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Alberto Vieira

A Freguesia de S. Martinho
TÍTULO
A Freguesia de S. Martinho

1ª Edição
Setembro de 2005

AUTOR
©Alberto Vieira

FOTOGRAFIA
Museu de Photographia Vicentes
Junta de Freguesia de São MArtinho
Alberto Vieira
Duarte Gomes

EDIÇÃO
Junta de Freguesia de São Martinho
Caminho de São MArtinho, 61
FUNCHAL
Telef.291-700580
Fax.: 291700589
email.junta.martinho@clix.pt

TIRAGEM

IMPRESSÃO Grafimadeira S.A.

Depósito Legal

ISBN
Alberto Vieira

A Freguesia de S. Martinho

JUNTA DE FREGUESIA DE SÃO MARTINHO


2005
INDICE GERAL

Prefácio do Presidente da Junta de Freguesia de S. Martinho .....................................10


Introdução.....................................................................................................................12
O Santo .........................................................................................................................16
Do Lugar e do Espaço ..................................................................................................22
A Paróquia.............................................................................................................25
A Freguesia ............................................................................................................26
A Heráldica............................................................................................................31
A Águsa .................................................................................................................46
O Homem e o Espaço ..................................................................................................53
Transportes: Pontes, Caminhos e Estradas...................................................................67
Aproveitamento dos Recursos.......................................................................................71
A Tecnologia de Vinificação. Do lagar ao Canteiro ....................................................84
A Valorização Económica do Espaço...........................................................................87
As Indústrias e o Artesaanato .....................................................................................109
O Bordado ...........................................................................................................111
O Turismo............................................................................................................115
Serviços e Empresas ............................................................................................129

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As Gentes e o Quotidiano ...........................................................................................135
Nascer, Sobreviver e Morrer ...............................................................................137
Fontanários e Abastecimento de Água ao Domicílio ..........................................143
A iluminação e a Electricidade............................................................................145
As Escolas e o ensino ...........................................................................................149
A Habitação ................................................................................................................155
Alimentação, Mercados, Vendas.................................................................................163
Festa e Diversão ..........................................................................................................169
A Banhos .....................................................................................................................177
As Esquadras de Navegação Terrestre ........................................................................179
O Folclore e a História................................................................................................181
O Vestuário e a Moda.................................................................................................189
Cultura e Património ..................................................................................................195
Monumentos Evocativos.............................................................................................209
Personalidades Ilustres.................................................................................................214

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O objectivo central deste livro é dar a conhecer a nossa freguesia, a freguesia de São Martinho.
Este livro resulta assim da conjugação de uma vontade antiga e de uma necessidade cada vez mais
evidente: por um lado, é a concretização de um sonho já com alguns anos; por outro lado, é um marco
que releva os aspectos principais e as características intrínsecas de uma das freguesias mais importantes da
Cidade do Funchal, consequência do forte crescimento e do desenvolvimento promovidos pela Autonomia
da Região Autónoma da Madeira.
Conhecer melhor a história da nossa freguesia foi, nestes termos, o motivo basilar que nos trouxe até
aqui.
Num tempo em que a memória colectiva rapidamente se esfuma devido à enorme pressão mediáti-
ca e ao ritmo frenético dos dias sempre intensos que vivemos, é urgente, quanto a nós, manter vivos os
aspectos mais importantes da história colectiva deste povo ilhéu que no Atlântico constrói este pequeno
mundo.
Só assim será possível ensinar às actuais e às futuras gerações os costumes, as tradições, as activi-
dades e festividades culturais, e dar a conhecer o património arquitectónico, os marcos históricos ou os
nomes dos sítios da nossa freguesia.
Todos estes elementos são elementos primordiais que explicam boa parte do que somos enquanto
povo e que nos ajudam, inequivocamente, a perceber o modo como nos organizamos.
Por isso, nada melhor que este tempo e esta oportunidade para lançar mais esta pequena pedra,
ainda para mais quando a Cidade do Funchal, capital da nossa Região Autónoma, está prestes a comemo-
rar 500 anos de existência.

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Nos últimos anos, tempos de acelerado progresso fruto de uma Autonomia conquistada a pulso, São
Martinho têm-se destacado também devido a um forte aumento demográfico e de infra-estruturas que
trouxeram uma vivacidade muito própria e o imprescindível desenvolvimento social, cultural, ambiental
e económico à nossa freguesia.
São Martinho é hoje, fruto destas circunstâncias, uma freguesia marcadamente urbana, onde pre-
dominam o comércio, os serviços e a hotelaria, sectores estratégicos, não só para o Funchal como também
para toda a Madeira. Nada nos custa compreender que toda esta dinâmica tem acarretado mudanças
importantes no tempo e no espaço. Essas mudanças traduzem-se em novas potencialidades, em novas
expectativas e também em novas, e legítimas, exigências, ao serviço da sua população que tem sabido,
sabiamente, aproveitar as oportunidades para fazer crescer, quantitativa e qualitativamente, a nossa
freguesa.
Para terminar quero deixar alguns breves, mas mais do que merecidos agradecimentos: ao Prof. Dr.
Alberto Vieira a sua disponibilidade e o seu inestimável contributo para a produção deste livro; ao Dr.
Miguel Albuquerque, presidente da Câmara Municipal do Funchal, pela visão e determinação com que
dirige os destinos da nossa cidade; aos Cimentos Madeira na pessoa do seu Presidente Dr. João Manuel
Santos; aos meus colegas de Junta e aos funcionários todo o apoio dado ao longo destes anos; e a todos os
residentes desta nobre e grandiosa freguesia os meus mais sinceros cumprimentos.

O Presidente da Junta de Freguesia de São Martinho


João José Pimenta de Sousa

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INTRODUÇÃO

A história da Freguesia de São Martinho confunde-se com a da cidade. Por muito tempo
considerado os arrabaldes da cidade viveu em relação às exigências da sociedade e economia funchalense.
Deste modo não se torna fácil destrinçar ou separar, de acordo com a divisão administrativa do século
XIX, uma realidade histórica de mais de cinco séculos. A História do Funchal e da periferia vizinha foi
muito rica e para ser entendida deve ser encarada como um todo. Deste modo ao longo desta breve
História de São Martinho teremos necessidade de recorrer a visões da realidade social, económica,
religiosa, cultural madeirense, que ultrapassam o perímetro da freguesia.
São Martinho foi primeiro um lugar dos arredores do Funchal, que se desenvolveu graças às
potencialidades económicas do espaço, na produção de vinho, cana sacarina e produtos de auto-
subsistência. Paulatinamente foi ganhando importância, por força da fixação de colonos empreendedores,
proprietários de amplas terras de sesmaria, dominadas por casas solarengas. Algumas famílias
proeminentes escolheram o recato desta área periférica para fixar sua morada.
O núcleo primitivo que deu nome ao lugar alargou-se por força da definição da área jurisdicional
religiosa e administrativa. Primeiro, a paróquia e, depois, a freguesia definiram uma realidade distinta. O
núcleo inicial foi ampliado, colando-se ao mar e às freguesias do centro da cidade. Neste sentido a História
valorizou o primevo núcleo associando-o ao progresso da cidade. Assim, a partir do século dezanove a
afirmação do turismo fez com que a área ribeirinha assumisse uma importância fundamental. Até a

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actualidade encontra-se no seu recinto a zona privilegiada do turismo madeirense, que teve um processo
rápido de desenvolvimento a partir da década de setenta do século XX. Hoje alberga a principal área
hoteleira e de infra-estruturas de apoio ao mesmo. Aos hotéis associam-se espaços balneares, promenades,
centros comerciais.
A autonomia, a partir de 1976, trouxe nova valorização à freguesia. A criação do bairro social da
Nazaré abriu um novo pólo de valorização social. Por outro lado foram surgindo diversas infra-estruturas
de interesse regional, que fizeram da freguesia um pólo destacado de desenvolvimento. A instalação dos
serviços do Exército e da Artilharia das Forças Armadas na região, a Cabo Tv Madeirense, Cimentos
Madeira a Empresa de Electricidade da Madeira, o Madeira Forum e diversas unidades de comercio
estão na origem do rápido progresso. Anote-se ainda que a primeira via rápida, que definiu o rumo do
progresso rodoviário recente, começou a ser traçada aqui.
São Martinho cresceu com o processo histórico, sendo hoje uma das áreas mais expressivas do
progresso madeirense, recente e passado. Também o processo autonómico de finais do século XX teve
repercussão evidente, de modo que S. Martinho de inícios do século XXI pode muito bem ser considerada
a freguesia que mais ganhou e evidencia o progresso gerado pela autonomia política. São Martinho é não
só um reflexo e testemunho de um passado de glórias da cidade, como do progresso recente.

13
Baía do
Funchal,
gravura do
século XIX,
vendo-se ao
fundo S.
Martinho

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O ESPAÇO E O HOMEM

S. Martinho ganhou a sua identidade própria quando os colonos aí fixados decidiram baptizar o
lugar. O espaço, pela proximidade da cidade do Funchal, adquiriu rapidamente importância. O perímetro
actual foi conquistado por força da divisão religiosa das paróquias e, depois, com o liberalismo com a
criação das freguesias. Deste modo o São Martinho de hoje é muito distinto daquele núcleo primitivo.

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16
O SANTO

S. Martinho é, como é óbvio, o santo patrono da paróquia e freguesia que mereceu o mesmo nome,
surgindo a partir do último quartel do século XVI em relação directa com o bispo da diocese funchalense
que a criou.
A História da Igreja regista pelo menos quatro santos com o nome de Martinho; a 13 de Abril
recorda-se S. Martinho, que foi Papa (+656), a 3 de Novembro Martinho de Lima ou de Porres (1579-
1639), a 11 de Novembro S. Martinho de Tours (316-397) e, finalmente, a 5 de Dezembro S. Martinho de
Dume, cuja devoção teve grande impacto no Norte do país1. O facto de no povoamento da ilha se notar
uma forte presença de gentes nortenhas seria natural que o orago remetesse para o último. Todavia a

1. Em todo o país temos 24 freguesias que têm como patrono S. Martinho, celebrando o dia 11 de Novembro.

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realidade é outra. Assim, num dos livros da confraria de São Martinho de 1578 surge a figura de um
ganso2, um dos símbolos de São Martinho, bispo de Tours. O culto ao santo começou em França no século
V, onde ainda hoje domina a religiosidade popular, mas expandiu-se rapidamente por toda a Europa,
chegando a Portugal nos inícios da nacionalidade.
O nome de baptismo da freguesia surge em 1579 com o alvará de criação, indo ao encontro da
tradição do culto a este bispo, a quem os madeirenses haviam implorado a intersecção durante a peste que
assolou o Funchal. A 23 de Julho de 1537 a vereação do Funchal fez um voto a S. Martinho para que
prontamente desaparecesse a peste. Deste modo decidem erguer um altar na Sé com capela perpétua onde
se rezaria uma missa todas as quintas-feiras. Ao mesmo tempo criou-se uma confraria com o nome do santo.
Entretanto o arcebispo D. Martinho de Portugal [1533-1547] estabeleceu o dia de S. Martinho bispo- a 11
de Novembro- como feriado na diocese do Funchal3. As constituições Sinodais de 1598 acabaram com a
situação. Será que esta devoção funchalense a S. Martinho contribuiu para que a nova paróquia o tivesse
como patrono, ou foi apenas o recurso ao orago da capela erguida por Afonso Anes, hortelão.
Martinho nasceu em 316 na Sabária da Panónia, o que corresponde hoje a Zzmbathely na Hungria,
filho de um oficial do exército romano. Aos 12 anos de idade contra a vontade familiar, tornou-se cristão
e dois anos depois baptizou-se na Gália. Entretanto havia entrado para o exército. Foi neste momento que
sucedeu o célebre episódio da manta. Em 337, quando na condição de soldado romano, procedia a uma
ronda em Amiens foi abordado por um mendigo a tiritar de frio, a quem entregou metade da manta que
havia cortado com a sua espada. Enquanto dormia teve um sonho onde viu Jesus envolto no pedaço da
manta dizer-lhe: Martinho, ainda não baptizado, deu-me este vestuário. Depois, deixou o exército e
passou a levar vida solitária, sob a orientação espiritual de Hilário de Poitiers. Mais tarde foi eleito bispo
de Tours e fundou o Mosteiro de Marmoutier em Tour.
S. Martinho é considerado o padroeiro dos vinhateiros por, segundo a tradição, ter sido em vida
importador de vinho no Loire. A vinculação do 11 de Novembro ao nome tem a ver certamente com o
ter sido enterrado no mesmo dia do ano de 397. A cultura popular anota ainda o chamado “verão de S.
Martinho”. Resultante da capa entregue ao mendigo, pois segundo a lenda a chuva copiosa desapareceu

2. Aquando do anúncio da sua nomeação para Bispo de Tours escondeu-se, mas um ganso denunciou-o ao cantar junto do seu esconderijo.
3. Henrique Henriques de Noronha, Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Composição da História da Diocese do Funchal na Ilha da Madeira,
Funchal, CEHA, 1996, pp.81, 174, 183, 325-326.

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e o sol apareceu radioso.
À data da festividade do S. Martinho é também o momento de exaltação e
ritualização do vinho. É a prova de fogo do vinho novo e, por isso mesmo, ficou a
marcar o calendário agrícola e o ciclo de vida do vinho. É o primeiro rito de
consagração do vinho que adquire várias formas de expressão como a testemunha a
cultura tradicional.
S. Martinho — de parceria com S. Plácido e Santa Bebiana— é considerado o
patrono dos alcoólicos. A sua festa é assim o momento de celebração do vinho e o
início de uma nova época para os aficionados. As posturas municipais estavam
atentas a esta tradição, definindo desde tempos recuados a proibição de beber e
vender vinho novo antes desta data.
Para celebrar o momento a etnografia atesta diversos cerimoniais espontâneos
que nos fazem lembrar as celebrações clássicas do vinho, isto é, as festas dionisíacas
e as bacanais. Na verdade, no S. Martinho, para além do rotineiro gesto de provar o
vinho novo e, depois, atestar e fechar as pipas, temos manifestações rituais não
organizadas que assumiram algum significado em diversas localidades.
A tradição manteve-se através de irmandades ou confrarias que reuniam os
apreciadores do vinho e os levavam em procissão às diversas adegas ou pelas ruas das
localidades. Tivemos no norte do país a procissão do bêbado feita pela respectiva
confraria. Os acólitos desfilavam em perseguição de um corno, que servia par beber
o vinho. A manifestação chegou à Madeira sabendo-se de uma procissão encimada
por um falso bispo. Em meados do século dezanove esta manifestação assumiu tais
proporções e escândalo que o Governador foi forçado a estabelecer restrições na
cidade. Hoje, de certeza, perdeu-se na memória dos mais antigos.

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DO LUGAR E DO ESPAÇO
DO LUGAR E DO ESPAÇO

A localidade de S. Martinho começou por se resumir ao entorno da capela fundada por Afonso
4
Anes , natural de Freixedo em Viseu, mas com o decorrer dos tempos foi alargando o perímetro e área de
influência até atingir a actual.
4. Afonso Anes era filho de Pedro Anes e Beatriz Anes, tendo casado em 1552 na Sé do Funchal com Maria Fernandes.

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A FREGUESIA E PARÓQUIA. A Revolução Liberal abriu uma nova era para administração
municipal, iniciada com a reforma de Mouzinho da Silveira. Assim, pela carta de lei de 25 de Abril de
1835, o território foi dividido em distritos, concelhos e freguesias. Daqui resultou para a Madeira, o
aparecimento de novos municípios. Desta vez, a costa norte da ilha foi de contemplada com a criação dos
municípios de Santana e Porto Moniz.
Não obstante a designação de freguesia ser de origem eclesiástica, o certo é que hoje é mais
conhecida com estrutura administrativa da sociedade civil. Foi com a carta de lei de 25 de Abril de 1835
que começou a delinear-se a mudança., que se consolidou definitivamente com o código administrativo
de 1878, conhecido como o código de Rodrigues Sampaio. A 26 de Novembro de 1835, numa
reformulação sem precedentes da estrutura administrativa, foram criadas as Juntas de Paróquia, que
perduraram pouco tempo, pois foram extintas em 1836. De acordo com a lei de 25 de Abril foram-lhe
retribuídas as funções eclesiásticas, acabando a situação com o código de 1842.
Com o Código Administrativo aprovado em 1878 ficou definitivamente estabelecido a existência de
uma estrutura de poder abaixo do município, fazendo-a coincidir com a área da circunscrição religiosa,
daí ficar conhecida como paróquia civil. Com a lei nº.621 de 23 de Junho de 1916 passou a designar-se de
freguesia. Daqui resulta a confusão, que é comum estabelecer-se entre a freguesia como circunscrição
religiosa e como jurisdição religiosa.
A freguesia, tal como hoje a conhecemos, uma vez que se consolidou a designação de paróquia para
a estrutura religiosa, surge apenas com a nomenclatura actual em 1878. Perante a situação não é fácil
encontrar uma data individualizada para a evocação de cada uma das freguesias, que surgiram como
resultado da reforma administrativa de 1878.
Tenha-se em conta que a actual freguesia conta desde os anos sessenta do século XX com quatro
paróquias [S. Martinho, Santa Rita, Nazaré e N. Srª da Vitória). Demonstrativo de que a indicação de
paróquia ou freguesia anterior à revolução liberal não pode ser ligada à situação actual.
No quadro da administração temos a salientar a criação em 1991 da Casa do Povo, que tem um
papel significativo na animação cultural da freguesia.

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Baía do Funchal, gravura do século XIX, vendo-se em fundo S. Martinho.

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A PARÓQUIA

O local está ligado aos primórdios do povoamento da ilha, pertenceu desde o início à primitiva
paróquia de Santa Maria do Calhau e da Sé desde 1508. Em 1566 com a criação da paróquia de S. Pedro
ficou dependendo desta, para depois se autonomizar em 1579 com o alvará régio do Cardeal D. Henrique,
de 3 de Março.
Em 1960 por iniciativa de D. Frei David de Sousa, procedeu-se a uma profunda reformulação das
paróquias madeirenses, surgindo assim, a partir de 1 de Janeiro de 1960, as paróquias da Nazaré e Vitória.
A primeira teve sede provisória na capela de N. S. da Nazaré e hoje está assente num hodierno templo,
inaugurado em 2002, enquanto a segunda teve sede provisória na capela de N. S. da Vitória, passando
depois para o novo templo da autoria do arquitecto Freitas Leal.

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A FREGUESIA

A designação de freguesia na estrutura administrativa surgiu com a reforma administrativa


oitocentista. Quase sempre coincidia com as delimitações da paróquia, mas circunstancias diversas
conduziram a alterações.
Hoje é delimitada a Norte pela de Santo António a Este pelas de São Pedro e Sé, a Oeste pelo
concelho de Câmara de Lobos e a Sul pelo oceano Atlântico. A descrição pormenorizada dos limites é
apresentada pelo Padre Eduardo Pereira5: Começa, a Norte, no cruzamento do Beco dos Ausentes com o

5. Eduardo Pereira, Ilhas de Zargo, vol. II, 1989, p.328.

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caminho do Pilar, seguindo pelo eixo deste, pelo
do caminho do Poço Barral e pelo do caminho das
Voltas até à Ribeira dos Socorridos; Sul, o mar;
Leste, do Pilar e do eixo deste em direcção ao
cruzamento com o Beco dos Ausentes; Oeste,
desde a foz da Ribeira dos Socorridos,
seguindo a linha de água desta até o
cruzamento com o caminho do Pinheiro
das Voltas.”

Os Sítios
A freguesia de S. Martinho
integra-se no concelho do Funchal e
compreende hoje uma área de 782 ha,
onde temos os sítios de Ajuda, Areeiro, Igreja, Nazaré,
Pico de S. Martinho, Piornais, Quebradas, Virtudes, Amparo, Casa
Branca, Lombada, Pico do Funcho, Pilar, Poço Barral, Vargem e
Vitória.
A forma de aparecimento e valoração destas localidades tem a ver com
a existência de uma capela ou um núcleo populacional activo. Tudo isto
actuava como mecanismo de atracão de novas populações e a segurança dos
que já aí residiam. A localização da área urbanizada do sítio resulta com factores
diversos, podendo derivar da proximidade de um caminho, de ser uma área que domina todo o espaço.
Por vezes isso acontece por decisão política. É o caso do sitio da Nazaré, que por força da fixação de
um bairro social acabou por assumir a dimensão que hoje tem como um dos sítios populosos em toda a
freguesia. Algo semelhante terá acontecido na Ajuda e Casa Branca, onde as condições especiais da orla
marítima favoreceram um investimento privado que conduziu à concentração de serviços hoteleiros e a
construção para habitação.

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Sítio do Pico do Funcho Sítio dos Piornais Sítio da Ajuda

Sítio da Casa Branca Sítio da Lombada Sítio da Nazaré

Sítio da Vitória Sítio das Quebradas Sítio das Virtudes


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Sítio do Amparo

Mapa dos Sítios


Sítio do Poço Barral

Sítio da Igreja Sítio do Pico de S. Martinho Sítio do Areeiro


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A HERÁLDICA

O brazão de armas foi aprovado em sessão ordinária da Assembleia da freguesia a 30 de Setembro


de 1999, sendo o edital publicado no Diário da República por edital de 12 de Outubro de 19996.

DESCRIÇÃO HERÁLDICA

ARMAS - Escudo de púrpura, monte de ouro entre dois pés de cana de açúcar de prata, arrancados
do mesmo e movente de um pé de ondado de prata e verde; em chefe, ganso de prata, animado, bicado
e sancado de vermelho. Coroa mural de prata de três torres. Listel branco com a legenda a negro: “ S.
MARTINHO - FUNCHAL “.

BANDEIRA - De branco, cordões e borlas de prata e púrpura. Haste e lança de ouro.

6. O projecto foi concebido por Gastão Jardim, Helena Sousa e Jorge Valdemar Guerra.

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A família Visconde de Carvalhal em piquenique. Pintura a óleo 1865. Quinta das Cruzes Museu. Ao fundo, a freguesia de S. Martinho.

