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A gestão de organizações cooperativas apresenta muitas diferenças em relação às demais sociedades mercantis, onde a tônica é o lucro. Mesmo com estas diferenças, alguns gestores ainda insistem em utilizar as ferramentas, conceitos e técnicas desenvolvidos para a gestão de empresas capitalistas na gestão de cooperativas, desconsiderando as diferenças entre estes dois tipos de organização. O mais recente exemplo desta “transposição” de práticas de gestão é a questão da Responsabilidade Social. O cooperativismo é balizado por princípios que são discutidos no âmbito da Aliança Cooperativa Internacional (ACI). Na reunião de 1995, em Manchester, Inglaterra, foram feitas alterações nos princípios. Uma delas foi a inclusão do Princípio da Preocupação com a Comunidade. Neste trabalho defendemos que esse Princípio (que é, geralmente, entendido como Responsabilidade Social para Cooperativas) tem importantes diferenças em relação à responsabilidade social praticada pelas empresas mercantis. Estas diferenças se iniciam com os motivos que levam às ações, passam pelo processo decisório relativo a elas e culmina com a natureza dos objetivos das ações em relação às próprias organizações. Para realizar esta diferenciação utilizamos o arcabouço da Teoria da Dádiva para entender os propósitos da aplicação prática do Princípio da Preocupação com a Comunidade pelas organizações cooperativas.
Título original
Princípio da Preocupação com a Comunidade ou Responsabilidade Social para Cooperativas? Uma abordagem baseada na Teoria da Dádiva.pdf
A gestão de organizações cooperativas apresenta muitas diferenças em relação às demais sociedades mercantis, onde a tônica é o lucro. Mesmo com estas diferenças, alguns gestores ainda insistem em utilizar as ferramentas, conceitos e técnicas desenvolvidos para a gestão de empresas capitalistas na gestão de cooperativas, desconsiderando as diferenças entre estes dois tipos de organização. O mais recente exemplo desta “transposição” de práticas de gestão é a questão da Responsabilidade Social. O cooperativismo é balizado por princípios que são discutidos no âmbito da Aliança Cooperativa Internacional (ACI). Na reunião de 1995, em Manchester, Inglaterra, foram feitas alterações nos princípios. Uma delas foi a inclusão do Princípio da Preocupação com a Comunidade. Neste trabalho defendemos que esse Princípio (que é, geralmente, entendido como Responsabilidade Social para Cooperativas) tem importantes diferenças em relação à responsabilidade social praticada pelas empresas mercantis. Estas diferenças se iniciam com os motivos que levam às ações, passam pelo processo decisório relativo a elas e culmina com a natureza dos objetivos das ações em relação às próprias organizações. Para realizar esta diferenciação utilizamos o arcabouço da Teoria da Dádiva para entender os propósitos da aplicação prática do Princípio da Preocupação com a Comunidade pelas organizações cooperativas.
A gestão de organizações cooperativas apresenta muitas diferenças em relação às demais sociedades mercantis, onde a tônica é o lucro. Mesmo com estas diferenças, alguns gestores ainda insistem em utilizar as ferramentas, conceitos e técnicas desenvolvidos para a gestão de empresas capitalistas na gestão de cooperativas, desconsiderando as diferenças entre estes dois tipos de organização. O mais recente exemplo desta “transposição” de práticas de gestão é a questão da Responsabilidade Social. O cooperativismo é balizado por princípios que são discutidos no âmbito da Aliança Cooperativa Internacional (ACI). Na reunião de 1995, em Manchester, Inglaterra, foram feitas alterações nos princípios. Uma delas foi a inclusão do Princípio da Preocupação com a Comunidade. Neste trabalho defendemos que esse Princípio (que é, geralmente, entendido como Responsabilidade Social para Cooperativas) tem importantes diferenças em relação à responsabilidade social praticada pelas empresas mercantis. Estas diferenças se iniciam com os motivos que levam às ações, passam pelo processo decisório relativo a elas e culmina com a natureza dos objetivos das ações em relação às próprias organizações. Para realizar esta diferenciação utilizamos o arcabouço da Teoria da Dádiva para entender os propósitos da aplicação prática do Princípio da Preocupação com a Comunidade pelas organizações cooperativas.
Ttulo: Princpio da Preocupao com a Comunidade ou Responsabilidade Social
para Cooperativas? Uma abordagem baseada na Teoria da Ddiva
Autor: CANADO, A. C.; JNIOR, J. T. S.; RIGO, A. S. Fonte: V Encontro Latino Americano de Pesquisadores da ACI, realizado em 2008 pela FEARP/USP
Princpio da Preocupao com a Comunidade ou Responsabilidade Social para Cooperativas? Uma abordagem baseada na Teoria da Ddiva
IDENTIDADE, VALORES E GOVERNANA DAS COOPERATIVAS
Airton Cardoso Canado Universidade Federal do Tocantins (UFT) e Faculdade Catlica de Tocantins E-mail: airtoncardosouft.edu.br
Jeov Torres Silva Jnior Universidade Federal do Cear (UFC) E-mail: jeovatorres@ufc.br
Aridne Scalfoni Rigo Universidade Federal do Vale do So Francisco (UNIVASF) E-mail: ariadne.rigo@univasf.edu.br
Resumo A gesto de organizaes cooperativas apresenta muitas diferenas em relao s demais sociedades mercantis, onde a tnica o lucro. Mesmo com estas diferenas, alguns gestores ainda insistem em utilizar as ferramentas, conceitos e tcnicas desenvolvidos para a gesto de empresas capitalistas na gesto de cooperativas, desconsiderando as diferenas entre estes dois tipos de organizao. O mais recente exemplo desta transposio de prticas de gesto a questo da Responsabilidade Social. O cooperativismo balizado por princpios que so discutidos no mbito da Aliana Cooperativa Internacional (ACI). Na reunio de 1995, em Manchester, Inglaterra, foram feitas alteraes nos princpios. Uma delas foi a incluso do Princpio da Preocupao com a Comunidade. Neste trabalho defendemos que esse Princpio (que , geralmente, entendido como Responsabilidade Social para V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 2 Cooperativas) tem importantes diferenas em relao responsabilidade social praticada pelas empresas mercantis. Estas diferenas se iniciam com os motivos que levam s aes, passam pelo processo decisrio relativo a elas e culmina com a natureza dos objetivos das aes em relao s prprias organizaes. Para realizar esta diferenciao utilizamos o arcabouo da Teoria da Ddiva para entender os propsitos da aplicao prtica do Princpio da Preocupao com a Comunidade pelas organizaes cooperativas
Palavras-chave: Preocupao com a Comunidade. Teoria da Ddiva. Responsabilidade Social Corporativa.
