Amambai, na qual hi lum ‘compartimento especial como aposento do médico-feiticeiro de sua mulher, era caprichosamente construida, mas ja no obe ia a0 padrio ‘original © pai tem especial carinho pela casa de festas e fica satiste 4quatdo 0 visitante a ela se refere em térmos elogiosos. Pai José, 4 ‘me tinha ma conta de um dos mais instruidos representantes do mut do civilizado, honrou-me com o pedido de escolher um nome pal a sua east, construida havi pouco tempo. Propusthe denomin gio arandié. : iamente sabido, © versado na do trina religiosa da tribo. Também Pai Chiguinho orgulhava-se de s ‘casa, que era de fato construcio de rara beleza. A_niio_set_em_pormenores_insignificantes,_a_maioria_das cai (ga, dy) dos Mbiid ¢ Nandéva atuais ¢ idéntica is das_popul g0es_rurais vizinhas: ranchos de duas aguas, de_poucos metros Grados. reduzida altura; 08 dos Mbilé um pouco mais baixos do ‘08 dos Nandéva. Como excogio, havia em Jucarci algumas habill ges abertas: uma s6 parede e cobertura de trés {guas. Quase tu € amarrado_com_cip6, mais rarainente com embira; hi casas com ‘truidas_scm_utilizacdo de nenhum prego. As maiores, entre os Ni déva, so -divididas_ou_semidivi _-dois_oumais_compat zmentos, Muitas ja tm porta ¢ janela, As paredes (kord), feitas d -Pau.a.pique, de estacas ou de bambu rachado, raramente sio barre 36 feriam, muitas baratas) ¢ t8m de ordindrio um foro par- ide dedi (guaticanga), pindo (palmeiray’ou djapé (sa- pertura (djoid), que tepousa_cm sarfafos_de_tronco ‘ow de outro vegetal, servem também 6 diedif, 0 pindé Entre os Nandéva, as coberturas de djediy sio feitas de das} no litoral, amarram-nas 2 marleira cabocla. O uso ide madcira especiais para costurar a cobertura das ha- fora foi comum aos trés subgrupos da tribo. fores da cultura material, os mais permedveis & infil- flementos estranhos, a_actitacio_de_objetas_de_origem. pprocessa_paralela A_perda_de_técnicas_tradicionais. A -importam.vasilhas de. ferro desaparese_a.cerimicaa fabricados acaba com as técnicas.de_fiagio.c.tece- i. {Gsforos levam a0 abandono do aparelho ignigeno tradi jim por diante. Barreiras que as vézes se opdem inter- {4 essas transformacdes si0 a impossibilidade de obter Orlas importadas, as esporddicas manifestagées antiacul- motivagdo religiosa e, enfim, o emprégo de_determina- fndigenas a servigo da necessidade de o Guarani en- ugar na economia regional em que venha entrosar-se. segides frias foi abandonada_praticamente_a_réde pelo-jirau_outarimba, a primitiva cama do chamam_iupd. Muitos dormem no chio,_perto_do id do Rio Branco dizem que fabricam_rédes de-embiza ‘comérci. Pequenas rédes para criancas ou usadas ®, vias entre os Mbiid do Itarir, feitas ora de timbo- ie embira; existem também entre 0s caigaras, que as cha- ‘€ que as devem ter recebido dos antigos Tupinam- do Bananal fazem pequenas “rédes” de pano de nninar criancas visitante, a casa Guarani, com rarissimas excegdes, tem Jimpiticos que merecem ser mencionados com destaque. @ lugar, 0 relative asseio, sendo varrida uma ou mais ia com 0 tapfixd, vassoura de alecrim ou xiririka. Em Ihospitalidade: logo se convida 0 forasteiro a tomar as- d_(banquinho mondxilo, ’s_vézes_zoomorfoentre-0s 10 denominam tendd); se acaso 0 chefe da familia esteja Gnico banquinho que possua, levanta-se © diz: “eguapy”, sbilia_quase nfo se pode falar. Mesas e cadeiras se en- “titulo de excesio._As_pecas do vestusrio_se_costu: 7 mam pendurar_num cip6 imbé esticado dentro da habitacio;_s6 0s ‘mais. progressistaspossuem_um_baii_ou_malg. Dentro ou fora a ccasa,_os_mais_industriosos. constroem uma. armagio. de_varas_hori- zontais, bastante alta para ndo ser_atingida pelos cachorros ¢ que serve para_guardar_mantimentos ou_utenslios de cozinha. Tudo_o mais se guarda em cestos, se enfia debaixo do telhado ou se_pen- ura nos sarrafos, Na parede, uma folhinha ou stampa de folhinha, ‘uma policromia de santo ou, como em um caso, um grande retrato do Presidente da Repiiblica’ podem testemunhar 0 desejo mais ou menos vivo de se parecer civilizado. Indumentéria Pano para fazer roupa, por pior que seja a qualidade, € o mais cobigado dos presentes que se possam levar & populagio de uma aldeia Guarani. A manifestagdo mais evidente de miséria ¢ de po- breza material do Guarani hodierno é nfo ter com que vestir-se. Para éle as roupas de tipo europeu se tornaram tio necessérias co- mo o sio para nds. Nem tanto por lhe servirem de protegio contra © frio e a chuva, pois o rigor do tempo nao 0 preocupa de forma tdo manifesta, mas porque as suas relagdes com gente estranha exi- gem que 0 indio se apresente vestido. O indio “pelado”, 0 que nio possui calgas ¢ camisa para cobrir a nudez do corpo, no sai de sua cabana, quando alguém visita a aldeia. ‘A roupa européia dé, pois, a0 Guarani maior seguranga de ati- tudes e capacidade de auto-afirmagio em face do civilizado, que encara a nudez do indio como a expressio mais elogliente de atraso ccultural e mesmo de selvageria. Na luta por um status aceitdvel em face do caboclo, o indio ndo pode, por isso, prescindir da indumen- téria. Outra funcio da indumentdria de tipo ocidental é a defesa das esferas nucleares da cultura tribal. Vestindo-se européia, 0 Guaranf tem a aparéncia de civilizado; evita, assim, criticas © zom- barias, ¢ mais facil Ihe € conservar valores culturais a que em hi- ppétese alguma quer renunciar. Do ponto de vista da higiene, o uso da roupa € altamente pre- judicial, pois, a partir do momento em que 0 indio veste trajes de tipo curopeu, 0 asseio do corpo deixa muito a desejar; € como se a indumentéria tornasse dispensdveis os banhos. Também a lavagem da roupa € padrio mal integrado na cultura. Muitos so 0s indios ue, a0 receberem uma peca de roupa, a poem sem perda de tempo, usando-a dia e noite, até que Ihes caia aos pedagos 38 Muito antes da atual fase de aculturagio, que se vem prolon- ndo ha uns cinco ou seis decénios talvez, o clima continental do il de Mato Grosso, bastante rigoroso nos meses de inverno, j& ha- Tevado as populagdes Guarani (principalmente os Kayova) da bifo a adotarem indumentos para se protegerem contra as intem- Fes. E" indiscutivel, a éste respeito, a influéncia direta de tribos ‘So trés as pecas principais da indumentéria tradicional mas lina dos Kayova: 0 triripd, 0 txumbé © 0 ponchito. Todas clas si0 is de fio de algodio (mandydjti inimbd), produzido pelos pro- {ndios, © trabalho de fiagio, tintura ¢ tecelagem cabe as mu- Hoje em dia, entretanto, se tomam cada vez mais raros és- frefatos da india Kayové. A geragio atual ainda se lembra do mpo em que muitos usavam essas pegas, prestes a desaparecerem. Info vai muito longe a época em que cram obrigat6rias para quem ‘que participasse de dangas ¢ rezas. Pai Vitaliano, em Doura- atenta-as ainda como omnato sacerdotal na festa do “batismo ‘mitho” e-em outras grandes solenidades, especialmente na inicia- dos meninos. Entre os Kayové de Amambai ouvi dizer que os fninos, por sua vez, se enfeitam, para a grande ceriménia, com @ ‘aria tradicional da tribo € com adornos de penas na cabe~ fe nos punhos. (© txiripd, que desce até abaixo do joetho, dando a impresstio suia, é um simples pano de fio de algoddo, de forma retangular, ovido de franjas (ipoty) em trés lados. A parte superior (a info tem franjas), préviamente dobrada para trés, numa largura Imeio palmo, passa em t6rno da cintura, da direita para a es- da, voltando na frente até o quadril esquerdo, de modo a cobrir mente a parte anterior do corpo e uma ver. 96 a posterior. Em tédas as minhas visitas as aldeias Kayové encontrei_um triripd; © de Pai Vitaliano, de Dourados. ? feito de algodio fingido e mede uns 140 por 75 cm; como todos ou quase todos fobjetos ligados ao culto religioso, apresenta manchas de urueu, titulo de enfeite. Disse-me certa vez um indio de Amambai: “Kayové nio usa ipd no meio das parnas como o Baticola do Paraguai; usa-o jo- na cintura e apertado com txumbé”. Em Dourados, a0 con- o, insistiram em que 0 txiripé e o ponchito acima descritos sem- 39 yum, como indumentdria comum, o tambéd, faixa de pano passada ‘Como a mengio do tambéé era espontinea, é provavel que a peca tenha de fato existido na cultura Kayové. E é certo, em todo caso, O tambéé Kayova, hoje em desuso, me foi descrito por Mar: no dé volta e meia pelo corpo; na altura do quadril esquerdo é amar- da coxa”. i 4 O txumbé é uma faixa de algodio tecida cm padrdes as vézes muito bonitos. E’ usado em térmo da cintura. Ceara maior, como encomenda por uma mulher de Dourados, tem apenas 130 re ogi at em ra tingir algodao so extraidas de duas espécies de catigua (katigud Beene en ea ese ate aoe ia torcidos. (Segundo 0 mesmo informante, ndo somente as mulheres Keyova, mas também as Nandéva tecem ou teciam txumbé; estas fa- bém rédes inteirigas, no mesmo tipo de tecedura, de fio de algodao branco eee a aa de fio tinto.) — Observei muitas vé- een sae eee are Além do t2wmbé, existe tam cint cl ta ee eee ore na frente as franjas terminais. O ponchito é um poncho pequeno, de tecido de algoda gura varidvel entre 50 ¢ 55 cm; média do comprimento, 125 cm; prtura central para a cabeca, 30 cm. Ao longo dos lados estreitos, injas (ipoty) de 10 cm de comprimento, cada uma de dois fios Proprio urdume torcidos; franjas semelhantes existem também na ite central do pano, distribuidas em quatro molhos, um 2 direita joutro 4 esquerda de cada uma das extremidades da abertura cen- (© pano é de fio de algodao branco, salvo duas listas longitu- is bem estreitas, de cér marrom, que 0 percorrem de alto a xo. Sobre cada ombro esti costurado um pedaco circular de pe- ide tucano com penas laranja © amarelas; s6bre 0 peito, quatro de penas guarnecidas de fios emplumados, © outras quatro re as costas. Uma das flores da parte dianteira, de penas ama- ¢ Taranja, de tucano (1iika), e vermelhas, de canindé (kanindé), ma-se kurundiid; nandiid so as outras flores de penas de tucano, quanto os enfeites sObre os ombros se denominam flemombdchd. 