32
O MEIO NATURAL

No perímetro da freguesia temos várias elevações conhecidas como picos. Temos assim o Pico da
Cruz, do Funcho, da Arruda, da Igreja, e da Lombada. É de notar que na toponímia da freguesia
subsistem vestígios dos motivos que estiveram na origem do nome do Funchal, o que evidencia que o
funcho(Foeniculum Vulgare) existia aí em abundância. Noutros o apelo à natureza continua a vingar. A
abundância de Arruda(Ruta Chalepensis) vai dar origem ao pico com o mesmo nome. Já na designação
dos sítios vamos encontrar outra planta, o piorno(Genista Maderensis e G. Virgata) a dar nome aos
Piornais e a uma levada.
De entre estas elevações se destaca o Pico da Cruz. O local assume um papel fundamental na
sociedade madeirense. Primeiro foi posto semafórico, depois se instalaram aí antenas de comunicações,
que ainda persistem. Foi também conhecido como Pico do Telégrafo. As encostas que, nos últimos anos,
têm sido ocupadas com habitações, começaram por ter alguma utilidade, surgindo a leste em meados do
século XIX um campo de jogos e corridas do Excelsior Club da Madeira e, na vertente norte, uma
carreira de tiro.
Uma das principais utilidades deste sistema de postos fronteiriços foi no aviso da presença de
corsários, prontos a assaltar barcos e povoações. Desde o início da ocupação da ilha que os seus habitantes
estiveram expostos ao livre arbítrio de piratas e corsários. Eles frequentavam com assiduidade o mar

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Pico da Lombada Pico do Funcho

Pico da Arruda Pico da Cruz

34
Pico da Igreja

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madeirense e apresentavam-se como uma permanente ameaça para as populações costeiras. Ficaram
célebres os assaltos dos franceses em 1566 ao Funchal e dos argelinos em 1616 ao Porto Santo. Perante esta
permanente ameaça foi necessário estabelecer medidas de vigilância e protecção. No primeiro caso
destacam-se as vigias colocadas em locais estratégicos ao longo da vertente sul da Madeira, onde
permaneciam turnos de guarda. A presença de um navio estranho, indiciador de um pirata ou corsário, era
de imediato avisado aos comandantes das ordenanças que de imediato reuniam as hostes por meio de um
sinal sonoro: o repicar dos sinos da igreja ou o toque do tambor. Todavia as demais populações costeiras
precisavam também de ser avisados de modo a poderem preparar a defesa. Para isso definiu-se em toda a
ilha um sistema de comunicação por sinais luminosos (os fachos), que circulavam ao longo da orla costeira,
por intermédio das elevações que propiciavam este contacto. A rede terminava no Pico da Cruz, em S.
Martinho, que foi conhecido como o Pico Telégrafo. Daí resultou a designação de Pico do Facho às
elevações onde se faziam os sinais luminosos. Com este nome surgem-nos dois picos no Porto Santo e na
Madeira (em Machico). A forma de organização desta comunicação por sinais ópticos é-nos apresentada
em 1805 pelo governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho num regimento que estabeleceu para tal fim.
A freguesia apresenta uma importante área de costa entre o Ribeiro Seco e a Ribeira dos Socorridos,
donde podemos salientar vários acidentes geográficos e os ilhéus do Gorgulho e da Praia, as Pontas da
Cruz e Gorda e a Praia Formosa. A designação toponímica de alguns acidentes costeiros remonta ao
tempo de João Gonçalves Zarco, aquando da primeira viagem de reconhecimento. Recorda Gaspar
Frutuoso que após a pernoita na baía do Funchal os navegadores avançaram até uma ponta, que ficou
com o nome de Ponta da Cruz, por o capitão ter ordenado que pusessem nela uma cruz. Daí avistaram
“uma formosa praia que, pela formusura e assento dela, lhe pôs o nome a Praia Formosa”.7 Finalmente
temos a Ribeira dos Socorridos, cujo nome resulta de um episódio sucedido com uns mancebos que
acompanhavam Zarco. Conta-se que os mesmos pretendiam passar a ribeira a pé mas a força da sua
correnteza os levava ao mar, sendo prontamente “os mancebos acorridos e livres de perigo da água… e
daqui ficou o nome à ribeira, que hoje, este dia, se chama Ribeira doa Acorridos, que peor pareceu
áqueles mancebos de perto do que lhe pareceu primeiro de longe.”
As possibilidades de acesso ao mar transformaram a orla costeira da freguesia numa estância balnear

7. Gaspar Frutuoso, Livro Segundo das Saudades da Terra, Funchal, 1978, p.48.

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Praia Formosa

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por excelência, mas também de serviço de acesso ao mar através de cais, como foi o caso do Reids, Pires,
Wilson e Cory. Deste modo podemos encontrar nesta área uma aposta diferenciada em complexos
balneares: Lido, Ponta Gorda, Praia Formosa, Poças do Governador, Areeiro, Nova e Namorados
Recorde-se, a propósito, que o mar é hoje incontestavelmente um recurso importante. A presença é
cada vez mais evidente no quotidiano, como via de comunicação, espaço de lazer e recurso económico.
Se nos reportarmos ao passado mais evidente se torna a presença para espaços como as ilhas. Até ao
advento dos meios aéreos o mar foi para os ilhéus aquilo que os aproximava ou afastava de outras ilhas e
espaços continentais. O mar foi e continua a ser a via fundamental de comunicação. Daí advém que está
preso à vista do ilhéu e é uma presença permanente no quotidiano. A ausência gera saudade. O ilhéu por
muito tempo teve no mar o cordão umbilical. Perante isto o ilhéu olha o mar com um misto de devoção
e medo.
Um dos principais temores tinha a ver com a presença quase assídua de piratas e corsários que
obrigavam a redobrados cuidados de defesa da costa com a construção de fortificações e o
estabelecimento de um serviço de vigias. Na costa que domina a freguesia de S. Martinho encontramos
diversas áreas vulneráveis que tiveram que ser resguardadas. Todavia tardou muito tempo até que se tivesse
em atenção este cuidado. Foi necessária a vivência do assalto francês à cidade do Funchal em 1566, cujo
desembarque aconteceu na Praia Formosa, para que se tivesse em conta isso. Ao longo da costa temos três
áreas bastante vulneráveis que careceram de defesas: as praias do Gorgulho, Formosa e a Ribeira dos
Socorridos.
Em toda a costa destaca-se, desde os primórdios da ocupação da ilha, a chamada Praia Formosa. O
nome não engana. Era uma ampla praia que de imediato despertou a atenção dos povoadores, merecendo
o nome, segundo Gaspar Frutuoso, “pela formosa e asento dela” e “por não haver outra semelhante em
toda a ilha”8. Recorde-se que foi aqui que desembarcaram os corsários franceses quando em 3 de Outubro
de 1566 se lançaram ao assalto da cidade, o que evidencia ter sido uma área vulnerável pouco cuidada em
termos de defesa9: E, como as naus passassem abaixo já dos ilhéus neste tempo e fossem de terra,
suspeitando os da ilha o que podia ser, se foram, gente de cavalo e de pé, direitos à Praia Formosa, onde
Levantamento das Fortificações do viram perto da terra ancorar as naus, e, como já os soldados vinham em as lanchas às ilhargas das naus,
século XIX. Planta: reduto da Praia
Formosa, Forte do Gorgulho, Forte 8. Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, pp.48, 109,117.
do Alorável. 9. Ibidem, 339, 353, 364.

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logo vieram a saltar em terra em o areal da Praia Formosa. Saídos os soldados, os capitães lhe deram Levantamento das
Fortificações do século
ordem que fossem saindo um ruim passo que tinham de subir; ali, subidos poucos e poucos, começaram XIX. Planta: forte do
de subir por uma das ladeiras daquele vale, que ali se faz; o Capitão-geral, vendo das naus ir gente de Alorável, Forte da
cavalo e de pé, ali, sobre aquele vale, acabou mui depressa de lançar em terra o resto que ficava; os da Engenhoca; forte do
terra não faziam mais que chegar ao cabo do vale e, como vissem os soldados franceses armados, se Gorgulho, vendo-se o
cais Wilson.
tornavam a recollher para trás, dando recado uns aos outros.”10

10. Ibidem, p.339.

39
Levantamento
das Fortificações
do século XIX.
Planta: Forte do
Gorgulho

40
A Praia Formosa ficou para a História como o local de desembarque dos franceses em 1566. Por
força disso foi determinado pelo regimento de fortificação de 1572 a construção de uma muralha
fortificada, que em finais do século XVIII foi alvo de melhoramentos, mas em princípios do século XIX
apresentava-se da forma que descreve Paulo Dias Almeida11: Precisa de necessidade ser fortificada, por ser
o melhor ponto de desembarque para atacar a cidade, sem correrem o risco os navios…
A Praia Formosa serviu também de Lazareto. Assim, a partir de 1816 a inexistência destas
instalações no Funchal obrigou o Governador a estabelecer a quarentena, dos navios oriundos de portos
infestados, defronte da mesma praia e dos indivíduos numa casa conhecida como Engenhoca, certamente
o forte da Engenhoca.
Contornando a costa em direcção a Câmara de Lobos, a primeira fortificação que se encontrava
era o Forte do Alorável, nas proximidades da Quinta Calaça. Mais à frente estava o Forte do Gorgulho,
que defendia a praia com o mesmo nome. Ainda restam alguns vestígios que foram restaurados pela
Câmara. Segue-se depois o Forte da Ponta da Cruz, Areeiro e, mais adiante as defesas da Praia Formosa,
constituídas pelo Forte da Engenhoca, do lado esquerdo, e o reduto ou bateria. Depois só na foz da
Ribeira dos Socorridos voltamos a encontrar novas fortificações a defender a praia. São duas construções
de ambos os lados da ribeira. Do lado direito tínhamos o reduto do Pastel, enquanto na margem esquerda
ficava o Forte de Nossa Senhora da Vitória, a mais antiga fortificação da freguesia construída em 1609.
Em momento algum este conjunto de fortificações se apresentou eficaz na defesa da costa. Era apenas
uma forma disfarçada de dar a entender aos intrusos que havia uma defesa. No decurso do século XIX os
relatórios da Engenharia Militar assinalam precisamente isso, o que levou a que a quase totalidade fosse
vendido a famílias inglesas: Hinton e Blandy. Paulo Dias de Almeida12 assinala apenas o Forte do Gorgulho
e para a Praia Formosa refere a colocação de algumas peças de artilharia em 1818. Outros relatórios foram
revelando a inutilidade destas fortificações, o que levou o Estado a proceder à sua venda a particulares. Levantamento das
O sal de consumo corrente foi sempre de importação, mas a presença do mar levou a que se tentasse Fortificações do século
XIX. Planta: forte da
encontrar formas de abastecimento local. Assinala-se também uma experiência de extracção de sal na Ponta da Cruz, forte do
Praia Formosa, a partir do contrato exclusivo concedido em 1792 a Thomas Watts para a Fábrica de Gorgulho, forte da Ribeira
Pescarias e Salinas. Embora não tivesse alcançado sucesso temos outra iniciativa da mesma índole na dos Socorridos.

11. Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, 1982, p.95
12. Cf. Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, 1982, p.95

41
Praia
Formosa

42
Ponta da Cruz em finais do século XIX.
A pesca, ao contrário do que hoje acontece não era a actividade exclusiva de
alguns núcleos do sul, pois se alargava a toda a ilha. A afirmação levou à criação de
núcleos piscatórios que se destacaram ao longo dos tempos, com maior evidência na
vertente sul. O desenvolvimento de algumas indústrias levou à valorização. A conserva
de peixes torna-se numa realidade nos primeiros anos do século XX, aparecendo
diversas fábricas. Uma delas situava-se na Ponta da Cruz e foi fundada em 1909 por
João A. Júdice Fialho (1909) para a conserva de atum em azeite. Depois tivemos em
1928 a transferência do Paul do Mar para a Praia Formosa da fábrica de António
Rodrigues Brás.
A partir daqui o pescado da ilha passou a ter dois destinos, o consumo público e
a indústria de conservas, o que veio permitir um aumento das capturas. Até então o
único destino era o consumo público sob a forma de fresco ou salgado. Tenha-se em
conta o interesse nas salinas em Câmara de Lobos e Praia Formosa de que existem Pescadores.
testemunhos desde o século XVIII, sem nunca adquirirem grande dimensão e interesse. Gravura do século XIX
A ponta da Cruz terá sido baptizada por João Gonçalves Zarco, no processo de reconhecimento da
ilha, por ter aí colocado uma cruz. Todavia, o Padre Eduardo Pereira anota outra origem, dizendo que se
levanta “como pedestal duma cruz de ferro que a encima a recordar os naufrágios antigos de barcos
costeiros ali ocorridos e as numerosas mortes desses sinistros.”13 Aí tivemos um pequeno reduto e em 1912
instalou-se uma fábrica de conservas de peixe para exportação. Também no ilhéu do Gorgulho instalou-
se um pequeno forte, mas o mais importante do espaço foi a valorização balnear com a construção da
piscina, pela câmara municipal, em 1932. Hoje, toda a área até à Praia Formosa adquiriu importância
pela construção hoteleira, tornando-se na área balnear por excelência da cidade.
A valorização da área balnear era já uma realidade em princípios do século XX, tendo-se fundado
o Clube Naval do Funchal, que teve grande impulso passados sete anos por iniciativa do Visconde da
Ribeira Brava.

13. Eduardo Pereira, Ilhas de Zargo, vol.I, 1989, 125.

43
Recorde-se ainda que esta área foi servida por diversos cais de apoio à navegação costeira, aos
depósitos de carvão e estaleiros de companhias inglesas. Tivemos assim os cais Reid, Pires, Wilson e Cory.
Destes o mais conhecido foi o Reid, que durante muito tempo serviu para o embarque e desembarque dos
turistas do Hotel Reids.

44
Cais do Carvão

A importância do carvão no desenvolvimento da máquina a vapor e a afirmação do Funchal como


entreposto necessário ao abastecimento das embarcações e funcionamento dos engenhos de açúcar,
obrigaram à montagem de infra-estruturas de apoio. Surgiram assim os depósitos de carvão, de que o
mais conhecido veio dar nome ao actual cais do carvão, que era propriedade da companhia Wilson & Co
Ltda, onde a Câmara em 2004 instalou o Aquário e os serviços da Estação de Biologia Marinha.

45
A ÁGUA
lavadeira.
Gravura do século XIX

A freguesia de S. Martinho pelo facto de ser delimitada por duas correntes de água (Ribeira dos
Socorridos e Ribeiro Seco) apresenta boas condições ao desenvolvimento do sistema de regadio através
das levadas. A Ribeira dos Socorridos irá servir desde o século XVI de madre de todas as levadas.
As condições geo-climáticas da ilha fizeram que a agricultura fosse de regadio e tornaram todo o
trabalho agrícola e industrial extremamente penoso. A solicitação de mão-de-obra foi maior que em
qualquer outro sítio. Antes de lançar as culturas à terra os primeiros habitantes tiveram de abrir clareiras
e traçar os poios, encosta acima. Depois, foi a dificuldade no traçar das levadas. Tudo isto foi trabalho
duro só possível com uma forte presença de escravos.
Nos séculos XV a XVII a água corria nas ribeiras, em abundância na vertente norte. No sul os
caudais eram, na época estival, quase todos desviados para as levadas. A maior concentração populacional
e aposta agrícola assim o definiram. Ao homem estava atribuída a dura tarefa de desviar a água do curso

46
das ribeiras fazendo com que movessem engenhos, moinhos e irrigar os canaviais e demais culturas. Para
isso, traçaram km de canais para a condução, que ficaram conhecidos, na ilha, como levadas. O sistema
permitiu um maior aproveitamento dos socalcos e o alívio do homem em algumas tarefas, como sejam, o
moer do grão e da cana e o serrar das madeiras. Moinhos, engenhos e serras convivem pacificamente,
usufruindo, da água que corre na mesma levada. A orografia da ilha, ao mesmo tempo, que dificultava a
condução da água favorecia o aproveitamento, pela força motriz atribuída pelos declives acentuados.
Aguas e nascentes surgem nos primeiros documentos emanados para a ilha, como domínio público.
Todavia, a água foi um problema ao longo da História da ilha, pois desde o começo surgiram
açambarcadores a reivindicar para si a posse exclusiva. Nas áreas de maior concentração populacional e
de intensivo aproveitamento do solo, como foi o caso do Funchal, a água das ribeiras não foi suficiente
para suprir as solicitações dos vizinhos.
Com D. João II foram definidos os direitos sobre a água, que perduraram até ao século XIX. A
partir daqui a água é propriedade pública, sendo o usufruto para os que possuíssem terras e dela
necessitassem. Todavia, desde finais do século quinze, a água passou a ser negociada a exemplo do que
sucedia com a terra. É com o regimento de D. Sebastião em 1562 que se procede a uma alteração no
sistema primitivo. As águas podem ser vendidas ou arrendadas, o que permitiu aumentar o fosso entre a
propriedade da terra e da água.
O documento de 1493 determina de forma evidente a importância assumida pelas levadas no
sistema de distribuição de águas. As levadas podem ser públicas ou privadas. As últimas eram de iniciativa
particular precisando de uma autorização.
Outro problema, não menos importante, foi o da partição da água. Desde o início que a coroa
recomendara todo o cuidado nisso, ficando com tal encargo o almoxarife, auxiliado por dois homens
eleitos para este fim. A manutenção foi outra preocupação a que o capitão deveria tomar conta, conforme
ordem de D. Catarina de 1562. Mais se recomendava que aqueles que não tivessem necessidade das águas
que dispunham não as podiam arrendar a ninguém a não ser para se regar os canaviais. Apenas, os que
haviam tirado levadas próprias podiam dar ou vender as águas. A coroa apoiou a reparação das levadas
da Ribeira dos Socorridos, dos Piornais e Castelejo com o intuito de incrementar de novo a cultura dos
canaviais, que tinham preferência na nova redistribuição das águas.
A levada dos Piornais, da iniciativa de João Dória Velosa, foi traçada a 230 metros de altitude, na

47
Lavadouro das Quebradas

48
Fajã do Poio, margem esquerda da Ribeira dos Socorridos, e prolonga-se até ao espaço urbano, bifurcando-
se na zona dos Barreiros. Esta, a exemplo de muitas outras levadas assumiu diversas funções para além da
condução da água para o regadio das terras baixas da zona que servia. A água não se limitava ao uso do
regadio, pois foi também servia para mover moinhos de cereais e uso doméstico até ao desenvolvimento do
sistema de canalização de água ao domicílio. Acresce ainda a função de apoio as lavadeiras, pois tinha
lavadouros nas Quebradas, Areeiro, Piornais, Casa Branca, Ajuda, Barreiros e Ilhéus, que noutros tempos
tinham aqui o seu ganha-pão a lavar as roupas da localidade e da cidade. O percurso era um dos meios
pedonais mais usados para a circulação de pessoas e mercadorias. Em 1898 foi feito um acordo entre esta
levada e a nova de Câmara de Lobos, no sentido da repartição da água da Ribeira dos Socorridos.Na lista
dos heréus constavam personalidades de relevo na vida política local e nacional.
Na Ribeira dos Socorridos temos outras levadas de iniciativa particular: a do engenho de Luís de
Noronha que lhe custou 20 000 cruzados14; a de António Correia para as terras da Torrinha15. Gaspar
Frutuoso descreve uma das levadas:

“Perto da Fonte, onde nasce a agoa desta ribeira dos Acorridos, se tirou a levada della
para moer o engenho de Luiz de Noronha; e dizem que do logar donde a começaram a
tirar até donde se começão a regar os canaviaes ha bem quatro legoas por se tirar de tão
grande fundura da ribeira em voltas que para chegar acima à superfície da terra e começar
a caminhar atravessando lombos, fazendas e grandes rochedos por cima pela serra por
onde vai esta levada, tem de alto mais de seicentas braças; da qual altura, que he muito
íngreme, se tira a agoa em calle de páo em voltas até se pôr na terra feita, e sem falta custou
chegar pola em tal logar passante de vinte mil cruzados, fora o muito mais que fez de custo
levala dali quatro legoas, alem de muitas mortes de homens que trabalhavam nella em
cestos amarrados com cordas penduradas pela rocha, como quem apanha urzela; porque
he tão alcantilada e íngreme a rocha em muitas partes que não se faziam nem se podiam
fazer d’outra maneira estancias para assentar as calles sem passar por estes perigos. Tem

14. Em 12 de Junho de 1515 é referenciada a levada de Manuel de Noronha na Ribeira dos Socorridos, ARM, RGCMF, t.I, fl.348-349, in AHM, vol. XIX,
p. 20.
15. 13 de Janeiro de 1493, AHM, XVI, n1 266, p. 277.

49
duzentos e oitenta lanços por onde vai esta agoa que postos enfiados hum diante do outro
terão hum quarto de legoa de comprido; são de taboado de til, pella mayor parte tem cada
taboa vinte palmos de comprido e dous de largo; e depois de assentadas estas calles na
rocha, fazem o caminho por dentro dellas os levadeiros que continuamente tem cuidado de
as remendar e concertar, alimpadas também da sugidade e pedras que acontece cahir
nellas, e fazer outras cousas necessarias a levada, pelo que tem grossos soldos, por terem
officio de tão grande trabalho e tanto perigo.
Nesta rocha está huma furna grande que serve de casa para os levadeiros, e para
guardar nela munições necessárias de enchadas, alviões, barras, picões, marrões e outras
ferramentas; e nella se metem cada anno dez e doze pipas de vinho para os que trabalhão
na levada e outras pessoas que a vão ajudar a reformar, quando quebrão alguns lanços de
calles; e he cousa monstruosa a quem vê isto com seus olhos a estranha e aventureira
invenção que se teve para se tirar dali esta agua”16.

O plano de construção de levadas da ilha não ficou concluído no século XVII, pois foi apenas
adiado pela afirmação da vinha, uma cultura de sequeiro, e, por isso mesmo, quando a cana retornou à
ilha, no século XIX, de novo se pôs a questão das levadas para irrigar os canaviais e mover os engenhos.
A água adquire de novo uma dimensão económica importante, levando as autoridades a intervir no
sentido da regulamentação e distribuição do uso da água e do traçar de novas levadas de forma a alargar
a área de regadio e, por consequência, dos canaviais. É de salientar que o regime jurídico das águas,
estabelecido em 1493 por D. João II, perdurou até 1867, altura em que foi aprovado um novo Código
Civil. A partir de então água e terra são duas realidades distintas, vindo a agravar a situação fundiária,
por ser favorável à especulação, realidade que foi atacada por leis de 1914 e 1931. Seis anos após o governo
avançou com uma política específica da água que chegou à Madeira em 1939. A criação da Comissão

16. Ob. cit., pp.120-121.


17. Manuel R. Amaro da COSTA, “O aproveitamento da água na ilha da Madeira”, in Das artes e da História da Madeira, nº.4/5, 11, 1950-1952;
Aproveitamentos hidraulicos da ilha da Madeira 1944-1969, Funchal, 1969. Em 1949 Orlando RIBEIRO (A ilha da Madeira até meados do século XX.
Estudo geográfico, Lisboa, 1985) refere que existia na ilha duzentas levadas com cerca de mil km de comprimento. Foi após essa data que se fizeram
sentir os resultados do plano de aproveitamentos hidráulicos, que fez aumentar a extensão das levadas em mais de trezentos Km e a área irrigada em
13900 Ha.

50
Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (1943) foi o ponto de partida para a
mudança na política da água e áreas de regadio na ilha17.
As levadas são ainda hoje uma constante na paisagem madeirense, transformando-se em locais
aprazíveis para os passeios a pé18. Desde muito cedo, estas construções despertaram a atenção dos
visitantes, que não se cansam em louvar o trabalho hercúleo do madeirense na construção19.

Levadas S. Martinho

A utilização da força motriz da água está patente no número de moinhos para moer grão, que em
1862 eram dez. Acresce ainda o número de moleiros, que deve ser indicativo do número de moagens:

Ribeira dos Socorridos 5


Quebradas 1
Ribeiro Seco 5
Azinhaga 1
Igreja 5
Pico S. Martinho 2
Laranjal 1
Salão 1
Total 19

18. Confronte-se Raimundo QUINTAL, “Veredas e Levadas”, in Diário de Notícias, Funchal, 5, 19 de Março, 14 e 28 de Maio, 23 de Julho, 1 e 29 de
Outubro, 12 de Novembro, 24 de Dezembro de 1989, 4 de Fevereiro, 18 de Março e 10 de Junho de 1990.
19. Tenha-se em atenção os seguintes testemunhos: Isabella de FRANÇA, Jornal de uma visita à Madeira e a Portugal 1853-1854, Funchal, 1970, pp.107-
108; José Maria Ferreira de CASTRO, Eternidade, Lisboa, s.d., cap. XI.

