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Curso: Relações Internacionais

Disciplina Teoria das Relações Internacionais 1


Professor: Tereza Cristina N França
E-mail: heresnemo@unb.br; heresnemo@gmail.com

WALTZ, Kenneth. O homem, o estado e a guerra: u ma análise teórica. São Pau lo: Martins
Fontes, 2004. Capítulo seis: Conflito internacional e anarquia internacional - Págs. 197 a 231

CAPÍTULO SEIS

A terceira imagem
Conflito internacional e anarquia internacional
Pois o que se pode fazer contra a força sem força?
Cícero, The Letters to His Friends

Com tantos Estad os soberanos, sem u m sistem a ju ríd ico qu e p ossa ser im p osto a eles,
com cad a Estad o ju lgand o su as qu eixas e ambições segu nd o os d itam es d e su a p róp ria razão ou
d e seu p róp rio d esejo, o conflito, que por vezes leva à guerra, está fad ad o a ocorrer. A fim d e
alcançar u m d esfecho favorável nesse conflito, os Estad os têm d e confiar em seu s próp rios
d isp ositivos, cu ja relativa eficiência tem d e ser sua constante p reocu p ação. Esta, a id éia d a
terceira im agem, será exam inad a neste cap ítu lo. N ão se trata d e id éia esotérica, nem d e id éia
nova. Tu cíd id es d eixou -a im p lícita ao escrever qu e "foi o crescim ento d o p od er ateniense que
aterrorizou os laced emônios e os forçou à gu erra"1!. John Ad ams d eixou -a imp lícita ao escrever
aos cid ad ãos d e p etersbu rg, Virgínia, qu e "u ma gu erra contra a França, se ju sta e necessária,
pod eria nos cu rar d as afeições ternas e cegas qu e nenhu m a nação d everia em algu m mom ento
nutrir por outra, como comprova à exaustão nossa experiência em mais de um caso"2.
H á u ma relação óbvia entre a p reocu p ação com a p osição relativa d e p od er dos Estados,
exp ressa p or Tu cíd id es, e a ad vertência d e John Ad am s d e qu e os casos d e am or entre Estad os
são impróprios e perigosos. Essa relação é explicitada pela declaração de Frederick Dunn de que
"enqu anto p ersistir a noção d e contar com os p róp rios recu rsos, o objetivo d e m anter a p osição
de poder da nação tem a primazia sobre todas as outras considerações"3.
N a anarqu ia, não há harm onia au tom ática. As três afirm ações p reced entes refletem esse
fato. O Estad o u sará a força p ara alcançar su as metas se, d epois d e avaliar as p ersp ectivas d e
sucesso, d er m ais valor a essas metas d o qu e aos p razeres d a p az. Send o cad a Estad o o ju iz final
d e su a p róp ria cau sa, qualqu er Estad o p od e a qu alqu er m om ento em pregar a força p ara
im p lem entar su as p olíticas. Como qu alqu er Estad o p od e a qu alqu er m om ento u sar a força,
tod os os Estad os têm d e estar constantem ente p rontos p ara op or a força à força ou p ara p agar o
preço d a fraqu eza. As exigências d e ação d o Estad o são im postas, nessa concep ção, p elas
circunstâncias nas quais todos os Estados se encontram.
As três imagens são, por assim dizer, parte da natureza. São tão fundamentais o homem,
o Estad o e o sistem a d e Estad os em tod a tentativa d e com p reend er as relações internacionais
qu e é raro u m analista, por mais comp rom etid o qu e esteja com u ma d eterminad a imagem ,
d esconsid erar p or com p leto as ou tras d u as. Aind a assim , a ênfase nu ma d eterm inad a imagem
pod e d istorcer a interp retação qu e se faz d as ou tras. Por exem p lo, não é incom u m notar qu e as
pessoas inclinad as a ver o mu nd o a partir d a p rim eira ou d a segund a im agem contestam o
argu m ento freqü entem ente ap resentad o d e qu e as arm as trazem não a gu erra, mas a segu rança,
e p ossivelm ente até a p az, assinaland o qu e o argu m ento é u ma com binação d e mito d esonesto,