1do Pat Vitaliano, éstes sA0 “imitagio das coisas de Nandedjéra” consezui a traducio dos diferentes nomes, todos “dados pelo io Nandedjara’” . O ponchito de Pat Vitaliano jé no esté com- 9; falta-Ihe no peito e nas costas um enfeite alongado de algo- , sem penas, chamado iporavohagué. O cuidado com que se pfeita o ponchito ¢ as palavras com que 0 médico-feiticeiro se refe~ fo simbolismo dos adornos de plumas, relacionando-os com © mun- p dos deuses, nao deixam sombra de divida quanto ao significado gioso da peca. Embora tenha a forma de um poncho comum em anho menor, © ponchito, pelo menos na atualidade, nio é indu- nto comum, mas de fungio ritual. S6 0 vi usado por médicos-fei ros. Pai Chiquinho o punha todas as vézes, a titulo de sauda- 0, quando cu o visitava em sua espagosa e magnifica morada do nambi. Pai Vitaliano, que o usava em ceriménias religiosas, tinha faspecto de sacerdote paramentado, sobretudo porque 0 punha mmpre juntamente com as outras pegas do traje tradicional Kayové. Guem quer que visse o velho pai vestido para as funcées religio- Info podia escapar a grande semelhanga com o padre catdli fasula bordada déste corresponde 0 ponchito enfeitado de fra f flOres de penas. Nao haveria ai também uma reminiscncia tempos jesulticos? Em mais de uma aldeia vi que as cruzes usadas pelos médicos- ticeiros durante as dancas religiosas so yestidas de ponchito, fato fa 0 qual nio encontrei explicagao satisfatéria. Talvez seja incia da estola do Paraguai e de muitas regides do Brasil rural, mum nas cruzes das ‘Sepulturas Kayové e Nandéva do sul mato- ‘Ou estaria ligada a ésse ponchito a idéia de uma per- cacao da cruz? 41 ‘Mas, além do ponchito, os Kayové conhecem também o pon- cho comum. © vistoso poncho vermelho de pano de li de fabrico dustrial — 0 pjta ou puita das populagdes rurais do Paraguai ¢ ‘mesmo de Mato Grosso meridional — é uma das grandes aspiragdes de cada Kayové, mas inacessivel a sua bolsa (custa talvez uns qua- tocentos eruzciros). Na aldeia de Dourados havia dois Kayové que Possufam um poncho de 1a de ovelha (ovetxd ragué), ambos fei tos por mulheres da tribo. O maior déles mede 2 m de compri mento por 90 cm de largura, sendo provide de franjas nos lados estreitos; & feito de fios grossos de I pardacenta e tem de cada lado dduas listas escuras, bem juntas uma da outra, que lhe conferem nota de grande distingio. O poncho pertencia a0 capitio do pésto, que © herdara do pai. O segundo exemplar é bem menor; tem apenas ‘uns 110 em de comprimento por uma largura média de 75 em; é figualmente de 1a pardacenta, tendo na parte central uma faixa es- cura, de uns 20 em. Disseram-me os indios que em ambos os pon- chios a li clara como a escura sio de cér natural. Ponchos de li ‘ocorrem também entre indios chaquenhos. Pega complementar do traje Kayové masculino, embora de ori- gem muito mais recente, é 0 aparaio (corrutela de “alpargata”), san- alia de couro com sola de borracha, que os homens fazem de pneu- mético de automével. Bom presente para um Kayové € um par de solas désse material, pois 0 aparato, de uso geral entre os erva- teitos da regifio, é bem adequado 20 trabalho com fardos pesados no solo imido © escorregadio dos ervais. Note-se que o ervateiro carrega nos ombros até trinta arrbbas paraguaias ou trezentos qui- los de erva *. A vestidura tradicional das mulheres Kayovd parece ter desa- parecido inteiramente. Segundo a descri¢éo obtida em Amambai, ‘consiste em duas pecas, 0 mupdi e a véta. O tupdi, feito de “quatro metros” de pano e fechado por meio de costura lateral, corresponde a0 txiripd dos homens, tendo mais ou menos © mesmo comprimen- to. A india “joga-o” em t6mo da cintura & maneira de saia e de ‘modo a cobrir em trés camadas a face anterior do corpo. Néo é préso com txumbé, mas simplesmente por uma dobra na’ orla de cima, Para 0 feitio se emprega ou empregava s6 pano grosso de al- godio, tecido pelas préprias mulheres ou de origem industrial. A ¥éta (de “bata”?) € uma blusa com mangas, que desce até a Como as mulheres Kayové nunca dirigem ceri no usando, por conseguinte, vestimentas cerimoniais, compreende-se ‘que 0 traje feminino tenha desaparecido mais depressa do que o mas- 2 . © ponchito e o txiripd puderam sobreviver por mais tempo, corresponderem a fungdes importantes para a vida da coleti- Entre os Kayové mais setentrionais no ouvi referéncias ao traje jinino de duas pecas, mas ao typdi, espécie de saco de algodio, idesce até meia canela, tendo, na parte superior, trés aberturas, ppara a cabeca ¢ outras para os bragos. Tupdi e typdi talvez sejam antes do mesmo indumento primitivo. Com a indumentéria relativamente rica dos Kayova, embora em de desaparecer, contrasta a dos Nandéva e dos ‘Mbiid. Entre os Nandéva do litoral néo se observa mais nenhuma peca pmo similar ao das mulheres Kayova, parece ter desaparecido. (Os Mbiié tém como traje masculino o tambéu (tambéo), espé- de chirips, que se reduz a uma faixa de pano, que, passando por re as pernas, é présa por um cinto (kodtsd) de couro ou de algo- 0, de forma tal que uma ponta cai na frente ¢ a outra atrés. Em mnhuma de minhas visitas a indios Mbiié do Brasil tive oportuni- de ver um tambéu original; conheci-o no Paraguai, em Paso fovai ou Yrogsi. Usava-o o velo “Cacique” Pablo Vera: a pesa, em meu poder, mede 36 cm de largura por 124 cm de com- jmento, sem as franjas. Em t6das as aldeias brasileiras, na me- fem que pude verificé-lo, 0 pano, outrora feito & mao, & hoje stituido por algodio de origem industrial, embora as velhas, em Tmaioria, ainda o saibam tecer. No Itariri, os homens usavam 0 imbéu por baixo das calgas. — No Paraguai, disseram-me, as mu- 5 Mbiié fazem ponchos de algodio © traje Mbiié feminino, a “saia Guaranf leg{tima”, segundo a so de algumas mulheres, chama-se tupfdjad. Feita de uns dois os de pano, é dobrada acima da cintura ou logo abaixo dos os. Tem uma costurw de alto a baixo, sendo, pois, semelhante a0 dos Kayovd, embora menos ampla. Nas aldeias mais isola- ‘a maioria das mulheres e meninas ainda usa a vestimenta, 20 43 lado de outras roupas. No Itariri havia algumas que a punham baico das ssi on esids de po clad; wi una velba que tr java a antiga peca, com uma blusa, sem outra saia por cima. Nessa mesma aldeia, uma jovem Nandéva, pelo contacto com o grupo de Mbiié recém-vindo do Paraguai, adotou a peca (feita de séda arti- ficial e menos ampla do que de costume), pondo-a por s6bre 0 ves- tido, quando participava de dancas religiosas NOTA 1. Este tipo de sandilia é usado também por indios de regiGes andinas. Cf., por exemplo, Karl Schmid, 1951. pag. 78. Carfruto 1V RINCIPAIS ATIVIDADES DE SUBSISTENCIA E ORGANIZAGAO ECONOMICA Embora o Guaranf seja incapaz de conceber a vida humana sem alegrias da caca ¢ da pesca, a base_de seu sustento the é forne- Dela lavoura. Por influéncia, talvez, de condicoes ambientes €, M parte, de tradigao cultural, excetuam-se dessa regra ainda alguns pos de Mbiié que dispoem de grandes € ricas reas de mata vir- m, como os de Xapecd, em cuja economia a caga, feita princi- mente com lagos e mundéus, prevalece muito sObre os trabalhor roga, Quanto 20s demais, porém, sobretudo na situagio atual, em ‘os tcrritGrios de caca das. diferentes aldeias se yao reduzindo de ‘ano_ pela progressiva_invasio. do_homem_branco,a_impor- jas rogas aumenta cada vez. mais_em_detrimento_das_ativida- suplementares'. Em certas aldeias, no litoral paulista, o entro- to econdmico da sociedade india com populagées estranhas leva Mormagio de padrées de intercdmbio comercial, através do qual o fio entra na posse de dinheiro ou de objetos de origem industrial Thoje se Ihe afiguram indispensiveis, pois de ha muito se inte- am na cultura do grupo. ‘Nas transformagdes que a vida econdmica vem sofrendo em vir- We do contacto com a civilizagio reflete-se talvez. mais claramente f que em qualquer outro setor da cultura a desorganizacdo social fe opera na maior parte dos nicleos Guarani da atualidade: ‘Aldeias h4 em que os padrdes predominantes na produgéo € no sumo permitem reconstituir, ainda, com relativa seguranca, @ or- hizagio tradicional da cconomia, alids bastante conhecida através fontes bibliograficas. 'A cficitncia econdmica do individuo nfo representa fonte de tigio especial. Duas, sio as razdes principais déste fato: primei- ‘a feigdo predominantemente comunitiria de produgio ¢ consu- ¢, em segundo lugar, a orientacdo mistica da cultura € 0 relévo 45 dado 4 comunhiio com o sobrenatural. O primeito déstes fatbres faz com que o estimulo para o trabalho se relacione estritamente com intensidade do sentimento de solidariedade social. Sdmente com a Progressiva individualizacio dos trabalhos econémicos ¢ a aceitagao dos valores correspondentes como elementos de diferenciagao social, a nogio do individuo vadio ou trabalhador e a do homem pobre ot ico vio adquitindo sentido para o espirito Guarani. E’ pequeno, por certo, o niimero de tribos indigenas da América em cuja vida a preocupagio com os problemas do destino. sobren: tural do homem tena aleancado 0 relévo que lhe cabe entre os Gu rani. Para éstes nio vale apenas a corriqueira afirmagio de que nas culturas primitivas todos 0s fatos s40 “totais” e de que na vida tribal 8 preocupagoes econdmicas, como outras quaisquer, s40 20 mesmo tempo religiosas. O que se nota é um predominio extraordindrio da religiio em t6das as esferas da cultura, inclusive na economia, a ponto de as atividades econémicas aparecerem, no raro, como simples pre texto para a realizagio de ceriménias de contacto com o sobrena. tural e contrdle dos podéres pessoais que se julgam ter influénc no destino dos homens. Quer seja um puxirio, a colheita dos pro- dutos da roga, a partida para uma viagem, 0 aparecimento de qual. quer fenémeno inesperado ou invulgar — tudo, enfim, pode ser mo- tivo para rezas e dancas rituais. A tal ponto isto € verdade que o ciclo econémico anual — a que Evans-Pritchard chama de “ciclo ecol6gico”* — é antes de mais na da um ciclo de vida religiosa, um como que “ano eclesidstico”, que acompanha_as diversas atividades de subsisténcia, em especial as di- ferentes fases da_cultura-do-mitho. ae E’ possivel que o entrosamento do ano “agricola com o religioso Se ligue ao passado missionciro da tribo. A festa em que se faz a colheita ritual do primeiro mitho coincide mais ou menos com Natal, Ano Bom e Reis, e varios aspectos das ceriménias, bem como certos apetrechos rituais, justificam a hipétese, que desejo discutir em ou- le trabalho, de que nela hé uma série’ de reminiscéncias do tempo das redugdes. Além disso, & possivel que tenha havido coincidéneia Parcial entre a antiga tradigdo cultural da tribo e o ritmo sécio-reli- gioso trazide pelos Jesuitas. Em conseqligncia da policultura de todos os grupos Guarant, 98 trabalhos do amanho da terra se distribuem por todo'o ano. Nem Por isso deixa de haver perfodos de trabalho muito intenso em opo- sigdo a outros em que ha “mais folga”. Assim, entre 0s Kayov4 e os Nandéva do sul de Mato Grosso, a lavoura do milho segue, em linhas gerais, o seguinte calendério: em 16 , fas de maio a junho, a derrubada da mata virgem; em Bia gcc So agésio outibro, © plano; So marco ext dam f quebra. Isto vale para o mila duro, destinado & venda.. 0 jd se colhe desde 0 prinepio do ano; esta 6 a do “mantimento novo”. Para o fligo (kumandd) hi duas épo- de plantio. Uma coincide com a do milho, plantando-se 0 feijio WNézes até na mesma roca, “de mistura", para ser colhido na pr fa quinzena de novembro. E’ o chamado data", no ue alude ao tempo das chuvas, mais freqientes de novembro a iro. Mas também em dezembro_ se preparam rosas de feiji, se- dose o plantio em janeiro, a limpa em margo e a colheita em pios de‘abril. Em abril também se colhe 0 arroz. © plant da se dé em maio, a limpa em margo do ano seguinte..A cana- % plantada em maio-e eolida depois de um ano. Amea- B (mandi) plane em jn e clbese em Jubo. modo geral,n época em que o trabalho se acumula mais sig freer do agbtn © setaabro, enguanto a 60 "mantimento nbv0 ie menos stividade nes plantagies. Mas 0 periodo de trabalho fntenso nas Togas da aldeia € também o da changa (trabalho munerado) nas roqas dos fazendciros sitiantes. E como a changa lim dos poucos recursos de que o indio dispde para obter algum fo, niitos se attasam nas préprias rogas por changuearem nas indas proximas. Convém mencionar, de passagem, ser éste um fatores de desorganizagio eeondmica de todos os grupos indige- daquela regio, mesmo dos mais conservadores.. O. problema se Wa pela changa nos ervais, visto que a sifra de ervarmate se es- por sua vez, pelos meses de julho a outubro. A impossibili- {e concliar as atividades antigas com as inovagdes oriundas do gio com o homem branco e a incapacidade de substitu sem fem menos a estas por, aquclas parecem ser a8 eausas princ! da desintogragdo cultural e destrbalizagio dos. grupos Guarani pul de Mato Grosso. : peuliis Na medida em que existe calendério religioso e social, éste € 0 milho. Ha wma concentragao social anual por haver apenas uma Ge mio ea nia com a gran esta do emonsaa 0 orom dizer oe Kayov’, avarimongardh, “batiemo. do milho Bi cn casce excxpeionsls, meet © lho saboed, que acm: tm tis ou quatro meses, € plantado em uma época apenas, ontario do que se dé com outtastribos indigonas da. América, a Colombia, que zém dias colhetas de milho anvais®. Ni lavoura. Guarani 0 cutive. do-milho assume importiseia_jn- 1 Ade qualquer outta espécie vegetal. O mic ar Iho, além de ser_uma das pri enire os Nandéva e os Kayova), constitui_a principal matéria-prima para_a fabricacdo de chicha (bebida fermentada) e €, além disso, produto que sempre encontra mercado fora da aldeia. (© smillho_primitivo dos Guarani 6 0 milho mole, conhecido entre 19s caboclos pelo nome de sabors... Ha os que o chamam de catetinho, ‘originando assim confuséo com 6 cateto duro. Como 0 saboré nia. se Presta para 0 comércio, os Guarani passaram a cultivar ao mes- mo tempo o milho duro, que os préprios indios também jé conso- mem. A ésse ltimo, que leva seis meses para amadurecer, se dé, genfricamente, o nome tupi, o que indica tratar-se de espécies de pro- veniéncia estranha, quer de tribo no Guarani, quer do mundo civi- lizado. O Guarani tem plena consciéncia da distingao entre o milho sobor6 como clemento cultural tradicional e 0 milho duro, recebido de fora em época mais ou menos recente € que nio foi possivel re- jeitar, uma vez que hayia necessidade de produzir para comércio, a fim de se obter dinheito. Ao milho sabors, de grio mole, que fru- tifica de dois a trés © amadurece em quatro meses, inere cardter sa grado; considerado a principal dédiva dos séres miticos chamados Djakaird (isto entre os Kayova), é também 0 que melhor se presta para a fabricagdo de chicha. As rocas de milho mole ¢ milho duro se fazem em separado e toma-se a precaucio de no misturar as se- mentes; 05 gros das espigas que revelem cruzamento ndo servem para © plantio. Um e outro se plantam uma s6 vez por ano, entre os me- se5 de ag6sto a outubro, iniciando-se a colheita mais ou menos em janeiro, quando se realiza a grande festa do avati-mongarat ‘As denominagdes dadas as variedades de milho sabor6 nao sio vuniformes; diferem de aldeia em aldeia ¢, mais ainda, de um subgrupo para outro. Em minhas viagens colhi espécimes de umas sete ou oito Variedades, entregando-as, para 0 estudo genético, a0 st. Professor Frederico Brieger, da Escola Superior de Agricultura Lufs de Queirés, de Piracicaba. Algumas sio plantas de baixo crescimento, raz4o pe- la qual se fala, conforme o grupo, ora em avati mitd, ora em avati karapé, ora em avati miri. Como na maioria das variedades as es- pigas so alongadas em comparacao com as do milho duro, também Fe Usa para elas a designacdo avati pukti. Além disso, faz-se dist Go indicando a cOr: mordti (branco), dj (amarelo) ou p¥ta (ver- melho), pard (pintado: de grios amarelos ¢ pretos em mistura) De tddas essas variedades se destaca, pelo interésse ctnol6gico, © avait djakairdé moréti ou avati pukti moroti, de pé alto e grio bran- ©0, 0 preferido para fazer chicha. Especialmente o Kayové se refere “3 I de Sours, Douredos. indéva — Gu Profestor © cate- evangéliea, cola nas pesquisas de Mato Gross m. Mulheres Keyové TL Jovem mie Kayové — Guarani de Dourados, Guarani de Amambai, sul de Mato Grosso, 1. Mb, Roga de familia Sendéva Cestas-de-carregar das mulheres Guarant 2. Randéva Guarani de Dourades, com sensivel respeito. “Este tem luxo, no dé em qualquer , ngo dé em kad tim (paisagem de campo), nem em rogado nd- 6 na capoeira. E é preciso “benzer a semente”, acentua um in~ inte, “Este 6 muito delicado”, diz outro; “a gente planta a roca Hd nao cruza mais; e preciso batizar a terra”. Na realidade, as fugdes cerimoniais € mégicas so tomadas também com as outras fdades, mas, pelo menos entre os Kayové, dé-se maior importincia favati djakaird mordti Fato interessante, também para o geneticista, é 0 de que os rové ¢ outros Guarani tém receio de que o milho possa degene~ No Pésto Indfgena Francisco Horta encontrei um médico-feiti- , de origem Nandéva, que me comunicou curiosa teoria sdbre © Minto. Era mais ou menos a seguinte: Do avatt pukii existem duas iedades, mordti e p}id, a branca e a vermelha. Diziam os antigos fa vermelha nasce junto & branca, para esta no degenerar e dat Mpre espiga graida. O milho vermelho se origina do salpicado, ¢ do branco; € como se fase melado, rapadura e agdear. O ver- Tho sai do branco, nas covas que se abrem, em posigéo obliqua, c apenas sementes brancas, no pin- yon vermelhas. A cbr vermelha é efeito da luz solar; as espigas foram assim por influéncia direta do sol ¢ elas fazem, por sua ique as brancas se tornem fortes também. O milho vermelho, lat puki pytd da a “férca” ao milho branco, para éste ter espigas ndes e pesadas. Djakaird foi um indio Kayov’ que recebeu 0 mi G sabors branco das mos da “Virgen de los Milagres”, em Caeupé. b Paraguai, quando fugia das fOrgas de Lopez. — Abstracio feita D fecho, naseido talvez no cérebro do proprio informante, téda, a planagio, apesar de ndo ser convincente, e de nio corresponder as exigeneias de nossa légica, parece ter o mérito de mostrar que familiaridade do Guarani com 0 milho e o seu culitvo, remontando Wvez a época muito antiga, Ihe confere nogio perfeita dos fendme~ ide degencrescéncia caracteristicos dessa planta doméstica. Na im- Pexibilidade de explicar satisfatOriamente e de modo racional os da- ‘mpiricos, que, no obstante, se Ihe impéem ao espfrito em for- Ge problema ‘‘cientfico” a ser resolvido, o indio langa mio de undo sobrenatural, mas sem por isso conten- Pr con uma solugao que fique, intciramente no plano das idéias cas, tio a0 gOsto, aliés, da mentalidade Guarani ‘Tdas as atividades que se referem A producéo do milho cons- ftuem ou podem constituir ensejo para cerimOnias religiosas, mor hente entre os Kayova. Parece que a freqiéncia das ceriménias © as agées especiais em que devem realizar-se dependem da decisio € 9 do critério do respectivo pat ou médico-feiticeiro. Um pai do Pésto Indigena Benjamim Constant em Amambai me descreveu téda uma seqiiéncia de mongarai (ceriménias, béncios, “batisms”). verdadei- 10 ciclo cerimonial paralclo ao da lavoura do milho. Angé é “fazet a béngao”, ato que na referida aldeia se realizaria em oito fases di- ferentes: antes de se queimar a roga (djadjapé rosd rordangd, vamos fazer a béncao da roga); na véspera do inicio do plantio (diahd and jianderosé kaggué, vamos batizar a roga queimada); quando o milho tem eérea de meio metro de altura, isto é, quando se trata de com. bater 0 hia a 86, bicho que devora as fOlhas (djahd nanembo'é fandé avati rit arasoré); quando se forma 0 grio, época em que po- de sobrevir a “ferrugem”, “proveniente da larva de mésca” (djahd dart fandé avati mberire); quando ja se pode tirar milho verde (djahd djari Aande avati fahangé); depois de sc prepararem as pri- meiras comidas com milho verde (djahd hovasd fandé avati djyeué); ¢, enfim, quando se faz a primeira chicha do milho verde (djahd wari kavira angd ou djahé djaporahéi kavira angére) Em suma, tudo 0 que diz respeito a0 mitho se associa 20 mun- de sobrenatural. E verdade que se fala em ceriménias corresponden- tes também para as outras plantas de cultivo — mandioca, batata. (Vdece, feijio, absbora, moranga, fumo, algodio — mas estas parecem ~ limitar-se a0 “batismo” dos primeiros frutos, espécie de exorcismo da “primeira cestada”. Diante da cruz que se encontra defronte 3 casa do pat, cada mulher deposita a sua canastra, 0 mynakii, para se “batizar” © “para nio dar célica”. Isto vale para todos os produtos da roca, dos quais 0 milho se distingue por fornecer os marcos de um genuino calendério econémico-religioso, a ponto de, como vimos, se poder quase falar numa “religiio do miiho” . Em comparacio com o mitho, a_mandioca tem importincia-sc- cundaria"na~alimentacSo~dos_Guarani, Nem por isso deixa de ser egnsiderada como indispensivel, especialmente nos meses em que o milho comega a exeassear. Existe em tédas as épocas do ano © cons- titui_alimento basico permanente da covinha indigena, Por éste mo- tivo também no pode dar origem a nenhum ritmo social ou, pelo menos, cerimonial.. Nas aldeias do litoral paulista, a farinha de’ man. dioca, em conseqiiéneia do contacto com o sistema alimentar do cai. ‘cara e talvez também em virtude das condicées geogrificas, superou de hi_muito a importincia do milho na cozinha indigena. Note-se, a respeito, que nas culturas Tupi-Guaranf localizadas no leste da | rica do Sul a mandioca sempre parece ter tido maior importin- do que © milho, ao contrério do que se nota para os lados da dilheira Andina. Para cozinhar, usa-se naturalmente a mandioca doce ou aipim, consumo considerdvel em algumas aldeias, especialmente Kayova. rnenhuma das comunidades, exceto as duas antigas do litoral pau (Bananal e Itariri), deparci com a fabricagio de farinha de brava. Fal at fases do_proceso, bem como todo-o-tr- siio priticamente iguais aos que se observam na populagio_cai- que por sua vez conheceram, ha séculos, a mandioca através 5 primitivos indigenas da costa. E entre os atuais Guarani hd mes- onsciéncia de que, pelo menos em parte, se trata de conheci- tos transmitidos pelos caigaras em época recente: ‘Assim, afirmam ter sido “com os praianos por af” que apren- ‘a fazer manema, como dizem éstes, ou pari kat (farinha Segundo a expressio hibrida dos Guarani..A massa ralada qu Westina A obtencdo do pari kata junta-se mandid pj, mandioca pré- mente macerada no rio (durante quatro dias e quatro noites) © socada no pilio; o conjunto fica no tipiti durante uma noite, fa escorrer a mandidkuéra. Passa-se a massa pela peneira. Depois | ia-se, colocando pouco a pouco a massa séca*. a Mas faz-se também farinha branca, pari vévé ou, como alguns ‘mandié-ktii moréti (p6 branco de mandioca), segundo pro- | lénticos aos dos caigaras. ea Na medida em que pude assistir & fabricagio de farinha, todo Arabalho era feito pelas mulheres. Mas no parece haver a éste res- fo rigida divisio sexual de trabalho. No Itariri tirei uma foto- do velho Capitio Silvino, demonstrando 0 uso do alo, E’ na importincia assumida pela farinha de mandioca na ali- ago dos Nandéva do litoral que encontramos um dos princi- tracos da aculturagao econdmica por éles sofrida através do con- eto com os praianos. Sem farinha sentem-se pobres. © velho Pedro no se cansava de pedir que eu Ihe mandasse um “forno” (ta- 0 para fazer farinha). .Acreditam que a farinha é 0 alimento ‘nela_ ‘que esti a forca”. J4 de manha cedo a tomam Tangindosa na Béca*. ” Entre_as_numerosas plantas cultivadas pelos Guarani cumpre mencionar o tabaco, pela importincia que Ihe cabe na. vida” cot diana © sobretudo em alguns rituais. “Petiguara” (“mascadores de fumo”) era designativo ou apeli jo de, a0 que parece, mais de uma tribo Tupi do Brasil antigo; comedores de fumo” poderiam ser chamados também os Kayovi de Mato Grosso. Nao 36 nas ceriménias religiosas, mas a qualquer hora do dia ou da noite 0 Kayové menos aculturado faz uso do pi gi (p6 de fumo) ow “pét7 hamér” (fumo dos antepassados) um _pé de tabaco, espécie de rapé, que, em vez de se cheirar, se pOE-eniie 0 labio inferior © a gengiva, onde fica sob a acio da sa- liva. Preparagio: félha de fumo verde, sapecada sobre uma gré- Tha_¢ triturada entre as maos; junta-se: cinza de guadjéyvi, guaj vira, mas 6a cinza branca, externa, chamada hugué; além disso: 4§ Fi ow kumbari, “pimenta malagucta”, nativa na regiéo, segundo informacio dos préprios indios. J4 o velho Dobrizhoffer refere que os Caingué (provavelmente Kayové) mascavam fumo, que traziam ‘consigo em pequena cuia suspensa & cintura ?. Falaram-me também de um fumo-de-mascar chamado maxakdro, outrora em uso entre os Kayové. Tiram-se as folhas tenras da planta, que se colocam ma cinza quente e depois se batem com um pedaco de pau. Resulta ‘uma massa de fumo cinza, que se masca. A facilidade com que hoi se obtém fumo em corda para mascar é certamente responsivel pelo abandono do maxakéro. © uso do cachimbo € menos generalizado entre os Kayové do que nos outros subgrupos da tribo. E” verdade que éstes em grande Parte j4 deixaram de fabricar cachimbos, mas em todo caso com- ram os pequenos pitos que se oferecem nas vendas caboclas. Uma ‘das pegas mais interessantes da cultura material dos Mbiié é 0 ca- chimbo, pérygud, de forma tipica, feito de barro ow de nés de pinho. Fumam-no, de maneira “comunista”, duas, trés ou mais péssoas; de- pois de umas poucas cachimbadas, 0 fumante 0 passa para as mos do companheiro. Hoje muitos Mbiié jé fazem cigarros (péty fio- mimbiré) de palha, que preferem aos de papel. Entre os Nandéva do litoral eneontrei’ uma velha que fazia eachimbos de barro, muitos déles de fornilho onitomorfo. Entre os Mbiid, quase todos fumam, inclusive as criangas de Pouca idade; uma vez ou outra, as criangas rejeitam o cigarro, por- que tém médo de ficar tontas: “tredjukd”. Entre os Nandéva sio Principalmente os homens que fumam, mas também boa parte das mulheres. Entre os vegetais cultivados nas aldeias do sul de Mato Grosso Tmencionar-se, embora de passagem, q_yruki ou_urucu, planta info 6 nativa naquelas paisagens. Os Kayova consideram sa- 4 tinta de urucu, dizendo que o seu “abuso” acarreta sangGes naturas. Todos ok objets cerimonins lp gyovs, inclusive tz (kurust) usada pelos homens € 0 baStao de ritmo (takud) ‘mulheres, 0 banquinho (apykd) © o altar (yvyrd), sfio_esfre~ ‘urucu-depois de se raspar um pouco a superficie das pe- aa tinta pegar melhor. Por ocasiio de cerimOnias ow na re- Deio de alguma visita, o Kayova gosta de cobrir 0 rosto com uma la de urucu. A tinta se usa ou fresca ou cozida. Neste caso, im-se os grios com um pouco de gua, sem nenhum outro in- diente; tira-se a semente ¢ torna-se a ferver a massa até tomar sisténcia pastosa, forma em que a tinta no empedra © se co ‘por tempo ilimitado. A. técnica dos Nandéva, pela descrigio ‘obtive, é a mesma. ‘Ao lado da extragio de plantas de uso terapéutico, que sio jt numerosas, e outras, de aproveitamento industrial, o Guarant Eplora de maneira extensiva, mas nfo intensiva, os recursos vege- de seu ambiente no que se refere & alimentacio ‘A coleta & pois, de importincia secundéria como fonte de ntimentos. Entre as excegées, pode-se mencionar a coleta da gua- pelos Kayové nos campos do Mato Grosso meridional, ativi- ique leva todos os anos bandos inteiros de indios a vaguearem frante semanas, nos meses de novembro a dezembro, pela paisa- m livre, onde ficam acampados a0 cfu aberto. Mas 0 interésse quavira hoje em dia jé se liga & aculturacdo, pois o fruto é fonte idinheiro: a guavira, que é silvestre e abundantfssima, € vendida Miibricas de aguardente ¢ vinagre. t De uso fortuito na cozinha Kayovd sio muitas espécies vege- — , como, por exemplo, um card native (que no é 0 caré-do-ar) Ino cultivado, de bulbo bem grossa A caga e a captura de animais fazem parte das_atividades 0 do" Guarant. Tive ocasito de observar a sua importincia principalmente entre os Mbiié do Rio Branco. Todas as manhis, grande parte dos homens sai de casa, embrenhando-se pelo mato ‘para ver mundéu”. Cada homem tem no mato quatro, cinco ou mais mundéus de jigata e lagos. Com lacos de varas elésticas pe- gim-se “pela mio” (isto é, pela paia dianteira) porcos. veados, an- tas etc. Os lagos para antas sio de corda muito grossa. Para pe- gar macucos € outras aves, armam-se lagos pequenos, ‘fo i, que prendem a ave pela perna. ; Desde que se conhece a espingarda (mboké) — que, lids, poucos possuem, — 0 uso de flechas, inclusive do guyrd pid (flecha para aves; rombuda, para nfo fiear présa nas 4rvores) se vai tor- nando cada vez mais raro. Como conseqiiéneia dos contactos cul- turais, notase que a técnica de fabricar arcos € flechas, embora continue tendo grande utilidade econémica para ésses MbUs, dei- Xou de ligarse 3 cag, para assumir inerése comercial, de vex, que hi sempre compradores interessados em armas_indigenas, embora fabricadas sem esméro. cacador, porém, vai munido de espin- garda e, saindo pelo mato, imita, por assobios, a voz do macueo, do jacu, do macaco. Para chamar macucos, ali, também se usa apito de origem industrial, “flauta para enganar macuco”. Vé-se que 0 processo aculturativo atingiu em cheio as preocupacdes econémicas mais genuinamente indigenas. Mas como $0 poucos os individuos que possuem espingardas, 6 evidente que ésse aspecto da acultu- tagho econdmica equiva, m cero sentido, awa dsntegrasio cultural, eriando necessidades sem eios de satis- cult sem proporcionar os meios de sat Quando na proximidade da aldeia aparece aleuma vara de poreos do mato (tadjasi), realiza-se uma cagada coletiva, da qual participa umas quatro ou seis pessoas. A. distribuigio’dos_ ani mais_abatidos, feita_por. ae os. matou, beneficia tdas as familias- jc, Reparte-se tudo em porgdes iguais, inclu- 2 NG IS Pures -tepecats esnacmN Aste A semelhanga do que se dé com muitos outros aspectos da cul- tora Guarani, -importincia_da_pesea_no_conjuntodas~atividades econémicas.varia,.como € natural, de acérdo com as_possbilidades e.condigdes ambientes. Disseminados por uma area imensa, as al- ddeiag ora s® encontram & beira de cursos fluviais piscosos, ora em 5 que oferecem peixe em pequena quantidade, o que evidente- ‘condiciona em larga escala o interésse dispensado a essa ée alimento. yerdade que hé também diferengas de carter indubitavel- nte cultural. Enquanto os Nandéva do Bananal, por exemplo, se m a pegar, com auxilio do covo e raramente com anzol, al- n peixe do rio — taray (traira), bagre, cara — € ao passo que fos Kayovd a pesca € praticamente inexistente, os Mbilé, onde fr que estejam aldeados, procuram aproveitar, © mais que po- n, a piscosidade dos cursos fluviais ‘Sio virios os métodos de pesca em voga entre os Mbiid. Na Mcia do Rio Branco, por exemplo, registei a existéncia de eovos de Guara ou de timbdpé (empregados s6 pelos homens), de an: dis metal (usados de preferéncia pelas mulheres), de pari com tim- fe de mundéu de peixe. Quanto aos anz6is de metal, afirmam fos desde tempos imemoriais; nfo os possuindo comprados, fa menos de arame ou, quando para lambaris, de agulha de costu- Gna falta de linha comprada, recorrem A fibra de tucum. Para pesca com timb6, constroem um part no rio, cortam timb6, colo Meno sobre uma pedra e amassam-no com outra, jogando-o em ntidade dentro da agua. No mundéu de pesca nao se usa timb6; Dese uum ““chiqueiro” dentro do rio, com uma tébua que cai (“de- ""), quando @ trafra ou outro peixe mexe na isca. Alguns in- duos’ ainda pescam com auxilio de arco ¢ flecha. Quanto 20 ipo e & réde de pescar, dizem nunca té-los usado. Os peixes nfo Penfiados em cordel, mas recolhidos num césto ou, na falta déste, fiados num pauzinho provide de farpa. De vez em quando se or- pescarias coletivas. Sendo longe de casa, os homens pes- fenquanto as mulheres assam o peixe no proprio local (moka B, onde € consumido. Quando perto, levam tudo para a aldeia, repartem o produto com os que ficaram. ‘As pescarias coletivas dos Mbiié do Xapecé se prolongam du- nte meses. ‘Apesar do pouco relévo das preocupagies econdmicas na cul- tribal, nota-se um senso de propriedade privada bastante vivo. Pesquisador, procurando adquirir para a colegio etnogréfica.al- m objeto — um césto, por exemplo — que pertenga a uma crian- ino o consegue sem a anuéncia desta, embora talvez oferesa, @ 38 fftulo de remuneragio, um utensilio muito cobigado pelos pais. O dinheiro recebido na rua pelas criangas por ocasigo das visitas Sitio Paulo ou a outra cidade pertence a elas mesmas; gastam-no ge- ralmente com pio de trigo (mbodjapé), uma de suas guloseimas pre- ditetas. De outro lado, em se tratando de alimentos de consumo. imediato, 0 individuo faz prevalecer o seu interésse. Em Si0 Paulo, ‘ofereci certo dia a um grupo de Mbt uma cesta com algumas dit zias de bananas, todos avangaram a um tempo sdbre as frutas, cada qual agarrando © que podia, e escondendo imediatamente 0 produ- to de sua agilidade debaixo’ das cobertas, dos sacos de viagem ou. casacos espalhados pelos cantos do casebre em que os indios se haviam alojado. E° atitude que contrasta sensivelmente com a eqii- dace que ésses mesmos Mbiié fazem valer quando distribuem na pi pria aldeia o produto da caga (mesmo individual). Vé-se que neste aso continua viva antiga instituigio da economia tribal. Do ponto de vista da aculturacdo econémica, é interessante a atitude dos Guarani em face do dinheito (piré, perdta: pirdpiré, di nheiro-papel; entre os Nandéva do Itariri ouvi: retsd guatsi, olhos grandes, para as notas gravidas, e retsé mirim, olhios pequenos, para 8 mitidas, expresses essas correntes também no Paraguai). 