51
O HOMEM E O ESPAÇO
Camponeses.
Gravura do século XIX

54
Baia do Funchal,
Gravura do século XIX

O HOMEM E O ESPAÇO

O espaço densamente arborizado da ilha foi dando lugar a uma nova realidade, onde medravam
culturas, junto com casas de moradia e infra-estruturas de apoio. Num ápice tudo se transformou pela
acção do Homem. O fogo abriu caminho e a enxada e força braçal do homem domesticaram o solo.
Paulatinamente a floresta desapareceu dando lugar ao domínio das planuras e picos que se protegem na
frente da cordilheira montanhosa da parte central da ilha.
Passados cinco séculos a paisagem, fruto de insistentes transformações, é outra. As culturas
desapareceram, ficando apenas a dominar os acidentes geográficos. O solo foi ocupado pelo casario, cuja
coloração das paredes de um novo visual ao espaço quando observado do mar. A marca do homem está
cada vez mais presente na paisagem. A grande transformação é recente e resulta da forma como a
periferia funchalense inchou por força do êxodo rural. O turismo gerou a necessidade de mão-de-obra e
fez com que o entorno da cidade fosse aumentando como espaço dormitório. O resultado disso está
presente nas freguesias limítrofes da urbe, como S. Martinho. Primeiro surgiu o casario isolado,
secundado pelos bairros sociais, os blocos de apartamentos residenciais populares e de luxo.

55
56
A OCUPAÇÃO E POVOAMENTO

De acordo com as crónicas quatrocentistas e quinhentistas, o processo, que decorreu a partir de


1418, foi faseado. Zurara refere quatro expedições à ilha antes que o infante ordenasse o envio dos
primeiros colonos e clérigos para o arranque da ocupação e aproveitamento económico.
Para os cronistas tudo começou no Verão de 1420. O monarca ordenou o envio de uma expedição
comandada por João Gonçalves Zarco para dar início à ocupação da ilha. Acompanhavam-no Tristão Representação
Vaz Teixeira, Bartolomeu Perestrelo, alguns homiziados que “queriam buscar vida e ventura foram do descobrimento da ilha
muitos, os mais deles do Algarve”, segundo afirmam Jerónimo Dias Leite e Gaspar Frutuoso. Com a
distribuição das terras pelos três povoadores, as ilhas do Porto Santo e Madeira ficaram divididas em três
capitanias. O Porto Santo por ser ilha pequena ficou entregue na totalidade a Bartolomeu Perestrelo,
enquanto a Madeira foi separada em duas por uma separação em linha diagonal entre a Ponta da Oliveira
e a do Tristão. A vertente meridional, dominada pelo Funchal ficou quase toda em poder de João
Gonçalves Zarco, enquanto a restante área dominada pela costa norte ficou para Tristão Vaz.
A primeira missão dos capitães foi proceder à divisão de terras, como testemunha Francisco
Alcoforado, ao referir que João Gonçalves Zarco, após a segunda viagem, se empenhou em tal tarefa.
Uma das prerrogativas desta função era a possibilidade de reservar para si e familiares algumas das
sesmarias.
De entre o grupo de povoadores merecem referência aos trinta e seis homens da casa do mesmo

57
Estrada
Monumental,
junto da Quinta
da Ajuda.
Perestrellos
Photographos,
Museu de
Fotografia
Vicentes.

58
infante, na sua maioria escudeiros ou criados, que adquiriram uma posição relevante na estrutura
administrativa e fundiária. Eles pertenciam ao numeroso grupo de filhos-segundos do reino ou à pequena
aristocracia, todos à procura de títulos e bens fundiários. Isto poderá estar na origem da atitude de João
Gonçalves Zarco ao solicitar ao rei quatro varões de qualidade para casarem com as suas filhas. O rei
acedeu com o envio de Garcia Homem de Sousa, Diogo Afonso de Aguiar e Martim Mendes de
Vasconcelos. O primeiro fixou-se em Santo Amaro, onde teve terras e construiu casa com torre acastelada
de que ainda hoje persistem vestígios. O segundo teve possivelmente assentamento no que se diz hoje João Gonçalves Zarco.
Lombo dos Aguiares e o último nas margens da Ribeira dos Socorridos. A presença destas personalidades Gravura do século XIX
e o vínculo familiar com a família do capitão do Funchal, através do casamento com as suas filhas, foram
importantes para a valorização do espaço em termos agrícolas e da fixação de novos colonos.
Martim Mendes de Vasconcelos casou com Helena Gonçalves, a filha mais velha de João Gonçalves
Zarco, fixou-se nas margens da Ribeira dos Socorridos onde construiu aposentos, capela e engenho. À
entrada da igreja do Convento de Santa Clara é possível encontrar o seu túmulo, erradamente atribuído
a Gonçalves Zarco.
Para além destes podemos juntar outros mais, que de forma anónima deixaram as suas marcas no
solo da freguesia, sem que ficasse rastro da presença na documentação. Aos acima referenciados podemos
ainda associar os nomes de Martim Vaz de Cairos, Fernão e António Favila, João Calaça e João Roiz
Neto. O último teve sesmaria em S. Martinho mas veio a falecer no Funchal em 1531 dando o nome a
uma rua, que ainda hoje persiste com o seu nome.
A lista de povoadores é extensa mas poucos deixaram de forma clara o nome expresso e escrito de
qualquer forma na documentação. Dos que mais se evidenciaram nos primeiros séculos podemos destacar
os seguintes:

Afonso Anes
António Aguiar
Baltasar Gonçalves
Diogo Gonçalves
Francisco Pires
Francisco Vaz

59
Gaspar Martins
João Dória Velosa
João Rodrigues Neto Calaça
Manuel Correia
Manuel Martins Godinho
Martim Anes
Martim Mendes de Vasconcelos
Martim Vaz de Cairos
Martinho Gonçalves
Pedro Alvares Queirós
Sebastião Rodrigues o velho

O povoamento da ilha, iniciado na década de 20 a partir dos núcleos do Funchal e Machico,


alastrou rapidamente a toda a costa meridional, surgindo novos núcleos vizinhos ou afastados do Funchal.
O progresso do movimento demográfico foi de encontro ao nível de desenvolvimento económico da ilha
e reflecte-se na estrutura institucional. A criação de novos municípios, paróquias e a reforma do sistema
administrativo e fiscal foram resultado disso. Como corolário tivemos ao nível religioso o
desmembramento das iniciais paróquias e o aparecimento de novas.
O núcleo populacional que veio a dar origem à freguesia de S. Martinho anichou-se em torno da
capela mandada construir por Afonso Anes. O relacionamento com os Aguiares, através do seu casamento
na Sé em 1580 com Isabel Gonçalves filha de Diogo Gonçalves, deverá estar também na origem da
importância que acabou por assumir no local.
S. Martinho, por força de todas as circunstâncias que acompanharam o início da fixação dos
colonos, assumiu uma posição importante no processo histórico inicial. Importantes áreas para a
agricultura, que deram lugar a searas, vinhedos, canaviais, atraíram a atenção de muitos que chegavam à
ilha. Por outro lado a proximidade do Funchal favoreceu a fixação de colonos. Os núcleos populacionais
foram-se anichando em torno das diversas capelas particulares construídas pelos principais proprietários.
Na área da actual freguesia de S. Martinho tivemos diversas capelas na sua maioria construídas no
decurso do século XVII, o que atesta ter sido a centúria em causa um momento florescente para a

60
localidade, que se reflectiu no crescimento demográfico.
Em 1579, aquando da criação da paróquia, se refere que a mesma apresentava menos de 100
habitantes. Acresce ainda que no recenseamento dos fogos de 1598 não vem referida a freguesia. Todavia
a nova situação da freguesia terá sido favorável como se poderá verificar pelo movimento ascendente de
baptismos e casamentos a partir da década de oitenta.
O maior incremento populacional acontecerá a partir do século XVII de forma que em 1721
Henrique Henriques de Noronha assinala para aqui a existência de 720 almas e 165 casais20. É de
referenciar nesta centúria a forte emigração para o Brasil, sob orientação das autoridades em que tivemos
16 casais da freguesia, totalizando 75 indivíduos21.
Ao entramos no século XIX o movimento é ascendente. Assim, de acordo com Paulo Dias de
Almeida22, em 1821 a freguesia apresentava-se com 2018 almas em 455 fogos. Os demais dados disponíveis
evidenciam que a população foi em crescendo até a actualidade. Aliás, no século XX S. Martinho surge
como a terceira freguesia, depois de Santa António e Santa Maria Maior.

Ano S. Martinho
1811...............1758
1878 ..............4128
1920 ..............6198
1923..............7200
1930..............9439
1940 ...........11.631
1950...........12.660
1960...........12.445
1970 ...........12.415
1981 ...........13.580
1991 ...........19.828
2001 ..........20.364
20 . Memorias Seculares e Eclesiasticas para a Composição da Historia da Diocesi do Funchal na ilha da Madeira,… Funchal, 1996, p.224
21. Maria Licínia Fernandes dos Santos, Os Madeirenses na Colonização do Brasil, Funchal, 1999, 117.
22. Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, 1982, p.97-98

61
Bairros Sociais
Ajuda

62
Bairros Sociais
Nazaré

63
Bairros Sociais
Quebradas

A situação demográfica das décadas de cinquenta a setenta é fruto da forte emigração que pautou
a sociedade madeirense no post-guerra. Esta sangria populacional só foi travada na década de oitenta com
a autonomia politica.
Hoje, mercê da criação de novos bairros sociais, a população da freguesia quase duplicou. Na
verdade a freguesia de S. Martinho foi uma das áreas preferências de fixação de bairros residenciais no
quadro da política de habitação social estabelecida pelo regime autonómico a partir de 1978, tendo
recebido 1908 novas habitações, no período de 1982 a 2003.

Bairro Ano criação Nº fogos


Ajuda I....................................1982 ......................149
Ajuda II ..................................1997 ..........................5
Nazaré I ..................................1983 ......................205

64
Bairros Sociais
Mercado Abastecedor

Bairro Ano criação Nº fogos


Nazaré II.................................1984 ......................236
Nazaré III ...............................1985 ......................346
Nazaré IV-A............................1987 ......................158
Nazaré IV-B............................1988 ......................346
Nazaré V.................................1989 ......................389
Nazaré VI ...............................2000 ........................30
Nazaré VII..............................2001 ........................22
Quebradas ..............................1987 ........................13
Marcado Abastecedor II ........2003 ..........................9
Total...................................................................1908

65
Ponte do Ribeiro Seco
Vicentes Photographos.
Museu de Fotografia Vicentes.

66
TRANSPORTES: PONTES CAMINHOS E ESTRADAS.

A rede viária era fundamental na vida das diversas localidades no sentido de que as aproximava dos
centros de decisão política, abria vias para a circulação de produtos e pessoas. Desde o início do
povoamento que as autoridades apostaram no estabelecimento de uma rede viária, considerada factor de
progresso social e económico, mas a configuração geográfica da ilha e o rigor dos Invernos não o
favoreciam. Desta forma a construção e manutenção da rede viária era algo custoso que requeria a
participação de todos.
Uma das formas de manutenção dos caminhos municipais estava no imposto de trabalho ou roda
de caminho. Assim, todo o chefe de família residente ou proprietário no concelho estava sujeito ao imposto
que poderia ser pago em dinheiro ou em dias de trabalho devendo declará-lo. Neste último caso era
estabelecido um rol dos ditos que depois era entregue ao apontador ou aos fiscais nomeados em cada
freguesia ou casa para o efeito. Assim, em 1872 todos os indivíduos de 18 a 60 anos estavam obrigados à
contribuição de trabalho para obras de viação municipal de dois dias por cada membro da família ou seus
domésticos. Esta obrigação poderia ser remida em dinheiro, sendo o valor da jorna de 200 réis. Os dias
de trabalho eram decididos pela vereação devendo ocorrer todos os inscritos, pois caso contrário
sujeitavam-se ao pagamento coercivo em dinheiro.

67
Hoje a freguesia se encontra bem servida de uma rede de transportes graças ao processo autonómico
de finais do século XX. Desde muito cedo a freguesia foi favorecida com a construção de diversos
caminhos que favoreceram a ligação ao litoral ou à cidade. Um dos primeiros projecto temos
documentado é o do caminho que ligava o Ribeiro Seco ao Avista Navios, Quebradas e a Torre em
Câmara de Lobos. É da iniciativa de José Maria da Fonseca e foi executado em 1815 pela Junta Agrícola.
Mas sem dúvida que o mais importante foi o da Estrada Monumental. Ainda hoje restam alguns vestígios
do primitivo caminho.
O projecto da actual estrada Monumental foi concebido em 1835 pelo então Governador Luiz da
Silva Mousinho de Albuquerque em homenagem a D. Pedro IV, mas foi o conselheiro José Silvestre
Ribeiro quem iniciou a obra em 1848 com a construção da Ponte do Ribeiro Seco. A ponte que se ergueu
sob a orientação de Tibério Augusto Blanc ficou concluída em 1849, prosseguindo com lentidão as obras
da estrada até à Ribeira dos Socorridos.
No século XX a presença do automóvel, que ocorre na ilha a partir de 1904, obrigou a maior
rapidez no avanço da rede viária à volta da ilha. Na verdade, desde os anos vinte colocou-se um novo
desafio aos madeirenses, adequar as antigas estradas reais à circulação da nova invenção para os ilhéus,
isto é o automóvel. O primeiro automóvel fez a aparição nas ruas do Funchal em 1904 e passados três anos
já a Empreza Madeirense de Automóveis inicia a importação.
A plena afirmação do automóvel obrigou a cuidados maiores na construção de novas estradas e na
manutenção das existentes. A Estrada para Câmara de Lobos foi asfaltada em 1949, enquanto tivemos o
aparecimento de novas vias secundárias, algumas delas dentro da área da freguesia. Sem dúvida o salto
mais significativo aconteceu em finais do século XX com o programa viário estabelecido pelo Governo
Regional da Madeira que levou à construção de vias rápidas. Tudo começou com a Estrada da Liberdade
que Ligava a Cruz de Carvalho a Santa Rita e depois a via rápida até Câmara de Lobos em 2000.
O serviço de Transportes públicos começou na freguesia com a Empresa Automobilística de São
Martinho, que funcionou até 1996 altura em que foi integrada na Empresa Horários do Funchal. Hoje o
serviço de transportes públicos está a cargo da última empresa, que detém a exploração em todo o
Funchal. Apenas a empresa Rodoeste Lda, surgida em 1967 da fusão de outras três que prestava o serviço
de transporte colectivo entre o Funchal, Câmara de Lobos e toda a zona oeste da ilha, serve-se da via
expresso e do tradicional percurso pela Estrada Monumental.

68
Ponte da Ribeira dos Socorridos A Via Rápida, vendo-se ao fundo a Igreja de S. Martinho

69
70
APROVEITAMENTO DOS RECURSOS

O facto dos europeus se depararem à chegada no século XV com um solo virgem fez com que facil-
mente conseguissem transformá-lo de acordo com as suas necessidades, fruindo o máximo dos recursos
disponíveis. Para que isso pudesse acontecer foi necessário recorrer a técnicas e instrumentos usados na
terra de origem dos colonos ou transplantados de outras regiões. A terra fértil deu cereais, fez crescer vin-
hedos e canaviais, tal como uma diversidade de culturas com valor alimentar, trazidas da Europa, ou
descobertas no Novo Mundo.

TÉCNICAS E FONTES DE ENERGIA. O aproveitamento económico da ilha implicava a disponibilidade


de instrumentos e técnicas capazes de fazerem com que da terra brotassem as culturas. Estes foram
preciosos auxiliares do homem que se aperfeiçoam de acordo com as necessidades, a disponibilidade de
materiais, o engenho e arte. A agricultura implicava um nível elevado de conhecimento tecnológico
adequado às diversas tarefas de lavrar e plantar a terra, canalizar a água e transporte das riquezas dela
extraídas.

71
72
A ÁGUA E AS INDÚSTRIAS. A água, mais do que a indispensável utilização no regadio, tinha na ilha uma
função industrial relevante. O declive das encostas, sobranceiras às ribeiras, aliado à habilidade do
homem na canalização pelas levadas, conduziu à grande aposta na força motriz: moinhos ou azenhas,
engenhos e serras. O progresso das indústrias, açucareira e das madeiras deve-lhe muito.
A importância dos cereais na alimentação na dieta alimentar dos madeirenses desde a ocupação da
ilha conduziu à valorização dos meios de transformação em farinha. No arquipélago assinalam-se quatro
processos distintos: os moinhos de mão, atafonas, azenhas e moinhos de vento. Aqui daremos o merecido
destaque às azenhas. Até 1821 os moinhos continuam a ser um privilégio exclusivo dos capitães do
donatário. Na verdade de acordo com as cartas de doação os moinhos ficavam em poder dos capitães que
cobravam sobre todos os que aí moessem os cereais a maquia, isto é um alqueire em doze. Desde o início
do povoamento que estão documentadas as insistentes queixas dos moradores pelo mau funcionamento
destas infra-estruturas. Em 1461 era evidente a falta e má qualidade do serviço pelo que o senhorio, o
Infante D. Fernando, determinou o melhor cuidado neste serviço. Esta situação deverá ter perdurado até
1821, altura em que se abriu à iniciativa particular a construção de novos moinhos. No século dezanove
surgiram algumas unidades industriais motorizadas e depois o advento e a expansão da energia eléctrica
a partir dos anos quarenta conduziu à electrificação de muitas unidades. Aliás, em princípios do século é
evidente uma tendência para a centralização da indústria de moagem nas unidades que souberam inovar.
Em S. Martinho tivemos vários moinhos, como já referios atrás. Sistema de engenho
da Companhia Five-Lille.
Século XIX
OS ENGENHOS. As técnicas de cultivo e transformação da cana atravessaram o Atlântico. Na Madeira as
condições geo-hidrográficas foram propícias à generalização dos engen-hos de água, de que os madeiren-
ses foram exímios criadores. O primeiro foi paten-teado em 1452 por Diogo de Teive, o que levou alguns
a apontarem este como o primeiro engenho de açúcar movido a água.
A animação sócio-económica gerada pelo açúcar foi dominada pelo engenho, mas isto não
significava que a existência de canaviais fosse sempre sinónimo da sua presença. No estimo da produção
da capitania do Funchal para o ano de 1494 são referenciados apenas 14 engenhos para um total de 209
usufrutuários, dispondo de 431 canaviais23. Por outro lado temos casos de alienação destes sem qualquer

23 . V. RAU ., ob. cit.

73
Engenho.
Mecanismo de relação com os canaviais. Não existem dados exactos sobre os engenhos industriais movidos pela força
moenda: mó do motriz da água. A primeira informação possível surge no estimo de 149424 em que são mencionados
século XVII dezasseis. Alguns destes proprietários tinham os canaviais em S. Martinho, uma das áreas privilegiadas da
e sistemas
do século XIX
24. Virgínia RAU e Jorge de MACEDO, O Açúcar de Madeira nos fins do século XV. Problemas de Produção e Comércio, Funchal, 1962.

74
Engenho. Mecanismo de
moenda sistemas do século
XIX.

cultura no Funchal. As propriedades e os engenhos referenciados no estimo de 1499 não estão


devidamente localizados geograficamente mas podemos assinalar alguns nomes, como Afonso Anes e a
viúva de Diogo Afonso Aguiar. Mas de certeza S. Martinho tinha umpeso significativo.
Mais tarde, em finais do século XVI, surge nova relação dos engenhos, apresentada por Gaspar
Frutuoso25. No total, são 34 engenhos em toda a ilha, numa extensa área da vertente sul, que vai desde o
Porto da Cruz à Calheta, sendo referenciados alguns para S. Martinho. Na Ribeira dos Socorridos
situavam-se os de Manuel dá My e António Mendes.
Nos inícios do século XVII funcionavam poucos engenhos. O bicho da cana havia reduzido
drasticamente a produção e área de canaviais pelo que muitos haviam sido abandonados. Ademais, do
abandono dos engenhos registava-se o das levadas como sucedia com a do Pico do Cardo e Castelejo em Transporte da cana no Calhau.
S. Martinho que há trinta anos não era tirada26. A coroa, para repor a cultura, preparou um plano de
recuperação dos engenhos, com empréstimos e a isenção do pagamento do quinto. Isto aconteceu por
alvará de 1 de Junho de 1649, ficando os proprietários de engenho com direito ao empréstimo de 400
cruzados e o não pagamento do quarto por cinco anos a metade do valor por dez anos.27. A política de
incentivo à cultura chegava até à coação dos proprietários no sentido da reparação e posta em
funcionamento dos engenhos. Foi isso que aconteceu a D. Maria da Câmara.28
Nos séculos dezassete e dezoito o número de engenhos era reduzido. Para os inícios do século XVII,

25. Ob. cit., pp. 99-135.


26 ANTT, PJRFF, Nº.396, fl.7vº, 5 de Dezembro de 1651.
27. ARM, RGCMF, t. VI, fls.99vº-100; ANTT, PJRFF, nº.396, fl.6vº, 25 de Maio de 1651.
28 . ANTT, PJRFF, nº.980, fls. 314vº-316, 1 de Julho de 1649; ibidem, nº.396, fls. 6-6vo, 26 de Maio de 1651; ANTT, PJRFF, nº.980, fls. 465vº-466, 27 de
Setembro de 1652

75
Transporte da cana em corsa
no Ribeiro Seco, engenho.
Mecanismo de moenda mais propriamente em 1602, Pyrard de Laval refere a existência de 7 a 8 engenhos em laboração. A
sistemas do século XIX documentação informa-nos sobre a existência de alguns:

76
DATA PROPRIETÁRIO LOCAL
1644 Gaspar Betencourt de Sá Rª Socorridos
1665 Capt. Pinto da Silva Piornais
1705 Capt. António Abreu C.Lobos
1744-50 João J. Betencourt de S. Machado
1760 João J. Vasconcelos de Betencourt
1780 D. Madalena Guiomar de Sá Vilhena

Na segunda metade do século XIX a crise do vinho obrigou a recorrer à cana como alternativa de
produção agrícola. Hoje a cultura da cana sacarina na ilha é herdeira desta fase. Sucede que, a partir de
1985, com o encerramento do engenho do Hinton, a Madeira deixou de produzir açúcar e a cultura foi
perdendo importância em favor da vinha e da banana.. Os engenhos de água renascem em concorrência
com os novos movidos a vapor. Em 1851 temos apenas três engenhos em funcionamento no Funchal,
sendo um em S. Martinho29. Num inventário das indústrias nacionais em 186430 referem-se sete engenhos
em laboração na ilha, sendo apenas um a fabricar açúcar. Em S. Martinho João Pinto Correia possuía
um engenho e alambique. A grande aposta estava na aguardente, pelo consumo que tinha para adubar
os vinhos e consumo corrente. Engenho.
A tentativa do cultivo da cana sacarina na segunda metade do século XIX conduziu inevitavelmente Mecanismo de moenda
sistemas do século XIX
ao aumento do número de engenhos, atingindo-se o máximo em 1906 de 57 unidades para fabrico de
aguardente e açúcar. As medidas limitativas, a partir de 1939, conduziram ao encerramento da quase
totalidade das infra-estruturas, pelo que hoje restam poucos escombros. De acordo com o decreto de 1954
procedeu-se à concentração de unidades industriais fora do Funchal na Sociedade de Engenhos da
Calheta Ltda, Companhia de Engenhos de Machico Ltda, Companhia de Engenhos do Norte. A política
de proteccionismo e favorecimento do engenho do Torreão afastaram todos os demais da indústria,
levando a maioria ao encerramento.

