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Anais

XI Seminário Nacional
Mulher e Literatura

II Seminário Internacional
Mulher e Literatura

Organizadora: Maria Conceição Monteiro

• Apresentação
• Sumário

Entre o Estético e o Político:


A Questão da Mulher na Literatura

ANPOLL / UERJ

Agosto de 2005
Stella Montalvão Ferraz - Universidade Estadual de Goiás

De “Yentl, o rapaz da yeshiva” de Isaac B. Singer a “Yentl” de Barbra


Streisand: uma perspectiva feminina

Em 1983, Barbra Streisand, cantora, atriz e diretora norte-americana, lançou Yentl,

um filme baseado no conto Yentl, o Rapaz da Yeshiva, de Isaac B. Singer. Sua condição de

primeiro e único filme, até os dias de hoje, escrito, estrelado, produzido e dirigido por uma

mulher nos EUA, e que obteve sucesso em lugares tão díspares quanto Taiwan e Finlândia,

coloca-o em destaque e faz dele um tema de grande interesse para os estudos feministas.

Fetterley (1978) destaca que a literatura, sendo essencialmente masculina, apresenta

a realidade sob essa única perspectiva, que é legitimada e transmitida como se fosse uma

realidade universal. A comparação entre o enredo do conto e o do filme permite levantar

questões interessantes nesse sentido já que, embora haja poucas diferenças, percebem-se

algumas inclusões e exclusões de fatos e modificações significativas do caráter das

personagens e do relacionamento entre elas. Embora ajustes pragmáticos para tornar o

filme aceitável em termos comerciais sejam comuns em adaptações, essas alterações indicam

uma bem elaborada “reconstrução” da história original no sentido de sobrepor à leitura/

literatura essencialmente masculina uma leitura/literatura feminina que permita às mulheres

se reconhecerem como protagonistas.

A proposta desse trabalho é analisar comparativamente o enredo do conto e do filme,

buscando desvelar o processo pelo qual um texto de tom conservador e essencialmente

masculino foi retrabalhado artisticamente, adotando uma perspectiva feminina e constituindo

uma narrativa de aprendizagem feminina.

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O conto de Isaac B. Singer

Isaac B. Singer (1904-91),escritor judeu polonês naturalizado norte-americano,

defendia com paixão a preservação de sua língua e costumes. Seus textos buscavam construir

um mundo ficcional habitado por personagens judeus e retratava, com freqüência, a vida

das comunidades judias das antigas aldeias polonesas. Seu estilo consistia em contar histórias

em linguagem direta, marcadas por uma visão pessimista do homem, mas sem dispensar o

humor perpassado de ironia. Yentl, o Rapaz da Yeshiva faz parte desse mundo ficcional tão

explorado por Singer.

O texto de Singer parte da premissa de que Yentl representa “uma mulher que não

deu certo” ou, ainda, “um homem no corpo errado”. Yentl é descrita como uma mulher

“que não tem estofo para a vida feminina” (YRY, 120)1. O diálogo entre Yentl e seu pai

define o ponto de vista do conto: Yentl tem alma de homem e, se nasceu mulher, é porque

“até o Céu comete enganos” (YRY, 120). Sua descrição física busca confirmar essa posição:

ela era “alta, magra, ossuda, tinha seios miúdos e quadris estreitos” (YRY, 120) e até mesmo

“uma sombra de buço no lábio superior” (YRY, 120). Seu desejo de ser homem se revela

nas tardes em que veste roupas masculinas enquanto seu pai dorme e seu interesse nos

estudos que faz com seu pai, em segredo, é apresentado como indício de sua masculinidade.

A visão de Yentl das mulheres é bastante desvalorativa: ela não tolera o “conversar

ociosamente com mulheres imbecis” (YRY, 120), o “falar ocioso das mulheres” (YRY,

120). Ela não quer se casar e sonha tornar-se homem. Morto seu pai, põe em prática seu

plano, vestindo-se com as roupas dele e partindo a pé para Lublin. Assim, Yentl adota uma

persona masculina.

1
As referências ao conto estão identificadas pela sigla YRY, seguida da página em que consta o trecho.

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Parando em uma taberna, Yentl apresenta-se como Anshel (nome utilizado pelo

narrador até o final do conto) e conhece Avigdor. Este propõe que Anshel vá à yeshiva em

que ele estuda em Bechev, o que ela aceita. Avigdor conta-lhe que foi noivo, mas que a

família rompeu o contrato de casamento. É significativo que Avigdor deixe entrever que o

maior atrativo da noiva, Hadass, era o dote e as facilidades de que desfrutaria, evidenciando

a visão patriarcal da mulher como uma “utilidade”.

Avigdor e Anshel estudam juntos na yeshiva. No entanto, é evidente que o estudo não

é o que os une, mas a camaradagem de homens que se estabelece entre eles: “Os dois

amigos, dividindo uma estante no canto da igreja, passavam mais tempo conversando do

que aprendendo. Ocasionalmente Avigdor fumava, e Anshel, tomando-lhe o cigarro dos

lábios, tirava uma baforada.” (YRY, 123) Dessa amizade surge a proposta de Avigdor a

Anshel de que ele se case com Hadass, proposta que ela recusa. Destaca-se a rudeza com a

qual Anshel descreve Hadass: ela é desastrada e negligente.

Em seguida, Avigdor decide casar-se com uma viúva, Peshe. Sua decisão origina-se

na necessidade de sexo, no dote considerável e nos presentes que receberá, já que, embora

ignorante, ela é rica. Destaca-se que as referências desvalorativas à Peshe são feitas pela

própria Yentl: “não era bonita nem inteligente; e não passava de uma vaca com dois olhos.”

(YRY, 120) ou “a outra parece uma macaca.” (YRY, 127)

Em um jantar na casa de Hadass, esta faz uma observação rude sobre a sorte grande

de Avigdor ao se casar com uma viúva rica e Anshel cobra dela o rompimento do noivado.

Ela explica que havia sido decisão de sua família, causada pelo suicídio do irmão de Avigdor.

Evidencia-se, assim, o caráter tolo e subserviente de Hadass.

Em seguida, Avigdor muda de yeshiva e essa separação evidencia o desejo que Anshel

sente por ele. Perturbado, Anshel propõe casamento a Hadass. Lembrando-se da idéia de

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Avigdor, delineia um plano: “vingar Avigdor e, ao mesmo tempo, através de Hadass,

aproximá-lo de si”. (YRY, 128) Há no comportamento de Anshel “um misto de medo e de

alegria, como uma pessoa que planeja enganar a comunidade inteira. Recordou o dito: O

público é idiota. Levantando-se, disse em voz alta: Agora eu vou fazer mesmo alguma

coisa”.(YRY, 128) Embora se sinta como quem fez um pacto com Satã, não recua e pede a

mão de Hadass. Nesse sentido, Yentl é retratada como alguém inconseqüente, já que pretende

vingar-se por Avigdor sem considerar os sentimentos das pessoas a quem enganará.

O casamento fica acertado. Anshel reencontra Avigdor, que está abatido, mas o

casamento de Hadass e Anshel tranqüiliza-o. Avigdor, então, casa-se e eles voltam a ser

companheiros. Avigdor não tarda a mostra-se infeliz no casamento e Anshel atiça-o contra

Peshe. Anshel se casa com Hadass e encontra uma maneira de deflorar a noiva, enganando

a família dela. Aprofunda-se a vileza de Yentl já que busca destruir o casamento do amigo,

enquanto casa-se e deflora a noiva sem hesitação, aproveitando-se da ignorância dela.

Mas logo Anshel não suporta a situação em que se colocou. Sente culpa e remorsos:

“Deitar-se com Hadass e enganá-la tornava-se cada vez mais penoso. O amor e a ternura da

Hadass a envergonhavam. A devoção dos sogros e seu desejo de um neto constituíam um

fardo.” (YRY, 134) Além disso, as pessoas da cidade já comentavam com desconfianças a

recusa de Anshel a comparecer aos banhos e expor seu corpo.

Para libertar-se daquela situação, Anshel convence Avigdor a viajar com ele a Lublin

e lá revela a ele que é uma mulher. Conta então a sua história a ele e explica que “jamais

tivera paciência com mulheres e seu jeito tolo” (YRY, 135) e que “não queria desperdiçar a

vida a fazer tricô e a assar pães” (YRY, 136). Explica também que se casou com Hadass

porque queria manter uma proximidade com ele. Por fim, esclarece que pretende fugir para

outra yeshiva.

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Avigdor pensa na possibilidade de casar-se com ela, pois ela é “aquilo que sempre

quisera: uma esposa cujo espírito não estivesse ocupado com coisas materiais...” (YRY,

138), mas ela mesma o desencoraja: “não sou nem um nem outro” (YRY, 136). Ela sugere

então a ele que se divorcie e se case com Hadass. Seguem-se o retorno de Avigdor sozinho

e entristecido, o divórcio de Anshel e Hadass, os mexericos na cidade. Hadass adoece, mas

recobra-se e casa-se com Avigdor. O conto termina com o nascimento do filho deles, a

quem Avigdor dá o nome de Anshel.