Abstract Management of cooperative associations is very different than to management other companies market, which emphasizes the profit. However, some cooperatives managers insist to use tools, concepts and techniques developed for the management of capitalist enterprises, without to consider the differences them. The most recent example this transposition practices is the Social Responsibility. The cooperativism movement is based in principles discussed by International Cooperative Alliance. In 1995, in Manchester, England, the International Cooperative Alliance changed the principles and included the Principle of Concern for Community. We advocate that this principle (which can be understood as Social Responsibility for Cooperatives) is very different when compared to Social Responsibility practiced by companies market. These differences starting with the reasons that actions, involving its decision-making and culminates with the goals them in relation to organizations themselves. In this article, this differentiation is based on Theory of Donation to understand the purposes of the practical application of the Principle of Concern for Community of the cooperatives associations
Key-words: Concern for Community. Theory of Donation. Social Responsibility
V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 3 1. Introduo O cooperativismo, desde seus primrdios, direcionado por princpios, que diferenciam este tipo de organizao das demais sociedades empresariais. O estatuto da primeira experincia cooperativista 1 em 1844, em Rochdale, previa princpios que explicitavam os valores sobre os quais a organizao cooperativa deveria ser criada (SINGER, 2002). Segundo Schneider (1999, p.43), alguns dos fundadores da Cooperativa de Rochdale j haviam participado de outras organizaes pr-cooperativas, como a Friendly Rochdale Co-operative Society. Eram tambm, segundo o autor, fiis owenistas 2 e outros haviam aderido antes corrente poltica cartista 3 , mas, aps as tentativas frustradas de insurreio, aderiram corrente moderada de OConnor 4 . Alm disso, muitos dos pioneiros de Rochdale participavam de movimentos em prol da melhoria das condies de trabalho. Estas experincias anteriores proporcionaram um maior amadurecimento das idias cooperativas, que seriam expostas quando da constituio da cooperativa de Rochdale. Esta primeira cooperativa, que ficou tambm conhecida como Cooperativa dos Probos Pioneiros Eqitativos de Rochdale, foi constituda como uma cooperativa de consumo. Seus fundadores, porm, no desejavam apenas alimentos puros a preos justos. Dentre seus objetivos, tambm figuravam a educao dos membros e familiares, o acesso moradia, e ao trabalho (atravs da compra de terra e fbricas) para os desempregados e os mal remunerados. Desejavam tambm o estabelecimento de uma colnia cooperativa auto-suficiente (MAURER JNIOR, 1966). O xito de Rochdale proporcionou uma grande expanso do cooperativismo, em sua forma moderna na Gr-Bretanha. Em 1881, o nmero de associados a cooperativas chegava a 547 mil e em 1900 j eram 1.707
1 Diversos autores consideram esta cooperativa (registrada como Friendly Society) como a primeira cooperativa moderna por ter sistematizado seus princpios e valores em seu estatuto, entre eles esto: CARNEIRO (1981), SINGER (2002), CRZIO (2002), MAURER JNIOR (1966), SCHNEIDER (1999). 2 Robert Owen (1771-1858) considerado como um dos precursores do cooperativismo, segundo MAURER JNIOR (1966), quando se tornou dirigente de uma fbrica em New Lanark passou a preocupar-se intensamente com o bem estar dos trabalhadores, dedicando-se sua educao, reduzindo as horas de trabalho, organizando armazns onde pudessem adquirir produtos a preos mdicos. Mais tarde criou nos Estados Unidos, uma colnia de carter comunista a New Harmony -, que terminou em malgro (p.25-6) A importncia de Owen no se resume a estas experincias, ele foi um ativo defensor da unio das classes trabalhadora a nvel nacional e internacional. Defendeu tambm um movimento que se intitulava Novo Mundo Moral que pregava a construo de um novo mundo atravs de colnias ou comunidades cooperativas (SCHNEIDER, 1999). 3 O cartismo, ou movimento cartista, segundo SCHNEIDER (1999), pregava a emancipao do proletariado pela via poltica atravs do direito do voto, e foi a primeira importante mobilizao em prol da conscientizao da classe proletria (p.41) O cartismo promoveu trs insurreies fracassadas: 1839, 1842 e 1848), passando posteriormente a ser perseguido pelo governo, tendo seus lderes exilados. 4 O irlands Feargus OConnor, segundo SCHNEIDER (1999, p. 43), era um crtico de Owen e dos owenistas, pois os considerava utpicos, j que no conseguiam melhorar efetivamente as condies do trabalhador. Foi um dos lderes do cartismo, porm com tendncia mais moderada, e aps as insurreies fracassadas optou pela criao de comunidades rurais, baseadas na propriedade privada e onde algumas funes da atividade econmica se exerciam de forma cooperativa. V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 4 milho (SINGER, 2002). No Brasil, o cooperativismo chega atravs dos imigrantes europeus em meados do sculo XX. No incio tomou a forma de cooperativas de consumo na cidade e de cooperativas agropecurias no campo (SINGER, 2002, p. 122). Em 1895 foi criada a Aliana Cooperativa Internacional (ACI), em Londres, Inglaterra, por iniciativa de lderes ingleses, franceses e alemes (SCHNEIDER, 1999). Desde ento [...] a Aliana Cooperativa Internacional, munida de subsdios histricos e inspirada na experincia cooperativa em vrios pases, passou a assumir formal e explicitamente o legado de Rochdale (SCHNEIDER, 1999, p. 56). Desta maneira, a ACI passa a ser, ento, a entidade responsvel pela discusso dos princpios cooperativistas. Numa reunio da ACI, em 1995, em Manchester, Inglaterra, foram feitas alteraes nos princpios. Uma delas foi a incluso do Princpio da Preocupao com a Comunidade. Neste sentido, a proposta deste trabalho defender que o Princpio da Preocupao com a Comunidade, geralmente confundido com a Responsabilidade Social para Cooperativas, fundamentalmente diferente da responsabilidade social praticada pelas empresas mercantis. Uma destas diferenas consiste nos motivos que embasam s aes de responsabilidade social, considerando as diferenas no processo decisrio relativo e na natureza dos objetivos organizacionais. Para o entendimento desta diferenciao, prope-se o arcabouo da Teoria da Ddiva, perpassando pela prtica do Princpio da Preocupao com a Comunidade pelas organizaes cooperativas. Para tanto, o referencial terico abarca os princpios cooperativistas, focando o princpio da Preocupao com a Comunidade, bem como a Teoria da Ddiva e o que se entende por Responsabilidade Social atualmente. Em seguida, procura-se relacionar e discutir os conceitos que demonstram as diferenas para que possam ser apontadas algumas consideraes.
