0 calificaciones0% encontró este documento útil (0 votos)
64 vistas6 páginas
O documento discute a quesitação da legítima defesa putativa no Tribunal do Júri brasileiro. A quesitação tradicional não permite verificar se o erro do réu derivou de culpa, limitando assim a aplicação do direito material. O autor propõe uma nova fórmula de quesitação que permita avaliar integralmente os requisitos da legítima defesa putativa e distinguir entre erro invencível e erro derivado de culpa.
O documento discute a quesitação da legítima defesa putativa no Tribunal do Júri brasileiro. A quesitação tradicional não permite verificar se o erro do réu derivou de culpa, limitando assim a aplicação do direito material. O autor propõe uma nova fórmula de quesitação que permita avaliar integralmente os requisitos da legítima defesa putativa e distinguir entre erro invencível e erro derivado de culpa.
O documento discute a quesitação da legítima defesa putativa no Tribunal do Júri brasileiro. A quesitação tradicional não permite verificar se o erro do réu derivou de culpa, limitando assim a aplicação do direito material. O autor propõe uma nova fórmula de quesitação que permita avaliar integralmente os requisitos da legítima defesa putativa e distinguir entre erro invencível e erro derivado de culpa.
Muitas crticas se opem ao Tribunal do Jri, desde as mais simplrias, como a falta de conhecimento tcnico dos jurados, o que cede facilmente ao argumento de que sequer dos legisladores se exige formao jurdica, at as mais pertinentes, que no desafiam a instituio do jri, mas suas caractersticas, como a complexidade do modelo de votao, por exemplo. De fato, os quesitos transformam o jri, muitas vezes, em algo incompreensvel at para os mais experientes. Nesse sentido, entre tantos temas espinhosos, avulta a discusso sobre os quesitos relativos tese de legtima defesa putativa.
A legtima defesa putativa uma das teses mais utilizadas pela defesa de acusados perante o Tribunal do Jri. Adotada a teoria limitada da culpabilidade 1 ,que distingue a descriminante putativa por erro de tipo da descriminante putativa por erro de proibio indireto 2 , mister acolher uma frmula de quesitao que possibilite a integral apreciao da matria pelos jurados, sob pena de se recusar aplicao ao direito material.
O problema maior reside na argio, pela defesa, do erro derivado de culpa, previsto na parte final do art. 20, 1, do Cdigo Penal.
Ocorre que a quesitao tradicional no permite a verificao dessa espcie de erro, considerado erro de tipo permissivo inescusvel, que, segundo a frmula legal, permite a punio por crime culposo, se previsto em lei, operando hiptese desclassificatria.
Impe-se, portanto, urgente reviso do modelo tradicional.
2. Legtima defesa putativa por erro de tipo
1 Malgrado certo dissenso doutrinrio, isso que consta no item 19 da exposio de motivos da nova parte geral do Cdigo Penal. Ainda, conforme a orientao majoritria: A posio assumida pelo legislador de 1984 representou, no entanto, uma recusa teoria extremada da culpabilidade e a adeso explcita teoria limitada da culpabilidade. Embora ambas as teorias partam das mesmas idias fundamentais (dolo na ao tpica final e conscincia da ilicitude, como elemento da culpabilidade) e tenham ainda, em comum, a mesma raiz finalista, fora convir que a teoria legalmente consagrada d um tratamento diferenciado s subespcies do erro incidentes sobre as causas de justificao. Com efeito, se o erro sobre a existncia ou sobre os limites da excludente de ilicitude se traduz em erro de proibio, igual concluso no se mostra vlida em relao ao erro sobre os pressupostos fticos dessas excludentes (Adriano Marrey et alii, Teoria e Prtica do Jri, 7. ed., So Paulo: RT, 2000, pp. 514-515). 2 Diferentemente da teoria extremada da culpabilidade, que considera que uma descriminante putativa sempre decorre de erro sobre a ilicitude do fato. A legtima defesa putativa, como as demais descriminantes imaginrias, forma especial de erro com relevncia jurdico-penal. Pode consubstanciar um erro sobre elemento do tipo permissivo, o que mais comum, ou constituir um erro de proibio indireto 3 .