29 . Madeira its Climate and Scenery, Londres 1851, p.54


30 . Diário de Lisboa. Folha Official do Governo Portuguez, nº.14, 19 de Janeiro de 1864.

77
Ribeira dos Socorridos

78
Na linha de fronteira do concelho e freguesia, na margem da Ribeira dos Socorridos, tivemos o
engenho dos Socorridos, o único que se manteve em actividade no decurso do século XVIII,
demonstrativo da persistência da cana nas proximidades. De entre os inúmeros proprietários assinala-se a
figura de D. Guiomar Madalena de Sá Vilhena31. Da estrutura primitiva persiste apenas a capela32.
É no Funchal que encontramos o grupo mais importante de engenhos para fabrico de açúcar e
aguardente. A maior concentração acontecia no espaço urbano, no eixo em torno da Ribeira de Santa
Luzia e na freguesia de S. Martinho, a mais importante em termos de área de cultivo da cana. Depois
tivemos ao Ribeiro Seco o engenho de Aloizio César de Betencourt, engenheiro químico, que ainda hoje
funciona, depois de uma reforma em 194633. Na freguesia de S. Martinho assinalam-se os seguintes
engenhos34:

LOCAL PROPRIETÁRIO DATA FUNDAÇÃO


Sítio da Vitória João Carlos Aguiar
Sitio das Quebradas Manuel Pereira
Sitio da Ajuda José Fernandes de Azevedo
Pico do Funcho Victorino Ferreira Nogueira 1856
Salto do Cavalo (Estrada Monumental) Henrique de Freitas

A evolução dos engenhos entre os séculos XVI e XX indica-nos a persistência no recinto da


freguesia. No século XVIII desapareceram de toda a ilha persistindo um apenas junto à Ribeira dos
Socorridos. O engenho pertencia ao morgadio instituído por Francisco Betencourt de Sá e D. Guiomar
do Couto. Em 1744 o engenho estava em posse de João José Betencourt de Sá Machado, irmão de D.
Guiomar de Sá, que recebeu da coroa a isenção do pagamento do quinto por cinco anos, como forma de
incentivo à reparação e manutenção. Note-se que foi o único engenho a funcionar na ilha entre 1750 e
1782.

31 . Bernardete Barros, Dona Guiomar de Sá Vilhena. Uma mulher do século XVIII, Funchal, 2001.
32. João Adriano Ribeiro, A Capela de Nª Sª da Vitória na Ribeira dos Socorridos, Funchal,2000
33. Maria João Oliveira, Arqueologia Industrial um espaço em aberto. A fábrica de mel de cana do Ribeiro Seco, In Xarabanda, 2000-2001, 35-48.
34. Cf. Abel Marques Caldeira, O Funchal no primeiro quartel do século XX. 1900-1925, Funchal, 1963, 74-76.

79
ENGENHOS - SÉCULOS XV- XVIII

DATA PERÍODO LOCAL PROPRIETÁRIO


Informação Funcionamento
1546 Ribeira Socorridos Convento Santa Clara
1573 1573-93 Ribeira dos Socorridos Guiomar da Costa
Praia Formosa Manuel da My(Damil?)
Praia Formosa António Mendes
R0 dos Socorridos António Correa
R0 dos Socorridos Duarte Mendes
1643 Rª Socorridos Guiomar da Costa
1644 Rª Socorridos Gaspar Betencourt de Sá
1665 Piornais Inácio Fernandes Pinto da Silva
1687 Mendo Brito Oliveira
1744 1744-1760 João José Betencourt de Sá Machado
1780 D. Madalena Guiomar de Sá Vilhena

Com o retorno dos canaviais na segunda metade do século XIX a freguesia passou a ser de novo
valorizada como espaço de produção de açúcar. Retornam os canaviais e aparecem novos engenhos, que
fabricam aguardente e açúcar.

ENGENHOS - SÉCULOS XIX E XX

FUNDAÇÃO LOCAL PROPRIETÁRIO


1856 Pico do Funcho[S. Martinho] Victoriano Ferreira Nogueira
1856 Pico do Funcho[S. Martinho] Diogo de Ornelas Frazão, João de Faria Cª(1896)
1861 Pico da Cruz[S. Martinho] Joaquim Ferreira Nogueira
1862 Pico do Funcho(S. Martinho) Manuel Faria & Cº
1862 Quebrada[S. Martinho ] Manuel Francisco Pereira

80
Antigo engenho de Pedro Pires, hoje sede da firma de vinhos Madeira Barbeitos

1867 Estrada Monumental Pedro Pires


1883 Lombada[S.Martinho] Manuel Rodrigues de Jesus
1887 Salto do Cavalo[S. Martinho] Pedro Cunha Pires
1896 S. Martinho José Júlio Lemos

Os canaviais e engenhos persistiram por muito tempo, mas a concorrência e a política sacarina
ditaram a sentença de morte, obrigando a que muitos encerrassem as portas de modo que hoje quase nada
resta. Para o observador mais atento é possível ainda descobrir alguns vestígios na freguesia.

81
VESTÍGIOS DE ENGENHOS DOS SÉCULOS XIX E XX

DATA PROPRIETÁRIO VESTÍGIOS LOCAL


1867 Pedro Pires Parte das instalações FUNCHAL- Estrada
e a chaminé Monumental, actuais instalações
da Casa de Vinho Barbeitos
1546 Convento Santa Clara capela e anexos Ribeira dos Socorridos

AS CENTRAIS HIDROELÉCTRICAS. A orografia da ilha foi propícia à utilização da força motriz da água.
Isto aconteceu desde o século XV ao nível agrícola e a partir do nosso século assumiu outra função na
produção de energia hidroeléctrica. As primeiras experiências são de iniciativa particular e acontecem no
meio rural. As pequenas centrais hidroeléctricas surgiram nos Canhas, Ponta de Sol, Porto Moniz, S.
Vicente e Boaventura.
A iniciativa particular foi o incentivo para o governo avançar na década de quarenta do século XX
com um plano de aproveitamento hidroeléctrico da ilha da Madeira, nomeando para o efeito um grupo
de trabalho que depois se transformou em comissão para a execução do plano estabelecido. A Comissão
tinha como missão proceder à electrificação do arquipélago, socorrendo-se da energia produzia pelas
centrais. Em 1953 foram inauguradas as primeiras centrais hidroeléctricas na Serra de Água e Calheta e
em 1962 tivemos o início dos trabalhos da Fajã da Nogueira(1971) e Ribeira da Janela.
Em 1974 criou-se a empresa de Electricidade da Madeira, regionalizada em 1979. Foi o início de
uma nova fase da História da electricidade na Madeira, que conduziu a electrificação total da ilha na
década de oitenta. Depois disto tivemos vários investimentos no sentido do reforço da capacidade de
fornecimento de energia com a central dos Socorridos em 1980, que permitiu a transferência das
instalações de produção de energia.

82
Ponte da Ribeira
dos Socorridos

83
Borracheiros
e transporte das uvas,
Gravuras A. Vizetelly,
1873

A TECNOLOGIA DA VINIFICAÇÃO - DO LAGAR AO CANTEIRO.


A cultura da vinha conduziu igualmente ao desenvolvimento de uma tecnologia adequada à
valorização sócio-económica da cultura. Várias actividades artesanais giram em torno dos lagares e
adegas. Primeiro a construção do lagar estrutura imprescindível para início do processo, depois, a
construção de pipas e o prolongado sistema de vinificação do mosto.
A presença do lagar foi, durante muito tempo, sinónimo de uma importante área de vinhas. Nem
todos os viticultores tinham meios para dispor de tal infra-estrutura e a maior parte dos caseiros se serviam

84
do lagar do senhor. O usufruto implicava o pagamento de uma taxa, conhecida na Idade Média como
lagaragem. Hoje o lagar é uma peça de museu, sendo substituído pela moderna tecnologia, mas tempos
houveram em que ele era um instrumento imprescindível para o fabrico do vinho.
Feito o vinho no lagar era depois transportado às adegas pelos carreteiros em borrachos (uma pele
de cabra curtida e voltada do avesso) . Muitas vezes era transportado directamente ao Funchal, por via
marítima ou terrestre ficando aí a fermentar nas grandes lojas.
O quadro, que se segue, completa a elucidação dos valores do investimento quanto ao lagar.

LAGAR E CASA-CUSTOS(1650-1782)

LAGAR LAGAR E CASA


ANO LOCAL PEDRA MADEIRA PEDRA MADEIRA
1650 S. Martinho 80.500rs
1717 S. Martinho 4000
1730 S. Martinho 3500
1739 S. Martinho 5000
1744 S. Martinho 40.000
1745 S. Martinho 6500
1747 S. Martinho 5000
1748 S. Martinho 9000
1748 Campanário 10.000
FONTE: ARM, Capelas-inventário, maços: 1 a 42

Em 1862 a freguesia dispunha de nove lagares. Na verdade S. Martinho era um espaço privilegiado
de cultivo da vinha da periferia do Funchal, onde existiram diversos lagares e serrados de vinhas, como
era o caso do de Cossart Gordon & Co.

85
A VALORIZAÇÃO
ECONÓMICA DO ESPAÇO
88
A VALORIZAÇÃO ECONÔMICA DO ESPAÇO

A proximidade da freguesia ao Funchal, associada ao facto de dispor de uma ampla área de orla
marítima condicionaram, nos últimos anos a ocupação do espaço. Assim, as áreas que durante muito
tempo foram ocupadas pelas bananeiras ou vinha deram lugar a hotéis, complexos habitacionais e espaços
de lazer. Paulatinamente a freguesia foi-se transformando num espaço dormitório do Funchal, como o
provam os bairros sociais e os diversos complexos habitacionais privados. A orla marítima acabou também
por perder o aspecto rural e as falésias foram amansadas pela acção do homem. Aquilo que antes eram
espaço de cultivo de bananeiras quase que foi totalmente ocupado pela construção de hotéis e casas de
habitação.
Hoje S. Martinho deixou de ser um espaço essencialmente rural para se afirmar como uma área
privilegiada de serviços onde o comércio e a hotelaria dominam. O progresso do último quartel do século
XX conduziu a esta mudança radical na fisionomia de S. Martinho.
No espaço da freguesia é ainda possível encontrar diversas áreas onde o cultivo da terra ocupa
alguns dos seus habitantes, aproveitando as planuras oferecidas pela mãe-natureza. Os que primeiro
assentaram aqui morada procuravam nos produtos a sua subsistência diária, para depois apostaram em
culturas geradoras de riqueza, por força da grande demanda do mercado europeu ou do novo mundo.
Deste modo os cereais foram os primeiros a ser lançados à terra e, aos poucos, tivemos novas culturas
como a vinha, canaviais e bananais. Mas outros recursos valorizaram a freguesia, com a caça à perdiz.
A área da freguesia de S. Martinho dispunha de importantes espaços de exploração agrícola onde

89
90
medraram em simultâneo as diversas culturas. Todavia a principal aposta esteve quase sempre nos
produtos de maior rentabilidade, por força da demanda do mercado externo.
A história do açúcar na Madeira confunde-se com a conjuntura de expansão europeia e dos
momentos de fulgor do arquipélago. A presença é multissecular e deixou rastros evidentes na sociedade
madeirense. Dos séculos XV e XVI ficaram os imponentes monumentos, pintura e a ourivesaria que os
embelezou e que hoje jaz quase toda no Museu de Arte Sacra. Do século XIX e do primeiro quartel da
nossa centúria perduram ainda a maioria dos engenhos da nova vaga de cultura dos canaviais. Aqui, a
cana diversificou-se no uso industrial, sendo geradora do álcool, aguardente e, raras vezes, o açúcar.
Na Madeira a cana sacarina, usufruindo do apoio e protecção do senhorio e coroa, conquista o
espaço ocupado pelas searas, atingindo todo o solo arável da ilha em duas áreas: a vertente meridional (de
Machico à Calheta), com um clima quente e abrigada dos alísios, onde os canaviais atingem 400 m de
altitude, dominado pelas plantações da capitania de Machico (Porto da Cruz e Faial até Santana), solo em
que as condições mesológicas não permitem a cultura além dos 200 metros numa produção idêntica à
primeira área. A capitania do Funchal agregava no perímetro as melhores terras para a cultura da cana-
de-açúcar, ocupando a quase totalidade do espaço da vertente meridional. À de Machico restava apenas
uma ínfima parcela área e todo um vasto espaço acidentado impróprio para a cultura.
Na capitania do Funchal os canaviais distribuíam-se de modo irregular. Em 1494 a maior safra
situava-se nas partes de fundo, englobando as comarcas da Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta com
64%, enquanto o Funchal e Câmara de Lobos tinham apenas 16%. Em 1520, não obstante uma ligeira
alteração, a diferença mantém-se, pois a primeira surge com 50%, e a segunda apresenta 25%, valor
idêntico ao total da capitania de Machico, com 25%. Uma análise em separado das diversas comarcas da
capitania do Funchal, na mesma data, evidencia a importância do Funchal em 33%, seguindo-se a Calheta
com 27%. As da Ribeira Brava e Ponta de Sol surgem numa posição secundária com 20% cada.
Nos séculos XVI e XVII a intervenção das autoridades resultava apenas da necessidade de garantir
ao açúcar da ilha uma posição dominante no mercado interno e a situação concorrencial nos mercados
nórdico e mediterrânico. A concorrência do açúcar brasileiro será, por algum tempo, o motivo de
discórdia entre os vários interesses em jogo. A incidência das medidas é pontual e resulta do incentivo que
a cultura mereceu em finais do século XVI.

91
medraram em simultâneo as diversas culturas. Todavia a principal aposta esteve quase sempre nos
produtos de maior rentabilidade, por força da demanda do mercado externo.
A história do açúcar na Madeira confunde-se com a conjuntura de expansão europeia e dos
momentos de fulgor do arquipélago. A presença é multissecular e deixou rastros evidentes na sociedade
madeirense. Dos séculos XV e XVI ficaram os imponentes monumentos, pintura e a ourivesaria que os
embelezou e que hoje jaz quase toda no Museu de Arte Sacra. Do século XIX e do primeiro quartel da
nossa centúria perduram ainda a maioria dos engenhos da nova vaga de cultura dos canaviais. Aqui, a
cana diversificou-se no uso industrial, sendo geradora do álcool, aguardente e, raras vezes, o açúcar.
Na Madeira a cana sacarina, usufruindo do apoio e protecção do senhorio e coroa, conquista o
espaço ocupado pelas searas, atingindo todo o solo arável da ilha em duas áreas: a vertente meridional (de
Machico à Calheta), com um clima quente e abrigada dos alísios, onde os canaviais atingem 400 m de
altitude, dominado pelas plantações da capitania de Machico (Porto da Cruz e Faial até Santana), solo em
que as condições mesológicas não permitem a cultura além dos 200 metros numa produção idêntica à
primeira área. A capitania do Funchal agregava no perímetro as melhores terras para a cultura da cana-
de-açúcar, ocupando a quase totalidade do espaço da vertente meridional. À de Machico restava apenas
uma ínfima parcela área e todo um vasto espaço acidentado impróprio para a cultura.
Na capitania do Funchal os canaviais distribuíam-se de modo irregular. Em 1494 a maior safra
situava-se nas partes de fundo, englobando as comarcas da Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta com
64%, enquanto o Funchal e Câmara de Lobos tinham apenas 16%. Em 1520, não obstante uma ligeira
alteração, a diferença mantém-se, pois a primeira surge com 50%, e a segunda apresenta 25%, valor
idêntico ao total da capitania de Machico, com 25%. Uma análise em separado das diversas comarcas da
capitania do Funchal, na mesma data, evidencia a importância do Funchal em 33%, seguindo-se a Calheta
com 27%. As da Ribeira Brava e Ponta de Sol surgem numa posição secundária com 20% cada.
Nos séculos XVI e XVII a intervenção das autoridades resultava apenas da necessidade de garantir
ao açúcar da ilha uma posição dominante no mercado interno e a situação concorrencial nos mercados
nórdico e mediterrânico. A concorrência do açúcar brasileiro será, por algum tempo, o motivo de
discórdia entre os vários interesses em jogo. A incidência das medidas é pontual e resulta do incentivo que
a cultura mereceu em finais do século XVI.

91
Apanha da cana em propriedade
de H. Hinton, Ajuda Museu de
Fotografia Vicentes.

92
A conjuntura da década de quarenta da centúria seguinte foi marcada por novo incremento da
cultura, sem necessidade de recurso às medidas proteccionistas, uma vez que o mercado do Nordeste
brasileiro se encontrava sob controlo holandês. Fechou-se a rota do açúcar brasileiro.
Os anos seguintes foram de promoção da cultura o que propiciou um aumento da produção,
mantendo-se a mesma incidência das áreas em questão, sendo de realçar a Ribeira dos Socorridos, onde
no século dezoito se manteve em actividade um dos poucos engenhos de açúcar existentes na ilha.

Data Proprietário Açúcar


Pães Peso
arrobas Arratéis libras
1689 Francisco Vasconcelos e Silva Ribeira dos Socorridos 200
1690 Francisco Vasconcelos e Silva Ribeira dos Socorridos 7
1693 Francisco Vasconcelos e Silva Ribeira dos Socorridos 5?
Inácio Cabral Catanho 8 68
FONTE: ANTT, PJRFF, nº.525.

Por todo o século XVIII a aposta preferencial foi apenas na vinha, que retirou espaço aos canaviais.
Mesmo assim tiveram continuidade, uma vez que existem dados que documentam a existência de
canaviais e sabe-se que o engenho dos Socorridos se manteve em funcionamento por todo o século
XVIII35. A coroa, de acordo com a provisão régia de 1 de Julho de 1642, pretendia promover de novo o
cultivo da cana-de-açúcar por meio de incentivos à reparação dos engenhos, com a isenção do quinto por
cinco anos ou a metade por dez anos.
No século dezoito a cultura é conduzida para um plano secundário, deixando de ter a real
importância que teve na economia madeirense. Por todo o século XVIII a aposta preferencial foi apenas
na vinha, que retirou espaço aos canaviais. Mesmo assim tiveram continuidade, uma vez que existem
dados que documentam a existência de canaviais e sabe-se que o engenho dos Socorridos se manteve em

35. Álvaro Rodrigues de AZEVEDO (“anotações”, in Saudades da Terra, Funchal, 1873) refere a extinção em 1748, o que não é verdade, pois o engenho
dos Socorridos foi alvo de beneficiações em 1755 e continuou laborando por todo o período derradeiro deste século. Cf. João Adriano RIBEIRO, A cana
de açúcar na Madeira séculos XVIII-XIX, Calheta, 1992.

93
funcionamento por todo o século XVIII.
A conjuntura económica de finais do século dezanove trouxe a cultura de regresso à Madeira, como
solução para reabilitar a economia que se encontrava profundamente debilitada com a crise do comércio
e produção do vinho. A situação, que se manteve até à actualidade, não atribuiu ao produto a mesma
pujança económica de outrora nas exportações. A área de cultura de cana sacarina foi-se reduzindo
inexoravelmente a pequenos nichos de socalcos na vertente sul. Todavia, a partir de meados do século
XIX a mesma foi paulatinamente conquistando terreno a Norte e a Sul.
A evolução dos canaviais, com maior incidência na vertente meridional, área tradicional de cultivo,
significa um maior volume de produção que empurra o aumento do número de engenhos. Foi no período
de 1910 a 1930 que se atingiu os valores mais elevados, que aproximaram a ilha dos tempos áureos do
século XV, apenas em termos de produção e nunca de riqueza. A partir daqui sucederam-se medidas
limitativas da expansão da área dos canaviais36, que conduziram inevitavelmente à desvalorização na
economia rural e que em certa medida favoreceram a expansão da banana, cultura, predominantemente
da vertente sul, deixando a agricultura do norte num estado de total abandono, o que abriu as portas a
uma desenfreada emigração.
A freguesia de S. Martinho foi dentro do concelho do Funchal uma das áreas mais destacadas para
o cultivo dos canaviais, provam-no a existência de elevado número de engenhos. Para o período de 1856
a 189 estão referenciados, como vimos, nove engenhos no Pico do Funcho, Pico da Cruz, Quebradas,
Lombada, Estrada Monumental e Salto do Cavalo. Se a presença de engenho significa a concentração de
canaviais então poderemos afirmar que o pico do Funcho era o mais importante. A Ajuda era considerada
uma das melhores zonas de produção de cana do Funchal. Deste modo em 1917 José Fernandes de
Azevedo, que havia comprado um engenho no Salto do Cavalo, tinha intenção de o transferir para aí.
A par disso a casa Hinton, proprietária do engenho de Pedro Pires ao Salto do Cavalo, pretendia em
1917 reactiva-lo com máquinas de um outro de S. Lázaro. Também o banqueiro Henrique Figueira tinha
intenção de montar um engenho no Salto de Cavalo.
O interesse demonstrado por estes industriais é revelador, sem dúvida, da importância que a cultura
vinha assumindo na freguesia.

36. As evidências destas medidas estão na área de cultivo: em 1939 a cana ocupa 6500 ha, enquanto em 1952 era de menos de um quarto, isto é 1420 ha.