2. Referencial Terico 2.1. Princpios cooperativistas Nos anos de 1937 (Paris), 1966 (Viena) e 1995 (Manchester), ocorreram reunies da ACI que realizaram as mais importantes mudanas nos princpios cooperativistas. No Quadro 1 podemos observar as principais modificaes ocorridas nos princpios desde Rochdale.
V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 5 Quadro 1: Evoluo dos Princpios Cooperativistas segundo a Aliana Cooperativa Internacional Princpios Cooperativistas Estatuto de 1844 (Rochdale) Congressos da Aliana Cooperativa Internacional 1937 (Paris) 5 1966 (Viena) 1995 (Manchester) 1. Adeso Livre 2. Gesto Democrtica 3. Retorno Pro Rata das Operaes 4. Juro Limitado ao Capital investido 5. Vendas a Dinheiro 6. Educao dos Membros 7. Cooperativizao Global a) Princpios Essenciais de Fidelidade aos Pioneiros 1. Adeso aberta 2. Controle ou Gesto Democrtica 3. Retorno Pro-rata das Operaes 4. Juros Limitados ao Capital
b) Mtodos Essenciais de Ao e Organizao 5. Compras e Vendas Vista 6. Promoo da Educao 7. Neutralidade Poltica e Religiosa. 1. Adeso Livre (inclusive neutralidade poltica, religiosa, racial e social) 2. Gesto Democrtica 3. Distribuio das Sobras: a) ao desenvolvimento da cooperativa; b) aos servios comuns; c) aos associados pro- rata das operaes 4. Taxa Limitada de Juros ao Capital Social 5. Constituio de um fundo para a educao dos associados e do pblico em geral 6. Ativa cooperao entre as cooperativas em mbito local, nacional e internacional 1. Adeso Voluntria e Livre 2. Gesto Democrtica 3. Participao Econmica dos Scios 4. Autonomia e Independncia 5. Educao, Formao e Informao 6. Intercooperao 7. Preocupao com a Comunidade Fonte: Schneider (1999), Crzio (2002), Pereira e outros (2002). Pode-se perceber que, em essncia, os princpios cooperativistas adquiriram atravs das reunies e discusses dos organismos cooperativistas apenas um carter contemporneo mantendo a essncia das normas de conduta originais orientadoras das aes coletivas dos Pioneiros de Rochdale e os pressupostos do cooperativismo. Resumidamente, os princpios cooperativistas podem ser entendidos da seguinte maneira: 1) Adeso Voluntria e Livre: As organizaes cooperativistas so abertas a todas as pessoas, independendo de raa, sexo, cor, classe social, opo religiosa ou poltica, desde que estejam de acordo com o objetivo social da mesma e haja capacidade tcnica por parte da cooperativa. 2) Gesto Democrtica: Os associados participam ativamente, reunidos em assemblia, discutem e votam os objetivos, polticas, tomadas de decises e metas de trabalho em conjunto, bem como elegem e so eleitos como
5 Os Princpios Essenciais de Fidelidade aos Pioneiros eram obrigatrios para a adeso ACI, enquanto os Mtodos Essenciais de Ao e Organizao tinham apenas carter de orientao (SCHNEIDER, 1999). V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 6 representantes que iro administrar a sociedade. Cada pessoa tendo direito a um voto independente da quantidade de quotas-parte investidas. 3) Participao Econmica dos Membros: Os membros contribuem eqitativamente para o capital da cooperativa e controlam-na democraticamente (Gesto democrtica). Se a cooperativa obtiver receitas maiores que as despesas estas tambm sero divididas eqitativamente os associados, proporcionalmente ao trabalho investido ou utilizao dos servios da cooperativa. O que fazer com o restante das sobras deve ser decidido em assemblia, podendo ser reinvestido na cooperativa. 4) Autonomia e Independncia: uma sociedade autnoma, controlada pelos scios, podendo firmar acordo com outras instituies, desde que se assegure em qualquer hiptese a sua autonomia e o controle dos scios. 5) Educao, Formao e Informao: Devem ser objetivo permanente da cooperativa, promover educao e formao no mbito cooperativista e tcnico de seus associados, representantes eleitos e dos trabalhadores, de forma que todos possam contribuir para o crescimento e desenvolvimento de sua cooperativa. 6) Intercooperao: Para o fortalecimento do cooperativismo necessrio haver um intercmbio de conhecimento, informao, produtos e servios entre as cooperativas melhorando assim o seu potencial de atividades econmicas e sociais. 7) Preocupao com a Comunidade: As cooperativas devem se preocupar com o bem estar da sociedade e trabalhar em funo do desenvolvimento de sua auto sustentabilidade e desenvolvimento de sua comunidade atravs, por exemplo, da execuo de programas scio-culturais. Diante da proposta deste trabalho, faz-se necessrio uma anlise particular do princpio cooperativista da Preocupao com a Comunidade, considerando, porm, que eles esto interrelacionados e a existncia de cada um influencia a aplicao dos outros.