Destacam-se o perfil das personagens femininas: Yentl é a que estuda, portanto,

inteligente, mas vil e perdida em sua condição de mulher com alma de homem; Peshe é o

estereótipo da viúva rica e ignorante e Hadass, a da moça fútil e estúpida. Em contraponto,

o narrador é claramente indulgente quanto às posições que assume Avigdor; afinal, é seu o

“final feliz”: casado com Hadass e com um filho varão no colo.

Assim, evidencia-se o que Fetterley afirma: “As readers and teachers and scholars,

women are taught to think as men, to identify with a male point of view, and to accept as

normal and legitimate a male system of values, one of whose central principles is misogyny.”

(1978, p.xx)

O filme de Barbra Streisand

Ao construir o roteiro do filme, Streisand utilizou basicamente a seqüência dos fatos

presentes no conto. É evidente, no entanto, que o texto inicial passa por uma “re-visão” no

sentido dado por Adrienne Rich: “the act of looking back, of seeing with fresh eyes, of

entering an old text from a new critical direction.” (FETTERLEY,1978, p.xix) Às perguntas

“Quem são essas mulheres?” e “O que pensam e sentem?” surge uma nova perspectiva

alternativa à visão masculina que se impõe no conto.

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O filme traz mudanças cruciais no caráter das personagens principais: Yentl, Avigdor

e Hadass. De meros estereótipos que confirmam o mundo patriarcal, elas passam a indivíduos

complexos. Yentl deixa de ser “um homem em corpo de mulher” para ser aquela que questiona

seu papel na sociedade, enquanto tenta compreender sua própria especificidade como mulher;

Avigdor perde seu traço mesquinho e surge como um estudioso sensível, embora aceite

sem questionar a ordem estabelecida; e Hadass faz o papel de duplo de Yentl, encarnando o

feminino. Essas mudanças vão ensejar novos sentidos para os mesmos fatos.

Em oposição ao conto, em que se percebe uma descrição bastante cínica e conservadora

da sociedade, o filme tem um tom lírico. Amplia-se largamente o tema do conto: Yentl é

agora, uma história sobre amor, amizade, aprendizado e amor-próprio. Os vários papéis

sociais que Yentl assume no enredo permitem a ela o aprendizado pela vivência e instaura

uma empatia entre ela e cada uma das personagens. Surge assim, uma narrativa de

aprendizagem feminina.

A análise do enredo do filme aqui proposta parte da existência de “blocos de sentido”

com intenções claras na trama narrativa, enquanto as canções interpretadas por Streisand

se incorporam ao enredo em forma de monólogos interiores de Yentl em momentos de

epifania, revelando sua perspectiva tão própria e única.

O primeiro bloco busca demonstrar o destaque todo especial ao estudo como

necessidade feminina interditada: a chegada do livreiro e a proibição da compra de livros

sagrados por mulheres, o pai que estuda secretamente com a filha, o recitar do Kadish por

Yentl no funeral de seu pai. Destaca-se a sensibilidade de Yentl no trato com o pai e o

carinho a ela dedicado pelo pai. Seu pai assume, portanto, o papel de seu mentor que

permite seu ingresso ao mundo do conhecimento, ao mesmo tempo em que representa

apoio e proteção. Where is Written? é a canção em que Yentl questiona a ordem estabelecida

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pela sociedade patriarcal, revelando suas dúvidas quanto ao fato de que essa ordem tenha

uma origem divina. Afinal, se não consta nos textos sagrados, onde está escrito o que uma

mulher deve ser?

O segundo bloco apresenta a decisão de Yentl de fugir, assumindo uma identidade

masculina para não ter que se curvar ao destino traçada para ela. Diferentemente do conto,

a fuga não é um plano arquitetado, mas uma solução desesperada que traz a insegurança e

o medo do novo. Papa, Can you Hear Me? é uma canção em forma de prece em que Yentl

busca a aprovação do pai, seu mentor, para a sua decisão de fugir e se apresentar como

homem.

A nova vida assumida revela-se na cena do “atravessar do rio” que ela empreende,

abrindo o terceiro bloco. O contato de Yentl com o mundo dos homens é feito de um

deslumbramento que o encontro com Avigdor aprofunda, pois ele revela o mesmo amor

pelo estudo que ela. Avigdor será seu segundo mentor, descortinando, como seu companheiro

de estudos, o mundo do conhecimento.

A noite que passam dividindo o quarto e a mesma cama, pois não há acomodações

suficientes na hospedaria, introduz as questões de gênero na dificuldade do contato físico,

que faz com que Yentl obrigue Avigdor a dormir de costas para ela, e na menção à noiva,

Hadass, uma “moça perfeita”. Avigdor será seu segundo mentor, descortinando, como seu

companheiro de estudos, o mundo do conhecimento.