1 Tu cíd id es, History ofthe Peloponnesian W ar, trad. Jow ett, livro I, § 23. [Trad . bras. História da Guerra do Peloponeso,
São Paulo, Martins Fontes, 1999.]
2 Carta d e John Ad am s aos cid ad ãos d a cid ad e d e Petersbu rg, d atad a d e 6 d e ju nho d e 1798, e reprod u zid a no

programa da visita de William Howard Taft, Petersburg, Virgínia, 19 de maio de 1909.


3 Dunn, peaceful Change, p. 13.

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d estinad o a encobrir os interesses d e p olíticos, fabricantes d e arm amentos e ou tros, e d e ilu são
honesta acalentad a p or p atriotas sinceram ente interessad os na segu rança d e seu Estad o. A fim
d e afastar essa ilusão, Cobd en, p ara lembrar u m d os m u itos qu e fizeram essa alegação, certa vez
assinalou qu e d u p licar a qu antid ad e d e arm as, caso tod os d u p licassem, não tornaria nenhu m
Estado m ais segu ro e, d o m esm o m od o, qu e nenhu m d eles estaria em p erigo se tod os os
com p lexos m ilitares fossem sim u ltaneam ente red uzid os em , p or exemp lo, 50%4. Deixand o d e
lad o o p ensam ento d e qu e a aritmética não reflete necessariam ente com p recisão qu al seria a
situ ação, esse argu mento ilu stra u m a ap licação su p ostam ente p rática d a p rim eira e d a segu nd a
imagens. Seja ed u cand o os cid ad ãos e os líd eres d os d iferentes Estad os, ou melhorand o a
organização d e cad a u m d os Estad os, bu sca-se u m a cond ição na qu al a lição aqu i esboça d a se
torne a base d a p olítica d os Estad os. Qu al o resu ltad o? O d esarm amento e, p ortanto, a
economia, ao lad o d a paz e, em conseqü ência, a segu rança p ara tod os os Estad os? Se algu ns
Estados se mostrarem dispostos a reduzir seu complexo militar, outros Estados serão capazes de
ad otar p olíticas sem elhantes. Ao enfatizar a interd ep end ência entre as políticas d e tod os os
Estad os, o argu mento consid era a terceira im agem. Mas o otim ism o é resu ltad o d e se ignorarem
algu mas d ificu ld ad es inerentes. N este e no p róximo cap ítu lo, tentam os, p or m eio d o
d esenvolvim ento e d o exam e d etalhad os d a terceira im agem , d eixar claras qu ais são essas
dificuldades.
N os cap ítu los p reced entes, examinam os o raciocínio d e algu ns hom ens cu jos
pensam entos acerca d as relações internacionais se am old am à p rimeira ou à segu nd a imagem .
N este cap ítulo, p ara introd uzir u ma variação no tratam ento d o assu nto e d evid o ao fato d e a
filosofia p olítica p rop orcionar elem entos insu ficientem ente exp lorad os à comp reensão d a
política internacional, vam os concentrar-nos p rimord ialm ente no p ensam ento p olítico d e u m
único hom em , Jean-Jacqu es Rou sseau. Por essas mesm as razões, ao fazer com p arações com a
prim eira e a segu nd a im agens, vam os nos referir na maioria d as vezes a d ois filósofos que
seguiram d e p erto esses padrões - Esp inosa p ara a p rim eira im agem e Kant p ara a segu nd a.
Aind a qu e u m e ou tro já tenham sid o m encionad os, u m resu mo d o raciocínio no qu al basearam
suas concepções das relações internacionais tornará mais úteis as comparações.
Espinosa explicou a violência fazend o referência às im p erfeições hu manas. A p aixão
d esloca a razão, e em conseqü ência os homens, qu e em fu nção d e seu s p róp rios interesses
d everiam coop erar u ns com os ou tros em p erfeita harm onia, envolvem -se interminavelm ente
em qu erelas e na violência física. O caráter d eficiente d o homem é a cau sa d o conflito.
Logicamente, se é a cau sa exclu siva, o fim d ele tem d e d ep end er d a reform a d os hom ens. N ão
obstante, Esp inosa resolveu o p roblem a, somente no nível nacional, não p or m eio d a
manip u lação d o su p osto fator cau sal, m as m ed iante a alteração d o ambiente em qu e ele age.
Essa foi a u m só tem po a grand e incoerência e a graça salvad ora d e seu sistema. Espinosa
passou d o ind ivíd u o e d a nação ao Estad o entre Estad os p or meio d o acréscimo d e mais u m
pressu p osto ao conju nto original. Os Estad os, su p õe, são como homens; am bos exibem a
necessid ad e im p eriosa d e viver e a incap acid ad e d e organizar seu s assu ntos d e m od o coerente
d e acord o com os d itam es d a razão 5. Mas os Estad os p od em reagir à su a p róp ria op ressão, ao
passo qu e os ind ivíd u os, "d iariam ente vencid os p elo sono, com freqü ência p ela d oença e p ela
enfermid ad e mental e, no final, p ela velhice", não p od em. Os ind ivíd u os, a fim d e sobreviver,
têm d e se associar; os Estad os, p or su a p róp ria constitu ição, não estão su jeitos a u m a

