A Revolução Russa de 1917 foi uma série de eventos políticos na Rússia,
que, após a eliminação da autocracia russa, e depois do Governo Provisório
(Duma), resultou no estabelecimento do poder soviético sob o controle do partido bolchevique. O resultado desse processo foi a criação da União Soviética, que durou até 1991.
A Revolução compreendeu duas fases distintas:
A Revolução de Fevereiro de 1917 (Março de 1917, pelo calendário
ocidental), que derrubou a autocracia do Czar Nicolau II da Rússia, o último Czar a governar, e procurou estabelecer em seu lugar uma república de cunho liberal.
A Revolução de Outubro (Novembro de 1917, pelo calendário ocidental), na
qual o Partido Bolchevique, liderado por Vladimir Lênin, derrubou o governo provisório e impôs o governo socialista soviético.
Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, a Rússia tinha a maior população
da Europa, com cerca de 171 milhões de habitantes em 1914. Defrontava- se também com o maior problema social do continente: a extrema pobreza da população em geral. Enquanto isso, as ideologias liberais e socialistas penetravam no país, desenvolvendo uma consciência de revolta contra os nobres. Entre 1860 e 1914, o número anual de estudantes universitários cresceu de 5000 para 69000, e o número de jornais diários cresceu de 13 para 856.
A população do Império Russo era formada por povos de diversas etnias,
línguas e tradições culturais. Cerca de 80% desta população era rural e 90% não sabia ler e escrever, sendo duramente explorada pelos senhores feudais[4]. Com a industrialização foi-se estabelecendo progressivamente uma classe operária, igualmente explorada, mas com maior capacidade reivindicativa e aspirações de ascensão social. A situação de extrema pobreza e exploração em que vivia a população tornou-se assim um campo fértil para o florescimento de ideias socialistas.
A decadência da monarquia czarista
Para compreender as causas da Revolução Russa, é fundamental conhecer
o desenvolvimento básico das estruturas socioeconômicas na Rússia, durante o governo dos três últimos czares.
A divisão do Partido: Mencheviques e Bolcheviques
Em 1903, divergências quanto à forma de acção levaram os membros do
partido POSDR a se dividir m dois grupos básicos:
Os mencheviques: liderados por Marota], defendiam que os trabalhadores
podiam conquistar o poder participando normalmente das actividades políticas. Acreditavam, ainda, que era preciso esperar o pleno desenvolvimento capitalista da Rússia e o desabrochar das suas contradições, para se dar início efectivo à acção revolucionária. Como esses membros tiveram menos votos em relação ao outro grupo, ficaram conhecidos como mencheviques, que significa minoria.
Os bolcheviques: liderados por Lenin, defendiam que os trabalhadores
somente chegariam ao poder pela luta revolucionária. Pregavam a formação de uma ditadura do proletariado], na qual também estivesse representada a classe camponesa. Como esse grupo obteve mais adeptos, ficou conhecido como bolchevique, que significa maioria. Trotsky, que inicialmente não se filiou a nenhuma das facções, aderiu aos bolcheviques mais tarde, em 1917.
A Revolta de 1905: o ensaio para a revolução
Em 1904, a Rússia, que desejava expandir-se para o oriente, entrou em
guerra contra o Japão devido à posse da Manchúria, mas foi derrotada. A situação socioeconómica do país agravou-se e o regime político do czar Nicolau II foi abalado por uma série de revoltas, em 1905, envolvendo operários, camponeses, marinheiros (como a revolta no navio couraçado Potemkin[9]) e soldados do exército. Greves e protestos contra o regime absolutista do czar explodiram em diversas regiões da Rússia. Em São Petersburgo, foi criado um soviete (conselho operário) para auxiliar na coordenação das várias greves e servir de palco de debate político.
Diante do crescente clima de revolta, o czar Nicolau II prometeu realizar,
pelo Manifesto de Outubro, grandes reformas no país: estabeleceria um governo constitucional, dando fim ao absolutismo, e convocaria eleições gerais para o parlamento (a Duma), que elaboraria uma constituição para a Rússia. Os partidos de orientação liberal burguesa (como o Partido Constitucional Democrata ou Partido dos Cadetes) deram-se por satisfeitos com as promessas do czar, deixando os operários isolados.
Terminada a guerra contra o Japão, o governo russo mobilizou as suas
tropas especiais (cossacos) para reprimir os principais focos de revolta dos trabalhadores. Diversos líderes revolucionários foram presos, desmantelando-se o Soviete de São Petersburgo. Assumindo o comando da situação, Nicolau II deixou de lado as promessas liberais que tinha feito no Manifesto de Outubro. Apenas a Duma continuou funcionando, mas com poderes limitados e sob intimidação policial das forças do governo.
A Revolução Russa de 1905, mais conhecida como "Domingo Sangrento",
tinha sido derrotada por Nicolau II, mas serviu de lição para que os líderes revolucionários avaliassem seus erros e suas fraquezas e aprendessem a superá-los. Foi, segundo Lenin, um ensaio geral para a Revolução Russa de 1917.
Revolução de 1917
A queda do Czar e o processo revolucionário
Mesmo abatida pelos reflexos da derrota militar frente ao Japão, a Rússia envolveu-se noutro grande conflito, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), em que também sofreu pesadas derrotas nos combates contra os alemães. A longa duração da guerra provocou crise de abastecimento alimentar nas cidades, desencadeando uma série de greves e revoltas populares. Incapaz de conter a onda de insatisfações, o regime czarista mostrava-se intensamente debilitado.
Palácio Tauride, sede da Duma e posteriormente do Governo Provisório e do
Soviete de Petrogrado numa das greves em Petrogrado (actualmente São Petersburgo, então capital do país), Nicolau II toma a última das suas muitas decisões desastrosas: ordena aos militares que disparem sobre a multidão e contenham a revolta. Partes do exército, sobretudo os soldados, apoiam a revolta. A violência e a confusão nas ruas tornam-se incontroláveis.
Em 15 de Março de 1917, o conjunto de forças políticas de oposição (liberais
burguesas e socialistas) depuseram o czar Nicolau II, dando início à Revolução Russa. O czar foi posteriormente assassinado junto com sua família.
Revolução de Fevereiro ou Revolução Branca
A primeira fase, conhecida como Revolução de Fevereiro, ocorreu de Março
a Novembro de 1917.
Em 23 de Fevereiro (C.J.) (8 de Março, C.G.), uma série de reuniões e
passeatas aconteceram em Petrogrado, por ocasião do Dia Internacional das Mulheres. Nos dias que se seguiram, a agitação continuou a aumentar, recebendo a adesão das tropas encarregadas de manter a ordem pública, que se recusavam a atacar os manifestantes.
No dia 27 de Fevereiro (C.J.), um mar de soldados e trabalhadores com
trapos vermelhos em suas roupas invadiu o Palácio Tauride, onde a Duma se reunia. Durante a tarde, formaram-se dois comités provisórios em salões diferentes do palácio. Um, formado por deputados moderados da Duma, se tornaria o Governo Provisório. O outro era o Soviete de Petrogrado, formado por trabalhadores, soldados e militantes socialistas de várias correntes.
Temendo uma repetição do Domingo Sangrento, o Grão-Duque Mikhail
ordenou que as tropas leais baseadas no Palácio de Inverno não se opusessem à insurreição e se retirassem. Em 2 de Março, cercado por amotinados, Nicolau II assinou sua abdicação. Após a derrubada do czar, instalou-se o Governo Provisório, comandado pelo príncipe Georgy Lvov[7], um latifundiário, e tendo Aleksandr Kerenski como ministro da guerra. Era um governo de carácter liberal burguês, intensamente interessado em manter a participação russa na Primeira Guerra Mundial. Enquanto isso, o Soviete de Petrogrado reivindicava para si a legitimidade para governar. Já em 1 de Março, o Soviete ordenava ao exército que lhe obedecesse, em vez de obedecer ao Governo Provisório. O Soviete queria dar terra aos camponeses, um exército com disciplina voluntária e oficiais eleitos democraticamente, e o fim da guerra, objectivos muito mais populares do que os almejados pelo Governo Provisório.
Com ajuda alemã, Lenin regressa à Rússia em Abril[10] (C.J.), pregando a
formação de uma república dos sovietes, bem como a nacionalização dos bancos e da propriedade privada. O seu principal lema era: Todo o poder aos sovietes[11].
Entretanto, o processo de desintegração do Estado russo continuava. A
comida era escassa, a inflação bateu a casa dos 1.000 %, as tropas desertavam da fronte matando seus oficiais, propriedades da nobreza latifundiária eram saqueadas e queimadas. Nas cidades, conselhos operários foram criados na maioria das empresas e fábricas. A Rússia ainda continuava na guerra.
Revolução de Outubro ou Revolução Vermelha
O cruzador Aurora, navio que ajudou os bolcheviques a conquistar São
Petersburgo, na época...
...e actualmente, como museu em São Petersburgo. Ver artigo principal:
Revolução de Outubro
A segunda fase, conhecida como revolução de Outubro, teve início em
Novembro de 1917.
Na madrugada do dia 25 de Outubro[12] os bolcheviques, liderados por
Lenine, Zinoviev e Radek, com a ajuda de elementos anarquistas e Socialistas Revolucionários, cercaram a capital, onde estavam sediados o Governo Provisório e o Soviete de Petrogrado. Muitos foram presos, mas Kerenski conseguiu fugir[7]. À tarde, numa sessão extraordinária, o Soviete de Petrogrado delegou o poder governamental ao Conselho dos Comissários do Povo[7], dominado pelos bolcheviques. O Comité Executivo do mesmo Soviete de Petrogrado rejeitou a decisão dessa assembleia e convocou os sovietes e o exército a defender a Revolução contra o golpe bolchevique. Entretanto, os bolcheviques predominaram na maior parte das províncias de etnia russa. O mesmo não se deu em outras regiões, tais como a Finlândia[12], a Polónia e a Ucrânia[12].
Em 3 de Novembro, um esboço do Decreto sobre o Controle Operário foi
publicado. Esse documento instituía a autogestão em todas as empresas com 5 ou mais empregados. Isto acelerou a tomada do controle de todas as esferas da economia por parte dos conselhos operários, e provocou um caos generalizado, ao mesmo tempo que acelerou ainda mais a fuga dos proprietários para o exterior. Mesmo Emma Goldman viria a reconhecer que as empresas que se encontravam em melhor situação eram justamente aquelas em que os antigos proprietários continuavam a exercer funções gerenciais. Entretanto, este decreto levou a classe trabalhadora a apoiar o recém-criado e ainda fraco regime bolchevique, o que possivelmente teria sido o seu principal objectivo. Durante os meses que se seguiram, o governo bolchevique procurou então submeter os vários conselhos operários ao controle estatal, por meio da criação de um Conselho Pan-Russo de Gestão Operária. Os anarquistas se opuseram a isto, mas foram voto vencido.
Era consenso entre todos os partidos políticos russos de que seria
necessária a criação de uma assembleia constituinte, e que apenas esta teria autoridade para decidir sobre a forma de governo que surgiria após o fim do absolutismo. As eleições para essa assembleia ocorreram em 12 de Novembro de 1917, como planejado pelo Governo Provisório, e à excepção do Partido Constitucional Democrata, que foi perseguido pelos bolcheviques, todos os outros puderam participar livremente. Os Socialistas Revolucionários receberam duas vezes mais votos do que os bolcheviques, e os partidos restantes receberam muito poucos votos. Em 26 de Dezembro, Lênin publicou suas Teses sobre a assembleia constituinte, onde ele defendia os sovietes como uma forma de democracia superior à assembleia constituinte. Até mesmo os membros do partido bolchevique compreenderam que preparava-se o fechamento da assembleia constituinte, e a maioria deles foram contra isto, mas o Comité Central do partido ordenou-lhes que acatassem a decisão de Lênin.
Na manhã de 5 de Janeiro de 1918, uma imensa manifestação pacífica a
favor da assembleia constituinte foi dissolvida à bala por tropas leais ao governo bolchevique. A assembleia constituinte, que se reuniu pela primeira vez naquela tarde, foi dissolvida na madrugada do dia seguinte. Pouco a pouco, se tornou claro que os bolcheviques pretendiam criar uma ditadura para si, inclusive contra os partidos socialistas revolucionários. Isto levou os outros partidos a actuarem na ilegalidade, sendo que alguns deles passariam à resistência armada ao governo. Durante este período, o governo bolchevique tomou uma série de medidas de impacto, como:
Pedido de paz imediata: em Março de 1918, foi assinado, com a Alemanha,
o Tratado de Brest-Litovski,[5] onde a Rússia abriu mão do controle sobre a Finlândia, Países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia), Polónia, Bielorrússia e Ucrânia, bem como de alguns distritos turcos e georgianos antes sob seu domínio.
Confisco de propriedades privadas: grandes propriedades foram tomadas
dos aristocratas e da Igreja Ortodoxa, para serem distribuídas entre o povo.
Declaração do direito nacional dos povos: o novo governo comprometeu-se
a acabar com a dominação exercida pelo governo russo sobre regiões tais como a Finlândia, a Geórgia ou a Arménia.