2.2 Preocupao com a comunidade O princpio da Preocupao com a Comunidade foi includo formalmente no rol dos princpios na reunio de 1995 da ACI (vide Quadro 1). Segundo a ACI (2003), as cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades atravs de polticas aprovadas pelos membros. Pode- se dizer ainda, que a incluso do princpio da Preocupao com a Comunidade, em 1995, aumenta o carter social da organizao cooperativa, pois prev aes da organizao na melhoria das condies da comunidade, como pretendiam os Pioneiros de Rochdale 6 . Outro princpio que atua como catalisador das aes sociais da cooperativa na sua regio o da Educao, Formao e Informao, que prev a educao no s dos membros, mas da comunidade onde a cooperativa est inserida (MOURA, 1968). Da definio acerca da Preocupao com a Comunidade, cabe destacar dois aspectos. Em primeiro lugar, as cooperativas, como organizaes de
6 Os objetivos dos Pioneiros de Rochdale esto bem detalhados e descritos em MAURER JNIOR (1966) e Schneider (1999). V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 7 pessoas, tendem a estar vinculadas estreitamente comunidade onde os cooperados residem, e desta maneira, o desenvolvimento desta comunidade reflete-se diretamente nos cooperados 7 . O segundo aspecto diz respeito maneira de decidir como a cooperativa dever agir na comunidade. Isso porque, as prprias polticas de ao devem ser aprovadas por seus membros, ou seja, este princpio deve ser aplicado em conjunto com o da Gesto Democrtica. O princpio, porm, no deve ser confundido com responsabilidade social para cooperativas na medida em que se entende responsabilidade social como ferramenta estratgica de resultados. A Preocupao com a Comunidade diferente, na medida em que possui um mbito (a comunidade), e possui uma lgica mais prxima da Teoria da Ddiva do que das ferramentas de marketing e planejamento tributrio.
Uma dificuldade para a aplicao prtica deste princpio a crescente escassez de recursos para gerir estas aes, dada a tendncia de diminuio de margens e sua conseqente diminuio de resultados, o que no referente apenas a organizaes cooperativas. Este fato torna necessria uma grande criatividade e flexibilidade para encontrar solues que unam recursos escassos e resultados satisfatrios e para isto necessrio vontade poltica (BRAGA e outros, 2002, p. 47).
Na prxima seo, a exposio dos conceitos e dimenses da Responsabilidade Social empresarial auxiliaro na diferenciao entre os mesmos e o princpio cooperativista da Preocupao com a Comunidade.
2.3 Responsabilidade Social Empresarial As iniciativas de responsabilidade social por parte das empresas no so recentes. De acordo com Ficher (2006), desde o incio da industrializao brasileira, do sculo XIX para o XX, os pioneiros no processo de industrializao empreendiam iniciativas sociais motivados pela caridade e amor ao prximo. Suas iniciativas, porm, tinham carter paliativo, e procuravam amenizar os problemas sociais enfrentados por algum segmento da sociedade. No entanto, nas ltimas dcadas, as empresas tm vivido em permanente confronto entre os interesses privados e o bem-estar coletivo. Ou seja, entre a busca pela satisfao dos interesses dos acionistas (a maximizao do lucro) e a tentativa de satisfazer os anseios da sociedade ou comunidade local no que diz respeito melhoria ou manuteno da sua qualidade de vida. Dentre os principais motivadores do ativismo empresarial em prol dos interesses pela comunidade e da intensidade do interesse pelo tema pode citar: a) Os problemas sociais tornam-se barreiras para a modernizao dos sistemas produtivos para atingir padres maiores de competitividade; b) O contexto social atual impe s organizaes um relacionamento equilibrado com os vrios stakeholders que fazem exigncias
7 Em cooperativas maiores, talvez esta situao seja minimizada, mas de qualquer maneira, o mbito da cooperativa (que deve estar explcito no estatuto, conforme o art. 21 inciso I, da Lei 5.764/71) pode demarcar os contornos de uma comunidade, mesmo se englobar muitos municpios. V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 8 como a transparncia; e c) Intencionalmente ou no, as pessoas e organizaes esto dando mais visibilidade pblica s aes sociais que realizam (FICHER, 2006). Adiciona-se a isso a crise de confiana na capacidade do Estado em manter as necessidades bsicas dos cidados (SCHROEDER; SCHOEDER, 2004). Conforme pesquisa do Instituto Ethos de Responsabilidade Social o esforo por melhorar a imagem da prpria empresa junto a esta comunidade e junto a seus consumidores se justifica na medida em que cerca de 25% dos consumidores brasileiros levarem em conta o fato da empresa desenvolver aes de responsabilidade social no momento da compra (ETHOS, 2002). Um ndice relativamente baixo se comparado aos europeus e norte-americanos, mas em constante crescimento. Estas presses sofridas pelas corporaes, associadas a vantagens de longo prazo que elas engendram parecem tornar a responsabilidade social corporativa uma quase-obrigao das empresas para se manterem no mercado. De acordo com Srour (2003), falar de reputao falar de ativo intangvel, frgil e que depende do respeito e da percepo de outros em relao organizao. Neste sentido, reputao est estritamente relacionada com a considerao dada pela coletividade devendo ser um processo construdo constantemente. Para Ficher (2006, p. 43) as empresas devem trabalhar para aumentar o seu capital reputacional, entendido como valor de mercado que atribudo a uma organizao em virtude de uma percepo de boa conduta que as pessoas formulam acerca de seu desempenho e de sua imagem. Tal capital reputacional seria fortalecido, juntamente com as marcas das empresas, por meio das aes socialmente responsveis. Assim, bancos, companhias areas, institutos de pesquisa, clnicas mdicas e hospitais e uma sria de outras organizaes somente conseguem sobreviver no mercado porque mantm sua reputao positiva ao longo da sua existncia. Nesse sentido, as empresas que se preocupam com sua imagem ou com a reputao que desfrutam, acabam conferindo reflexo tica parte relevante da estratgia empresarial (SROUR, 2003, p. 82). Por outro lado, a perda de reputao por qualquer organizao representa a quebra da confiana coletiva e, geralmente, so situaes irreversveis. Principalmente diante do significativo papel que a mdia tem desempenhado no que diz respeito denncias de fraudes e questes ilcitas que envolvem organizaes. Com base no que foi dito, responsabilidade social corporativa no se resume a um monte de praticas pontuais, ocasionais ou atitudes motivadas pelo marketing e outras vantagens comerciais. Ao contrrio, tais prticas devem abarcar uma viso compreensiva das polticas, prticas e programas que permeiam todas as operaes do negcio tendo como premissa o respeito pelos interesses da populao, preservao do meio ambiente e satisfao das exigncias legais. Ficher (2006), entretanto, chama a ateno para o fato de que a excessiva exposio das aes sociais empresarias pode levar a misturar alhos com bugalhos na qual qualquer iniciativa pode ser catalogada como ao social podendo ser apenas um instrumento de marketing institucional. No se pode desconsiderar que a racionalidade do mercado permeia as aes de responsabilidade social e que muito do que as empresas V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 9 dizem que fazem no fazem realmente (SOARES, 2004). Porm, nada impede que as empresas tomem iniciativas desse tipo e que outras possam passar por uma elaborao comprometida de responsabilidade corporativa.