A entrada de Yentl na yeshiva recebe uma ênfase especial no filme. O teste com o

rabino, o sucesso de Yentl e o reconhecimento de suas qualidades intelectuais são fatos

recebidos por ela como uma conquista do que ela sempre sonhou. Valoriza-se, portanto, a

possibilidade de estudar como o desejo mais forte de Yentl. This Is One Of Those Moments

é a canção de celebração de sua entrada na yeshiva como estudante. Nela, Yentl percebe

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que, finalmente, tudo o que ela sonhou conhecer está a seu alcance e que esse conhecimento

que ela poderá alcançar ninguém mais poderá tomar dela novamente.

Constitui-se um novo bloco com a entrada de Hadass em cena. É sua presença que

aprofunda o questionamento da posição da mulher na sociedade patriarcal. Ela representa

a feminilidade imposta às mulheres, sua fragilidade e ignorância somadas à função básica da

mulher: agradar e servir ao homem. A escolha de uma cena de jantar permite colocar esses

pontos em evidência. No Wonder é a canção que revela seu primeiro contato com a

feminilidade encarnada por Hadass. Ao mesmo tempo em que Yentl menospreza Hadass

pela feminilidade que esta ostenta, mas que a oprime, ela percebe que essa feminilidade é

fruto de um modo de vida patriarcal em que o homem busca garantir seus privilégios. Dessa

forma, tudo parece perfeito.

Na seqüência, a questão da feminilidade se aprofunda nos contatos físicos acidentais

entre Yentl e Avigdor. A visão do corpo nu de Avigdor nadando no rio e a consciência dela

do seu próprio corpo e do seu desejo revelam a ela sua condição de mulher. The Way He

Makes Me Feel é a descoberta do desejo de Yentl que se manifesta no seu corpo de mulher.

A materialidade do corpo recoloca o problema: renegar sua identidade feminina a condena

a renegar seu próprio corpo.

Um novo bloco surge com o rompimento do noivado de Hadass e Avigdor. A sociedade

patriarcal se volta contra aqueles que a sustentam: o suicídio do irmão de Avigdor o

descredencia como noivo. O sofrimento de ambos é visível e Yentl encontra-se diante do

fato de que a sociedade patriarcal algema a todos às suas próprias regras. No Wonder - part

two revela o momento em que Yentl busca compreender o que faz de Hadass uma mulher

tão perfeita aos olhos de Avigdor. Ao final da canção, Yentl compreende que o encanto de

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Hadass está na sua feminilidade, mas também na possibilidade de o homem utilizar-se dessa

feminilidade para seu próprio proveito.

O rompimento do noivado faz de Yentl uma opção de casamento para Hadass. A

ameaça da partida de Avigdor a leva mais uma solução desesperada: aceitar o casamento,

que surge assim como um ato de amor de Yentl por Avigdor e não como uma possibilidade

de enganar as pessoas, como colocado no conto. Tomorrow Night expressa a angústia de

Yentl com o caminho que sua vida irá tomar a partir do seu casamento com Hadass. Nesse

momento ela justifica sua decisão com a sua incapacidade de se distanciar de Avigdor, a

quem ama.

Novo bloco se abre com o contato de Yentl com Hadass que vai descortinar o mundo

da feminilidade que Yentl nega. Não há defloramento da noiva, pois Yentl se alia a Hadass

e, juntas, enganam aqueles que esperam a consumação do casamento. Entre elas se estabelece

um pacto de amizade que permite a Yentl entender o mundo sob uma nova perspectiva. O

relacionamento entre elas se aprofunda quando Yentl resolve ensinar o Talmude para Hadass,

o que provoca modificações profundas nas duas. Yentl passa a reconhecer a dedicação e o

trabalho de Hadass: a afirmação de Hadass de que está cansada para estudar o Talmude e

que, enquanto o Talmude fala de galinhas, ela tem que depená-las, evidencia as restrições

que a própria estrutura do sistema patriarcal estabelece. Hadass, por sua vez, desenvolve

sua iniciativa, sua personalidade própria e passa a viver sua feminilidade de uma forma

segura e consciente. Hadass e Yentl passam a ser mentoras uma da outra numa relação de

cumplicidade: enquanto Yentl abre para Hadass o mundo do conhecimento, Hadass a ajuda

a compreender a sua própria feminilidade.