Estatização da economia: o novo governo passou a intervir directamente na
vida económica, nacionalizando diversas empresas[5]
Guerra civil
Durante o curto período em que os territórios cedidos no Tratado de Brest-
Litovski estiveram em poder do exército alemão, as várias forças antibolcheviques puderam organizar-se e armar-se. Estas forças dividiam-se em três grupos que também lutavam entre si: 1) czaristas , 2) liberais, eseritas e metade dos socialistas e 3) anarquistas. Com a derrota da Alemanha em 1919, esses territórios tornaram-se novamente alvo de disputa, bem como bases das quais partiriam forças que pretendiam derrubar o governo bolchevique.
Ao mesmo tempo, Trotsky se ocupou em organizar o novo Exército
Vermelho[13]. Com a ajuda deste, os bolcheviques mostraram-se preparados para resistir aos ataques do também recém-formado Exército polónio, dos Exércitos Brancos de Denikin, Kolchak, Yudenich e Wrangel(que se dividiam entre as duas primeiras facções citadas no parágrafo anterior), e também para suprimir o Exército Insurgente de Makhno e a Revolta de Kronstadt, ambos de forte inspiração anarquista. No início de 1921, encerrava-se a guerra civil, com a vitória do Exército Vermelho. O Partido Bolchevique, que desde 1918 havia alterado sua denominação para Partido Comunista, consolidava a sua posição no governo.
Criação da União Soviética
Brasão de armas da URSS. Terminada a guerra civil, a Rússia estava
completamente arrasada, com graves problemas para recuperar sua produção agrícola e industrial. Visando promover a reconstrução do país, Lenin criou, em Fevereiro de 1921, a Comissão Estatal de Planificação Económica ou GOSPLAN, encarregada da coordenação geral da economia do país. Pouco tempo depois, em Março de 1921, adaptou-se um conjunto de medidas conhecidas como Nova Política Económica ou NEP[5]. Entre as medidas tomadas pela NEP destacam-se: liberdade de comércio interno, liberdade de salário aos trabalhadores, autorização para o funcionamento de empresas particulares e permissão de entrada de capital estrangeiro para a reconstrução do país. O Estado russo continuou, no entanto, exercendo controlo sobre sectores considerados vitais para a economia: o comércio exterior, o sistema bancário e as grandes indústrias de base.
O Governo Operário na União Soviética
Desde 1918, após uma tentativa de assassinato de Lenin no mês de Agosto
com a participação de membros do partido Socialista Revolucionário, os comunistas tinham proibido os outros partidos políticos. Em Abril de 1922, Saline foi nomeado secretário-geral do Partido[13], encarregando-se de combater as facções de oposição no interior do Partido e de garantir os postos importantes da administração estatal para pessoas da inteira confiança do regime o que foi por ele utilizado para impor à administração interna a hegemonia do seu grupo pessoal.
Em Dezembro de 1922, foi organizado um congresso geral de todos os
sovietes, ocorrendo a fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). O governo da União, cujo órgão máximo era o Soviete Supremo (Legislativo), passou a ser integrado por representantes das diversas repúblicas.
Competia ao Soviete Supremo eleger um comité executivo (Presidiu),
dirigido por um presidente a quem se reservava a função de chefe de estado. Competiam ao governo da União as grandes tarefas relativas ao comércio exterior, política internacional, planificação da economia, defesa nacional, entre outros.
Paralelamente a essa estrutura formal, estava o Partido Comunista, que
controlava, efectivamente, o poder da URSS. Sua função era controlar os órgãos estatais, estimulando sua actividade e verificando sua lealdade e manter os dirigentes em contacto permanente com as massas. Também assegurava à população a difusão das ideologias vindas da alta cúpula.
Houve êxito na reconstrução do país e na elevação do nível económico e
cultural da população soviética tornando a URSS, juntamente com os Estados Unidos da América, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) uma das superpotências mundiais[16] Com a vitória dos aliados sobre o eixo nazi-fascista formado por Alemanha, Japão e Itália, a União Soviética, o principal oponente da Alemanha na Europa passou a dispor de enorme prestígio internacional, mas teve enormes perdas humanas e materiais. O governo de Stalin terminou com sua morte no ano de 1953.[16]
Relações diplomáticas com Portugal
A Revolução de Fevereiro de 1917 teve uma enorme repercussão nas
relações diplomáticas russo-portuguesas, que foram cortadas até 1974. Todavia, ao longo desses 57 anos, relações comerciais entre Portugal e a Rússia (e, posteriormente, a União Soviética) nunca deixaram de existir