94
Vinhas em balseiras,
gravura século XIX

95
96
VINHOS

O vinho é uma presença indelével no devir histórico da cristandade Ocidental. Acompanhou os


primeiros cristãos nas catacumbas e expandiu-se na Europa monástica e seguiu-a na expansão nos mares.
A dupla presença no acto litúrgico e alimentação traçou-lhe o caminho e protagonismo. As ilhas atlânticas
são exemplo disso. Os europeus fizeram chegar as cepas a todo o lado mesmo àqueles onde a cultura teria
dificuldades em se adaptar, como foi o caso de Cabo Verde. Apenas na Madeira, Açores e Canárias a fama
do produto se igualou à dimensão comercial que assumiu, pautando o movimento com os mercados
europeu e americano. Aliás, a concorrência entre os vinhos foi feroz. Primeiro foi a disputa pelo mercado
inglês e, depois, no século XVIII, pelo norte-americano, onde a Madeira teve uma posição de destaque
mercê do favorecimento dos tratados e leis de navegação da coroa britânica. Nalgumas ilhas dos Açores
as condições do solo e clima retiraram-lhe importância, exceptuando-se o caso do Pico e Graciosa onde o
vinho se igualou ao da Madeira e Canárias.
Em qualquer dos casos o mercado do vinho insular desenvolveu-se pela solicitação do mundo
colonial. Os vinhos da Madeira tiveram desde o século XV presença assídua na mesa da aristocracia
europeia. O mesmo se poderá dizer do Verdelho do Pico que foi corrente nos palácios dos czares da
Rússia. Para os norte-americanos as ilhas atlânticas são identificadas pelo vinho. Desde o século XVIII
que são nomeadas na documentação e historiografia como as ilhas do vinho38. O epíteto demonstra o
papel que o vinho lhes atribuiu no mercado americano. Em alguns dos registos alfandegários norte-
americanos do século XVIII o vinho da Madeira surge juntamente com o dos Açores39, tornando-se difícil
quantificar a verdadeira origem.
38. GUIMERÁ RAVINA, Agustin, “Las Islas del Vino (Madeira, Azores y Canarias) y la America Inglesa Durante el Siglo XVIII”, in Colóquio
Internacional de História da Madeira, Funchal, 1989, pp.900-934.
39. A. D. Francis, The Wine Trade, Edinburg, 1973, p.216; Ch. M.Andrews, The Colonial Period of American History, H. Haven, 1964, p.112

97
O vinho Madeira foi, sem dúvida, o que mais se evidenciou no universo das ilhas. O
luzidio rubinéctar que continua a encher os cálices de cristal é, não só, a materialização da
pujança económica presente, mas também, o testemunho de um passado histórico de
riqueza. Prende-o à ilha uma tradição de mais de cinco séculos. Nele reflectem-se as épocas
de progresso e de crise. No esquecimento de todos fica, quase sempre, a parte amarga da
labuta diária do colono no campo e adegas, o árduo trabalho das vindimas, o alarido dos
borracheiros. Hoje, para recriar a ambiência, torna-se necessário olhar os restos materiais
e documentos, donde é possível desbobinar o filme do quotidiano de luta que se esconde
por entre a ferrugem, a traça e o pó.
O Vinho Madeira, celebrado por poetas e apreciado por monarcas, príncipes,
militares, exploradores e expedicionários, perdeu paulatinamente nos últimos cem anos
parte significativa do mercado, fruto da conjuntura criada, nos finais do séc. XVIII e
princípios do séc. XIX. A grande procura obrigou a utilizar todo o vinho e a acelerar o
processo de envelhecimento. Tudo isto se passou até que sucedeu o fastio em 1814. As
doenças acabaram com as cepas de boa qualidade, fazendo-as substituir pelo produtor
directo que se manteve lado a lado com as europeias numa promiscuidade pouco adequada
à manutenção da qualidade. O passado recente anunciou o retorno das castas tradicionais
e abriu as portas a novos momentos de riqueza.
A presença da vinha na Madeira, associada aos primeiros colonos, era uma
inevitabilidade do mundo cristão. O ritual religioso fez do pão e do vinho os elementos
substanciais da prática e a tradição elevou-os a símbolos da essência da vida humana e de
Cristo. O vinho e o pão avançaram com a Cristandade e revolucionaram os hábitos
alimentares. A partir do séc. VII comer pão e beber vinho ficaram como símbolos no
mundo cristão do sustento humano.
Em meados do século XV, com o arranque do processo de ocupação e de
Uvas da casta terrantez
aproveitamento da ilha, é dada como certa a introdução de videiras do reino e, mais tarde,
das célebres cepas do Mediterrâneo. João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e
Bartolomeu Perestrello, que receberam o domínio das capitanias do arquipélago sob a
direcção do monarca e do Infante D. Henrique, procederam ao desbravamento e cultivo,

98
lançando ao solo as diversas culturas trazidas do reino.
O Vinho Madeira adquiriu, desde tempos recuados, fama no mundo colonial,
tornando-se a bebida preferida do militar e aventureiro na América ou Ásia. Escolhido pela
aristocracia manteve-se com lugar cativo no mercado londrino, europeu e colonial. Perante
isto o ilhéu desde o último quartel do século XVI fez mudar os canaviais por vinhedos, que
vai substituindo todas as terras cultivadas, devorando a floresta a Sul e a Norte. O
madeirense embalado pela excessiva procura do vinho esqueceu-se de assegurar a auto
subsistência. O vinho era a única fonte de rendimento e a moeda de troca para o alimento,
indumentária e manufacturas. Estamos perante uma troca desigual para o madeirense e
muito rentável para o inglês.
Já no séc. XV o vinho era um produto competitivo do trigo e açúcar, com peso na
economia local e assumindo-se como um meio de troca no mercado externo. Os trigais e
canaviais deram lugar às latadas e balseiras e a vinha tornou-se na cultura quase exclusiva
do madeirense. Tudo isto projectou o vinho para o primeiro lugar na actividade económica
da ilha, mantendo-se por mais de três séculos. O ilhéu, desde o último quartel do séc. XVI,
apostou na cultura da vinha, tirando dela o necessário para o sustento diário e manter uma
vida de luxo, construção de sumptuosos palácios, igrejas e conventos.
O maior investimento do viticultor/colono estava no arranjo das terras, no plantio,
enxertia e cuidados a ter com a vinha. Para S. Martinho temos a seguinte informação:

CUSTO DAS VIDEIRAS.1692-1782

DATA VINHA VALOR UNITÁRIO TOTAL


1739 15.400 7.700
1739 9.620 51.100
Uvas da casta Vrdelho
1744 26700 parreiras 119.250
1745 21320 parreiras 70.800
1748 43.600 172.000
FONTE: ARM, Capelas-inventário, maços:1 a 42

99
A extensão de vinhedos pode ser deduzida a partir do número de milheiros de parreiras dadas a
inventário. Em 1748 Antónia de Freitas, casada com João Rodrigues, tinha em S. Martinho terras de
benfeitorias do capitão Francisco da Cunha com 43.600 parreiras, um dos maiores investimentos de um
colono.
O colono era ainda onerado com a obrigação de um outro conjunto de benfeitorias, imprescindíveis
à laboração da faina vitivinícola. A construção de paredes, o plantio das videiras, o erguer latadas e
construir lagares estão incluídas no conjunto de obrigações que constituíam o primeiro investimento do
colono. A despesa em latada é reduzida, o que deverá ser prova do uso da vinha de pé. O valor mais
elevado resultava do trabalho de preparação do terreno para o plantio dos bacelos com a construção de
paredes. Temos alguns dados para a frguesia de S. Martinho:

INVESTIMENTOS DOS COLONOS NAS VINHAS.1692-1782

Data Colono/ proprietário Vinhas Latadas Lagar Paredes TOTAL


1730 José Gomes Jardim 75.000 3.500 61.600 14.100
1739 Mariana de Freitas 51.100 7.000 5.000 116.000 179.100
1744 António Figueira 119.250 3.000 40.000 35.650 197.900
1745 Maria Gomes 30.000 12.000 6.500 74.500 123.000
1747 Martinho de Freitas 15.000 5.000 20.000
1748 Antónia Freitas 172.000 10.000 9.000 166.000 357.000
FONTE: ARM, Capelas-inventário, maços: 1 a 42

Os dados quantitativos do subsídio literário evidenciam a evolução do volume do produto


arrecadado e a relação directa com o volume de produção. A partir de 1805 nota-se a assiduidade na
marcação dos dados das colectas, facto que deve resultar do facto de as colectas passarem a ser feitas por
meio de contratos de arrendamento feitos em hasta pública. Em S. Martinho temos dados sobre o subsídio
literário apenas para os anos de 1829, 1831 e 1834.

100
LOCALIDADE 1829 1831 1834
São Martinho 72147 74178 113134

A Madeira viveu, entre o século XVII e princípios do XIX, embalada na opulência do


comércio do vinho. Com tão avultados proventos, o madeirense deixou-se vencer pelo luxo
exuberante do meio aristocrático, habituou-se à vida cortesã e copiou os hábitos ingleses.
Contra a política exclusiva imposta pelo mercantilismo inglês manifestaram-se, quer o
Governador e Capitão General J. A. Sá Pereira, com um “regimento de agricultura” para o Porto
Santo, quer o Corregedor e Desembargador António Rodrigues Veloso nas instruções que deixou
em 1782 na Câmara da Calheta. Mas foi tudo em vão, ninguém foi capaz de travar a “febre
vitícola”, nem de convencer o viticultor a diversificar as culturas da terra. Vivia-se um momento
de grande procura do vinho no mercado internacional e as colheitas eram insuficientes para
satisfazer a incessante procura. Perante tão desusada solicitação e à falta de melhor socorriam-se
dos vinhos do norte da ilha e mesmo dos Açores e Canárias para saciar o sedento colonialista.
A rota do vinho começou a ser traçada no século XV, partindo da Europa ao encontro do
colonialista na Ásia ou América. O comerciante inglês, que surgiu a partir do séc. XVII, soube
tirar partido do produto fazendo-o chegar em quantidades volumosas às mãos dos compatriotas
que o aguardavam nos quatro cantos do mundo. Vários factores fizeram com que o inglês se
instalasse na ilha e se afirmasse como um potencial negociante do vinho. Para tanto contribuíram
as condições favoráveis exaradas nos tratados luso-britânicos e o favorecimento que as
regulamentações britânicas do comércio colonial atribuíam à Madeira.
O movimento de exportação do vinho da Madeira nos sécs. XVIII e XIX liga-se de modo Uvas da casta Malvazia
directo com o traçado das rotas marítimas coloniais inglesas que tinham passagem obrigatória na
ilha. São as rotas da Inglaterra colonial que faziam do Funchal porto de refresco e de carga para
o vinho no percurso para as Índias Ocidentais e Orientais, donde os navios regressavam, pelos
Açores, com o recheio colonial. Também os navios portugueses da rota das Índias, ou do Brasil
escalavam a ilha onde recebiam o vinho que conduziam às praças lusas. São ainda os navios
ingleses que se dirigiam à Madeira com manufacturas e retornavam por Gibraltar, Lisboa, ou
Porto. E, finalmente, os navios norte-americanos que traziam as farinhas para sustento diário do

101
madeirense e regressavam carregados de vinho. Por tudo isto o vinho madeirense conquistou o mercado
britânico em África, Ásia e América afirmando-se até meados do séc. XIX como a bebida dos
funcionários e militares das colónias. Com o movimento independentista das colónias todos regressaram
à terra de origem trazendo na bagagem o vinho.
O momento de apogeu da exportação do vinho Madeira situa-se entre finais do séc. XVIII e
princípios do séc. XIX, altura em que a saída atingiu a média de 20.000 pipas. Mais de 2/3 do vinho
exportado destinava-se ao mercado americano, com destaque para as Antilhas e as plantações do Sul da
América do Norte e N. York. A primeira metade do séc. XIX foi pautada por uma alteração no mercado
consumidor do vinho da Madeira. Era o período de afirmação dum novo destino capaz de suprir a perda
do mercado colonial. A Inglaterra e a Rússia tomaram o lugar a partir de 1831. Devemos associar a
concorrência do vinho de França, Espanha e Cabo. O fim das guerras europeias, em princípios do séc.
XIX, abriu as comportas do vinho europeu os mercados asiático e americano. A saída do colonialista foi
considerada uma perda irreparável para o vinho Madeira.
Os tratados luso-britânicos asseguraram a hegemonia da feitoria britânica no comércio do vinho da
Madeira. A ocupação inglesa da ilha nos primeiros anos do século XIX não foi ocasional. Da defesa dos
interesses da feitoria passou-se ao reforço da acção, consignada no tratado de 1810, por isso os ingleses surgem
nos anos imediatos com uma posição cimeira nas exportações, controlando mais de 50% do vinho exportado.
A crise oitocentista provocou a debandada geral do mercado inglês ou americano e só ficaram
aqueles com interesses noutros sectores. Como corolário disso tivemos o desaparecimento das sociedades
familiares e o aparecimento de associações, como a Madeira Wine Association (1925) que absorveu, nos
anos imediatos, mais de trinta casas. Na actualidade o comércio do vinho é assegurado por novas
empresas, criadas no rescaldo da crise do comércio do vinho, sendo três (Henriques & Henriques Lda., H.
M. Borges Sucessores Lda., Vinhos Justino Henriques Lda.) o elo de continuidade com o passado. As
demais (Madeira Wine Company, Vinhos Barbeito Madeira Lda., Pereira d’Oliveira Vinhos Lda., Artur
Barros & Sousa Lda. foram criadas a partir dos escombros de vetustas casas ou adegas particulares.
No quadro empresarial a freguesia assume um significado especial pelo facto de alguns empresários
britânicos terem aí assentado morada, os serrados de vinhas ou a sede dos armazéns. No séc. XIX, a firma
Cossart Gordon & Cª Ldª tinha aí um serrado de vinhas. Hoje é a firma Barbeitos (Madeira) Ldª com os
armazéns na Estrada Monumental e Barreiros.

102
Uvas da casta Boal Uvas da casta bastardo

103
104
VINHOS BARBEITO (MADEIRA) Lda.

Mário Barbeito de Vasconcelos começou a exportar vinhos em 1946 mas só passados dois anos
estabeleceu a firma nas instalações de um antigo engenho de aguardente. Uma das apostas da casa está no
mercado japonês para onde exporta vinho desde 1965, aliado a Kinoshita Shoji. O vinho é uma referência
no mercado nipónico, sendo facilmente identificado pelas garrafas de formato cantil forradas a vime. Na
Loja de vendas no Funchal associa-se um museu e biblioteca evocativos do navegador Cristóvão Colombo.
Tal como não se cansam de referir os promotores, o vinho da Madeira não é só um negócio - é uma
tradição de família e um modo de vida. Por isso, são os netos de Mário B. de Vasconcelos, falecido em
1985, que persistem na teimosia.
Hoje, passados mais de quinhentos anos sobre a introdução da vinha na Madeira, estão ainda

105
presentes na memória os tempos áureos de apreciação e comércio do vinho. A imagem passou rapidamente
à História. À euforia da procura sucedeu a crise dos mercados, agravada pela presença das doenças que
atacaram a vinha (oídio e filoxera). A crise do sector produtivo, resultado de factores botânicos alastrou a
todo o espaço vitícola apresentando efeitos semelhantes na economia e mercado do vinho. Perdeu-se a
ligação ancestral com as tradicionais castas europeias mas, em contrapartida, conquistaram-se novas
variedades americanas. As dificuldades conduziram à debandada dos agentes comerciais que traçaram o
mercado. A Madeira conseguiu paulatinamente recuperar ou conquistar novos mercados.
S. Martinho foi ao longo dos tempos uma zona privilegiada para a produção de vinhos de
qualidade. Os estrangeiros, nomeadamente os ingleses mais atentos ao vinho, delimitavam as melhores
áreas de vinha. Em 1851 Edward V. Harcourt refere que os vinhos de S. Martinho estavam entre os
Estufa de Sol,
Vinhos Barbeito Lda, Barreiros
melhores produzidos na ilha. Idêntica opinião tem Henry Vizetelly (1884) que diz produzir-se em S.
Martinho um vinho de elevada categoria. A par disso deveremos assinalar alguns vinhos que ficaram
famosos. Henri Vizetelly(1873) destaca os soleras de 1843 e 1842. A. J. Biddle(1900)refere o São Martinho
Solera de 1842, que entre as muitas características apresentava um bouquet fino. Devemos ainda anotar
o São Martinho 1870, o São Martinho verdelho, São Martinho 1869-1870, e São Martinho 1873-1874.
Todos estes vinhos eram cobiçados por especialistas e apreciadores do Madeira.
A bananeira é conhecida na ilha desde o século XVII mas foi só no século XX que adquiriu
dimensão económica na ilha. S. Martinho por dispor de uma importante frente mar adequada a
agricultura, foi uma das principais áreas de cultivo, salientando-se o Gorgulho, Barreiros, Praia Formosa
e Ribeira dos Socorridos. A última era considerada por Vieira Natividade como a “formosíssima
plantação”40. Hoje assumem papel de destaque a Ajuda, Santa Rita e a Ribeira dos Socorridos. A
importância que assumiu a cultura da banana na freguesia está provada através da presença de um grupo
significativo de exportadores em meados do século XX, maioritariamente do sítio da Vitória: Álvaro
Fernandes, Arnaldo & Fernandes Ldª, João Fernandes, João Soares, João de Sousa Henriques, José
Correia, José Fernandes Inácio, José Fernandes & Irmãos, José Fernandes Júnior e Soares Gaspar & Co.
Hoje a situação é distinta estando os produtores concentrados em cooperativas, tendo a Cooperativa
Agrícola dos Produtores de Frutas da Madeira, sede na freguesia.

40. ARM, Capelas, cx. 36, n1 968.

106
Sistema de
engarrafamento
do vinho para o Japão,
Vinhos Barbeito Lda

107
Mulheres fiando,
gravura do século XIX

108
AS INDÚSTRIAS E ARTESANATO.

A valorização económica da ilha só foi possível com a definição de uma ajustada estrutura sócio-
profissional capaz de satisfazer as necessidades fundamentais da sociedade e gerir a riqueza que
alimentava o comércio externo. Diversas actividades, de carácter artesanal, completam o processo
económico madeirense, atribuindo uma mais-valia à ilha e aos que nele participavam. Muitas surgiram
por necessidade dos próprios, mas outras tiveram como destino o mercado externo. É de salientar a obra
de vimes e o bordado. Ambas surgiram como uma forma de gerar riqueza e um complemento importante
ao trabalho rural.
O desenvolvimento destas actividades na década de quarenta do século XIX era ainda incipiente.
A exposição realizada em 1849 pelo governador civil José Silvestre Ribeiro documenta este estádio e pode
ser considerada como o principal impulso. Sabemos qual o ponto da situação das actividades artesanais
em 1847. A grande incidência estava ainda nas actividades transformadoras de apoio aos sectores
económicos dominantes e das que iam ao encontro das necessidades básicas quotidianas.
O vinho dominava as exportações e os tanoeiros eram um grupo fundamental no recinto urbano.
Das aduelas importadas dos Estados Unidos fazem as pipas que conduzem o vinho ao seu destino. Já a
outro nível é notória a presença dos sapateiros e carpinteiros. A preocupação de José Silvestre Ribeiro pela

109
animação industrial da cidade não foi notória. Mantiveram-se os ofícios tradicionais, isto é, sapateiros,
carpinteiros e marceneiros. A crise do vinho retirou importância à maioria dos tanoeiros. Na área dos
serviços destacam-se os barqueiros e os boeiros, o que poderá ser indício da maior circulação de gentes e
produtos. Não deverá esquecer-se a presença do forasteiro, seja doente da tísica ou cientista. O turismo
veio propiciar um conjunto de ofícios.
De acordo com o inventário de 1862 a freguesia apresentava um quadro variado de ofícios
eminentemente ligados ao trabalho da terra e às necessidades do quotidiano das gentes.

Ofício Número
Bordadeiras 160
cabouqueiros 18
Calceteiros 3
Canteiros 5
Carpinteiros 8
Costureiras 15
Ferreiros 1
Lavradores 350
Marceneiros 1
Moleiros 17
Parteiras 1
Pedreiros 12
Sapateiros 9
Serradores 2
serralheiros 1
Surradores 3
Tecedeiras 28
Trabalhadores 4
Bordadeira. É conhecida ainda a tradição de fabrico de artefactos de
Aguarela de
Max Rommer.
giesta(Genista vergata Ait.), nomeadamente cestos.

110
BORDADO

Outras actividades permitiram a revitalização da economia da ilha na


segunda metade do séc. XIX. O bordado madeirense não é uma invenção
britânica, mas sim fruto de uma tradição portuguesa trazida para a ilha pelos
primeiros colonos e que persistiu em muitas famílias como forma de
valorização do fato. Acabou por adquirir a partir de meados do século XIX
uma função fundamental na economia da ilha e um suplemento familiar. A
ligação do inglês surge a partir de 1854 com Miss Phelps que definiu os
mecanismos adequados para a comercialização em Inglaterra.
A primeira promoção do bordado e outras actividades artesanais
aconteceu em 1850 numa exposição industrial feita no Funchal por iniciativa
do Governador Civil, José Silvestre Ribeiro, repetindo-se depois na Exposição
Universal de Londres. Este lançamento foi importante para que o produto
Bordadeiras. Postal antigo
rapidamente entra-se no mercado pela mão dos próprios ingleses. Os

111
bordados da Madeira rapidamente se transformaram numa moda das famílias inglesas.
A segunda metade do século dezanove foi o momento de rápida afirmação do bordado. Os dados
estatísticos assim o confirmam. Em 1862 temos 1029 bordadeiras cujas toalhas bordadas renderam nas
exportações cerca de sete contos. Aos poucos começam a surgir novos mercados. Em 1863 exportava-se
já para os Estados Unidos, enquanto na década de oitenta abriu-se o mercado alemão. Este rapidamente
adquiriu uma posição dominante. Tudo isto foi resultado das regalias aduaneiras na ilha e em Hamburgo,
o principal porto de destino. Estes valores continuaram a subir sendo em 1906 trinta mil as bordadeiras e
dois mil profissionais nas oito casas que contribuíam com 242.342$180 réis. Já em 1912 temos 34.500
bordadeiras. O novo século XX inicia-se com uma diversificação dos mercados e alteração da matéria-
prima. O algodão e a cambraia cederam lugar ao linho cru e a linha dominante passou a ser a castanha.
Aos tradicionais mercados juntam-se o Brasil os EUA, Canadá, França e África do Sul.
Os alemães mantiveram até 1914 uma posição dominante neste comércio, onde vinham
conquistando terreno desde 1880. Esta situação conduziu ao aumento do número de casas dedicadas ao
comércio do bordado. Os alemães perdem importância em favor dos sírios. Na década de cinquenta a
crise do cruzeiro levou à perda do mercado brasileiro, mas a tradição do bordado manteve-se em algumas
cidades brasileiras por mãos de madeirenses que para aí emigraram. O Brasil cedeu lugar à Venezuela e
à Itália. Os EUA continuaram a ser um dos mais destacados mercados.
A crise da década de oitenta levou ao encerramento da maior parte das casas de bordados e este
deixou de assumir o papel que tinha na economia familiar e da ilha. Mesmo assim ainda persiste mais
como memória emblemática e identificadora da ilha mais por força do turismo dos chamados souvenirs.
Em S. Martinho, a exemplo das demais freguesias da periferia do Funchal o bordado foi por muito
tempo uma actividade importante para as mulheres. Era daí que se conseguia uma parte significativa do
rendimento da casa. De acordo com informação de 1862 tínhamos na freguesia 160 bordadeiras que
auferiam um salário de 50 réis.

Pormenor de peça bordada.


Documentos da Firma de
Kassab Brothers,
que viveu na Ajuda.