E é pelo estudo e pelo conhecimento que Hadass toma posse do seu próprio desejo:

ela descobre que pode recusar seu marido, mas também pode exigi-lo. Esse processo

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desencadeia o surgimento do amor de Hadass por Yentl que se revela na cena em que

Hadass busca seduzi-la. Assim, o relacionamento entre Yentl e Hadass é o ponto crucial das

modificações introduzidas no filme, já que, no conto, o contato entre Yentl e Hadass é

superficial e não engendra nenhum movimento de auto-descoberta em nenhuma das duas.

O amor de Hadass por Yentl estabelece um impasse que não pode ser resolvido, a não

ser com a verdade. Ao mesmo tempo, a aproximação crescente entre Yentl e Avigdor

evidencia o amor que Yentl tem dificuldades de ocultar. Will Someone Ever Look At Me

That Way? destaca o estranho triângulo amoroso que se instaura entre eles: Avigdor olha

com paixão para Hadass, enquanto Hadass só tem olhos para Yentl e a própria Yentl não

consegue desviar seu olhar de Avigdor.

No Matter What Happens revela o momento em que Yentl percebe que os sentimentos

dela por Avigdor e de Hadass por ela estão se aprofundando e que não podem ser ignorados.

Yentl então decide enfrentar a verdade e assumir sua identidade feminina. Destaca-se nessa

canção a importância que Yentl dá a convivência com Hadass no seu processo de auto-

descoberta. Na seqüência, surge No Wonder - part three em que Yentl confronta-se com

Hadass pela última vez e expressa sua compreensão das possibilidades de ser uma mulher

na sua admiração pela mulher que Hadass se tornou.

A revelação da verdade abre o último bloco. A partir de uma viagem, em que ela

novamente “atravessa o rio”, Yentl assume sua identidade como mulher que transgride as

leis patriarcais. A cena da revelação é bastante rica. Desenrola-se uma seqüência de reações

de Avigdor: o horror e o ódio diante da descoberta do engodo, a descoberta da atração que

ele sente por Yentl, o desconforto em discutir o Talmude com uma mulher, a vontade de

casar com ela, mas a impossibilidade de aceitar sua proposta transgressiva, e, por fim, a

compreensão. Fica claro que ela é uma mulher a frente do seu tempo, enquanto ele é

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prisioneiro do seu. Nesse momento é Yentl que surge como mentora de Avigdor: é a sua

condição de mulher que fará Avigdor vislumbrar outras perspectivas que não aquelas

eternizadas e universalizadas pela sociedade patriarcal.

Na seqüência, evidencia-se o tempo decorrido: Avigdor está casado com Hadass e

Yentl parte para “um lugar onde as coisas são diferentes” (provavelmente, América). Sua

feminilidade e seu desejo de estudos e de independência já não são incompatíveis, mas

encontram-se integrados: ela agora é uma mulher completa. Hadass e ela já não são mais

um duplo, pois cada uma delas incorporou traços da outra, buscando uma integração,

embora, ao final, sigam destinos diferentes. Hadass representa a semente da nova mulher na

Europa, enquanto Yentl corporifica a vanguarda.

A Piece of Sky é a canção final em que Yentl relembra sua trajetória de aprendizagem,

representada pelo sonho de alcançar o céu, só possível para quem sabe voar. O voar é o que

ela aprendeu: a viagem que empreende agora é a de alguém que sabe quem é e reconhece a

si mesma como mulher. Completa-se a aprendizagem feminina que consiste essencialmente

no rompimento com o modelo de feminino imposto pela sociedade patriarcal. Nada mais

diverso do que o final do conto em que o casamento de Hadass e Avigdor representa um

retorno “à ordem natural das coisas”, enquanto Yentl assume uma posição de errante e

pária.

Concluindo, destaca-se a afirmativa de Fetterley: “Clearly, then, the first act of the

feminist critic must be to become a resisting rather than an assenting reader and. by this

refusal to assent, to begin the process of exorcizing the male mind that has been implanted

in us.” (1978, p.xxii) Analisar o conto que originou o filme Yentl e, em seguida, analisar o

filme, comparando o enredo de cada um deles, possibilitou claramente o registro de como

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um texto literário em si masculino, pode ser “exorcizado” e recontado sob uma perspectiva

feminina.

Bibliografia

FETTERLEY, Judith. The resisting reader: a feminist approach to american fiction.

Bloomington: Indiana University Press, 1978.

SINGER, Isaac Bashevis. Yentl, o rapaz da Yeshiva. In: _______. Breve Sexta-feira.

2 ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1978. pp. 119-142.

YENTL. Direção e produção de Barbra Streisand. : EUA, MGM/UA Studios, 1983.

1 videocassete (aprox. 90 min), VHS, son., color.

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