Consabidamente, o erro de tipo constitui, sempre, um defeito na representao do agente, isto , um problema cognitivo. O agente tem uma percepo errnea da realidade.
Se essa falsa representao coincide com um elemento do tipo penal incriminador (ex.: matar uma pessoa, pensando tratar-se de um animal), tem-se um erro de tipo incriminador. Como o dolo deve abranger todos os elementos do tipo penal, opera-se a excluso do dolo, j que este no se configura sem seus dois elementos estruturais: representao e vontade 4 . Se as circunstncias indicam que o agente podia, com maior diligncia, evitar o erro, surge o erro evitvel, vencvel ou inescusvel, permitindo-se a punio por crime culposo, se previsto em lei.
Se a falsa percepo coincide com um elemento do tipo permissivo, surge, ento, a descriminante putativa. o que ocorre, por exemplo, no clssico exemplo de quem, diante de um gesto brusco da vtima, com quem trava discusso, supe que esta sacar uma arma e, imediatamente, culmina por alvej- la, errando sobre a legtima defesa. Tal erro , tambm, um defeito de representao, s que este no recai sobre o tipo incriminador, mas sobre o tipo permissivo. Erro de tipo permissivo, portanto.
Ocorre que, nesse caso, no h afetao do dolo, pois o agente conhece perfeitamente os elementos do tipo incriminador, j que seu erro s ocorre em relao ao tipo permissivo. Sendo esse erro invencvel, ou seja, inevitvel, h iseno de pena. Todavia, se o agente podia, com maior diligncia, evitar o erro, diz-se que o erro deriva de culpa (omisso do dever de cuidado objetivo) e a pena aplicvel deve ser a do crime culposo. Trata-se, pois, de um crime doloso punido como se culposo fosse. Essa culpa ficcional conhecida como culpa imprpria, pois no , genuinamente, forma culposa, e sim um crime doloso com pena de crime culposo. 5
3. Anlise das espcies de erro nas descriminantes putativas por erro de tipo permissivo
3 Recomenda-se consultar Erro jurdico-penal: culpabilidade, erro de tipo, erro de proibio, Cezar Roberto Bitencourt, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996. 4 HUNGRIA, Nelson. Comentrios ao cdigo penal, v. 1, Rio de Janeiro: Forense, 1953, pp. 109 e 110. 5 Consoante Damsio de Jesus: Na culpa imprpria, tambm denominada culpa por extenso, assimilao ou equiparao, o resultado previsto e querido pelo agente, que labora em erro de tipo inescusvel ou vencvel. A denominao incorreta, uma vez que na chamada culpa imprpria temos, na verdade, um crime doloso a que o legislador aplica a pena do crime culposo (in Direito Penal, v. 1, 15. ed., So Paulo: Saraiva, 1991, 259).
O artigo 20, 1, do CP, trata de duas formas de erro na descriminante:
a) erro plenamente justificado pelas circunstncias (erro invencvel, inevitvel, escusvel), que impe iseno de pena (art. 20, 1, primeira parte);
b) erro derivado de culpa (erro vencvel, evitvel, inescusvel), que determina a punio por crime culposo, se previsto em lei, ou seja, a culpa imprpria (art. 20, 1, segunda parte). .
