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Auschwitz, optei por publicar aqui uma carta do embaixador de Portugal em Berlim durante o
plenipotenciário na capital alemã entre 1933 e 1940, Veiga Simões observou de perto, por
um lado, a subida de Hitler ao poder e, por outro, a consequente degradação das condições
de vida da população judaica alemã. Nos círculos diplomáticos da capital do Reich, Veiga
Simões era conhecido como um ―anti-ariano‖ revoltado pela forma brutal como os nazis
tratavam os judeus. Alem de testemunhar a desumanidade nazi face aos judeus, nesta carta
o embaixador pede que seja concedida a nacionalidade portuguesa a dois judeus que
diplomacia portuguesa desta época que é ainda muito pouco conhecida fora dos círculos
académicos portugueses.
Confidencial.
Excelência
perseguição aos judeus, contêm disposições que lhes vêm criar uma situação que para a
grande maioria será completamente insustentável. Não se lhe encontra, por mais que se
procure, uma solução para a simples manutenção diária dos milhares de israelitas que ainda
se encontram neste país. Aos médicos passa a ser proibido exercer clínica, mesmo livre, e
lhes toda a possibilidade de actividade. Eram estas as duas classes que, entre os judeus,
ainda até agora iam podendo suportar, embora mal, a situação que lhes haviam deixado. Até
isso vai acabar e, como medida final e vexatória, acaba de ser imposto a todos os judeus
que não tenham já um nome constante duma lista oficialmente publicada – e que segundo
corre foi elaborada com o propósito de abranger o menor número – acrescentar ao seu
próprio nome e usar em todos os actos da sua vida social e particular, a partir do dia 1 de
Janeiro próximo, e sob penas severíssimas de prisão e multa, o nome ―Israel‖ ou ―Sara‖
conforme o sexo.
O conjunto destas medidas vem atingir alguns cônsules de Portugal neste país que não posso
precisar quais sejam na totalidade – talvez uns quatro – mas de que desejo destacar dois
Portugal há 42 e o segundo é-o há mais de 20 anos – que têm sempre demonstrado pelo
serviço e pelo nosso País uma dedicação perfeita, prestando por vezes a esta Legação
serviços altamente importantes quer em matéria informativa quer noutras de que os haja
encarregado, a par duma perfeita execução das suas funções propriamente consulares.
Ambos eles vão ser atingidos pelas últimas disposições legais do Reich sobre judeus e a
situação em que vão encontrar-se virá a ser dentro em muitos poucos meses, totalmente
que brevemente o Governo do Reich vai solicitar de todos os Governos a substituição dos
humanamente para esses dois velhos servidores e estender-lhe a sua protecção, pela única
residiram bastante tempo em Portugal, creio que mais do que o necessário para aquisição do
tem recebido os mais valiosos serviços que podiam prestar-lhe dentro da sua esfera de
acção.
quaisquer formalidades não essenciais. E constando-me que por razões relacionadas com a
nacionalidade, devo esclarecer V. Exa. que, no caso sujeito, uma demora de alguns meses
inutilizará por completo uma eventual resolução favorável, pois em muito curto prazo a nova
legislação alemã terá atingido os dois cônsules com todos os seus efeitos.
Se V. Exa. se dignar concordar com esta proposta, posso assegurar-lhe que terá praticado
um acto de nobre humanidade, digno de um Estado que não esquece nem abandona os seus
velhos e leais servidores, e que é ao mesmo tempo a única recompensa que pode ser
A Bem da Nação
Veiga Simões
verdade, e além das simpatias políticas, o Estado Novo tinha uma política oficial de ―não
―Portugal não tem razões de ordem política ou rácica que o levem a ocupar-se deste
problema que nos seus territórios não existe, mas nos quais por isso mesmo, não está
disposto a fazê-lo nascer‖, escrevia-se num ofício do Ministério dos Negócios Estrangeiros
datado de 1939. O ―judeu estrangeiro‖ foi declarado ―moral e politicamente indesejável‖ pela
entrada destes em Portugal. Ainda assim, alguns refugiados judeus conseguiram socorre-se
de Portugal como plataforma para escapar à Europa, maioritariamente para os EUA, para o
Brasil ou para a Argentina. (Sobre eles aconselho o filme notável de Daniel Blaufuks,Under
Strange Skies / Sob Céus Estranhos) Ainda assim, e com o desincentivo oficioso do Governo
Numa entrevista recente publicada na Ipsilon e conduzida por José Manuel Fernandes, o
historiador alemão Carsten L. Wilke afirma: ―Portugal, quando Hitler já estava no poder, teria
podido salvar milhares de judeus descendentes dos que tinham partido séculos antes, mas
O caso dos judeus de ascendência portuguesa, citado por Wilke, é paradigmático. Em vez de
franceses e alemães cujos nomes de família (Nunes, Costa, Ricardo, Mesquita, Leão de
Laguna, Lopes Cardoso, etc.) deixavam muito poucas dúvidas quanto à sua origem
ancestral, o regime decidiu virar-lhes as costas e dificultar-lhes até a simples tarefa de obter
um visto de trânsito, selando o seu destino nos campos de extermínio nazis. A 23 de Abril de
1940, por exemplo, os cônsules portugueses na Holanda eram avisados para que, quando
requerentes eram judeus, sendo que ―nenhum visto em passaportes judeus poderia ser
concedido sem autorização do MNE‖, que respondia assim à exigência da PVDE de ―evitar a
entrada em Portugal de indivíduos dessa qualidade‖. É sobre este pano de fundo que
Magazine, EUA).
Crianças da mocidade portuguesa fazem a saudação nazi. Foto de Bernard Hoffman (Life
Magazine, EUA).
A carta do embaixador Veiga Simões acima reproduzida encontra-se no livro Correspondência de um Diplomata do 3º
Reich, organizado por Lina Madeira, e é transcrita integralmente também em Breve História dos Judeus em Portugal, de
Jorge Martins — um pequeno volume que se assume como uma introdução fundamental para quem queira
compreender o papel dos judeus portugueses na construção da nossa História.
Shoah
Em Memória das Vítimas do Holocausto
Carsten L. Wilke
http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=234575