4 Cobd en, esp ecialm ente seu s Speeches on Peace, Financial Reform, Colonial Reform and Other Subjects Delivered during
1849, p.135.
5 Em bora para Espinosa a u nid ad e d o Estad o resid a em últim a análise na capacid ad e d a au torid ad e suprem a d e

fazer vigir sua vontad e, ao explicar o com portam ento d os Estad os, ele u sa u m a analogia tanto com o organism o
com o com a confiança corporativa. Para o prim eiro ponto, ver Polítical Treatise, cap. ii, seção 3; cap. iii, seção 2. Para
este último, ver ibid., cap. iii, seção 14, e 1beologico-Po/itical Treatise, cap. xvi, I, p. 208.
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necessid ad e semelhante 6. As gu erras entre os Estad os são p ortanto tão inevitáveis qu anto os
defeitos presentes à natureza do homem.
A análise de Kant, apesar de em alguns aspectos ser semelhante à de Espinosa, é a um só
tem p o m ais com p lexa e m ais su gestiva. Ele d efine os hom ens como membros tanto d o m u nd o
d os sentid os com o d o mu nd o d o entend im ento. Se estivessem totalm ente neste ú ltimo, eles
semp re agiriam d e acord o com m áxim as u niversalm ente válid as, qu e eles m esm os im p oriam a
si. Eles segu iriam o im perativo categórico. Mas, com o os homens são igu almente m embros d o
primeiro, os impulsos e inclinações sobrepujam a razão, e o imperativo categórico é seguido com
tão p ou ca freqü ência qu e, no estad o d e natu reza, reinam o conflito e a violência. O Estad o civil
surge com o u m a restrição necessária. Algu ns hom ens, agind o a p artir d o conhecim ento
em pírico "e, p ortanto, m eramente contingente, têm d e contar em seu m eio com u m ju iz, e u m
ju iz cap az d e imp or su as d ecisões, p ara ser p ossível evitar a violência. Dep ois d o
estabelecim ento d o Estad o, os hom ens têm algu ma op ortu nid ad e d e se com p ortar m oralm ente.
Antes qu e o Estad o seja estabelecid o, a incerteza e a violência tornam imp ossível esse
com p ortam ento. Os homens p recisam d a segurança d a lei p ara qu e seja p ossível o
ap rim oram ento d e su a vid a m oral. O Estad o civil p ossibilita a vid a ética d o ind ivíd u o ao
proteger os d ireitos qu e eram logicam ente seu s no estad o d e natu reza, aind a qu e na verd ad e ele
não tivesse condições de gozar deles. Mas o Estado civil não é o bastante. A paz entre os Estados
e d entro d e cad a u m d eles é essencial ao d esenvolvim ento d as cap acid ad es p ecu liarm ente
hu manas. Os Estad os no mu nd o são com o os ind ivíd u os no estad o d e natu reza. N ão são