2.3.1 As dimenses da responsabilidade social corporativa De acordo com Machado Filho (2006) h certa confuso em torno do conceito de responsabilidade social corporativa. Para o autor, geralmente, confunde-se responsabilidade social com aes sociais de cunho filantrpico. De maneira ampla, responsabilidade social refere-se s decises de negcios tomadas com base em valores ticos que incorporam as dimenses legais, o respeito pelas pessoas, comunidades e meio ambiente (MACHADO FILHO, 2006, p. 21). De acordo com Ferrell e Ferrell (2001), a responsabilidade social pode ser subdividida e melhor entendida com base nas seguintes categorias: Responsabilidade Econmica: envolve as obrigaes da empresa de ser produtiva e rentvel. A responsabilidade social da atividade de negcios econmica por natureza. Responsabilidade Legal: expectativas da sociedade de que as empresas cumpram suas obrigaes de acordo com o arcabouo legal existente. Responsabilidade tica: empresas que, dentro do contexto onde se inserem, tenham um comportamento apropriado de acordo com as expectativas existente entre os agentes da sociedade. Responsabilidade Discricionria (ou filantrpica): reflete o desejo comum de que as empresas estejam envolvidas na melhoria do ambiente social, indo alm das funes bsicas tradicionalmente esperadas da atividade empresarial. A essa classificao, acrescenta-se, ainda, o conceito de Filantropia Estratgica que se refere a ao de vincular doaes de natureza filantrpica estratgia e aos objetivos gerais da empresa. Para Ferrell e Ferrell (2001) este um enfoque empresarial da beneficncia, resultando numa imagem mais positiva, no aumento da fidelidade dos empregados e reforando os laos com clientes. De modo geral, a discusso acerca da responsabilidade social, ou seja, do engajamento das empresas em aes sociais se posiciona antagonicamente. De um lado os argumentos favorveis se apiam na premissa de que tico e moral por parte das empresas agirem assim ou na premissa (instrumental) de que as empresas mais socialmente responsveis so mais competitivas e no longo prazo acabam lucrando com esse tipo de comportamento. Do outro lado, os argumentos desfavorveis se apiam na premissa de que outras instituies como o governo, igreja, organizaes civis existem para realizar o tipo de funo requerida pela responsabilidade social, e tambm na premissa de que a alocao de recursos provenientes das empresas para o governo (impostos) deve dar conta dos aspectos sociais. Os argumentos contrrios so baseados nas ideais de Milton Friedman, que estabelece que outra forma de atuao que no a de gerar lucros para os acionistas pelas corporaes seria uma violao das responsabilidades legais, morais e fiducirias, e caracterizaria o que ele chama de conflito de agncia. V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 10 No entanto, com base no modelo de Carroll (1979), tanto as vises crticas como as favorveis s aes da responsabilidade social concordam nas dimenses de responsabilidade social representadas nos nveis Econmico, Legal e tico. Isso porque na concepo de Friedman, apenas a responsabilidade discricionria, que uma componente do conceito mais amplo de responsabilidade, no deveria ser considerada. Sob essa perspectiva, o conflito de agncia somente existiria no caso em que as aes sociais no implicarem em ganhos econmicos. Para Friedman, o objetivo social apropriado para os executivos das corporaes obter tanto lucro quanto possvel, desde que de acordo com as regras bsicas da sociedade, tanto em termos legais como ticos. Essa parte da concepo de Friedman, de acordo com Srour (2003), que esquecida pela maioria dos seus crticos. Em suma, as vises existentes sobre responsabilidade social corporativa (RSC) podem ser classificadas da seguinte forma e em duas dimenses: a) A responsabilidade ampla: a. Moderna: no longo prazo as aes sociais trazem benefcios para a empresa; b. Filantrpica: defendem as aes de responsabilidade social mesmo que no tragam retorno. b) A responsabilidade estreita: a. Socioeconmica: funo-objetivo a maximizao do valor para o acionista, mas as aes de RSC podem ajudar nesse sentido; b. Clssica: as aes de RS no geram valor para a empresa e no devem ser desenvolvidas.
A Figura 1 elucida como as dimenses da RSC se relacionam e se dispem num esquema.
Figura 1: Dimenses da Responsabilidade Social Corporativa Fonte: Srour (2003, p. 82)
Viso Moderna Viso Filantrpica Viso Clssica Viso Scio- economica Benefcios da RSC Custos da RSC RSC Ampla RSC Estreita V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 11 De acordo com o esquema acima, a vertente da responsabilidade social ampla diz respeito a atividades que vo alm das econmicas da empresa e a vertente da responsabilidade social estreita se relaciona com a funo-objetivo da empresa, ou seja, unicamente adicionar valor para o acionista. Nesse sentido: Na prxima sesso, procura-se examinar a Teoria da Ddiva para entender sua relao com o princpio da Preocupao com a Comunidade. O propsito da sesso expor o que representa o conceito de ddiva para as cincias sociais. Inicialmente, ser destacado que a utilizao desse conceito no se far com o atributo teolgico que usualmente o envolve. Em uma perspectiva cientfica, como a adotada pelas cincias sociais, a ddiva significa um terceiro paradigma aos paradigmas convencionais do individualismo metodlogico e do holismo.
2.4 O paradigma da ddiva a obrigao (desobrigada) de dar, receber e retribuir Em Caill (1998) temos uma caracterizao bem fundamentada destes trs modelos regulatrios da vida em sociedade. O paradigma individualista est centrado no Homo Economicus e as relaes sociais devem ser entendidas como resultado do uso do clculo utilitrio pelos indivduos (WEBER, 2002; RAMOS, 1989). J para o paradigma holstico, os indivduos so expresses da sociedade. Estes so, por si, to irracionais quanto seus clculos e s na sociedade se encontra a totalidade que forma - de modo emprico e normativo - os indivduos. Nos nossos dias, a ascendncia do paradigma holstico to forte e presente que se sobressai nas cincias do social (principalmente, nas plicadas) que possvel ligar a ele correntes de pensamento como: o Funcionalismo - indivduos so expresses da realidade da sociedade atravs das funes que desempenham; o Culturalismo - indivduos so expresses da realidade da sociedade atravs dos valores que os contm; e o Estruturalismo - indivduos so expresses da realidade da sociedade atravs das regras que cumprem. (CAILL, 2002) E onde aparece ddiva, enquanto terceiro paradigma ou alternativa para o individualismo e ao holismo? De acordo com o Godbout (1998), Caill (1998), e Godbout e Caill (1999), existem aes que no se explicam nem por um paradigma nem pelo outro. Os indivduos e a sociedade so complementares e no deveriam ser reificados. O lao social no compreendido pelo holismo, assim como o individualismo metodolgico no contempla a racionalidade substantiva, ou seja, acredita que as formas de cooperao entre indivduos so puramente formalistas e utilitaristas. Para os dois paradigmas, a confiana subtrada pelo egosmo (individualismo) ou pela falta de liberdade individual (holismo). Existe, portanto, um caminho para se restabelecer a confiana, como instrumento de cooperao individual, e moldar, novamente o liame social a partir do interesse pelo outro. A ddiva o operador da paz e da aliana, afirma Caill (2002). Em outras palavras, a ddiva se constituiria nesse caminho! Para Martins (2002), se existe confiana, existir a cooperao. V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 12 O paradigma da ddiva, destarte, seria uma terceira via complementar e no excludente aos outros dois paradigmas das cincias sociais. O motor da ao social no s o interesse (inclusive material) - explicao dada pelo paradigma individualista, existe a obrigao - explicao dada pelo paradigma holistico e existe a liberdade institucionalizada pelo paradigma da ddiva. Assim sendo, a ddiva se fundamenta diante da tripla obrigao de dar, receber e retribuir. Neste contexto, uma definio sociolgica para a ddiva se expressa atravs de qualquer prestao de bens ou servios efetuada sem garantia de retorno, tendo em vista a criao, manuteno ou regenerao do vnculo social. Na relao de ddiva, o vnculo mais importante do que o bem (GODBOUT; CAILL, 1999). Outrossim, em uma abordagem mais genrica, pode se entender a ddiva como a manifestao de toda ao social efetuada sem expectativa, garantia ou certeza de retorno, comporta assim - uma dimenso de "gratuidade". O paradigma da ddiva insiste sobre a importncia, positiva e normativa, sociolgica, econmica, tica, poltica e filosfica desse tipo de ao social. Para um aprofundamento na distino e compreenso do paradigma da dvida, implica uma discusso complementar acerca da Lei Geral do Funcionamento da Sociedade, proposto por Caill (1998; 2002) e Godbout e Caill (1999). De acordo com estes autores existem dois espaos de manifestao das relaes sociais que so imperativas para o funcionamento da sociedade: a socialidade primria e a socialidade secundria. A socialidade primria funcionria na base da obrigao de dar. Na socialidade primria, a personalidade tem importncia superior as funes que so executadas. Os laos neste tipo de socialidade so mais importantes que os bens (CAILL, 2002). Por sua vez, na socialidade secundria, o que importa a eficcia funcional, regida por regras de impessoalidade, onde a competncia funcional vale mais que a personalidade. O que justifica o comportamento da socialidade secundria, segundo Godbout e Caill (1999), que esta se representa pela sociedade do mercado, pela sociedade dos administradores do estado e pela sociedade das cincias. Ligando as duas socialidades, existiriam as grandes religies que seriam "mquinas para generalizar a obrigao de dar" (CAILL, 1998). Deste modo, identifica-se que a socialidade primria tem sua configurao justificada nas relaes familiares, entre amigos e de vizinhana. J a socialidade secundria se expressa nas relaes vivenciadas nas organizaes de trabalho e em outros tipos organizacionais em que se sobressai a impessoalidade. Outrossim, na socialidade secundria, a organizao econmica e administrativa no funciona se ela no consegue mobilizar pessoas. E mobilizar pessoas quer dizer impeli-las a dar algo, a contribuir, a se envolver, a vestir a camisa da instituio. Enfim, a construir uma socialidade primria, fragilizada e manipulada, no seio da socialidade secundria, ou seja, impelido as pessoas a uma relao de ddiva com a organizao. Para Caill (1998), ao contrario do que o mundo quer nos fazer crer, as relaes sociais e os laos associativos no devem solverem-se no contrato ou dilurem-se no V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 13 mercado. O entendimento que existem novas formas de regulao econmica alm das esferas pblica e privada. Nesta conjuntura exprime-se a economia solidria e o cooperativismo. Cabe ainda expor que os estudos sobre a ddiva se cristalizaram a partir dos estudos de Marcel Mauss, publicado nos seus livros "Ensaio sobre a ddiva" e "Sociologia e Antropologia". Em Mauss (2001) est exposta a expresso da ddiva em sociedades primitivas, presente, principalmente, atravs de uma ddiva ritualstica nestas sociedades. Porm o registro da ddiva no est preso a este e tipo de sociedade, apesar do sistema utilitrio vigente - centrada no mercado - fazer questo de ocultar todas as evidncias da ddiva na sociedade moderna (MARTINS, 2002; RAMOS, 1989). Godbout (1998) alerta que mesmo de uma maneira alterada, o paradigma da ddiva est exposto na sociedade contempornea. Martins (2002) expe que a ddiva na modernidade tem problemas de compasso com o pensamento da sociedade de mercado. De acordo com o autor, a ddiva agrega novos elementos numa realidade de mercado. Godbout e Caill (1999) afirmam que o que antes era apenas uma relao de ddiva ritual, o sistema nico e quase puro que definia as relaes sociais primitivas, incorpora o sistema de mercado e o sistema burocrtico-estatal. E a partir de ento, passa a ter que dividir com eles o papel de sustentculo de uma sociedade, mesmo que os outros dois sistemas construam um anteparo para eliminar a ddiva das relaes sociais. O mercado e o Estado edificam a socialidade secundria, o egosmo, a liberdade utilitria, a equivalncia, a troca e redistribuio e o valor do bem. J a ddiva valoriza a socialidade primria, o altrusmo, a liberdade obrigatria, o dar-receber-retribuir e o valor da relao. Diante do quadro de oposio, o paradigma da ddiva se afirma e busca o reconhecimento. Este no excludente, comporta a existncia do mercado e do Estado, do paradigma holstico e do paradigma individualista-metodolgico. Alis, comprova Godbout (1998), preciso reconhecer a importncia dos outros dois sistemas, mas fundamental compreender e reconhecer o papel, cada vez mais ocultado, do sistema domstico/reciporcitrio/solidrio/associativo/cooperativista. Sobre a ocultao do sistema de ddivas, Godbout e Caill (1999) sentenciam, se mesmo nas sociedades modernas, aparentemente individualista e materialista, a ddiva forma um sistema e constitui a trama das relaes sociais interpessoais, ento, por que um fato to concreto e importante no mais visvel nem mais bem reconhecido? Para estes autores, assim como Martin (2002) e Ramos (1989), o mercado e o Estado pretendem ocultar qualquer atuao do sistema/paradigma da ddiva. Quando no podem esconder o ato, tentam diminu-lo a ponto de atribuir a ddiva, adjetivos de simples troca ou algo parecido. De acordo com os autores Godbout e Caill (1999) existem trs razes principais para essa ocultao da realidade da ddiva. Primeiro, a concepo utilitria de ddiva se assemelha perspectiva da ddiva religiosa: Os utilitaristas acreditam que a ddiva um ato de generosidade, unilateral e descontnuo. Sendo assim, no se tem porque atribuir peso ao paradigma da ddiva, pois este no poderia ser deste mundo; Segundo, conforme a concepo nietzchista, o ser humano um egosta natural, inclusive o V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 14 altrusmo existente na doao forma de ddiva moderna resultado de um clculo egosta; E terceiro, a modernidade recusa o tradicional: o mercado construiu e imputou um modelo de sociedade contra a sociedade tradicional por no suportar a linguagem desta, que dentre outros aspectos contempla a ddiva. Em outras palavras, a sociedade centrada no mercado por sua absoluta recusa da tradio, tenta negar a co-existncia do paradigma da ddiva junto aos paradigmas holista e individualista-metodolgico. Abordado este aspecto da ddiva, percebe-se que estamos diante da permanente oposio do mercado e do Estado que no pretendem deixar o sistema da ddiva vingar na sociedade moderna, como alternativa aos paradigmas holista e individualista das cincias sociais. Para a sociedade moderna restariam poucos caminhos que poderiam levar a instalao de um paradigma da ddiva (RAMOS, 1989; CAILL, 1998). Segundo Godbout (1998), inicialmente seria necessrio compreender as falhas dos dois outros paradigmas: Ou o comportamento livre, mas obedece ao modelo da economia neoclssica e da racionalidade instrumental (Individualismo utilitrio), ou o comportamento mais ou menos limitado por normas e obedincia a regras (Holismo). Dito isso, nenhum dos dois so completos ou contemplam a ddiva, no entanto o sistema da ddiva comporta bem o mercado, o Estado, o holismo e o individualismo. Ento por que no reconhecer tal sistema e atribuir a ele parte da construo dessa sociedade de mercado. Simples, por que se estaria questionando o privilgio paradigmtico do interesse, o Homo Economicus, a circulao de bens mercantilizados, o valor dos bens, o determinismo das aes humanas, o excedente, a relao oferta x demanda. Enfim, admitir o sistema da ddiva no seria o fim do sistema do mercado nem do sistema do Estado visto que eles j convivem, seria concluir que as relaes sociais no acontecem apenas por motivos utilitrios e que a preocupao com a comunidade no caso das organizaes cooperativistas representa bem os prprios fundamentos que edificam o paradigma da ddiva.
3 Discusso: Preocupao com a Comunidade ou Responsabilidade Social para Cooperativas? Como exposto no referencial terico, h uma diferena fundamental entre o que se denomina Preocupao com a Comunidade, nas organizaes cooperativas, e Responsabilidade Social nas empresas: o fato motivador da ao. De acordo com Ficher (2006) e Srour (2001), as empresas so motivadas fundamentalmente pela busca da maximizao da riqueza que, no caso, envolve a criao, desenvolvimento e apoio de aes que beneficiam a sociedade de alguma forma. O intuito aumentar o seu capital reputacional, ou valor de mercado, para se manterem aceitas (legtimas) para seus clientes. Isso porque a beneficncia resulta numa imagem positiva, na fidelidade dos empregados e refora os laos com clientes (FERRELL; FERRELL, 2001). Nas cooperativas, a Preocupao com a Comunidade, alm de ser um princpio que fundamenta a existncia dessas organizaes, a mola propulsora das aes desenvolvidas na comunidade atender a um dos objetivos da organizao: a satisfao dos interesses e o bem-estar dos cooperados. V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 15 Alm disso, pode-se dizer quer a responsabilidade social praticada pelas empresas no teria fronteiras, ou seja, os pblicos destas aes, bem como sua territorialidade, podem variar no tempo. Alm disso, os resultados das intervenes no so sentidos diretamente pelas organizaes que praticam a responsabilidade social, o que pode, de certa forma, desvincular a instituio das aes e seus resultados, deixando ainda estas aes sujeitas a modismos relacionados a regies e/ou pblicos. Em relao s fronteiras, podemos argumentar que a responsabilidade social pode acontecer em qualquer lugar, uma organizao europia pode investir na frica ou Amrica Latina, ou uma organizao paulista pode atuar na periferia de Manaus, por exemplo. Este distanciamento acontece tambm em relao aos resultados das aes. Em outras palavras, a organizao paulista que investiu em Manaus no ir sentir diretamente os impactos desta ao, o que pode fazer com ela privilegie a periferia de Macap no prximo ano, ou outra regio. Quanto aos pblicos a situao parecida, pois pode-se realizar projetos com diversos pblicos: crianas, idosos, quilombolas, mulheres em estado de risco, etc. As organizaes escolhem os pblicos com os quais vo trabalhar e esta escolha pode mudar no tempo da mesma maneira que pode mudar a escolha do local onde as aes sero realizadas. Outrossim, no estamos dizendo que as aes de responsabilidade social no sejam estruturadas, planejadas e pensadas no longo prazo. Estamos querendo diferenciar estas aes do princpio da Preocupao com a Comunidade, pois, no caso do cooperativismo o pblico e o local das aes variam muito menos (ou no variam) e os resultados so sentidos de maneira mais direta pela cooperativa. No caso da aplicao do princpio, a cooperativa atua na sua rea de admisso de cooperados (ou mbito