0. va- lor que Ihe atribuem, © que aumenta com a marcha aculturativa, é muitas vézes mais simb6lico do que real, parecendo corresponder antes & imitagdo de uma atitude econdmica alheia as solicitagoes culturais. O dinheiro existe para ser gasto; nao se trata de econo- Jo © A sua poupanca no corresponde fungao na cultura Gua- (O Capitdo Francisco, do Rio Branco, certa vez me disse ter guardado uma porgio de moedas, mas nao dinheiro em notas, que, afirmava, se estragam facilmente.) A cons de outras possi bilidades de fazer economia — através da aquisigio, por exemplo, de um cavalo, de um tréfego de mandioca ou de outros valores — 86 aparece em estado aculturativo posterior & assimilagao de muitos padres da vizinha cultura rural. E neste caso a posse désses valores nsteriais jd comeca a representar fator de distinggo social. A propricdade das terras se individualiza na medida em que é iduo que a cultiva, Sdmente entre os Mbid do Rio Branco encontrei uma roga de propriedade coletiva, um bananal, ¢ pensa- Vuese em desenvolver uma criagio de porcos, igualmente coletiva. A regra, em todos os subgrupos, € que as plantagdes pertencem a quem as tenha feito e que a terra cultivada por um individuo the continua pertencendo indefinidamente. Tratando dos Txané e Txi- igudno, escreve Erland Nordenskidld: “Suivant Vocapoy, les chefs 56 ls porescurs do la terre. Bathayu dint que les droits do fas du sal som reps en tle sore que. chacin cave Te n qui lui semble bon. La terre qui a déja été cultivée est con- Bese, ayant oa, proprieiea me lone ext rete friche pendant de longues années. Aussi les a mémes font-ils partie de héritage” * s on. cS a gio, da: eraye vale, ipl Ulery, para todos os grupos Guarani, Meecida cor gue puse observéles- Oualguer ropa abandonada fina sendo “Paso” de quem a f0z) no Arai, por exemplo, en I tion que ao considravam donos de “posses” no Banana bars wbrado hava autos enoe, Indice inequivoco do grau de desorganizagio social da maioria comunidades Guaran{ 0 progressivo abandono dos Pads trabalho colctivo. E’ conseqiigncia direta da individualizac preocupagses econdmicas. Por outro lado, 0 sucesso, enro- mento dos grupos. indigenas ‘na economia regional enbocln leva Testabelecimento do trabalho cooperativo, mas em moldes jé m dos jos autores trataram de investigar as origens histérico-cultu- a insituigao cabocla conflencia de elementos indigenas, ficos ¢ afticanos. Nio cabe aqui discutir 0 problema, de dificil ugio. Em todo caso, 6 indubtivel a filagio amerindia’ do mu- revel pela fonts dos eronistas, como pela prdpra de- ago, de origem Tupi-Guaran; por exemplo: pusird (Keayova), i (Mbiid), apaixira (Tapirapé).. Entre os Nandéva do Arar ‘deram-me 0 nome afiomodita como designativo de mutitio. Entre trbos dessa fama lingistca, © traballo coletivo da rosa, parece Sido bastante generalizdo , Mas também trios brasleires de ov Classificagdo, como os Bakairf®, conhecem ou conheceram insti- gbes désse tipo Site todos 0s grupos Guaranf por mim visitados obtive indicagses ide assstir repetidas vézes a reunides dessa natureza, como em Dourados entre os Nandéva © em Panambi ent os Kayov. De mo- p geral, pode-se dividir em duas categorias bem distintas os traba- coletives dos Guarani: os que se fazem para determinada pessoa {5 que se destinam coletividade como tal. O primeiro caso, 0 57 freqliente, € comum nos trés subgrupos da tribo e, com a mar cha da aculturagio, tende a conformar-se com as novas concepgoes econémicas. Em algumas aldeias, hoje nem todos conseguem reunir lum grupo de companheiros para um dia de trabalho. “S6 quem po- de”, disse-me 0 velho Pedro Pires, indio Nandéva de Itariri. E? pre- ciso ter prestigio € possuir mantimentos para os que vém trabalhar. Assim, @ instituicio cooperativa funciona a servigo de interésses.in- iduais, ou seja, em beneficio de pequeno grupo, a familia elemen- tar. Antes que se individvalizem os padrdes de trabalho, 0 seu fruto deixa de ser coletivo. “Quem pode” realiza um puxirdo para abrir a Toga, outro para plantar, outro para construir a sua casa, ¢ assim por diante. Pedro Pires quis fazer um puxirio e no 0 conseguiu: os convocados no compareceram. E depois me explicou: hoje & dificil fazer puxirio; os mantimentos estio muito caros © puxitio deve ser interpretado como expressio de solidarie- dade de um grupo de vizinhanca ou grupo local. Quanto menor éste grupo ¢ maior a sua coesio, mais fécil é realizar 0 puxirio. As vézes 4 participacio nio ultrapassa 0 raio de parentela, ow seja, de duas ‘ow trés famiias-grandes ligadas uma a outra por lagos conubiais. © “dono” do puxirio (entre os Mbiié e Randéva) compra car- ne ¢ farinha ou mata um capado. A sua mulher se encarrega de pre- arar a comida para o grupo todo, auxiliada ou nao por parentes ou amigas, que ajudam a carregar gua, socar arroz ou em outro ister. Dia de puxitio ¢ dia de festa, geralmente um sibado. Em certos ‘grupos, termina com um baile regado de pinga, em outros com ani- mada festa de chicha ou cauim, A maneira do que, segundo os cro- nistas, se ter ido entre os antigos Tupinambé. Isto vale para 0s Kayové, que, alids, nfo deixam de manifestar viva satisfagdo Gurante os trabalhos, acompanhados de constantes gritos de alegria, gracejos ¢ estimulante competicio entre as pequenas turmas em que se divide 0 grupo em atividade. O trabalho se transforma em jogo. Entre os Kayové a ligagdo entre festas de chicha © puxirio é tio estreita que néo hé como néo acentuar a funcio econdmica das fes- tas. Segundo 0 padrio tradicional dos Kayova, 0 “dono da chicha”, como éles dizem, nio oferece comida, mas apenas a chicha; € ver- dade que os participantes podem tirar algum mantimento da roca do “dono”. © periodo da manha € dedicado ao trabalho, a tarde ‘e 4 noite & bebedeira © as dangas. Entre os Nandéva de Dourados, onde 0 puxirdo parece ter per- dido em grande parte a fungio primordial de manifestagao de soli- 58 dade do grupo, hé a tendéncia de substitui-lo por padrées mais, is — ou mais vantajosos e eficientes do ponto de vista eco- . Se alguém dispée de quantia suficiente para organizar um fio, prefere empregé-la para empreitar a roga a um parente Companhciro; assim evita os dissabores decorrentes das bebedei- E puxirio sem bebida dificilmente se realizaria. — No Araribé, sua vez, 0 puxirio esti desaparecendo pelo fato de nio subs ‘6 antigo espirito de mutualidade © cooperagio; tendem a aban- Jo, porque se tornou. comum nfo se retribuirem os servigos dos a0 companheiro. Como a participagio nos trabalhos € in- mnte livre, nfio havendo consenso quanto & sua obrigatorie- ‘moral, o nio-comparecimento niio € sequer motivo para de- ingas. E° que a instituicdo deixa de desempenhar a fungio pri- dial, que € a de assisténcia miéitua. Mais uma vez. se confirma dessa maneira que a mudanca mais siva provocada pelos contactos culturais consiste no abandono de 0s padrdes de solidariedade e cooperacio que vigoravam ma lisfacdo do todas. as necessidades vitais, quer f6sse nas priticas piosas, nas atividades econdmicas ou em quaisquet outros domi- dda existéncia Por outro lado, nos Iugares em que os Guarani vivem em asso- Igo com moradores caboclos ou na proximidade déles, 0 puxirdo revelar-se meio cficaz para estreitar as relagSes com os “na- js”. Mormente 0 baile que encerra 0 dia de trabalho em co- ‘assume as vézes a feicio de confratemizacio interétnica, Os dios, por seu turno, atendem prazerosos & convocacio feita por m sitiante caboclo. E’ 0 que se verifica, por exemplo, entre os gndéva da aldeia do Bananal. " nda forma do puxirio — trabalho coletivo para to propo local fof observada s6 na aldeia do Rio Branco. Como fcomunidade se reduz em tiltima andlise a uma associagao frouxa familias-grandes, compreende-se que 0 empreendimento no par- ‘da ordem de algum chefe, mas de combinagio entre todos, com- el talvez. As decises do “conselho dos velhos” entre os antigos ba. Dessa mancira surgiu na aldeia um bananal de uns oitocentos de banana, de. propriedade conjunta, i €, "da sociedado", cons- ufda por téda a aldeia (excluido um velho Nandéva, que cola- #56 de adjutério”, pois chegou depois de pronta grande parte f trabalho). A derrubada para format o bananal se féz em dois uxirdes; a plantagdo também foi feita em conjunto, mas sem pu- 59 xirées. O plantio se foi realizando antes que se conclufsse a der- rubada; no houve, portanto, queimada, e as bananeiras cresceram entre as 4rvores caidas. Os’ indios explicaram a sua atitude pela Pressa de obter bananas, no sdmente para a eriagio de porcos, que estavam iniciando, como para sua propria alimentagio. Con. tinua, pois, © imediatismo econémico, em conflito com o desenvol- vimento duma lavoura racional. Em muitos néicleos bastante influenciados pela cultura cabo- la, a conservagio ¢ limpeza dos caminhos também é feita em forma de trabalho coletivo. Se 0 capitio da aldeia tem prestigio para tan- to, convoca os homens para 0 “adjutério”; caso contritio, hd “com- binagio” entre os moradores. Cada qual leva a sua merenda — ou ndo. — Ao contririo dos puxirdes propriamente ditos, essa for- te de trabalho coletivo nao se prende, por certo, a nenhuma ins- tituicéo inerente a cultura tradicional. A transformagio das primitivas condicées de vida pelo contacto com a sociedade ocidental de tipo capitalista féz surgir novas for- mas de trabalho cooperative. Assim, entre os Mbité do Rio Branco, que fornecem artefatos indigenas a turistas e banhistas, qualquer individu pode crigir-se numa espécie de empreiteiro ou diretor econdmico, convocando ou convidando os companheiros para. tra- balharery com éle, durante um ow mais dias, na confecgaio de arcos, flechas, bengalas, espadinhas e outras coisas mais. O empreiteiro vende os produtos em Santos, Sio Vicente ou Sio Paulo, distribuin- de parte do lucro, de preferéncia em forma de mantimentos com- prados, entre os que o tenham auxiliado. Nos puxirdes Mbiid a que acima se féz referéncia em diltimo lugar, ha também cozinha conjunta, para ela contribuindo cada qual segundo as suas possibilidades. Da preparagéo da comida enear- rega-se um homem ou uma mulher do grupo. As mulheres nid to- num parte no puxirio, mas participam da refeigio conjunta. Para ‘organizar puxirio, comprami-se seis a doze litros de pinga. Antes do alméco, “correm” de um a dois litros, pelas duas horas outro tan- te, &s quatro e as seis (antes do jantar) mais uma vez, e 0 resto ¢e noite. Para comprar a pinga, fazem “sociedade”; quem tem di heiro, dé Tudo isso, nos puxirdes de interésse coletivo. Para os que se ‘orpanizam para as rogas particulares, vimos que o dono fornece co- mida para todo 0 grupo: compra um capado e pinga na fazenda ou Povoagio préxima. Quanto as mulheres, que “s6 trabalham de en- xada", também fazem puxirdes (entre os Mbiié), “mas nfo matam Parece nfo se tratar de puxirio propriamente dito, mas colaboragio informal ®, Expressio manifesta da sotidariedade do grupo local, 0 qual, 4 foi acentuado, em Gltima anilise se reduz a simples asso- fo de famfa-grandes, 0 puxirio representa wma da, pouea is- cooperativas pelas quais se vinculam econdmicamen ferent. propos. de_perenesco. Ao lado dela se destac, €. bem dade, a distribuigdo do produto da caga. Mas quanto ao mais, auxilio miituo no. setor econdmico, embora seja constante © nao nunca, se passa em plano inteiramente informal. Cada fam{- planta para si e se considera dona de suas rogas; nfo obstante, feonsumo toma feigio bastante comunitéria, sobretudo em situa- de peniria. Nao afetando de maneira sensivel a auto-suficién- € a liberdade econémica das diferentes familias-grandes que stituem 0 grupo local, a troca de servigos entre elas assume, Por seguinte, genuino cardter de simbiose. ‘A aculturagio econdmica se processa no sdmente de acdrdo fa necespidade de fazer face a novas exigéncias, oriundas do con- com a civilizacio, mas também como conseqiiéncia mais ou direta da perda ou transformagio de velhos padres ou insti- ‘ou mesmo de condicies materiais, que torna a _velha eco- impraticdvel, obrigando A procura de novas solugSes. ‘A mudanga mais incisiva que se vem manifestando nesse domi- @ talvez. seja 0 reconhecimento, paulatino embora, da eficiéncia jondmica do individuo como fator de distincéo social. E’ conse- Wéncia mais ou menos direta da desintegragao da antiga familia- como unidade de produgio ¢ consumo, levando a individua- io econdmica, conseqiiéncia da necessidade de encontrar cri- p substtuivo para a tradicional etraifieasio social stbre base ‘experincia religiosa e, por tiltimo, do esférgo de superar os mo- @s (da discriminagio por. parte dos. moradores civiizados, que m4 csligmatizar 0 silvicola como indolente por naturcza ¢ yémicamente incapaz. A. eficiéncia econdmica assume, destarte, social em duplo sentido: como fonte de prestigio no seio da a comunidade € como recurso de auto-afirmagio em face de nntos estranhos. + Jé por tais razdes de ordem especificamente social, se outras houvesse, tornar-se-ia manifesto que a marcha aculturativa mio a pode deixar de levar para uma individualizagio crescente das ati- vidades econdmicas. De outro lado, porém, essa transformacdo nia se efetua sem causar sérios transtonos em tOda a cultura, no sis- tema adaptative, como no integrativo. A maior dificuldade consiste nna falta de equipamento mental em correspondéncia com a econo- mia individualista. Além de uma nocdo de trabalho adequada & no- va forma de vida econémica, o Guarani carece de um minimo de previsio, bem como da nogio de correspondéncia de valores nas transagdes comerciais (de onde a impossibilidade de lidar com di- nheiro). Certo, obsticulos dessa ordem existem talvez em todas as tribos indigenas ¢ mesmo em todos 0s povos primitivos obrigados a substituir em curto prazo a antiga economia comunitétia de tipo ‘cooperativista pelo sistema individualista do mundo ocidental. Mas poucas serdo por certo as tribos em que ¢ tio acentuada como na Guarani a incapacidade de desenvolver um espirito econdmico com ‘a nogio do lucro ¢ um correspondente pensamento finalista, sim- plesmente por causa do profundo misticismo religioso que thes plas- mou a mente e que tende a conferir um cunho emocional e senti- mental a t6das as suas atitudes, em vez de thes dar critérios racio- nais para a aplicagio de normas priticas nas relagdes com outros séres humanos. Do ponto de vista psicolégico, a aculturagio eco- némica s6 hé de (ao que parece) realizar-se de modo integral a partir do momento em que o individuo consiga encarar a sua ¢ cigncia econémica como critério de avaliagéo de sua prépria perso- nalidade ¢ néo apenas como fonte de prestigio © distingao social Em suma, a partir do momento em que se possa dizer que 0 antigo ideal-de-vida se tenha substituido por outro Em todo caso, a aculturagio econdmica dos Guarant recebeu impulso decisivo pela necessidade de se obter dinheiro para entrar nna posse de umas tantas coisas que a cultura tradicional & incapaz de fornecer € que sdmente com dinheito se podem comprar. O fato de precisar de dinheiro é para 0 Guarant tnico estimulo tendente a fazé-lo romper 0 cfrculo fechado das atividades de producio ¢ consumo do grupo local e integrar-se na esfera mais ampla da eco- nomia regional. Essa integracdo dé-se através de atividades até en- desconhecidas na cultura Guaranf: trabalho remunerado em fa- zendas e propriedades proximas; exploragio da natureza ambiente com intuito comercial (extracdo de palmitos, orquideas, peles, pa- pagaios etc.); comércio de artefatos de confeccio baseada em ti niicas em parte tradicionais, em parte novas (vassouras, cestos, arcos e fechas); venda de produtos agricolas; ¢ finalmente expedigoes de mendicdncia aos centros urbanos. A medida que se generalizam es- a ‘tividades, a economia perde 0 seu carter tribal, deixando de ser € auto-suficiente. és : atividades ow espo- Por enquanto, porém, trata-se apenas de atividades | cou executadas para satisfazer @ necessidades imediatas. Ao delas subsistem muitos elementos da economia todeeal Ae fas rocas coletivas, cagadas e pescarias coletivas (vineuland fis-grandes), a instituigfo da familia-grande, por seu turno, eo- Teomunidade econdmica (congregando as vézes em unidade Sdugao € consumo a algumas familias elementares), a posse ¢o- é woura e, sobretudo, @ Wa ‘das reas de caga ¢ das terras de lavoura €, $ Enea quase completa de comércio intragrupal, a no set em s° fando de troca de servigos. Tudo isto quer dizer que nfo se re Mees 0 individuo como agente econdmico auténomo no scio da Munidade tribal. E, quando ocorre, éte ultimo passo se di com Mropria destribalzagao, isto ¢, representa a fase final da © ia do grupo. , a a i 4 se revela tanto mais di- aculturagio econémica dos Guarani see mais di t Guanto mais cla se processa dissociada de transformagdes. co civentes em outtas esferas, tomando-se motivo de desnivela- nto cultural. Signifieaivas, a éste respeito, a8 constantes ios do Servigo de Protecao aos Indios, empe- las, mo ines ses uma tantas om cinbmicas”, sem que éles estejam em condigGes de in- sata fm sou sistema de padroes de compor- fo diziarme 0 encarregado de um posto do sul de ‘On Keyova nfo querem produit coisa alguma; fl- ” sto procurara, por mais de ies o senso necessario”. Em seu pésto procurara, por § Soos,extimular # produgio individual para 0 comério, osa ‘dios nfo tinha o menor sentido. Em um nécleo proxi- ara 0 ings java conseguramsse resultados mais, postvos hum sistema de produgio coletiva de erva-mate. Para promo- sprogresso” econdmico dos Nandéva de outro pésto, © Go- Fag nbmaou, ha anos, entregar cafezais formados as diferentes fa- "dentro em pouco, deixaram tudo ao abandono. Bstes € ou xemplos demonstram a dificuldade do Guarani em destacar 0 fue ue comunidade economica passar 2 considerdclo como te proprio. com interésses individuais © em parte talvez,con- rromfo grupo; enfim, a relutincia em adotar um padrao mpetigio econdmica iniragrupal. NOTAS 1. Mas em algumas aldeias a situagdo ecolégica entre indios ¢ civilizados se vai tornando tal que 0s primeiros néo sé néo podem mais sustentar-se pelas atividades da caga, mas também deixam de Dastante para fazerem as suas modestas rocinhas. Ha iso da aldeia de Panambi, onde, apesar dos protestos aos indios e dos meus, o Ministério da Agri cultura mandou, hé poucos anos, lotear as terras dos Kayovi, fim de distribui-las a colonos mandados para a regiéo. Do outro Indo da fronteira, os Guarani tém a infelicidade de se encontrar fem territério considerado muito bom para a expansio da cafei- ultura. Sob o titulo de “Compra de terras para o cultivo de café 0 Paraguai”, o Jornal O Estado de Sao Panto publicou, em 21 de margo de 1953, 0 seguinte telegrama: “Assuneao, 20 (UP) — Che~ garam ao Paraguai os organizadores da ‘American Agriculture and Coffee Corporation’ com sede em Sto Paulo, no Brasil, para con cluir negociacées sobre a aquisicio de uma extensa area de 250.000 hectares, situada na zona fronteira com o Brasil, ao sul de Mato Grosso. “A companhia realizaré nessas terras 0 cultivo de café em. grande escala, secundando desta forma a iniciativa do ‘rei do café’ do Brasil, Jeremias Lunardelli, que }4 iniciou suas plantagdes na mesma regido paraguaia em principios déste ano. Os peritos con sideram essa regio, compreendida entre os paralelos 21 ¢ 23, como iiltima reserva de terras virgens propicias ao cultivo de café n América do Sul”. — O que isto representa para os Guarani daqui Jas matas néo precisa ser explicado. E’ o ato final de um drama que se vem representando ha séculos. 2, Bvans-Pritehard, 1940, pag. 95. 3. Birket-Smith, 1943, pig. 33. 4. E interessante comparar esta téenica com a iiltima das lrés indicadas por Hans Staden para os Tw raneos: Staden, 1943, pags. 162-163 5. Allis, jé Thevet se refere A téeniea de jogar a comida na boca, especialmente farinha de mandioca. Os caigaras de Sao Paul que também usam a téenica, chamam de “eapitdo” 4 bolota de co mida formada com os dedos ¢ certeiramente lancada na cavidade bueal. 6. Vela-se, por exemplo, Knivet, 1947, pigs. 128-124 7. Apud Métraus, 1928a, pag. 117. Nordenskidld, 1912, pag. 201 se depreende, por exemplo, da descrigio dada por dt, 1905, pags. 102-103, vi vu Mulher Kayovd — Cozinha 20 ar livre Guaran{ de Amambai, fiando fibra de ccaraguati centre os Kayovd — Guarani de Dourados. Entre 0s Mbit do Paraguai, disseram-m: fave chamam pulgoo — am sr'‘Estas os organizam para «_abertira das covas no plantio milho, Consideram, a ses Mbiii todo plantio tarefa de mu- = “por ordem divi ai le no caso de haver poue rani de tipo tradicional, aldeia de Panambi TX, Casa Sandéva — Guarant de Jacarel, Mato Grosso, com érea de dan: f ebeho de chichs Carfruto V INDIV{DUO E FAMILIA A injancia e a formacdo da personalidade ‘A crianga Guarani se caracteriza por notvel espirito de inde- . Na medida em que Iho permite o desenvolvimento fisico 4 experiéncia mental, participa da vida, das atividades © dos pro- mas dos adultos. Compreende-se que tal se verificasse em épo- anteriores 4. aculturagao acelerada, em que havia grande esta- iidade cultural no tempo e fixidez de padres, um estado de coisas M que 0 conflito entre as geragdes devia ser priticamente nulo. Se fendmeno persiste inalterado em tédas as fases do provesso acul- ivo, & que reflete um trago fundamental ou essencial da cul- Guarani que por sua vez se revela constante, enquanto esta capaz de subsistir. Tal caracteristica é 0 respeito pela perso- lidade humana ca nogao de que esta se desenvolve livre ¢ inde- ite em cada individuo, sem que haja possibilidade de se in- rir de maneira decisiva no proceso. No que respeita a0 de- nyolvimento psiquico © moral da pessoa, o Guarani descré intel ite da conveniéncia e da eficacia de métodos educativos, a nio a titulo excepcional ou por via magica. Tratadas como adultos, ceriangas Guarani so mais francas e menos retraidas do que és- quando em contacto com estranhos. Acontece as criancas, mesmo as de pouca idade. ficarem sbzi fem casa 0 dia todo, enquanto 0 pai se encontre na caca ou va ‘0s mundéus” no mato e a mae esteja trabalhando nalguma roga te. Os pequenos gastam como bem entendem o dinheiro que em a titulo de esmola por ocasiao das viagens em que acom- inham 05 pais a Sao Paulo Gu a outra cidade. Estes muitos fatos melhantes caracterizam a atmosfera em que a crianga se desen- Ive, nela criando um sentimento de autonomia e de independén- or cia que nfo pode senfio levé-la a um comportamento em muitos sentidos idéntico a0 dos pais. Explica-se por isso, em parte, que seja quase nula a cultura infantil Guarani. Poucos so 0s brinquedos que no se reduzem i imitagao de atividades dos adultos. O menino Mbiié ja na idade de trés anos comega a exercitar-se no manejo de arco e flecha; cedo também constr6i o seu mundéuzinho de jigara. Entre os Mbiié da Palmeirinha, vi as criangas brincarem de caga e cagador; a caca por fim cafa no lago. Os Mbiié do Rio Branco adotaram ‘um jogo de eartas, a bisca; déle participam indistintamente os homens © os meninos de pouca idade- Dentre os raros brinquedos que nfo reproduzem atividades do adulto podem-se mencionar simples balancas de guaimbé em forma de U présas a algum galho horizontal (Mbit do Itariti). Mas tam- bém a éste respeito a aculturagio se faz sentir: a crianca — talvez, atraida pelo ideal que a civilizagao ocidental representa, parte cons- ciente, parte inconscientemente, para o Guarani —, comeca a inte- ressar-se pelos brinquedos que’ simbolizam 0 progresso téenico © 0 movimento, tal qual a nossa crianga citadina. Na aldeia do Rio Branco, um menino faz um avidozinho com auxilio de uma hélice de taquara, de um mago de cigarros (corpo do aviio) ¢ de céra de abelha silvestre. Outro utiliza como hélice uma folhinha de calen- ¥irio, No Araribi, um menino Nandéva constr6i um caminhiozi- ho, servindo-se de um pedago tésco de madeira e de dois carre- téis de linha soltos. — Mostram ésses exemplos que a crianga Guo- ran{ jé coloca seu proprio espitito inventive a servigo da satisfa- G0 de atividades Iidicas outrora inexistentes na cultura tradicio- nal, atividades que constituem inovagao no sentido de representa- em nio simples reflexo da cultura dos adultos, mas elementos ci- vilizatérios cuja significagdo decorre de um ideal aculturativo. (© extraordinario respeito & personalidade ¢ & vontade indivi- dual, desde a mais tenra infincia, torna praticamente impossivel © processo educativo no sentido de repressio. As tendéncias da crianga nada mais sio, na opinido do Guarani, do que _manifesta- ges de sua natureza inata. Um Mbiié do Xapecé fazia cigarros de palha para o filho de dois anos de idade, 0 qual em sua opinitio nascera “viciado”. Se de um lado tal forma de tratamento favo- rece atitudes de desembaraco, independéncia e autonomia na per- sonalidade infantil, de outro ‘parece provavel que a isto se deva, pelo menos em parte, a excessiva pieguice ligada a um sentimenta- lismo que aos olhos ‘do ocidental se classificaria de mérbido. Na neia, 0 Guarani nio aprende, por assim dizer, a dominar-se © Neontrariar as suas inclinagdes € 0 seu temperamento; adulto, vive Gueixar-se de tudo. E como lhe & quase inconeebivel a nogo do ependimento, tende a procurar sempre em outrem ¢ nunca em (Proprio a causa de scus sofrimentos. E’ claro que tal feitio de nalidade agrava de certo modo os efeitos da desintegracio cul- |, bem como outras manifestagses decorrentes da situagio de ginalidade ‘Na medida em que © adulto se preocupa com o desenvolvi- ento da crianca, a sua interferéncia diz respeito quase_que ex- isivamente ao crescimento ¢ bem-estar fisicos. As restrigdes a que [pai se submete ma couvade ¢ antes dela visam sobretudo a0 bem ico do recém-nascido. As medidas mégicas que se poem em pré- na infancia sio de ordem terapéutica e profilitica. Para evitar se formem sapinhos na béca do bebé, pendura-se-Ihe a0 pescogo quena bélsa de pano com sete “sapinhos" (provavelmente iti os). Tal usanga, observada entre os Nandéva do Araribé ¢ pro- Welmente de origem cabocla, é aniloga A de se amarrar em toro feada perna da crianca um cordel com migangas ¢ angis de perna saracura, “para aprender a andar depressa” (Mbiié do Rio Bran- )). Os Nandéva do Bananal, como vimos atrés, me falavam do imho matinal frio a que “os antigos” submetiam as criancas, para ferescessem fortes, prética hoje abandonada. Entre os Mbiid da Imeirinha vi uma crianga de colo, de sexo masculino, com uma seira de embira provida de um n6; disseram-me tratar-se de “sim- ti, para ficar forte”; o leitor, ¢ claro, niio deixard de pereeber a llogia com a “muquira” usada na munheca pelo nosso caboclo a m de tornar 0 brago forte. — Enfim, no tocante & existéncia fi- fs criangas estio continuamente cercadas de protecio € esti mégicos, ‘Com referéncia & alma, isto é, & individualidade psiquica e mo- |, hé algumas préticas de tratamento mégico-educativo, mas de ndéria importincia. A alma ji nasce pronta ou, pelo menos, determinadas qualidades virtuais, por assim dizer embrioné- | Em geral, nao se procura, por sso, forgar o desenvolvimento Thatureza psiquica. Sio poucos 05 recursos miigicos desenvolvi- pela cultura para se influir na formacio da personalidade dos maturos. Entre os Guarani de Dourados (tanto Kayové como Nan- segundo informagio de Marca] de Souza), 0s pais do recém- ido passam sdbre a béca déste uma orelha de pau (yrupé), fi que’ nao se tomne desbocado e no se acostume a dizer grosse~ o rias. “Educam” também a erianga feminina, desde os primeiros dias, passando-lhe sdbre as mios a pata dianeira duma catia, morta na caga; é para que a crianga aprenda bem a colhér batata-doce, ar € outros produtos da terra. Outra pritica dos mesmos Nandéva, 44 que também 0s adultos se submetem: mata-se um gaturamo (guyratd fe¥), ave que atremeda o grito das demais, tritura-se 0 corpo e mis tura-se com pé de fumo, que se mastiga, para com maior facilidade aprender a lingua dos brancos. Tratamento semelhante 20 dos Kayo- vi, que dio muita importincia A boa voz para 0 canto; consiste em gargarejo, por muitos dias, com um “remédio” da casca duma Arvore que nio pude identificar. Entre os Kayové, um menino de talvez oito anos de idade tinha ao pescogo um saquinho de couro ‘com marimbondos (Advy), a fim de se tomar esperto (kyréyvadja) Kyré} mombyr} ohé, “quem é esperto, vai longe”, explicou-me a rianga Disseram-me os Nandéva que nfo se ensinam as rezas as crian- 8, porque, sendo individuais, si mandadas diretamente pelas di- Vindades. Desde a mais tenra infancia, cada Nandéva participa, das ceriménias famifiais e das de tda a comunidade, aprendendo, assim, sem esf6rgo tudo 0 que faz parte do patriménio grupal; ao ‘mesmo tempo, fica A espera de que the seja enviada a sua reza prépria, que receberi em sonho. O mesmo se dé entre os Mbilé, onde todos co- Bhecem, a fOrea, de ouvilas sempre, as rezas de todos os compa- heiros; sio usadas como cangoes dé ninar e as eriangas pequenas, e dois anos de idade, j6 as cantarolam baixinho, por prdpria con: ta. Mais tarde, por sua vez terfo suas revelagdes. Dai o at de desdém com que Miguel, fianderti Mbiis, me disse: “Nés no pre- cisamos de dinheiro, nem de escola, porque Deus assim manda Crianga no precisa de escola, porque o saber vem de Deus”. E’ mentalidade a que se refere também o Padre Franz Miller, mis- siondrio da Congregacio do Verbo Divino, que trabalhou entre os Mbiié e outros Guarani do Paraguai ¢ que se queixa amargamente a rites {indios desprezam téda educagao intelectual, moral ou Dessa atitude destoa a dos Kayové, entre os quais a religiosida- Ge individual certamente néo € muito’ menos acentuada, mas que tém também uma espécie de “escola”, i ensino ministrado du- ante meses pelo pai a um ou mais jovens que se destinam ao officio 70 — Cursos para’ candidatos & pajelanga, aliés, existem tam- m entre Nandéva. Para éstes, 0 problema educacional toma aspecto peculiar em da crenga na reencarnacfo, inexistente nos outros subgrupos da . O extraordinério carinho que o Nandéva dedica & prole € 0 materno e paterno reforcado pela idéia de que os filhos sio @s queridos que voltam do outro mundo. J4 Curt Nimuendaji vou que a0 renascido se chamava “Tudjé”, velho. No Ara- bi, 0 ftanderti Sebastiio se refere a seu filho Vitor: “O Capitio midio morreu. Depois foi para o céu. Voltou, deu a reza para m e — olhe lé éle. E’ o Capitio Emfdio”. E assim por diante, 0 tho mais velho de Bastido € a reencarnagio do sogro, uma a sogra. Nio admira que o Nandéva dé sempre muita indepen- Mncia aos filhos. Endo admira que o filho mais velho de Bastiéo, bora adolescente, se comporte como adulto, que discuta os mes- problemas, que se preocupe da mesma forma com as relagdes re 08 indios e os funciondrios do Servigo de Prote¢ao aos Indios foutros assuntos dessa ordem. Como sc ha de exigir muita sub- retraimento de uma crianga que, hd poucos anos, todos theceram como adulto, talvez como velho chefe religinso © po- ‘médico-feiticeiro? E como se hé de, por exemplo, dar es- ial relévo a0 aspecto educativo da iniciagio pubertiria, se a nga, como adulto renascido, participa de ha muito de todas as f¢ ceriménias coletivas? E como haveria, enfim, terreno para desenvolver uma cultura infantil bem diferenciada? E’ reduzido 0 nimero de brinquedos da crianga Guarant per- intes antiga cultura tribal. Entre os Kayové ¢ os Nandéva de wrados observei a peteca de palha de milho, a que os, primeiros mam mangé ¢ os iiltimos mbopé. Em Jacarei vi as criancas brin~ de cuia, com cordel de fibra de caraguatd; a Gni- denominacio que davam a0, objeto era a de trompo, 0 que pa- fevidenciar que o receberdm dos vizinhos paraguaios. Por sua © j6g0 de “bolinhas de vidro” ou gude, igualmente praticédo ‘meninos daquela aldeia, € conhecido apenas pelo nome de lita; como nfo possnissem bolinhas de vidro, as criangas recor- um a frutos de macatiba (mbokadj4) . De modo geral, porém, essas manifestagBes de cultura especi- jente infantil sio minimas diante da participagéo da crianca ‘padrdes culturais dos adukos. Nos grupos mais aculturados, Estes jé tocam viokio e se alegram com misica sertaneja ou té carnavalesca, acontece que 0 pai compra para o filho de seis ou > n sete anos de idade um cavaquinho, no qual éste entio procura tocar a5 modinhas que esta acostumado a ouvir. Por scu turno, as crian- sas cedo aprendem as rezas cantadas, ndo s6 & fora de’ assistirem ecnstantemente as cerimdnias religiosas, ¢ de delas participarem, mas. também porque essas rezas sio usadas, por vézes, como cangées de ninar, a0 que observei entre os Nandéva do Itariri, onde, como entre (03 Mbiis, também vi pequerruchos de poucos anos de idade as can- tarolarem. sdzinhos. A atitude em face da educagio se modifica de modo visivel ‘com a marcha do processo aculturativo, que traz n6vo ideal de cul- tura_e aspiragves sociais anteriormente desconhecidas. Sobretudo 05 Nandéva do litoral de Sio Paulo revelavam por vézes acentuada preocupacdo com os problemas de ensino, decorrente de um desejo manifesto de parecerem mais civilizados. Um casal ficou morando por trés ou quatro anos em Sio Vicente, s6 para que 0 filho pu- desse af froqiientar 0 grupo escolar. A fim de ganhar o sustento, ‘© menino vendia entio arcos e flechas em Guarujé e em outros pon tos procurados por banhistas ow turistas. Como, porém, a escola io € instituigéo integrada na cultura tribal, 0 desejo de civilizagio nem sempre se concretiza na freqiiéncia regular ao estabelecimento de ensino, mesmo que haja possibilidade para tal. O encarregado de Pésto Indigena Curt Nimuendajé, do Araribé, queixava-se dos Guaranf, os quais mandavam as criangas & escola do posto $6 nos dias em que se distribuissem aos alunos roupas e mantimentos. No- te-se, de passagem, que as mesmas queixas no se faziam com re- feréncia aos Teréno daquela mesma aldeia: os filhos déstes cram assiduos ¢ tinham aproveitamento satisfat6rio. Talvez a causa es- teja na orientagio mais pritica e positiva dos Teréno, que, alias, naguele mesmo pésto chegaram a eficiéncia econémica incompari- velmente superior & dos Guarani. A organizacdo social dos Guarani se baseia na familia-grande. Segundo Linton, a crianga que cresceu nesse tipo de familia apren- de a no fixar ou focalizar as suas emocdes ou expectativas de re- compensa e punigio em poucas ou determinadas pessoas. Varios adultos estio em condigdes de punir e de recompensar. O’ que um ‘nao faz, outro podera fazer. — Também como adulto 0 Guarani tem pouca estabilidade emocional. Nao conhece o amor romintico, borboleteia nas relagdes amorosas ¢ ficilmente desmancha 0 casa- mento, deixando 0 filho com a mulher, para unit-se a outra, fatos que, alids, se agravam com a desorganizagdo social. Da mesma for- ma nio é em geral capaz de Gdios muito prolongados, nem de ati- 72 rancorosa. Hoje briga com o vizinho, amanhi torna a conver- fa divertir-se com éle ou vai pedir-lhe um pouco de feijio ou caixa de f6sforos. Ha tempos, os indios do Itariri tiveram uma f bem feia na estacio local; arrancaram sarrafos da eérea, avan- furiosos uns contra os outros. Daf 2 pouco, sentaram-se to- ‘hum grupo, rindo, conversando ¢ gracejando. A raiva se des~ a como furnaga. ‘Vem a propésito aqui também a observagio de Linton de que steer em que ay ean slo obras gros obi fos pais, elas se tornam, quando adullas, pessoas pouco inde- oe on, ee ees ee ido mesmo casos extremos em que € necessirio educar alguns pot fndividuos selecionados para se tornarem Mderes*. Entre os iarani, cuja educacio repressiva é quase inexistente, nao se de- hvolve forte senso de disciplina e de autoridade. Cada qual se formar chefe, contanto que sinta a necessiria vocagio sobre- ral; em geral bastam priticas espontineas ¢ auto-impostas para wbelecer 2s qualidades mégicas ¢ obter inspiragio religiosa. Cada fe de familia € ou pode tornar-se chefe de bando. A idéia de igovérno organizado, de tipo estatal, existe bem nitida, mas ape- ‘nym campo abstrato, dentro do ritual religioso ¢ da mitologia, funciondrios do S. P. I. sio undnimes nas queixas com relacio Mificuldade de submeter os Guaran{ as normas do Servigo.. Sem sejam violentos, — a0 contrario, sio chores —, ésses indios mmpre acham um jeito de fugir abs regulamentos. No Araribi,,¢0- Himos, houve a tentativa de enquadrar os Guarani no. siste- Eeondmico-administrativo do pésto, dando-se-lhes cafézais ja for- fados, Dentro de poucos anos estava tudo arruinado. O Guarani p sabe adminisrar um eafézal. Nao, tem dscplina de trabalho, ruém Ihe ensinot em crianga. Eo chefe para o qual con- cgvsua nogéo de autoridade € antes de mais nada chefe rel "hander, bondoso como um pai, diretor espiritual que quer os “stiditos” a0 paraiso do herGi civilizador. A autoridade se liga 20 cargo chega a consideri-la 0 dignitério como péso agradiive!. O fanderit Bastido me diria com insatisfagio: “Todos icostem em ‘mim, que eu sou fonder. Na maior parte das ideias atuais, 0 capitdo, 0 chefe oficial do grupo, é individuo rela- mente jovem, escolhido pelo funcionério do Servigo de Protecio fndios e que em geral néo da muita importincia & dignidade seu cargo —~ a nio ser para mendigar 73 2. Casamento Entre Nandéva e Kayové, outrora, a iniciativa para 0 casamen- te partia da mae da noiva, ou, as vézes, do noivo. Hoje, na maio- ria dos casos quem a toma € 0 rapaz. Este se entende com a méca © 0 pai dela, que por sua vez serve de intermedidrio entre 0 pre- tendente ¢ a mie da jovem. Se o rapaz se dirige a0 futuro sozro, 6 por se tratar de entendimento de homem para homem, considera- de menos dificil. O pai pouco se incomoda com os problemas de casamento dos filhos, a0 contrétio da mae, que se interessa de fato pelo futuro da filha,’ indagando da opinido dela; esta por seu tuo Ihe pede conselho © a devida licenga. A filha casada, aliés, quando fica morando perto da mie, gosta de passar 0 dia com ela. — En- tie 0s motivos de recusa a'um pretendente indicaram-me no sul de Mato Grosso o ser éle cachacciro, vagabundo, cconémicamente inca- paz, membro de outro subgrupo da tribo, de origem paraguaia ou luso-brasileira, ou simples antipatia pessoal. Casos hé, entre 0s Kayo: v4 e Nandéva dessa regiéo, em que a mae sugere comhecido como ordeiro, trabalhador © possuidor, talvez, de ani de montaria, morada propria, rocas, criagio —, indo ela mesma, a mie, entender-se com o rapaz. Os mogos mais trabalhadores vivem em casa propria jé como soltciros, tendo economia independente. Entre os Kayové, 0 casamento era mais um problema das duss familias, que 0 ajustavam préviamente, impondo-o aos jovens; nesse subgrupo, alids, € um pouco mais precoce do que nos outros dois. Hoje niuitos pretendentes j& fazem valer a sua vontade. Relatam-se exem: pos, isolados embora, em que o jovem rapta a noiva, caso ela nfo consiga vencer a resisténcia dos pais. Repressio désse “abuso” tem sido feita pelos funciondrios do Servigo de Protecio aos Indios _ Entre os Mbiié, a iniciativa para a vida amorosa € do rapaz Ha uma espécie de matriménio de prova; muitos tém uma “com- panheira” (creird Kula vae) antes de casarem. Depois de enten- der-se com a menina, 0 rapaz se dirige aos pais dela, ndo preci sando permissio dos proprios pais. Leva a companheira para a casa paterna, onde vive com ela por algum tempo: e onde ela cozinha junto com a mae do rapaz. Havendo filho oriundo das relagdes ¢ se “se acertarem”, isto é, se houver acdrdo, tratam de casar. O ra- paz arma-se de coragem e pede licenca ao’ pai da jovem, 20 passo que ela a solicita & mie do rapaz. Entre os Mbiié do Xapecé disse ram-me que o fianderié celebra 0 casamento, que se comemora com um baile. © matriménio experimental — nao sei qual é a sua fre- incia — se caracteriza por dois tragos importantes: primeiro, pe- ppatrilocalidade e, em segundo lugar, pela auséncia de deveres eco- icos definidos. $6 com a uniio definitiva € que 0 casal passa sr morada propria, vindo a constituir grupo de producio e con- mo parcialmente independente. Importante € notar que o rapaz do obtém a sua liberdade, enquanto a jovem praticamente fica sa a sua familia de origem até o fim da vida Casam cedo; entre os Kayové e Mbilé a mulher pelos 14 anos dade, 0 homem pouco mais tarde; entre os Nandéva, a mulher 16 anos, o homem pelos 17 ou 18. Kayové ¢ Nandéva proi- m as relagdes pré-nupciais, ao passo que os Mbiié, como vimos, fnstitucionalizam. Afirmam os Kayovd que as ongas comem de feréncia os filhos das solteiras ¢ adilteras No tocante ao casamento preferencial do tio materno com a so- finha, assinalado para outras tribos da familia linglisticn Tup(-Gua- 5," no encontrei dados claros, fidedignos e univocos entre os jaran{ de qualquer dos trés subgrupos. As informacdes acérea de possibilidade eram contradit6rias, 0 que pode ser talvez. indicio padrio outrora existente e hoje abandonado ou em vias de sé-lo. Fito é que as declaragdes sobre 0 tema eram feitas em geral com seguranga e que na realidade no encontrei nenhum caso con- to de tal casamento. Também as informagoes sdbre ésse tipo de ifo em época antiga cram muito vagas: a0 passo que uns nega- M categoricamente terem noticia do casamento avuncular, quer instituigo, quer como caso fortuito, outros © admitiam, mas mesma forma a unio da sobrinha com o tio paterno. Referin- ‘a Nandéva ¢ a Kayové, Margal de Souza afirma considerar im- veis tais unides, de vez que os sobrinhos de um € outro sexo, nto os filhos da irma como os do irmio, seriam “o mesmo que os s". Quanto ao casamento do sobrinho com a tia, materna ou sna, mio € permitido, segundo vor. uninime dos informantes; mbém os Mbiié estudados por Cadogan 0 consideram incestuoso Em oposigio ao que se dé com os Mbiié, que negam a possi- lidade, os Nandéva ¢ Kayové admitem 0 casamento entre primos, lelos e cruzados, indistintamente. S6 os Nandéva do Itariri ¢ do al me declararam serem proibidas essas unides, talvez. por efi de aculturagéo. A tia de meu informante Margal, irma do pai, fa que o sobrinho casasse com a filha dela; explicava que dessa ma pretendia evitar o casamento do rapaz com mulher ndo-Gua- ini. Embora na terminologia de parentesco irmaos.¢ irmas se iden- fiquem com primos e primas, a coesio social entre éles no € mui- to acentuada, como, aliés, nfo o € tampouco entre os irmaos, qui de um ou de outro sexo. Isto vale para os Nandéva © os Kayovdy entre uns e outros também se nota que o homem manifesta nfo rarg com relagio aos sobrinhos, tanto aos filhos da irma como aos a inmao — de preferéncia da irma, segundo Margal —, maior ligacid afetiva © tendéncia para auxilio do que no tocante as proprios fis Thos. Haveria nisso algum vestigio de antiga instituigéo avuncular? No aspecto ritual do casamento se manifesta com especial evis déncia a situagdo aculturativa das diferentes comunidades que cons. tituem a tribo. Ao que tudo indica, na cultura tribal no havia pri ticamente ceriménia de casamento cm nenhum dos subgrupos, a ‘nid ser entre os Kayové, que também exigiam, como condicio para 0 casamento, que 0 rapaz tivesse o lébio inferior furado. Isto provi. yelmente vale também para os Mbiid. Em conversa com 0 indio cente, informante do Amambai, éste, Jamentando que parte da nova Beragio jé “nio sabe direito a lingua” © que hoje em dia muitos companheiros de tribo, “patricios”, nio tém 0 orificio labial, afir~ mou: “Antigamente ninguém casava antes de furar 0 beigo. Hoje 0 Kuyové € quase como bicho, porque no conhece o sistema dos a ig0s, nem 0 dos civilizados”. Segundo o mesmo informante, existiv outrora entre os Kayové uma ceriménia de casamento, que mio eri feita pelo fanderit ow pai (20 contrério do que me’ disse Marcal de Souza), nem pelo capitio da aldeia, mas por um casal, isto é, por um homem casado e pela espdsa déle; o homem pegava o ra Paz pelo braco, a mulher & méca, juntavam-nos e consideravam-not casados. Tal prética, hoje desaparecida, e acérca da qual nio lo rei obter pormenores, muito provivelmente se originou em época pés-colombiana; © casal que realiza a ceriménia lembra “testemu- nhas” ou “padrinhos” de casamento da época das missdes. O certo € que hoje entre os Kayové o casamento é realizado, de maneira informal, pelo capitio da aldeia, que decide se os pretendentes de- ‘ven ou nao considerar-se casados Em tempos idos, os Kayové comemoravam 0 casamento com uma chicha; hoje se contentam, pelo menos em certas aldeias, com tum “baileco tipo paraguaio”. na casa da noiva e por conta da fam lia desta. Para a diversio se convida a aldeia téda, oferecendo-se comida aos que comparecam, ¢ bebendo-se cachaga em lugar de ch cha, Nao se dio presentes aos noivos Curiosa combinagéo de clementos tradicionais com outros, de adogdo recente, 6 observada entre os Nandéva do Araribé. Vé-se bem como af as ceriménias de casamento vieram integrar-se na cule bal na medida em que esta conservou caracteristcas que Ihe htiam tal inepracao. A instituigao do casamento foi adotada comunidade; a sua realizagio se faz segundo 0 que se poderia mar de “téenicas cerimoniais tradicionais”. Nao assisti a nenhum mento; devo a descrigio a0 velho Capitio Mancco, Pofdj. Eis depoimento: Nao hd muito naméro. Em geral, 0 jovem se aos pais da menina, pedindo 0 consentimento’ para casar. indagam da opiniio da filha. Entio os pais de ambos com- m com os noise com o fander o dia de omomendé, do ca, ento, festa para a qual no se usa o nome fiemongarai (! By taco tastes no chaueie (cana estar rss) 20 . Assistem parentes © amigos; os homens levam os se tenham djeatsad também o levam. O noivo precisa de djeatsad barat @ nova, de djeatad © (a)kanguad (dadema de_penas yavio, gralha — até de aves domésticas) e de taku Bndeme"duas‘ou trés velas de céra de abelha silvestre c todos © dansam. Durante exrimGnit 0 ander sopr no, peit € do noivo; depois passa com as duas mios pela cabega e Be samen nukeuer Em sega, bob cat de mao, fo pelas mulheres (na fabricagio a noiva pode ajudar); bebem imente mel de abelha silvestre; as vézes também levam comida. eriménia hé dois casais de padrinhos; um para 0 noivo, outro ‘2 noiva. A quaisquer pessoas escolhem para ésse fim. Em casa, is, se realiza a festa do casamento, na qual se danga segundo a lea dos civilizados. Na falta de outro instrumento, fazem flauta faquara (rnimby). — Além da ceriménia no ofguatsi, obriga- para todos os casas, hi também o casamento na igreja eatélica, se realiza depois daquela e a que nem todos se submetem; os nhos que nela funcionam nio sio indios, mas pessoas civliza- BS que tenham relagées de amizade com os nubentes. O casamen- ina igreja catélica é seguido de festa na casa do pai da noiva, co- também ¢ costume entre os civiizados da regio. Alguns 3° ‘gualmente no cart6rio, com padrinhos civilizados, “para nio goarem dos indios”. casamento feito pelo fianderté ¢ segundo ritos da religito in- bit do Xapec6, ja mencionado. Em todos os demas grupos é, menos hoje em dia, tarcfa do capitio, representando éste de j9 modo as autoridades do régistro civil, ou entio, nos lugares em hha pésto, o funcionirio do Servigo de Protegio’ aos Indios. Na fein do Rio Branco, Alcides é quem realiza os casamentos em sua 7

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