perfeitam ente bons, nem controlad os p ela lei. Conseqü entemente, o conflito e a violência entre
eles são inevitáveis. Mas essa análise não leva Kant à conclusão d e que u m Estad o m u nd ial seja
a resposta. Temend o que u m Estad o m u nd ial venha a se tornar u m terrível d esp otism o, a
sufocar a liberd ad e, a esm agar a iniciativa e, no final, a cair em anarqu ia, ele tem d e conceber
ou tra solu ção. A ou tra p ossibilid ad e d e qu e d isp u nha é d e qu e tod os os Estad os se ap rim orem a
ponto d e p assarem a agir a p artir d e m áxim as p assíveis d e serem u niversalizad as sem conflito.
Embora tema a primeira solução, Kant é demasiado cauteloso e tem uma inteligência demasiado
crítica p ara alimentar esp eranças com resp eito à ú ltim a. Em vez d isso, faz a tentativa d e
combiná-las. O objetivo d e su a filosofia política é estabelecer a esp erança d e qu e os Estad os
possam se ap rim orar o suficiente e ap rend er o bastante com o sofrim ento e a d evastação d a
gu erra p ara tornar p ossível u m regim e legal entre eles qu e não se su stente p elo p od er, m as seja
volu ntariam ente observado7. O p rimeiro fator é o ap rim oram ento interno d os Estad os; o
segu nd o, o regim e legal externo. Mas o segu nd o, send o volu ntário, d ep end e p or inteiro d a
perfeição com qu e for d e início realizad o. O "p od er" p ara imp or a lei é d erivad o não d a sanção
externa, m as d a p erfeição interna 8, Trata-se d e u ma solução d e acord o com a segu nd a imagem ,

6 Espinosa, Polítical Treatise, cap. iii, seção 11.


7 Fu nd am ental Principies of the Metaphysics of Morais", seções 2 e 3. In: Kant' s Critique 01 Practical Reason and Other
W orks on the Ibeory 01 Ethics, trad. Abbott. Sobre o estad o natural e o Estad o civil, ver Ibe Philosophy 01 Law, trad.
H astie, seções 8, 9, 41, 42, 44. Sobre a d ep end ência d a m oralid ad e d e um a cond ição d e paz entre os Estad os, ver
"The Natu ral Principie of the Political Ord er Consid ered in Connection w ith the Id ea of a Universal Cosm opolitical
H istory", Oitava Proposição. In: Eternal Peace and Other International Essays, trad . H astie. Sobre as características d a
fed eração internacional, ver "The Principie of progress Consid ered in Connection w ith the Relation of Theory to
Practice in International Law ". In: ibid., pp. 62-5; "Eternal Peace", Prim eiro e Segu nd o Artigos Definitivos. In: ibid.; e
Ibe Philosophy 01 Law, trad. Hastie, seção 61.
8 Cad a repú blica, a form a d o Estad o que Kant consid era boa, "incapaz d e preju d icar qualqu er ou tra p or m eio d a

violência, tem d e m anter a si m esm a apenas por m eio d a ju stiça; e pod e esperar, com bases concretas, qu e as ou tras,
send o constitu íd as com o ela m esm a, virão, em ocasiões d e necessid ad e, em sua aju d a". ("The Principie of Progress
Consid ered in Connection w ith the Relation of Theory to Practice in International Law". In: Eternal Peace and Other
International Essays, trad . H astie, p. 64.) As repú blicas, é forçoso qu e Kant su ponha, agirão d e acord o com o
imperativo categórico.
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ou seja, pela m elhoria d os Estad os ind ep end entes, aind a qu e a p róp ria análise d e Kant nos leve
a qu estionar su a conclusão. N o nível d o Estad o, u m sistem a p olítico ad equ ad o p ermite aos
ind ivíd u os com p ortar-se eticamente; u m sistem a d e ad equ ação com p arável não é possível no
âmbito internacional. Aind a assim tem os d e alimentar a esp erança d e p az entre Estad os. A
incoerência é evid ente, aind a que seu caráter flagrante seja um tanto red u zid o p ela confissão d e
Kant d e qu e estabeleceu , não a "inevitabilid ad e" d a p az p erp étu a, m as ap enas qu e a existência
de uma tal condição não é impensável9.
N a filosofia d e Rou sseau , consid erad a neste cap ítu lo como u m a teoria d as relações
internacionais, a ênfase na estru tu ra d e ação d o Estad o torna d esnecessários alguns d os
pressupostos de Espinosa e de Kant; e torna impossíveis outros pressupostos seus.

Jean-Jacques Rousseau

Ao examinar as tentativas d e ou tros filósofos p ara com p reend er u m estad o d e natu reza
real ou hip otético, Montesqu ieu e, tal com o ele, Rou sseau foram levad os a fazer o mesm o
com entário crítico. Montesqu ieu d iz d e H obbes qu e ele "atribu i à hu manid ad e antes d o
estabelecim ento d a socied ad e o qu e só p od e acontecer como conseqü ência d esse
estabelecimento"10. Tanto Montesqu ieu com o Rou sseau su stentam qu e o estad o d e natu reza d e
Hobbes - e o mesmo se ap lica a Esp inosa - é um a ficção constru íd a a p artir d a su p osição d e que
os hom ens na natu reza p ossu em tod as as características e hábitos qu e ad qu irem em socied ad e,
mas sem as restrições qu e esta im põe. Antes d o estabelecim ento d a socied ad e, os hom ens não
haviam d esenvolvid o os vícios d o orgu lho e d a inveja. N a verd ad e, não p od eriam d esenvolvê-
los, d ad o qu e são raras as ocasiões em qu e vêem u ns aos ou tros. Sem p re qu e o acaso os reúne, a
consciência d a fraqu eza e d a im p otência os d issu ad e d e atacar u ns aos ou tros. Como não
conhece o orgu lho nem a inveja, a p arcimônia nem a ganância, o hom em só ataca o ou tro se
levado peta fome11.
Sob u m a certa p erspectiva, essa crítica a H obbes é m eramente u m sofism a. Montesqu ieu
e Rou sseau chegam a u m a conclu são d iferente ap enas p or com eçarem, em su a p ré-história
im aginária, u m p asso atrás d e Esp inosa e d e H obbes. Mas d esta forma enfatizam u m p onto
importante. Dada a dificuldade de se conhecer algo' como a natureza humana pura12, visto que a
natu reza hu mana qu e d e fato conhecem os reflete a u m só tem p o a natu reza d o hom em e a
influ ência d e seu am biente 13, d efinições d a natu reza hu m ana com o as d e Esp inosa e H obbes são
arbitrárias e não p od em levar a conclu sões sociais e p olíticas válid as. Ao m enos teoricam ente,
podem-se isolar características adquiridas em contato com o ambiente e chegar a uma concepção
d a natu reza hu m ana em si. O p róp rio Rou sseau ap resentou "certos argu m entos e arriscou certas
conjectu ras" nesse sentid o 14. A p róp ria d ificu ld ad e d o emp reend imento e a incerteza d o
resu ltad o acentu am o erro d e tom ar o homem social com o o hom em natu ral, com o fizeram
H obbes e Esp inosa. E, em lu gar d e tirar conclu sões sociais d iretamente d e características