112
113
114
O TURISMO

A partir da segunda metade do século dezoito a revelação da Madeira como estância para o turismo
terapêutico, mercê das qualidades profiláticas do clima na cura da tuberculose, cativou a atenção de novos
forasteiros. A tísica propiciou, ao longo do século dezanove, o convívio com poetas, escritores, políticos e
aristocratas. Não obstante, a polémica causada em torno das possibilidades de cura a ilha permaneceu por
muito tempo como local de acolhimento dos doentes e considerada a primeira e principal estância de cura
e convalescença do velho continente. O turismo na Madeira começou como uma forma de busca da cura
para a tísica pulmonar. Este movimento contribuiu paulatinamente para que industria turística se
transformasse rapidamente numa realidade, com grande peso na economia madeirense.
A presença, cada vez mais assídua, de doentes provocou a necessidade de criação de infra-estruturas
de apoio: sanatórios, hospedagens e agentes, que serviam de intermediários entre forasteiros e
proprietários de acolhimento. O último é o prelúdio do actual agente de viagens. O turismo, tal como hoje
se entende, dava os primeiros passos. Como corolário disso estabeleceram-se as primeiras infra-estruturas
hoteleiras e o turismo passou a ser uma actividade organizada com uma função relevante na economia da
ilha. E, mais uma vez, o inglês é o protagonista. Tenha-se em conta que este momento de forte afluência
de estrangeiros coincide com a época de plena afirmação da Ciência nas Academias e Universidades

115
europeias. Desde finais do século XVII as expedições científicas tornaram-se comuns e o Funchal foi um
porto fundamental de escala, para ingleses, franceses e alemãs. A função do Funchal, como porto de escala
das navegações oceânicas e de estância de turismo terapêutico, contribuiu para afirmar o papel da ilha no
espaço atlântico e justifica a existência os inúmeros estudos científicos ou de viagem que se dedicam ou
fazem referência à Madeira.
O turismo caminhou lado a lado com o vinho e o aparecimento de novas actividades. A vinha
persistiu nas latadas e fez-se companheira de vimeiros, bordados e bordadeiras. A harmonia marchava a
favor da ilha e tornava possível a existência de várias formas de actividade que garantiam a sobrevivência.
Na década de quarenta define-se o “comércio, a navegação o turismo, os grandes propulsores do
desenvolvimento insular”. As actividades em torno da obra de vimes e bordados tiveram nos estrangeiros,
principalmente ingleses os principais promotores. A primeira metade do século XX foi marcada por
profundas mudanças na economia madeirense. É para todos aqueles que a viveram um momento a
esquecer. Primeiro os conflitos mundiais (1914-19 e 1939-45) e depois os problemas políticos e económicos
marcaram uma fase negra na vida do madeirense. A guerra evidenciou a fragilidade da economia e
evidenciou a extrema dependência ao mercado externo.
A maioria dos visitantes, como é óbvio, pertence à aristocracia endinheirado. Bulhão Pato diz-nos
que de entre os numerosos visitantes da década de cinquenta do século XIX muitos são da aristocracia de
dinheiro e de sangue. Um breve olhar pelos registos e testemunhos corrobora esta evidência. A família dos
Habsburgos e Austrias era frequente na ilha. A lista de aristocratas, príncipes, princesas e monarcas parece
ser infinda, mas entre todos fica o registo da imperatriz Isabel, mais conhecida por Sissi, do imperador
Carlos da Áustria. Assídua foi a presença da imperatriz do México, que legou um registo apaixonado em
Um Hiver à Madère (1859-1860).
Ontem como hoje a realização de uma viagem depende também da disponibilidade de infra-
estruturas de apoio. Hoje fala-se em hotéis e restaurantes, ontem, eram as estalagens, os albergues e as
tabernas. A palavra hotel, deriva do francês hotel, mas com um significado diferente do que aquele que
assumiu na actualidade. Na Idade Média existiam os Hospitalis, casas para recolha dos peregrinos e
doentes. A par disso coexistiam os albergues e hospedarias, que pelo importante serviço que prestavam à
sociedade, mereceram sempre a atenção dos municípios e coroa.
Até ao advento da era industrial, em que o transporte por tracção animal dominava a circulação em

116
Reid’s Hotel

117
terra, a albergaria ou estalagem, regra geral asseguravam ao viajante apenas cama para dormir, o
necessário aprovisionamento de forragem para os animais e algum alimento. A par disso os viandantes
poderiam contar com o acolhimento das igrejas, ordens religiosas e casas particulares. Ao longo dos
caminhos de peregrinação, como o S. Tiago de Compostela, amontoavam-se estas infra-estruturas,
sempre abertas para receber os peregrinos, propiciando-lhe o necessário descanso e alimento.
Por todo o século XVIII e primeira metade do seguinte, a frequência assídua de tísicos à procura de
cura e os demais que por aí passavam, encontravam fácil acolhimento nas casas particulares. O aumento
do tráfego conduziu ao aparecimento dos primeiros hotéis. William Reid, que se havia fixado na ilha, em
1844, foi, conjuntamente com W. Wilkinson, primeiro, com intermediário entre os proprietários de casas
ou quintas e os forasteiros. Mais tarde, assumem-se como os primeiros proprietários das iniciais unidades
hoteleiras. A família Reid’s começa com The Royal Edimburgh Hotel, mas em 1850 era já detentora de
três hotéis - Santa Clara, Carmo Hotel, Reid’s New Hotels. Os filhos de W. Reid, Alfred e William, deram
continuidade à obra do pai, tendo mesmo, em 1891, escrito um guia para a Madeira. É de salientar que
o Reids Hotel é na actualidade a mais antiga unidade hoteleira madeirense e de todo o espaço atlântico,
sendo por isso mesmo um marco emblemático do nosso turismo. A par disso o facto de ali se terem alojado
personalidades ilustres, como W. Churchill, B. Shaw, G. Marconi, entre outros, leva-nos a concluir que
foi e continuará a ser umas principais salas de visita e acolhimento do arquipélago, uma referência do
turismo madeirense.
A Madeira firmou-se, partir da segunda metade do século dezoito, como estância para o turismo
terapêutico. A ilha foi considerada por alguns como a primeira e principal estância de cura e
convalescença da Europa. No período de 1834 a 1852 a média anual de Invalid’s oscilava entre os 300 e
400, na maioria ingleses. Em 1859 construiu-se o primeiro sanatório.
Certamente que a hospitalidade, que não era apenas apanágio dos ingleses, radica as origens no
medieval direito de aposentadoria. O rei, os senhores e comitiva, nas deslocações usufruíam da oferta da
estância e alimentação concedida pelos moradores do lugar. A exigência deixou de ser força de lei mas a
tradição imortalizou-a como uma forma de bem receber. A partir do século XV só deveria ser assegurada
aos oficiais régios ou municipais, que se deslocaram em serviço. Foi na mística hospitalidade que as infra-
estruturas hoteleiras deram os primeiros passos. O aparecimento assíduo de grupos esgotava a capacidade
de acolhimento e tornava necessária a criação de espaços de acolhimento adequados à qualidade dos

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viandantes. A estalagem e albergue deram lugar aos primeiros hotéis.
A actual fase do turismo madeirense começou a dar os primeiros passos no período post Segunda
Guerra Mundial. A guerra fez parar o movimento de turistas obrigando os hotéis a encerrar as portas. O
anúncio do fim da guerra foi o prenúncio da nova era para o turismo madeirense. Em 1952 Ramon
Honorato Rodrigues chamava a atenção para a promissora indústria, uma vez que está a “desenvolver-se
em todo o mundo o hábito ou o prazer de viajar.” Na época a capacidade hoteleira da ilha resumia-se a
453 quartos e o número de turistas era de 9131, sendo 142.135 os que transitavam pelo porto do Funchal.
O turismo madeirense foi marcado pela afirmação da época invernal. Finalmente, nos anos oitenta
a aposta da Secretaria Regional do Turismo numa animação capaz de realçar alguns dos aspectos que
faziam os cartazes da ilha conduziu a que o turismo perdesse finalmente o carácter sazonal para se
consolidar com a principal actividade económica.
Na década de sessenta o turismo foi o pólo central e único do desenvolvimento da Madeira. Isto
contribuiu para o rápido salto no número de camas. Em 1967 tínhamos apenas 2295 camas que subiram
para 3832 em 1971, como resultado da construção de novos hotéis como o Madeira Palácio, então
chamado de Madeira Hilton (1969-1971). O salto mais significativo foi a partir de 1973, altura em que se
atingiu as 8248 camas. Foi no seguimento desta situação que tivemos a construção de diversos hotéis na
área litoral de S. Martinho. Ao nível dos hotéis Apartamentos tivemos o Lido-Sol (1970),
Buganvília(19971). Mimosa(1972) e os Hotéis Gisassol(1973), Duas Torres(1972), Vila Ramos(1972),
Esmeralda.
A importância do turismo na economia da ilha conduziu a mudanças ao nível institucional e ao
maior interesse e empenho das autoridades. O turismo era definitivamente a principal aposta do
arquipélago e o motor do desenvolvimento económico.
O mais antigo hotel da ilha e do espaço atlântico situa-se nesta freguesia. O Hotel Reid, Hoje Reid’s
Palace Hotel, é uma referência da hotelaria. No pico da Cruz existiu o Hotel Quisisana, que por ser
propriedade de uma empresa alemã acabou encerrado com a II Guerra Mundial.
Hoje a orla marítima da freguesia de S. Martinho pode muito bem ser considerada a zona hoteleira
por excelência. Assim, para além dos diversos complexos balneares que nos últimos anos se juntaram ao
tradicional Lido, temos o surgimento de diversas unidades hoteleiras, que vieram se juntar aos antigos
Hotel Reid’s(1891). Das unidades hoteleiras surgidas a partir da década de setenta temos uma forte

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Apartamentos Turísticos Paraíso Hotel Tivoli Ocean Park

Hotel Girassol

Escola de Hotelaria Hotel Crowne Plaza

Hotel Gorgulho Hotel Navio Azul Hotel Porto Mare


Hotel Pestana Village Hotel Éden Mar

Hotel Pestana Palms

Hotel Pestana Grand Hotel Monumental Lido

Hotel Regency Palace Hotel Pestana Miramar Hotel Pestana Atlantic Gardens
Apartamentos Turísticos Paraíso Hotel Alto Lido

Hotel Ajuda Star

Hotel da Ajuda Hotel Estrelícia

Hotel Buganvílea Hotel Jardins da Ajuda Hotel Madeira Palácio


Hotel Vila Ramos Hotel Panorâmico

Hotel do Mar

Hotel Musa da Ajuda Hotel Quinta do Sol

Hotel Orca Praia Pestana Atlantic Bay Hotel Florasol


Rede de Hotéis Dorisol

Hotel Raga Hotel Sofia

Village House

Hotel Mimosa Residencial Monumental Hotel Duas Torres


concentração entre o Ribeiro Seco e a Praia Formosa:

Hotéis: Madeira Palácio(1971), Vila Ramos(1972), Girassol[1973), Quinta do Sol(1975), Estrelícia[1975),


Baía Azul(1989), D’Ajuda(1993), Orca Praia(1993), Cliff Bay(1994), Tivoli Ocean Park(1999),
Crowne Plaza Resort Madeira(2000), Madeira Regency Cliff(2001), Monumental Lido(1991),
Madeira Panorâmico(1997)
Hotéis-apartamentos: Casa Branca(1972), Alto Lido(1984), Belo Sol(1988), Ajuda Star(1994), Pestana
Bay(1995), Apart. Turísticos (1996), Turísticos Terrace Mar(1996), Jardins da Ajuda(1997),
Apartamentos turísticos Vivenda Avista Navios(1998), Pestana Grand(2004), Buganvília(1971),
Duas Torres(1972), Mimosa(1973), Gorgulho(1973), Raga(1975), Florasol(1985), Madeira Beach
Club(1987), Éden Mar(1988), Turísticos Baia(1990), Sofia(1993), Pestana Palms(1993), Vila
Rosa(1995), Musa d’Ajuda(1997), Pestana Village(1997), Victória(1998), Madeira Regency
Palace(1999), Vila Marta(2000), Pestana Miramar(2000), Porto Mare(2000)
Pensões: Vila Vicência(1987), Vila Camacho(1988), Monte Verde(1995), Melba(1993), Monumental(1970)
Moradias turísticas: Casa do Papagaio Verde(2000), Quintinha Dália(2001), Vila Calaça(2001)
Estalagem: Quinta da Casa Branca(1998), Quinta Bela Vista(1989), Quinta Perestrelo(1992).

A par disso devemos assinalar o facto de Escola Profissional de Hotelaria e Turismo ter novas
instalações na freguesia desde o ano 2000. A Escola de Hotelaria Basto Machado doi criada em 1967, mas
a preocupação do Estado começou em 1930 com a comissão de turismo que antecedeu a Delegação de
Turismo da Madeira que começou a funcionar em 5 de Setembro de 1936. A mudança para a actual
situação ocorreu em 1978, com a regionalização do sector, o início do actual boom turístico, que levou à
plena valorização da orla costeira da freguesia com o aparecimento de novas unidades hoteleiras e serviços
de apoio.

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Regimento de Guarnição nº.3

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Laboratório Regional de Engenharia Civil

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Cimentos Madeira
SERVIÇOS E EMPRESAS.

Na freguesia de S. Martinho podemos encontrar uma panóplia variada de serviços e empresas, que
dão vida ao quotidiano da mesma. No âmbito oficial, para além da Escola Profissional de Hotelaria e
Turismo, temos a assinalar o Centro de Abastecimento de Produtos Agrícolas (1989), Centro de
Fruticultura das Quebradas(1987), o Serviço de Protecção Civil, Laboratório Regional de Engenharia
Civil, Laboratório de Controlo de Qualidade de Água, Laboratório de Veterinária. Tudo isto é
consequência lógica do processo autonómico e expressam uma intenção no aprimoramento da qualidade
na prestação dos serviços à população. No âmbito cooperativo assinalam-se as Cooperativas Agrícola do
Funchal e Agrícola de Produtores de Frutas da Madeira.
A antiga Companhia Portuguesa Rádio Marconi (hoje Portugal Telecom) montou no sítio da
Vitória uma Estação Terrena de Satélites, propiciando aos madeirenses, a partir de 16 de Novembro de
1982, as ligações directas de televisão. As instalações, parcialmente desactivadas, são visíveis quando
percorremos a via rápida para a Ribeira Brava.
As Forças Armadas Portuguesas têm também instalações na freguesia, sendo de salientar o
Regimento de Guarnição nº.3, criado a 1 de Outubro de 1993 para substituir os antigos Regimento de
Infantaria do Funchal, antigo BII 19, inaugurado em 30 de Outubro de 1970, e o Grupo de Artilharia de
Guarnição nº.2.

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O RIF (Regimento de Infantaria do Funchal) foi a herança da unidade do Batalhão de Caçadores
nº12, criada no Minho em 1811 que se estendeu ao Funchal em 1864. O regimento extinto em 1899 deu
lugar ao Regimento de Infantaria nº.13, que desde 1939 ficou conhecido como o Batalhão de Infantaria
nº.19, popularmente designado de “o dezanove”. As instalações foram, primeiro em edifícios da cidade, e
só em 1970, com a construção das novas em S. Martinho, passaram a ter sede própria. A partir de 1 de
Janeiro de 1977 passou a ser designado de Regimento de Infantaria do Funchal.
Ainda na freguesia de S. Martinho temos de referir a presença de diversas unidades empresarias nos
sectores da indústria e comércio. De entre as mais importantes destacamos a ILMA, Cabo TV
Madeirense, Cimentos Madeira(1984), Aquimadeira, Recheio, Hiper-Sá e o Fórum Madeira. Na
actualidade um dos mais importantes pólos de animação da freguesia é sem duvida o Fórum Madeira, ILMA
inaugurado a 5 de Abril de 2005. O centro comercial veio valorizar ainda mais este espaço já de si muito
procurado devido à grande concentração de unidades hoteleiras e espaços de lazer.
A ILMA, como sede num edifício construído entre 1963 e 1972, é o que sobra do sector cooperativo
leiteiro da ilha da Madeira, que teve os seus tempos áureos na primeira metade do século XX. A criação
de gado estabulado foi uma actividade importante da economia rural madeirense e prende-se de forma
directa com as culturas existentes. A perda de importância de algumas culturas e a diminuição da área
agrícola conduziu à perda de influência do sector, de forma que a produção actual de leite é quase nula,
vivendo a empresa de matéria-prima importada.
O quadro das empresas e serviços referidos atestam da real importância que assume a freguesia de
São Martinho no pulsar quotidiano da cidade. O facto de o centro da principal urbe ser um espaço
limitado conduziu a que as freguesias limítrofes assumissem um papel fundamental. Esta realidade torna-
se cada vez mais evidente, quando se pensa no reordenamento urbanístico do espaço nobre do concelho
e na necessidade de afastar daí actividades e serviços.

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AS GENTES E O QUOTIDIANO

A História tem sido muito madrasta no reconhecimento do quotidiano como um dado mais do
passado. Raras vezes nos damos conta desta realidade, ficando quase tudo reduzido aos dados
económicos, às datas e personagens mais destacados. Resgatar o quotidiano da freguesia é uma tarefa por
demais arriscada, que mesmo assim não deve ser posta de parte. Para além dos dados mais importantes
que compõem o esqueleto da história da freguesia é necessário ir ao encontro do pulsar diário das gentes,
numa perspectiva histórica, e tentar encontrar alguns elos que prendem ainda o presente.

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Cemitério de S. Martinho

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NASCER, SOBREVIVER E MORRER.

O acto de morrer, por muito que esteja entregue à igreja, passou a contar com a intervenção do
município. A lei que determinou a criação dos cemitérios públicos e acaba com a prática dos
enterramentos no subsolo do adro e igreja é de 1835. Tardou muito tempo até que todas as paróquias
fossem servidas. O Cemitério de São Martinho tornou-se no século XX no principal da cidade, Assim,
como resultado do crescimento da cidade foi necessária a mudança do Cemitério das Angústias para um
novo espaço. O primitivo cemitério foi construído em 1818 para serviço da Misericórdia do Funchal, Cemitério de S. Martinho
passando a partir de 1836 para a alçada camarária, de acordo com a nova lei dos enterramentos. A
transferência para o actual espaço ocorreu em 1939, durante o governo camarário de Fernão Ornelas.
Por outro lado a assistência e saúde foram outra das vertentes que pautou a intervenção da Igreja.
As cidades portuárias ficaram servidas de hospitais, que davam o necessário apoio aos marinheiros e
demais gentes de passagem. A par disso os problemas resultantes da fome, mendicidade e a peste levaram

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à criação de inúmeras instituições de beneficência, por iniciativa de particulares, que depois passaram à
alçada da igreja.
A partir de 1485 com a bula de Inocêncio VIII in iunctum nobis a estrutura assistencial ganha uma
nova forma. De acordo com esse espírito a coroa criou em 1498 o hospital de Lisboa maior que veio a
congregar todos os menores aí existentes. O mesmo espírito foi seguido para todas as vilas do reino, por
autorização papal de 23 de Outubro de 1501, expresso na carta régia de 4 de Maio de 1507. De acordo
com as ordenações régias cabia aos bispos a sua superintendência. É neste contexto que surgem idênticas
instituições nas ilhas. Na Madeira tivemos, primeiro, no Funchal (1507) e, depois, em Machico, Calheta,
Santa Cruz e Porto Santo o hospital da Misericórdia.
Temos notícia da abertura em 1866 de um hospital de Tuberculosos na Casa Branca, que terá sido
usado para a cura de doentes oriundos da Alemanha.
Em S. Martinho o serviço de assistência na saúde começou por ser feito por um médico municipal
só ficou definido ao nível do estado em finais do século XX, com a construção em 1999 do Centro de
Saúde Dr. Rui Adriano Ferreira de Freitas.
As condições sanitárias das habitações e acima de tudo dos aglomerados populacionais. Neste último
caso a época invernosa tornava as ruas num palco de imundice, sendo constante o apelo à limpeza das
regadeiras e ao calcetamento. As melhorias significativas nas condições de vida dos munícipes são apenas
visíveis a partir da década de trinta. A cobertura de palha cede lugar ao barro e adiciona-se nas
proximidades um novo compartimento, que depois passará a fazer parte dos planos da casa. O período,
que decorre entre meados do século dezanove e as primeiras décadas do nosso século, foi marcado por
inúmeras epidemias que alastraram a toda a ilha. Os efeitos destas chegaram a S. Martinho sendo de
salientar que em 1856 com a cólera morbus do total de 2014 mortos do Funchal, 129 eram moradores na
Cemitério. freguesia.
Campas dos Bombeiros

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Cemitério de S. Martinho

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Fontanário Estrada Monumental, Madeira Palácio Fontanário Travessa das Virtudes

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Fontanário Vitória Fontanário Arieiro

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Fontanários da Freguesia
Fontanário
Caminho do Pico do Funcho

Fontanário Fontanário Fontanário


Caminho da Lombada Caminho das Quebradas Junta de Freguesia

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FONTANÁRIOS E ABASTECIMENTO
DE ÁGUA AO DOMICÍLIO

O abastecimento de água é uma realidade de finais do século XIX. Até então o consumo fazia-se a
partir das ribeiras e muitas levadas que circundavam as áreas agrícolas e tinham passagem obrigatória nos
núcleos povoados.
Se o abastecimento público através dos marcos fontanários pode ser considerado uma realidade do
século XIX, o mesmo não sucederá com o domiciliário que data dos anos quarenta do nosso século. Até
então o recurso era os fontanários, as levadas, ou a possibilidade, apenas para alguns, de aproveitamento Fontanário
dos sobejos das águas dos marcos fontanários. Este era apenas um privilégio daqueles que viviam próximo Caminho do Poço Barral
dos fontanários. A construção de lavadouros municipais enquadra-se na política de salubridade do
concelho. Deste modo evitava-se o uso das levadas, que eram logradouro comum no serviço de água.
Em S. Martinho a disponibilidade de água nas levadas conduziu a que tivéssemos poucos
fontanários que aparecem nas localidades de maior concentração populacional. São construídos em
cantaria ou então argamassa revestida de azulejo. O mais importante situa-se nas proximidades do
Cemitério, sendo abastecido com agua das nascente do Poço do Barral. Foi inaugurado em 1840 em
homenagem a D. Pedro, filho de D. Maria II, daí ostentar a lápide com o seguinte: Fonte do Príncipe
Real, com as inscrições Câmara Municipal do Funchal 1840 e Reformada em 1852. Já na Estrada
Monumental temos outro que ostenta a data de 1870.
Hoje podemos ainda encontrar na freguesia os seguintes fontanários: Caminho da Lombada,
Travessa das Virtudes, Caminho das Quebradas, Caminho Poço Barral, Estrada Monumental, Caminho
Pico do Funcho, Junta de Freguesia e Vitória.

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EEM - Central Termoeléctrica da Vitória

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A ILUMINAÇÃO E A ELECTRICIDADE

Foi o desenvolvimento do turismo que obrigou as autoridades a avançarem com medidas de


promoção de melhores condições de vida aos forasteiros que em muito beneficiaram os residentes. No
século dezanove o turismo era uma realidade, mas a ilha parece que não oferecia as melhores garantias a
estes forasteiros. A primeira experiência isolada de iluminação com luz de candeeiros de azeite foi em
1821, mas foi só em 1846 que José Silvestre Ribeiro determinou a iluminação da cidade com lampiões de
azeite.
A luz eléctrica chegou cedo à ilha pelas mãos dos britânicos. De novo a câmara adjudicou em 1881
a iluminação da cidade a gás que acabou por ser anulado e entregue em 1884 ao engenheiro Eduardo
Augusto Kopke, deixando em aberto a possibilidade de uso da energia eléctrica. Mas este plano não foi
por diante e em 1895 estabeleceu-se outro contrato para electrificação da cidade, que teve efeitos práticos
em 1897 com as primeiras lâmpadas a serem acesas a 19 de Junho. A exploração desde este ano foi
transferida para a posse da empresa The Madeira Electric Lighting Company Ltd, que ficou conhecida
como a Casa da Luz. O serviço de iluminação e fornecimento de energia alargou-se rapidamente
atingindo as freguesias suburbanas.

145
As primeiras décadas do século vinte foram de crescimento para a empresa, que em 1909 foi
integrada na General Electric Company Limited, atingindo em 1938 o máximo da sua capacidade de
produção de energia eléctrica. Todavia, a conjuntura de guerra e algumas dificuldades de implantação no
mercado doméstico levou os seus promotores a denunciar a concessão em 1944, um ano antes do
terminus. Perante esta situação a câmara chamou a si esta responsabilidade, criando em 1949 os serviços
municipalizados de Electricidade, que foi de vida efémera, uma vez que a Comissão Administrativa dos
Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, criada em 1943, recebeu em 1952 o encargo de produção,
transporte e distribuição de electricidade em todo o arquipélago, integrando assim os serviços municipais.
Um dos principais encargos foi o alargamento do serviço às freguesias rurais, alcançado em 1962. A
construção de centrais hidroeléctricas foi a estratégia principal da Comissão que surtiu efeito face à
disponibilidade de água e aos problemas decorrentes da crise energética de 1971, o que veio a permitir a
electrificação das freguesias rurais.
Em S. Martinho a luz eléctrica começou a chegar às diversas localidades já em finais do século XIX,
com a electrificação do sítio da Nazaré. Todavia só podemos falar de um plano completo de electrificação
completa da freguesia a partir da década de 50 do século XX com a Comissão dos Aproveitamentos
Hidráulicos da Madeira, concluindo-se o processo já no último quartel do século.

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EEM
Central dos Socorridos

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Escola Básica
do 1º Ciclo da Igreja e
antiga Escola Primária
da Ajuda

Escola Básica
do 1º Ciclo da Ajuda

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AS ESCOLAS E O ENSINO

Até à reforma pombalina o ensino manteve-se sob a alçada da igreja, exercendo aqui a Companhia
de Jesus uma acção relevante. Deste modo onde estavam os jesuítas poderíamos contar com a presença
de escolas organizadas e por um elevado grau de alfabetização de certos grupos. Também isso contribuiu
para a criação de um adequado ambiente cultural, propiciador do aparecimento de importantes vultos
das letras. O colégio dos jesuítas a partir de 1570 permitiu a continuidade dos estudos que haviam dado
os primeiros passos nas escolas de paróquia e também abriram a possibilidade de cursarem nas
universidades do reino e estrangeiras.
A ausência da estrutura universitária na ilha não foi um drama para a cultura madeirense, tão pouco
sinónimo da não prossecução dos estudos universitários para muitos madeirenses, ou da falta de espírito
científico, que pontuou, ontem como hoje, através das tertúlias culturais e científicas. Aliás, muitos
madeirenses singraram na vida universitária do país e estrangeiro e deixaram obra científica renomeada.
As condições de prosperidade de muitas famílias madeirenses nos séculos XVI e XVII fizeram com que
jovens seguissem se formassem em Cânones, Leis, Medicina e Teologia. Por isso podemos dizer, que a
universidade esteve ausente da ilha, mas o espírito universitário foi muito forte no apelo às novas gerações
para a continuação dos estudos no reino ou fora dele.

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Escola Básica do 1º Ciclo das Quebradas Escola Básica do 1º Ciclo do Areeiro

Escola Básica do 1º Ciclo da Nazaré Escola da Nazaré

150
A elevada frequência universitária madeirense e o mérito evidenciado, por alguns, relevam a
importância que assumia na ilha o ensino, através das escolas paroquiais ou episcopais. Situação, aliás,
corroborada pelo número de indivíduos que, no decurso do século dezasseis, receberam ordens sacras. A
criação da Diocese do Funchal (1514), por um lado, e as decisões do concílio de Trento propiciaram este
avanço no ensino.
Em S. Martinho tivemos no passado alguns que cursaram a universidade e se evidenciaram nas
diversas especialidades. De entre os muitos que os anais da História registam podemos salientar o caso de
D. Martinho de Aguiar.
Até 1759, data em que o Marquês de Pombal estabeleceu a extinção dos colégios dos jesuítas e a
expulsão de Portugal, todo o ensino esteve nas suas mãos. É neste momento que se inicia um movimento
de renovação dos estudos, de acordo com o que preconizava o movimento iluminista, que se lançou um
duro golpe na pedagogia jesuítica. “O Verdadeiro Método de Estudar” (1749) de Luís Verney foi o mote
para isso. O Marquês de Pombal para acorrer às despesas das suas reformas pedagógicas lançou em 10 de
Novembro de 1772 um novo imposto - o subsídio literário. Era com o dinheiro deste imposto, lançado
sobre o vinho, que a coroa custeava as despesas com o relançamento da nova rede do ensino. Um dos
factos mais salientes foi a criação em 1760 da Escola de Geometria e Trigonometria, que funcionou nas
dependências do Colégio dos Jesuítas, estando a cargo do sargento-mor Francisco d’Alincourt e o seu
ajudante Faustino Salustiano da Costa. Esta escola funcionou em moldes semelhantes à Academia Militar
de Lisboa. Em 1801 ela foi retomada como aula de Geometria para os militares. Ainda ao nível do ensino
primário a reforma pombalina permitiu a criação de escolas nas sedes dos concelhos.
A revolução liberal propiciou nova aposta no ensino público como forma de regeneração da
sociedade. A partir da década de trinta foi a criação de novas escolas, que em 1848 eram de 33. A
reorganização do ensino conduziu ao aparecimento do ensino liceal em 17 de Novembro de 1836 e das
escolas de ensino agrícola e industrial desde 1852. No Funchal o Liceu foi instalado em 12 de Setembro
de 1937, ano em que surgiu a Escola Médico Cirúrgica com o intuito de formar médicos e parteiras. Esta
foi a primeira estrutura de ensino superior na região e perdurou até 1910, sendo vencida pela República.
De entre os médicos oriundos ou com ligação a S. Martinho podemos referir Paulo Perestrelo
Aragão[1872-1916], filho do morgado António Caetano Aragão, que era natural de S. Martinho, António
Alfredo da Silva Barreto[1845-1918] que exerceu medicina na freguesia e tem uma rua com o seu
nome[rua do Dr. Barreto], Frederico Betti, João Maria Betti, Vicente Gabriel de Freitas[1882-1936],

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Joaquim Gregório Gonçalves[1874-1927], Alfredo Justino Rodrigues[1872-1940].
O ensino foi também um dos sectores privilegiados de intervenção do município, mas mesmo assim
não foi capaz de atender com a importância desejada. O principal problema prende-se desde o início com
a falta de edifícios escolares. Deste modo havia necessidade de recorrer a edifícios de habitação sem
quaisquer condições para esta função e situados, a maior parte das vezes, em locais pouco adequados.
Acresce ainda que a separação das crianças por sexo e a proibição da mistura no recinto da escola
aumentar as dificuldades de escola das instalações mais adequadas. As instalações, conservação e mobília,
o pagamento do salário dos professores e casa eram da competência da Câmara. Apenas num lapso de
tempo esta responsabilidade ficou endossada às Juntas de Paróquia, de acordo com portaria de 6 de
Dezembro de 1880. Nova lei fez retornar tal responsabilidade às Câmaras.
A criação de novas escolas e as reformas do ensino não foi insuficiente para banir o analfabetismo
do arquipélago que se manteve até finais do século XX sempre elevado. Assim, entre finais do século XIX
e princípios do século XX o grupo de madeirenses que não sabia ler nem escrever representava mais de
oitenta por cento da população e só a partir dos anos sessenta foi inferior aos cinquenta por cento. De
entre as reformas do ensino merece destaque a de 1895, por ser de iniciativa do madeirense Jaime Moniz
(1837-1917). O combate em favor do ensino e de propostas reformadoras do mesmo conduziram a que o
liceu do Funchal merecesse o seu nome a partir de 1919. Todavia a dignificação da instituição de ensino
só será possível a partir de 1933 com o projecto de um novo liceu, que só foi inaugurado em 1946. O
mesmo sucederá com a Escola Industrial, criada em 1889, mas que só teve instalações próprias em 1958.
A partir da década de setenta a reforma do ensino vai permitir uma maior abertura à frequência dos
diversos graus de ensino a todos os estratos sociais, acabando por dar um golpe evidente no analfabetismo.
Na freguesia de S. Martinho a primeira escola municipal, para o sexo masculino, foi criada em 1841
e só em 1846 tivemos a primeira escola feminina. Em 1940 são referenciadas escolas na Ajuda, Ribeiro
Seco, Vitória, Várzea, Areeiro, amparo, Pico do Funcho e Lombada. Hoje a freguesia está servida de
escolas dos diversos níveis de ensino. Começa-se com os Jardins de infância e creches: O Carrocel, O
Girassol, Primaveras, João de Deus. Junta-se as Escolas do primeiro ciclo na Nazaré, Ajuda, Igreja,
Areeiro e Quebradas. E conclui-se com a Escola João Gonçalves Zarco nos Barreiros que contempla o 2º,
3º ciclos e secundária.

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Escola Básica e Secundária João Gonçalvez Zarco

153
154
Casa à Estrada Monumental

A HABITAÇÃO
A habitação tornou-se hoje numa aposta preferencial do conforto humano. Mas nem sempre foi
assim por falta dos meios e condições para tal. Numa ilha como a Madeira, onde os recursos são escassos
e desde o início repartidos de uma forma desigual, é evidente a dicotomia entre pobres e ricos, que tem
materialização no habitat através das furnas e quintas. O reaproveitamento das concavidades naturais da
rocha, o cavar a própria habitação, a choupana contrastam com a imponência e luxo das quintas servidas
de casa do senhor, dos criados e espaços de diversão como a casa de prazeres. Esta dicotomia está patente
na visão da ilha que nos dão os estrangeiros a partir do século XVIII.
O progresso económico e a disponibilidade dos materiais vão melhorando aos poucos a qualidade
do espaço habitado. O Funchal do século quinze, a vila modesta que ganhou forma na zona de Santa
Maria do Calhau, era constituída de casas térreas, maioritariamente de madeira e cobertas de colmo.
De entre a nomenclatura mais usual da habitação madeirense podemos distinguir a furna, a
choupana ou palheiro e a casa. O reaproveitamento das furnas, não apenas como habitação, mas também
como armazém e palheiro do gado não é novidade. É a sobrevivência de uma tradição primitiva cuja
técnica chegou à ilha por mão dos colonos sejam eles portugueses ou das Canárias. Para os primeiros
povoadores que chegaram à ilha este deverá ter sido o primeiro recurso. Mais a importante oferta de

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Casa antiga

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madeiras permitiu depois progredir para as casas de madeira de sobrado. Segundo os cronistas da época
as madeiras da ilha revolucionaram a construção de casas em Lisboa, permitindo o avanço das de
sobrado.
A primeira casa construída por Zargo no Funchal, de acordo com Gaspar Frutuoso ao alto de Santa
Catarina onde a sua mulher construiu uma igreja, foi deste tipo. Depois avançou ao longo da Ribeira e
fez construir no Pico Frias, próximo da capela de S. Pedro e S, Paulo, aquela que foi a primeira habitação
de pedra erguida na ilha. E finalmente assentou morada, no actual espaço da Quinta das Cruzes. Esta
sim já uma habitação sobrada e com excepcionais condições de comodidade. É este o processo que
comanda a evolução da habitação na ilha. Enquanto uns permanecem a viver em choças ou furnas outros
há que conseguem meios para progredir. Casa antiga
As casas de madeira, que depois avançam para a pedra, cobertas de colmo são quase sempre térreas
e de um único compartimento, sendo as divisões feitas em cana vieira ou esteiras de palha. A cobertura
de colmo persistiu no meio rural até a actualidade, sendo de diferenciar dois tipos: o da chamada casa de
Santana que mantém toda a estrutura de madeira e o de alvenaria e sobrado. À casa rural associa sempre
uma segunda construção, normalmente furna, para a cozinha, de modo a precaver contra incêndios, e os
anexos para o parco e gado bovino, isto é o palheiro e chiqueiro. A partir de finais do século dezanove é
visível o progresso da habitação rural, fruto dos proventos do retorno da emigração. Assim, as casas são
de alvenaria e telha e passam a ter várias divisões. A cozinha é integrada na casa, enriquecida com um
forno e uma altaneira chaminé. As habitações eram terra batida, apresentando as paredes em madeira ou
pedra solta e a cobertura de colmo. Era servida de uma abertura baixa que servia ao mesmo tempo de
janela e porta. No interior escuro, de apenas um compartimento, podia-se ver uma ou duas camas, uma
mesa, uma arca e algum banco corrido e banquinhos. Próximo estava uma minúscula cozinha e à volta
circulavam livremente galinhas, porcos, pombos e o cão.
Na cidade a evolução da casa é muito mais rápida e procura corresponder às exigências dos seus
ocupantes. Ao lado das casas térreas começam a surgir as de sobrado, de um ou mais pisos. Nos
arruamentos dedicados aos diversos ofícios o rés-do-chão era dedicado para loja, tenda e oficina, sendo o
piso habitado pelo mestre e o sótão pelos oficiais e aprendizes. O mesmo sucedia com os mercadores de
açúcar ou de vinho que tinham o piso térreo dedicado à loja ou armazém e o sobrado para habitação.
A quinta madeirense é um espaço único onde se juntam o luxo e opulência dos aposentos, com o
garrido e deslumbre das flores e árvores exóticas e as terras de lavoura comas latadas onde repousam as

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videiras. Desde o século XVI que se sabe da sua existência na meia-encosta sobranceira ao Funchal, sendo
locais de veraneio para as principais famílias que vivem na cidade. Foram os principais locais de
acolhimento dos doentes da tísica no século XVIII, ficando o registo do seu ambiente e riqueza nas
descrições que estes nos legaram.
S. Martinho, por se situar na periferia do Funchal, dominando uma extensa zona de costa,
apresenta várias quintas. Algumas delas estavam bem situados em termos da visualização do Funchal e
litoral. Daí o nome que ostentam, como Bela Vista ou Avista Navios. Hoje, as que resistiram à destruição,
foram maioritariamente adaptadas a unidades hoteleiras, seguindo a tradição dos séculos XVIII e XIX
em que foram locais de acolhimento de viajantes e inúmeros doentes da tísica pulmonar, que buscavam
os ares da ilha na busca de uma solução de cura. Por força disso acolheram aristocratas, políticos,
cientistas e escritores.
De entre as muitas quintas podemos ficar com as mais conhecidas, que são Quinta do Esmeraldo,
Avista Navios, Pilar, Casa Branca, Virtudes, Calaça, Bela Vista, Magnólia, Perestrelo, Santa Rita. Na
ultima esteve, desde 8 de Agosto de 1931, o British Country Club e desde 1980 passou para a posse da
região, abrindo-se ao público a 1 de Maio de 1981. Aí estão sedeados os Serviços de Protecção Civil da
Madeira. A Calaça, mandada construir por Henry Veitch, um dos mais destacados mercadores britânicos
do século XIX, que foi cônsul de Inglaterra, é hoje a sede do Clube Naval do Funchal. Aqui esteve
hospedado um príncipe polaco. A Esmeraldo, tem a particularidade de ter sido a residência e local de
falecimento a 21 de Janeiro de 1950 de João Reis Gomes (1869-1950), ilustre literato madeirense. Em
posse da Condessa de Ribeiro Real foi doado ao Asilo de Mendicidade do Funchal. A Avista Navios ao
sítio da Nazaré deverá ser do século XVIII, pois ostenta no frontão da entrada a data de 1760. Em 1995
foi declarado como bem do património cultural edificado da RAM e classificado de valor Cultural.

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Casa antiga

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Quinta do Esmeraldo
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Quinta do Avista Navios Quinta do Pilar

Quinta da Bela Vista Quinta Vista Alegre


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162
Quinta Perestrelo

Quinta de Santa Rita

ALIMENTAÇÃO, MERCADOS, VENDAS...

O pão, elemento fundamental da dieta, apresentava-se sob a forma de confecção caseira ou por
padeiras de profissão. Em muitas das casas o forno assume um lugar de prestígio social. E ainda hoje
podemos ver vestígios destes no Bairro de Santa Maria e Corpo Santo. Noutros casos havia os fornos
públicos, servidos por forneiros que cobrava uma percentagem por cada alqueire de pão cozido. Já no
primeiro quartel do século XX a cidade estava servida de um conjunto variado de padarias que
dispunham de pão fresco pela manhã e tarde, permitindo comer-se o pão fresco a todas as refeições. Com
a farinha dos cereais fabricava-se, para além do pão, o cuscuz, uma espécie de massa granulada, que
depois é cozida e acompanha a carne, o bolo do caco, as mal-assadas, isto é, massa de farinha com ovos
cozidos no azeite, o frangolho, uma papa de farinha de trigo estraçoado e o gófio. Temos ainda a
escarpiada, uma massa de farinha de milho cozida em pedra de barro, que se consumia no século XVIII
no convento da Encarnação e que hoje persiste no Porto Santo.

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Quinta Magnólia

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A venda dos produtos necessários à subsistência das populações fazia-se em mercados e feiras que se
realizavam diariamente ou uma vez por semana em espaços determinados, onde se vendia fruta, peixe e
outros mais produtos. Na cidade o mercado desde o século XV é um espaço de permanente intervenção
do município no sentido de facilitar a livre concorrência, salvaguardar a qualidade dos produtos à venda
e o seu justo valor. No século dezanove testemunham-se três mercados na cidade. O primeiro de D. Pedro,
também conhecido como da feira velha, situava-se entre o Largo dos Lavradores e o Largo do Poço, mais
propriamente nas traseiras da actual alfândega. Era o mercado de venda de legumes, hortaliças, frutos e
outros géneros alimentícios. Foi o principal mercado da cidade até que em 1 de Dezembro de 1940 abriu
ao público o actual mercado dos lavradores. A este juntam-se os da União, no actual Largo da Feira e o
de São João, no sítio onde hoje está implantado o Teatro Municipal. A venda dos produtos fazia-se e faz-
se em barracas arrematadas à câmara pelos chamados barraqueiros.
O mercado apresentava por norma os produtos da terra, enquanto a venda dava preferência aos de
fora. A oferta dos produtos completava-se com os vendedores ambulantes ao domicílio. Estes últimos
vendiam líquidos, como azeite, vinagre e leite, hortaliças, aves, lenha e carvão. A figura do leiteiro que
ainda hoje sobrevive define também uma forma de venda de leite fresco ao domicílio. Ademais os
interessados podiam ainda encontrar na cidade vacarias onde se servia o leite fresco, ordenhado no
momento. Era assim na vacaria Burnay no Largo da Sé e da vacaria Sousa na Rua de João Tavira. A ilha
apresentava em 1928 cento e setenta mil vacas de ordenham que produziam vinte milhões de litros. O
Funchal consumia anualmente um milhão e quinhentos mil litros de leite, o que equivale a cerca de quatro
mil litros diários. O restante leite era usado no fabrico de manteiga e queijo. Em 1928 a produção de
manteiga orçava as mil toneladas, sendo exportado mais de três quartos. Esta situação é demonstrativa do
rápido incremento que teve a actividade na região uma vez que em 1880 a exportação foi de apenas cento
e vinte e nove kilogramas.
No campo da alimentação a freguesia pouco se diferencia das demais, sendo insistente a presença
dos produtos que identificam a culinária madeirense nas diversas épocas. Mesmo assim podemos
identificar alguns pratos que podem definir o cardápio da freguesia: carne de vinho e alhos, bacalhau de
S. João, lombo de porco e carne assada na panela ou no forno.
O abastecimento local fazia-se a partir das mercearias e tabernas. Aí vendia-se, em simultâneo,
bebidas, nomeadamente o vinho da produção local, géneros alimentícios e artefactos locais ou de
importação. A abertura de um estabelecimento obrigava ao requerimento da licença que só poderia

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Forum Madeira

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ocorrer da necessária autorização camarária depois do pagamento de uma taxa. Ao infractor era
atribuída uma pesada multa. Acrescem ainda outros requisitos que foram regulamentados ao longo do
tempo. Assim, em 1931 a sua localização deveria estar a mais de 500 metros de distância das escolas. E
antes havia-se estabelecido padrões de higiene e sanidade no funcionamento. De acordo com regulamento
de 1946 todos os estabelecimentos comerciais foram obrigados, num prazo de noventa dias, a ter água
canalizada e pia, caso se situassem a mais de 100 metros da canalização pública a obrigação revestia-se na
presença de um reservatório de barro com capacidade para 50 litros. Por outro lado os géneros
alimentícios deveriam ser guardados em prateleiras envidraçadas ou caixas fechadas. Depois foi a
proibição a partir do dia 1 de Junho de vender no mesmo compartimento os géneros alimentícios, tintas,
óleos, guanos, sulfato de cobre e substâncias tóxicas ou nocivas à saúde.
Em todos os tempos existiram os espaços abertos ou fechados de venda pública dos produtos. O
correr dos anos apenas fez mudar os locais ou a designação, bem como aperfeiçoou os hábitos de
consumo. A par disso é de salientar na cidade e localidades circunvizinhas outro tipo de venda ambulante
que contemplava, não só o leite, como também,.o azeite, petróleo, hortaliças, aves, cebolas, mel, sorvetes
e outros gelados, carvão vegetal. A década de sessenta demarca um momento importante da evolução das
estruturas de apoio à venda dos produtos alimentares. As vendas perderam actualidade dando lugar a
novas formas de apresentação e venda com os supermercados. Eles são o princípio da transição para as
actuais grandes superfícies, que se iniciou em 1963 com o supermercado BACH.
Em S. Martinho tivemos diversas vendas, sendo poucas que ainda persistem no tempo, por força do
aparecimento das grandes superfícies, que têm nesta freguesia diversas unidades. Primeiro tivemos o
supermercado Lido-Sol, que depois se associou ao Grupo Pingo Doce, que hoje detém um hipermercado
no Madeira Forum. Ainda na Nazaré temos o hipermercado Super-Sá.

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FESTA E DIVERSÃO

Para o madeirense o momento festivo mais importante e de maior significado e sem duvida o
NATAL, que se demarca como o ponto de chegada e partida do calendário litúrgico. A prova esta patente
na afirmação deste momento: o NATAL madeirense é a FESTA. Em lugar secundário surgem as
festividades ao longo do ano com particular incidência na época estival. A maioria tem lugar nos meses
de Junho a Setembro. Temos notícias da vivência do Natal na Freguesia para o ano de 1947: Na tarde de
natal, dezenas ou centenas de pessoas dividiam-se em passeio pelo Pico dos Barcelos, da Cruz e do
Funcho.