4. A quesitao tradicional da legtima defesa putativa
Costuma-se adotar a seguinte quesitao, proposta por Saulo Brum Leal 6 :
1) Fato principal (conforme libelo). 2) O pertinente ao nexo de causalidade (letalidade ou tentativa, se for o caso). 3) O ru, em conseqncia de erro plenamente justificvel pela circunstncia de a vtima ter feito um gesto, levando a mo cintura, dando-lhe assim a impresso de que iria puxar uma arma, sups estar agindo em defesa de sua pessoa? 4) Essa suposta agresso era atual ou iminente? 5) Essa suposta agresso era injusta? 6) O ru usou, moderadamente,dos meios necessrios para repelir essa suposta agresso? 7) O ru excedeu, dolosamente, os limites da suposta legtima defesa? 8) O ru excedeu, culposamente, os limites da suposta legtima defesa? 7
Essa formulao no permite a verificao da culpa imprpria, limitando, portanto, a atuao do direito material, de modo incompatvel com a natureza instrumental do processo penal. Mesmo os autores que recomendam o quesito sobre o erro derivado de culpa ao final (O ru cometeu o crime por erro derivado de culpa) 8 , incorrem num problema de contradio, j que a afirmao do erro derivado de culpa pressupe a prvia afirmao do quesito relativo ao
6 Jri popular, 4.ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 212. 7 No h consenso entre os autores que apresentam esse modelo. Solimar Soares da Silva (Questes Prticas do Tribunal do Jri, 2 ed., Belo Horizonte: Del Rei, p. 222), assim como Tourinho Filho (Processo Penal, 18. ed., So Paulo: Saraiva, 1997, p. 118), entendem pela realizao, desde que negada a moderao, do quesito sobre o excesso culposo, to somente. Hermnio Marques Porto segue a mesma senda, mas introduz, ao final, o quesito do erro derivado de culpa (O ru cometeu o crime por erro derivado de culpa?), que resta prejudicado se for afirmado o excesso culposo (Jri, 11.ed., So Paulo: Saraiva, 2005, p. 253). 8 o caso de Hermno Marques Porto, conforme nota anterior. erro plenamente justificado pelas circunstncias(3.). Ora, um erro no pode ser, ao mesmo tempo, plenamente justificado pelas circunstncias (escusvel) e derivado de culpa (inescusvel).
Outra a frmula sugerida por Aramis Nassif 9 :
1) Fato principal (conforme libelo). 2) O pertinente ao nexo de causalidade (letalidade ou tentativa, se for o caso). 3) O ru cometeu o crime, supondo, por erro plenamente justificado pelas circunstncias de... (levar mo cintura, por exemplo), estar diante de uma agresso sua pessoa (ou de terceiro)? 4) Existindo essa agresso, seria lcito o procedimento do ru? 5) O erro do ru derivou de culpa?
Embora solucione o problema da culpa imprpria (5 quesito), esse modelo apresenta dois inconvenientes: a) no permite aquilatar, na ntegra, os requisitos da legtima defesa, que, no plano da tipicidade subjetiva, tirante o erro, deve ser idntica legtima defesa real 10 ; b) no permite verificao do excesso, que, se for doloso, torna irrelevante o erro sobre os pressupostos fticos da causa de justificao, j que se trata de um novo processo mental, no qual o erro inicial deixa de existir para dar lugar a um excesso intencional. Alm disso, tal modelo padece de grave contradio, pelo fato de questionar se o agente agiu por erro plenamente justificado pelas circunstncias e, mais adiante, perguntar ao jri se o erro derivou de culpa.Ora, se o jri afirma o erro plenamente justificado pelas circunstncias, a iseno de pena decorre ex vi lege. O mesmo erro no pode ser, ao mesmo tempo, um erro plenamente justificado pelas circunstncias (inevitvel) e derivado de culpa (evitvel). Seria considerar o erro, a um s tempo, escusvel e inescusvel.
5. A soluo necessria
A soluo do impasse sobredito, para atuao integral do direito material, impe a satisfao das seguintes etapas: a verificar se houve erro; b verificar se a ao do agente, no fosse o erro, seria legtima; c verificar se o erro escusvel, com iseno de pena, ou inescusvel, com apenamento de crime culposo (culpa imprpria).
Com efeito, prope-se a seguinte quesitao: 1) Fato principal (conforme libelo). 2) O pertinente ao nexo de causalidade (letalidade ou tentativa, se for o caso).