de atuao), que o espao geogrfico ocupado pelos cooperados. A cooperativa tem uma territorialidade razoavelmente ntida e um contato maior com a comunidade, pois os cooperados fazem parte desta comunidade. Por exemplo, uma cooperativa agropecuria que tenha como rea de abrangncia trs municpios, ir realizar aes relacionadas ao princpio nesta regio, englobada pelos municpios. Estas aes teriam, ento, uma delimitao geogrfica, baseada na rea de atuao da organizao. Esta limitao de rea faz com as aes e/ou resultados destas aes da cooperativa sejam sentidas de maneira muita mais direta que as realizadas pelas empresas. O cooperado mora na comunidade, pois isto uma das condies de seu ingresso na organizao, ento, as mudanas acontecidas nesta regio influenciam sua vida. Isso porque a cooperativa , em ltima instncia, o prprio cooperado, e existe necessariamente para prestar servio a este cooperado. Ento, as mudanas provocadas pelas aes da cooperativa na comunidade afetam a cooperativa e o cooperado, ou melhor, o cooperado e por conseqncia, a cooperativa. Numa tentativa de aproximao entre o princpio da Preocupao com a Comunidade e a definio de Responsabilidade Social, poderia se inferir que o primeiro se enquadraria, ainda que forosamente, na dimenso ampla de responsabilidade social, orientada para o longo prazo e que percebe os benefcios das aes socialmente responsveis. No entanto, essa V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 16 aproximao, de forma alguma elimina as diferenas fundamentais apontadas anteriormente. Alm disso, a dimenso econmica da responsabilidade social inerente a todas as formas organizacionais orientadas para a gerao de renda aos associados ou para o lucro, no somente s empresas mercantis. J as dimenses legal e tica so necessrias e devem orientar todas as formas organizacionais. Num primeiro instante, poderia se pensar que a dimenso filantrpica (ou discricionria) seria a que mais se aproximaria da Preocupao com a Comunidade nas cooperativas. No entanto, geralmente as organizaes cooperativas (com exceo das grandes e capitalizadas), no dispem de recursos para financiar este tipo de ao. Como as polticas so votadas em assemblia, as sobras e recursos dos fundos que subsidiam essas aes so destinados diretamente aos cooperados sobre a forma, por exemplo, de aes para educao, formao e informao dos membros da cooperativa, uma vez que este um princpio e, por conseguinte, uma ao que deve ser freqente nestas formas organizacionais. A Teoria da Ddiva, por seu turno, possibilita embasar melhor o entendimento de que a Preocupao com a Comunidade no Responsabilidade Social das cooperativas. A proximidade da organizao cooperativa com a comunidade onde se insere (que engloba o conjunto do seu quadro social) facilita visualizar a trade dar-receber-retribuir. Nessa perspectiva, pode se inferir que a economia solidria e o cooperativismo seriam, respectivamente, perspectivas de assegurar as especificidades do mundo associativo e cooperativo em relao ao mundo empresarial-mercantil. E que relao existiria entre cooperativismo, fato associativo e ddiva? Pelo que foi abordado, o principal recurso do cooperativismo ddiva a preocupao da cooperativa com o cooperado e a comunidade do entorno que se apresenta no esprito da ddiva. Porm para que se consume este paradigma da ddiva no cooperativismo, de fato, ser preciso superar um dilema. Dilema esse que para Caill (2002) e Martins (2002) se expressa na Sociedade do Instante, ou seja, vivemos em um mundo em que no existe nem passado, nem futuro, vivemos apenas o instante. Segundo Godbout e Caill (1999), a sociedade modernamente constituda tem como referncia valores e relaes egostas e utilitrias, apresentando deformaes em relao ao altrusmo. Todavia, estes autores apontam que h caminho e espao para o paradigma da ddiva. Este conceito de ddiva trabalha numa oposio ao conceito de troca atribudo pelo mercado e ao conceito de redistribuiro atribudo pelo Estado. Segundo Godbout e Caill (1999), a ddiva busca se afastar da equivalncia, portanto no apenas uma troca e no tem objetivo redistributivo.
V Encontro de Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo V Encuentro de Investigadores Latinoamericanos de Cooperativismo 06-08 Agosto 2008 Ribeiro Preto, So Paulo, Brasil 17 4. Consideraes O propsito deste trabalho foi defender que o Princpio da Preocupao com a Comunidade, geralmente confundido com a Responsabilidade Social para Cooperativas, fundamentalmente diferente da responsabilidade social praticada pelas empresas mercantis. Assim, da comparao entre o conceito de Preocupao com a Comunidade dentre os princpios cooperativistas e o de Responsabilidade Social mostra que esta diferena se baseia nas seguintes consideraes: a) As aes de responsabilidade social se fundamentam primordialmente no aumento do capital reputacional das empresas no mercado competitivo e globalizado, j a Preocupao com a Comunidade reside numa das razes de existir da cooperativa. Uma questo de princpio por assim dizer. b) As aes de responsabilidade social podem ser mais fluidas e amplas, focar projetos e pblicos diferentes a depender as estratgias organizacionais para melhorar a imagem da organizao no mercado e fidelizar clientes. J a Preocupao com a Comunidade tipicamente foca o quadro de associados o que possibilita visualizar o retorno para os mesmos e conseqentemente para a prpria cooperativa. c) As aes de Responsabilidade Social, independente da dimenso, se fundamentam na instrumentalidade. J a Preocupao com a Comunidade est mais estreitamente relacionada ddiva. Esta ltima proposio no pretende desconsiderar o fato de que o paradigma da ddiva, apesar das tentativas de diminu-lo por parte do Mercado e/ou do Estado, permeia todas as relaes sociais e permite a continuidade das mesmas. Isso porque entendida como o caminho para o estabelecimento da confiana e da cooperao (MARTINS, 2002; RAMOS, 1989). Importa destacar, novamente, a definio sociolgica para a ddiva, a qual entende que esta se expressa atravs de qualquer prestao de bens ou servios efetuada sem garantia de retorno, tendo em vista a criao, manuteno ou regenerao do vnculo social. Na relao de ddiva, o vnculo mais importante do que o bem (GODBOUT; CAILL, 1999). Por fim, afirma-se que o princpio da Preocupao com a Comunidade no se trata nem na prtica e nem conceitualmente da Responsabilidade Social das cooperativas. O prprio sentido de preocupao difere substancialmente do sentido de responsabilidade. O primeiro sugere algo alm da obrigao de responder por algo ou algum. Sugere que, embora no, necessariamente, haja obrigao, estamos direcionados a outros, ocupamos nossas mentes e estamos dispostos a agir em prol do bem-estar do outro ou do grupo.
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