168
Lá aparecem as inocentes diversões e os cantores tradicionais, ao mesmo tempo que se dão os
cumprimentos de boas festas. Aos conhecidos e amigos.
Da primeira oitava até ao dia de reis- são ranchos e grupos de famílias, de crianças- que passam
pelos caminhos em visita aos parentes mais ou menos próximos.
Do dia de reis em diante, as festas deixam de ter aquele carácter intimo, particular da família, para
então estender-se a estranhos sobretudo os habituais e habilidosos, para as cantadas de reis.1
Os arraiais madeirenses são a componente mais evidente das festas e romarias. De todos, os que
adquirem maior brilhantismo, são os que têm lugar nas romarias tradicionais. A devoção popularizou-se
ao longo dos últimos cinco séculos, de modo que estas romarias são momentos de grande movimentação
das gentes. Primeiro a pé, pelos caminhos íngremes que ligavam a ilha de Norte a Sul. Os meses de Julho,
Agosto e Setembro são os de maior devoção e festividades. O clima, as tarefas agrícolas (apanha dos
cereais, a vindima) favoreciam a movimentação das gentes, mesmo quando a orografia da ilha os
atraiçoava. A pé ou a cavalo todos se deslocavam para o Monte ou Ponta Delgada.
Para apoio de romeiros abriram-se caminhos, construíram-se casas de romeiros junto dos templos
de devoção. Algumas das construções, geminadas com as igrejas, são, ainda hoje, visíveis. A par disso,
havia, entre todos, um espírito de solidariedade para com estes. Os moradores acolhiam -nos dando-lhes,
por vezes, guarida. Depois, com o avanço da rede de estradas a partir da década de quarenta, estes deram
lugar os excursionistas. As filas intermináveis de “Horários” e “abelhinhas”. A abertura de estradas
facilitou o contacto e acabou com o isolamento, mas, em contrapartida, veio retirar o bucolismo dos
romeiros, que calcorreavam a ilha de norte a sul à busca do santo de sua devoção para retribuir a graça
concedida. Não mais se ouviu ecoar as cantorias dos romeiros. O rajão, o machete e as castanholas
emudecerem e nas serras da Encumeada e do Paúl da Serra apenas se ouvirá o murmúrio do vento. A
tradição ainda testemunha a vivência dos romeiros.
O folguedo ou arraial, no espaço vizinho da igreja/capela do orago é efémero. Dura quarenta e oito
horas. Mas, para que isso aconteça há todo um trabalho engenhoso e arte na criação das flores ou dos tapetes
para a procissão. Os enfeites, de alegra-campo e loureiro, contrastam com o garrido das flores e o vermelho
da Cruz da Ordem de Cristo que flutua nas bandeiras. O progresso trouxe mais luz e o feérico da cor,
fazendo-os prolongar pela noite fora. A luz eléctrica, a partir da década de quarenta, veio revolucionar o
arraial. Aqui, para além da oferta de um variado conjunto de barracas de comes e bebes, onde pontua a
espetada, temos a feira para venda dos produtos da terra ou de fora. É o momento de encontro, devoção e

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Matança do Porco em S. Martinho

170
partilha da riqueza arrancada à terra. A festa do orago era um momento importante na vida das gentes da
localidade. Ao divertimento e devoção juntam-se os contratos, negócios e aventuras. Afinal, o arraial era um
momento único em que todos se encontravam irmanados pela devoção ao santo padroeiro.
O calendário das festas e estabelecido de acordo com o ano 1itúrgico e agrícola, sendo no primeiro
que esta realidade tem a sua máxima expressão: enquanto estas celebram os principais momentos da vida
da igreja e dos santos, as segundas demarcam o período das colheitas de um determinado produto, que
cativava a vira das gentes da ilha ou da localidade em que têm lugar. As últimas são de criação recente,
tendo algumas surgido nas duas últimas décadas da cereja, das vindimas, ao pêro e da maça, enquanto as
primeiras remontam aos primórdios da ocupação da zona. Os iniciais povoadores da Madeira,
maioritariamente do norte de Portugal, trouxeram impregnado no corpo as tradições religiosas e
festividades do calendário litúrgico.
Em S. Martinho a festividade mais importante tem lugar em pleno Inverno, em honra do santo
patrono da freguesia, o S. Martinho. A 11 de Novembro ao preceito tradicional da visita às adegas para
provar o vinho temos a festa em honra do santo na igreja sede da paróquia. Por outro lado esta igreja é
ainda palco de outras festividades ao longo do ano. Em 24 de Junho celebra-se o S. João e no terceiro
domingo do mesmo mês temos a festa do Santíssimo Sacramento. Temos ainda a referir as festas em honra
de Nossa Senhora da Nazaré, a 1 de Janeiro, e a de Santa Rita no último Domingo de Maio, nas paróquias
do mesmo nome.
Ainda na freguesia de S. Martinho podemos assinalar as festividades organizadas pela Junta de
Freguesia, que se prolongam por todo o ano de acordo com o calendário das festas. Em Fevereiro o cortejo
de Carnaval, com a participação das escolas. Em Junho o dia Mundial da Criança com a realização de
Jogos Tradicionais Inter-Escolas. Nos meses de Verão (Julho a Setembro) acontecem todos os sábados
“noites de Verão no Largo de S. Martinho, com música tradicional madeirense. Entretanto em Agosto
temos o Festival de Folclore de São Martinho, em Novembro o circuito de atletismo e em Dezembro a
“função do porco”.
No passado o porco assumia papel fundamental na dieta familiar e em torno dele existia um ritual
ligado às festas natalícias. Não havia casa onde pelo S. João e Natal não acontecesse a célebre matança
do porco. Com ele conseguia-se a carne salgada, os enchidos e a banha que tornavam mais rica a dieta
alimentar. Era o principal tempero da alimentação do meio rural.

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Praia Formosa

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A BANHOS

As interdições estabelecidas pela Igreja à exposição higiene do corpo vieram juntar-se as posturas
camarárias proibitivas dos banhos na praia e ribeiras do Funchal, Machico Porto Santo; de acordo com a
postura da Câmara do Funchal de 26 de Julho de 1839 estava proibido aos funchalenses o banho de mar
nus» só se permitindo em calças ou camisa, “até abaixo do joelho” os infractores sujeitavam-se a uma pesada
coima de mil réis. Hoje, ao invés, tornou-se moda o topless e as praias de nudismo. Diz-se que os primeiros
que se banharam nas águas límpidas da ilha foram João Gonçalves Zarco e seus companheiros quando em
1420 se refugiaram nas águas refrescantes do mar para fugir ao calor infernal do incêndio que se ateou na
floresta da ilha; segundo Cadamosto estiveram no mar “mergulhados até à garganta dois dias e duas noites,
sem comer nem beber, pois que de outra maneira teriam morrido”. Mas este banho foi a preceito com todas
as vestes que traziam no corpo. Já em 1850 se referia nos anais do município da ilha do Porto Santo que as
suas praias eram propicias aos banhos de mar mas que não atraiam forasteiros por falta de conduções e os
naturais estavam limitados pelas posturas. Na realidade a revelação como uma estância balnear é do nosso
século. Estranhamente vimos num texto de Giulio Landi de cerca de 1530, que os naturais do norte da ilha
da Madeira tinham por hábito “ir à praia”; não sabemos se com isso entendia o autor o ir-se a banhos ou a
um mero passeio para desfrutar da aragem marinha e contemplar o imenso mar.
S. Martinho é o espaço mais importante da estância balnear madeirense, associada aos forasteiros
ou aos locais. No passado tivemos vários projectos de valorização da orla marítima, surgindo em 1921 um
plano de ideias para a Praia Formosa que a pretendia transformar numa praia de banhos e diversões.
Primeiro surgiram as piscinas do Lido, um marco do Verão madeirense até a actualidade. Em 1932
tivemos o projecto de uma piscina pública “para banhos e exercícios de natação” na zona do Gorgulho.
A construção hoteleira das últimas décadas do século XX incidiu nesta área que se transformou
numa zona privilegiada da cidade, que em 1982 viu melhorado o complexo balnear do Lido e em 1993 a
abertura do passeio público marítimo. A área ganhou maior dimensão em época recente mercê da politica
municipal de valorização da orla marítima com diversos espaços balneares e uma promenade. A tudo isto
juntam-se clubes privados, como o Clube Naval do Funchal e o Club de Turismo.

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Praia dos Namorados Praia do Arieiro Praia Formosa

Praia do Lido

174
Promenade
do Lido

Piscinas
da Ponta Gorda

Praia
dos Namorados

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Esquadras de navegação terrestre

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Esquadra Submarina de Navegação Terrestre em manobras na freguesia de S. Martinho Praças da ESNT, 1909

AS ESQUADRAS DE NAVEGAÇÃO TERRESTRE

A segunda metade do século XIX é definida por uma conjuntura difícil para as diversas classes
sócio-profissionais, mas é também o momento de despoletar de uma consciência delas para o
associativismo, ou a busca de soluções que propiciassem a assistência e protecção aos trabalhadores nos
acidentes, doença e velhice. A tudo isto acresce o filantropismo social de ajuda aos mendigos, crianças e
viúvas. Deste modo a partir de meados da centúria o mutualismo, o cooperativismo e o associativismo
sócio-profissional foram a solução capaz de minorar as dificuldades com que se debatia a população.
Às associações de classe juntaram-se as filantrópicas e de diversão. Na segunda metade se
generalizou a criação de clubes destinados ao recreio e distracção dos sócios. Estas associações eram uma
forma de quebrar a monotonia do quotidiano e enquadram-se no espírito de associativismo que marcou
a centúria. Estes clubes primavam pela realização e bailes e “soirées” que contavam com a participação
de residentes e forasteiros. Aliás, era tradição destes clubes receber nas suas instalações as personalidades
ilustres que passavam pela ilha.

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Não faltava ao madeirense imaginação para encontrar formas de diversão e de passar o tempo.
Deste modo na década de oitenta do século XIX afirmaram-se as chamadas esquadras de navegação
terrestre, mas o seu espírito é muito anterior, pois desde a década de quarenta da centúria que se sucedem
este tipo de confrontos lúdicos tendo como base o confronto entre miguelistas e pedristas. Nestas não são
estruturas militares mais sim de boémios que se juntavam sob a capa do ritual da marinha. Nas quintas
sobranceiras ou não ao mar ergueram-se os mastros engalanados com bandeirinhas e uma peça de fogo.
Ficaram célebres as quatro esquadras: Esquadra Torpedeira, Esquadra Submarina, Esquadra Couraçada,
Esquadra Independente. O espírito era levado a sério aparecendo os associados em actos públicos
fardados a rigor. As actividades resumiam-se a alguns desfiles dominicais e nos dias feriados, passeios a pé
ou ao longo da costa e acima de tudo aos assaltos combinados às adegas para o tão esperado repasto. O
espírito da marinharia portuguesa em terra era assumido na sua plenitude e conduziu a alguns equívocos
em 1901 com a visita do rei D. Carlos.
A partir de 1914 as dificuldades sentidas com a guerra conduziram ao refrear da iniciativa das
esquadras. A guerra conduzirá ao apagamento das “esquadras submarinas de navegação terrestre”.
Acabou o aparato de rua e o movimento em torno dos mastros e miradouros transferiu-se para espaços
recatados. As associações de boémios assumem este carácter interior, por vezes fechado e elitista. A grande
Oficiais da ESNT aposta ficou para a mesa e jogos da fortuna e azar que ajudavam a passar os fins de tarde e noite. A Nau
sem Rumo, cuja data de aparição não está devidamente revelada, ganhou dimensão a partir da década
de trinta do século XX retomando este espírito das esquadras submarinas de navegação terrestre, agora
transferido para dentro de portas e tendo como palco a mesa e o bacalhau com o inseparável amigo.
As ditas esquadras surgem em finais da centúria oitocentista com carácter boémio, mas nos últimos
anos aprimoram a sua presença como força armada à imagem da marinha. A primeira destas esquadras
foi fundada por Eduardo Sarsfield e tinha sede na residência do mesmo na Casa Branca.

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O FOLCLORE E A HISTÓRIA

De acordo com Carlos Santos as cantigas e bailados “São como que a presença do passado, atrás
da qual é possível ver em espírito o panorama comovente da terra virgem; é ouvir ainda as enxadas moiras
e algarvias a rasgar-lhe a carne até aí pura de contactos humanos; é assistir ao poético ressurgimento das

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vilas e aldeias como fogachos da vida, de cor e de movimento; é passar ao convívio dos nossos avôs nas
duras azafamas de dar vida a coisas mortas, com todo o seu sabor medieval; é sentir com eles a sensação
do desconhecido. É nosso dever defendê-los e honrá-los não consentindo nem arremedos de investigando
nem que esfarrapem o que ainda possa meter de ancestral e muito menos os amortalhem com
excrescências, detestáveis e falsas; é nosso dever fazer reintegrar os camponeses no que é verdadeiramente
seu, tradicional e histórico e despertar-lhes o já muito abalado entusiasmo pelas suas cantigas e bailados”.
Tal como afirma Eduardo Clemente Nunes (1948-49), o Folclore nasce de forma espontânea “da
Grupo Folclórico alma popular, cria-se por influência da natureza física e psicológica do meio ambiente, traduz a origem e
e Recreativo de S. Martinho índole atávica das populações, repercute-se na
sensibilidade colectiva e tem força de
continuidade por força da tradição”.
Durante muito tempo as danças e
cantares só eram audíveis e visíveis no seu
quadro natural, isto é, nos arraiais e diversos
momentos do labor agrícola. Todavia, no
século dezanove foi sentida a necessidade
simultânea de estudo e recriação como
espectáculo. A primeira vez que isto aconteceu
foi na primeira feira organizada pelo
Governador Civil, José Silvestre Ribeiro, na
Praça Académica em 1850, onde um grupo de
camponeses com trajes antigos dançaram o
baila a la moda. Esta manifestação, que por
tradição se oferecia na procissão do Corpo de
Deus, com grupos de S. Martinho, perdurou
por cerca de dez anos com estas tão
características danças. A mesma dança foi de
novo recreada em 1898 por um grupo de
crianças. A partir de então em muitos dos
bailes e espectáculos estava presente e ficou

180
conhecido com o baile dos vilões.
Paulatinamente a cultura popular vinha
adquirindo uma dimensão importante no
lazer dos funchalenses. Em 1901 el-rei D.
Carlos foi saudado com um arraial madeirense
e em 1920 os festejos do quinto centenário do
descobrimento da Madeira as danças a la
moda e o bailinho das camacheiras. A partir
da década de trinta manteve-se esta forte
participação do folclore nos actos mais
importantes de acolhimento de visitantes e
desde 1936 nas festas da cidade e das vindimas
(1938), com grupos das diversas freguesias
rurais.
A primeira presença do baile das
camacheiras nos festejos urbanos data de 1929,
mas só dez anos após surge identificado como
o Rancho Folclórico da Camacha e apenas em
1949 surge o Grupo Folclórico da Casa do
Povo da Camacha. Os cinquenta e sessenta
foram demarcados pela criação de diversos
grupos folclóricos e na década de oitenta os Grupo Folclórico
Serviços de Extensão Rural imprimiram uma nova dinâmica das Casas do Povo, com a aposta no de Santa Rita
desenvolvimento sócio-cultural das populações rurais, esteve na origem e criação de grupos folclóricos em
quase todas as freguesias da ilha. Por outro lado a partir 1985 deu-se início ao Festival Regional de folclore,
a que em 1989 se associou as 24 Horas a Bailar.
O povo de S. Martinho integra-se neste espírito lúdico do trabalho e lazer, persistindo algumas
tradições, como danças e cantares, de que os agrupamentos folclóricos são o principal testemunho e
savaguarda.
Hoje em S. Martinho temos os grupos folclóricos de Santa Rita e de São Martinho.

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Grupo Desportivo Alma Lusa Centro de Ténis da Madeira

Clube Amigos do Basket Clube Naval do Funchal

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DESPORTO

Grupo Desportivo Barreirense


A freguesia tem tradição na prática desportiva e o nome figura em letras douradas por força de o
primeiro estádio de Futebol da região estar aí sedeado. Sabe-se que desde tempos recuados nas vertentes
do Pico da Cruz existiu uma carreira para a corrida de cavalos. Depois tivemos aí a criação da primeira
agremiação desportiva. O Excelsior Madeira Cricket Club, que tinha no sitio do Engenho Velho, desde
1894, um espaço para a pratica de várias modalidades desportivas. Aí praticava-se entre outras modali-
dades o Hoquéi de Campo. Há ainda referência à intenção da Junta Agrícola da Madeira de construir um
campo de Golfe em S. Martinho, como uma iniciativa do Visconde da Ribeira Brava para promover o
turismo madeirense. Entretanto, em 1932 a Câmara estabeleceu na zona do Gorgulho uma piscina 2
courts de deck-Tenis.

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A prática do Desporto está devidamente acautelada na Freguesia. Aqui temos diversas associações
desportivas, como uma ampla oferta de instalações desportivas. Acontece mesmo que foi nos Barreiros
onde durante muito tempo se praticou o Futebol de alta competição. O Estádio dos Barreiros foi construí-
do na década de cinquenta para ser o principal espaço dos eventos desportivos do arquipélago. A inaugu-
ração aconteceu a 5 de Maio de 1957, A electrificação do campo em 1967. Começou por ser um projec-
to do Clube Desportivo Nacional, aberto à prática da modalidade em 1927. A sua degradação levou a
Junta Geral a intervir em 1938. Todavia coube à câmara, em 1947, a proceder aos estudos para um novo
estádio, que começou a construir-se no local em 1953.
Para além desta infra-estrutura temos outros espaços para a prática do desporto, como os campos
polivalentes do Bairro da Nazaré, o complexo Desportivo de São Martinho e o Complexo Desportivo do
Clube Naval do Funchal na Nazaré. De entre as associações desportivas temos: Clube Desportivo “O
Barreirense”, Grupo Desportivo “Alma Lusa”, Centro de Ténis da Madeira, Centro de Atletismo da
Madeira, Clube Amigos do Basquet, Associação de Voleibol da Madeira, Associação Cultural, Desportiva
e Recreativa de São Martinho, Clube Pés Livres-Associação de Montanhismo. Antes destes tivemos diver-
sos clubes locais nos Piornais, Nazareth, Barreirense.
O Barreirense foi fundado a 25 de Setembro de 1925 por António e Luís Jasmins, António Carlos
de Sousa, Joaquim Ramos. Era o clube do sítio onde existia à época o campo de futebol, que rivalizava
com o de Almirante Reis, do Marítimo. A construção do Estádio dos Barreiros pelo Clube Desportivo
Nacional foi quem deu a iniciativa de criação do novo clube, 1ue desde 1934 está inscrito na Associação
de Futebol do Funchal. A sede à rua do Dr. Pita foi inaugurada na década de quarenta pelo então presi-
dente da câmara, o Dr. Fernão de Ornelas.

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Estádio dos Barreiros

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O Vestuário e a Moda.

Desde Adão e Eva que o homem sentiu a necessidade de cobrir


o corpo. Esta necessidade levou o homem a procurar todos os meios,
produtos e técnicas para conseguir os tecidos e as cores mais ajustadas
ao seu gosto. Paulatinamente aquilo que havia surgido como uma
necessidade torna-se numa exigência de fausto e luxo. Isto conduz-nos
ao aparecimento dos acessórios e da moda.
As culturas da cana-de-açúcar e da vinha permitiram à ilha uma
ligação com o mundo europeu e centros produtores de tecidos:
Inglaterra, Flandres e as cidades italianas. Aliás às ilhas está ligada
uma fase importante na evolução da indústria têxtil europeia, com a
expansão da área de cultivo do pastel e apanha da urzela, plantas com
grande importância na tinturaria. A Madeira ficou conhecida pelos
genoveses, no século XV, como a ilha do pastel. Note-se, ainda, que o
comércio do vinho em mãos dos ingleses definiu uma política peculiar:
os adiantamentos. O mercador inglês adiantava ao lavrador os
alimentos, artefactos e tecidos a troco do vinho, na altura da vindima.
Aliás, fala-se de assíduas trocas, entre os madeirenses e os marinheiros
ingleses, de passagem, ou os soldados do presídio de 1801, de peças de
vestuário por vinho. Este era escasso, sendo poucas as oportuniades

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para as classes populares arrumarem o seu enxoval.
Na Madeira a indumentária dos primeiros colonos confunde-se com os locais de origem destes. Mas
aos poucos o panorama começa a mudar de acordo com as posses de cada um das disponibilidades de
matérias-primas e corantes e, acima de tudo, das ligações aos mercados de panos e tecidos da Europa. O
luxo é sinónimo de importação de tecidos e de agravamento da situação económica com a saída de
numerário pelo que se sucederam inúmeras pragmáticas a combater o luxo. No Porto Santo o luxo foi
considerado no século XVIII como a principal causa de empobrecimento da população pelo que o
Capitão e Governador-Geral, João António de Sá Pereira decidiu proibir o envio de panos finos, sedas e
jóias. Medidas semelhantes foram estabelecidas em 1780 nas posturas de Machico que militam mais pela
necessidade de demarcar as classes sociais. Deste modo o vestuário e os adornos são uma forma de
diferenciação social.
O vestuário do homem integrava as bragas, a camisa, gibão, sainho, calças, pelote, saio, jaqueta,
roupeta ferragoulo, tabardo, capa. A isto juntava-se o calçado de sapatos em bico e botas de couro. Para
cobrir a cabeça temos as carapuças. A mulher usa como roupa interior a camisa e fraldilha e um vestido
que cobria todo o corpo. O calçado era semelhante ao do homem, apenas na cabeça acontecia um
especial cuidado que as diferenciava. As crianças, de famílias pobres parecem esquecidas quanto à
indumentária. As crianças andavam totalmente nuas e os outros vestiam-se de apenas uma camisa branca
todo esburacada.
O enxoval de uma casa era por norma muito modesto reduzindo-se a poucas peças de vestir, de
abafo e dormir. Esta situação resultava do preço dos tecidos e dos parcos meios das famílias pobres.
Perante isto restava-lhe pouco que vestir e a moda era palavra vã. A indumentária resumia-se ao fato de
ir à missa e ao de trabalho. O segundo vestia-se até se romper e mesmo assim era remendado. Deste modo
procurava-se disfarçar os remendos com casacos(as) compridos(as). A estas peças juntavam-se a carapuça,
considerada de origem africana, e raras vezes os sapatos. Os adornos não faziam parte deste enxoval.
Todavia na casa das famílias mais destacadas a situação era distinta. As festas, os saraus dançantes, os
piqueniques eram momentos de exibição da moda, seguindo os modelos franceses e ingleses com tecidos
importados. A isto juntava-se a riqueza dos adornos diversos. Este contraste é bastante evidente para os
forasteiros.
A partir do século dezoito temos informações muito claras sobre a indumentária da cidade e do meio
rural. As descrições e gravuras dos visitantes estrangeiros são um testemunho precioso desta realidade.

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Assim o traje do vilão era baseado numa jaqueta sem mangas que cobria uma camisa de estopa grosseira,
calções de linho apertados a partir do joelho, a que se juntava na cabeça uma carapuça e botas de cano
dobrado. Esta descrição condiz com o testemunho de J. Foster(1772) e inúmeras das gravuras conhecidas.
Já no meio urbano o povo vestia-se à imitação da burguesia e nobreza, sendo a distinção na qualidade dos
tecidos e presença de adornos.
O século XIX inicia uma revolução no modo de vestir, optando-se pela simplicidade e aspecto
prático da indumentária. Foi o início da caminhada para a uniformização do vestuário. Ao mesmo tempo
impõe-se a moda vinda de França que apenas conquista adeptos entre as classes abastadas, uma vez que
o traje popular continua a manter as mesmas cores e formas. Assim, o homem veste camisa branca de
linho ou estopa, calções e colete, carapuça e bota chã. Os calções e colete podem ainda ser de cores
distintas mas a tendência é para o branco. A indumentária da mulher consistia de camisa, saia listada,
corpete, capa, carapuça e bota chã.
Alguns testemunhos dos autores nacionais e estrangeiros atestam que o vestuário não era uniforme.
A ideia de “farda” parece ser recente. Vestia-se de acordo com as disponibilidades das lojas de fazendas
que procuravam adequar-se às modas trazidas pelos ingleses. Por outro lado estas descrições são fruto de
uma mera observação dos sítios visitados, não uma visão global de toda a ilha. Apenas três destes textos
mostram esta evidência.
Em S. Martinho está documentada a existência de indústrias caseiras que supriam as necessidades
de vestuário. Assim em 1862 temos inventariados 28 teares de lã e linho a que correspondem igual número
de tecedeiras. Depois, temos ainda 15 costureiras. Por outro lado, devemos salientar que a indumentária
assume padrões usuais de cada época.

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