9 O jri objetivo, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 155. 10 por isso que, na legtima defesa real, os requisitos do instituto so desdobrados em quesitos especficos. 3) O ru praticou o fato por erro, supondo estar diante de uma agresso sua pessoa (ou terceiro)? 4) Essa suposta agresso era injusta? 5) Essa suposta agresso era atual ou iminente? 6) O ru usou, moderadamente,dos meios necessrios para repelir essa suposta agresso? 7) O erro do ru foi plenamente justificado pelas circunstncias de... (a vtima fazer movimento brusco, levar a mo cintura etc.)?
Assim, essencial para o acolhimento da descriminante putativa, o reconhecimento pelos jurados de que houve um erro (3).
Negado o erro, no se cogita a existncia da descriminante, pois se assume que o ru no errou. Afirmado o erro, mister perquirir se, sem o erro, a ao seria uma legtima defesa, devendo ser examinados seus requisitos, um a um, em formulaes distintas (4, 5, 6).
Finalmente, mister classificar o erro: evitvel ou inevitvel. Afirmado que foi plenamente justificado pelas circunstncias (7), o ru deve ser absolvido, j que, segundo a lei, h iseno de pena. Negado o quesito, tem-se a desclassificao imprpria e o ru deve ser condenado pelo homicdio culposo. Trata-se de forma especial de desclassificao imprpria, j que os jurados, ao entenderem tratar-se de erro evitvel, condenam por homicdio doloso, ao qual se aplica a pena de crime culposo (culpa imprpria).
6. A questo do excesso
No deve causar perplexidade, no modelo ora proposto, a negativa dos jurados ao quesito sobre a moderao na suposta legtima defesa. Nesse caso, deve o juiz perquirir sobre a existncia do excesso doloso ou culposo, tal como j ocorre na prtica forense.
Afirmado o excesso, est afirmada a irrelevncia do erro sobre a agresso, em face da conduta dolosa ou culposa superveniente.
Se A, imaginando que ser agredido por B, desfere-lhe um disparo, estar em erro que poder ou no ser plenamente justificado pelas circunstncias. Todavia, se efetuar disparos desnecessrios, quando subjetivamente no identifica mais agresso, o erro inicial perde relevncia, dando margem a um crime doloso ou culposo, em razo do excesso, salvo o caso de serem negados ambos os quesitos da espcie. 11
7. Concluso
11 Com excluso do excesso culposo, o ru ser absolvido, pois o excesso anteriormente reconhecido foi considerado puramente acidental (Adriano Marrey et alii, Teoria e Prtica do Jri, op. cit., p. 567). razovel crer que a frmula ora proposta constitui salutar aprimoramento da quesitao da legtima defesa putativa, uma vez que responde aos problemas apontados nos modelos usuais, relativamente verificao da culpa imprpria, dos requisitos da legtima defesa putativa e do respectivo excesso.
O esforo pela superao das dificuldades e melhoria sistmica constitui compromisso de todos quantos se proponham ao fiel cumprimento de seus deveres profissionais. No h dvida de que a quesitao proposta, em detrimento das frmulas tradicionais, expressa esse compromisso, procurando contribuir para o aprimoramento dos julgamentos pelo jri, cuja especial complexidade consenso no meio forense.
No se oponha resistncia frmula proposta ao argumento de que favorece a atuao defensiva. O ideal cientfico no se coaduna com o estigma da parcialidade. Por outro lado, a mais efetiva atuao do direito material desiderato transcendente a questes ideolgicas ou institucionais.
S legtima a condenao em que a defesa for bem e plenamente exercida, calando-se os crticos que acusam o jri de julgar pelos dotes em vez dos dados do process.Uma acusao no um massacre e no conhece rancores. fruto da incondicional crena na justia, na supremacia das leis e no valor imortal do direito.Uma acusao bem exercida, com respeito s leis e Constituio, uma homenagem de cada acusador grandeza histrica do Tribunal do Jri.
Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições