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Às escondidas de todos
Vou pegar-lhe pela mão
E sentá-lo no meu colo
Para ver televisão.
Natal, e não Dezembro Natal de paz agora
David Mourão-Ferreira Nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
Num mundo de oprimidos?
Entremos, apressados, friorentos, Natal de uma justiça
Numa gruta, no bojo de um navio, Roubada sempre a todos?
Num presépio, num prédio, num presídio, Natal de ser-se igual
No prédio que amanhã for demolido... Em ser-se concebido,
Entremos, inseguros, mas entremos. Em de um ventre nascer-se,
Entremos, e depressa, em qualquer sítio, Em por de amor sofrer-se,
Porque esta noite chama-se Dezembro, Em de morte morrer-se,
Porque sofremos, porque temos frio. E de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
Entremos, dois a dois: somos duzentos, Quando a fome ainda mata?
Duzentos mil, doze milhões de nada. Natal de qual esperança
Procuremos o rastro de uma casa, Num mundo todo bombas?
A cave, a gruta, o sulco de uma nave... Natal de honesta fé,
Entremos, despojados, mas entremos. Com gente que é traição,
De mãos dadas talvez o fogo nasça, Vil ódio, mesquinhez,
Talvez seja Natal e não Dezembro, E até Natal de amor?
Talvez universal a consoada. Natal de quê? De quem?
Natal de 1971 Daqueles que o não têm?
Jorge de Sena Ou dos que olhando ao longe
Sonham de humana vida
Um mundo que não há?
Natal de quê? De quem? Ou dos que se torturam
Daqueles que o não têm? E torturados são
Dos que não são cristãos? Na crença de que os homens
Ou de quem traz às costas Devem estender-se a mão?
As cinzas de milhões?