9 . Esta interpretação, sustentad a pela consid eração d o pensam ento político d e Kant no contexto d e su a filosofia
moral, contrasta com a que se vê no livro de Friedrich sobre Kant, Inevitable Peace.
10 Montesqu ieu, Ibe Spirit of the Laws, trad. Nu gent, livro I, cap. ii [trad . bras. O espírito das leis, São Pau lo, Martins

Fontes, 2i ed., 1996]. Cf. Rousseau, Inequality, pp. 197,221-3. As referências de páginas são a The Social Contract and
Discourses, trad. Cole, que contém Ibe Social Contract [trad. bras. O contrato social, São Paulo, Martins Fontes, 3i ed.,
1996], A Discourse on the A rls and Sciences, A Discourse on the Origin q( Inequality [trad . bras. Discurso sobre a origem
e os fundamentos da desigualdade entre os homens, São Paulo, Martins Fontes, 2i ed ., 1999] e A Discourse on Political
Economy.
11 Montesquieu, The Spirit of the Laws, trad. Nugent, livro I,cap. iii; Rousseau, Inequality, pp. 227-33.
12 Rousseau, Inequality, pp. 189-91.
13 Les Confessions, livro IX. In: Oeuvres completes de J.J. Rousseau, VIII, p. 289: "Au cu n peu ple ne seroit jam ais qu e ce

qu e Ia natu re d e son gou vem em ent le feroit être." [N enhu m a p essoa será um d ia senão aqu ilo qu e a natu reza d e
seu governo a fizer ser.]
14 Rousseau, Inequality, p. 190.

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humanas presumidas, Montesquieu alega que o conflito surge da situação social: "Tão logo entra
em estad o d e socied ad e, o hom em p erd e o sentid o d e su a fraqu eza; a igu ald ad e cessa e então
com eça o estad o d e gu erra. 15
Rou sseau ad ota e d esenvolve essa avaliação d as cau sas d o conflito 16. Ela levanta três
interrogações: 1. Por qu e, se o estad o original d e natu reza era d e paz e calm a relativas, o hom em
um dia o deixou? 2. Por que o conflito surge em situações sociais? 3. Como o controle do conflito
se relaciona com sua causa?
Para Esp inosa e H obbes, a form ação d o Estad o e d a socied ad e foi u m ato d e vontad e
qu e serviu com o recurso para escap ar d e u ma situ ação intolerável. Do m esmo m od o, Rou sseau
por vezes, em sua explicação d o estabelecim ento d o Estad o, p arece su p or o em p rego pu ram ente
intencional d e engenho e d e ard is 17. Em ou tras ocasiões, Rou sseau d escreve o estabelecim ento
d o Estad o com o o p onto cu lminante d e u m a longa evolu ção histórica qu e contém elementos d a
exp eriência, interesses p ercebid os, hábitos, trad ição e necessid ad e. A p rimeira linha d e
pensamento leva ao Contrato social; a segunda, à explicação presente em Discurso sobre a origem da
desigualdade entre os homens. A ap arente contrad ição é elim inad a p elo fato d e Rou sseau
consid erar a p rim eira u ma exp licação filosófica d o qu e aconteceu em term os d e p rocessos
históricos, e, a segunda, uma reconstrução hipotética desses processos.18
N o estad o inicial d e natu reza, os homens estavam su ficientemente d isp ersos p ara tornar
desnecessário tod o e qualqu er p ad rão d e coop eração. Mas, p or fim , a combinação d e u m
nú mero crescente d e p essoas com os acasos natu rais costu meiros ap resentou , em várias
situ ações, a p rop osição: coop erar ou m orrer. Rou sseau ilustra a linha d e raciocínio com o
exem p lo m ais sim ples. Vale a p ena rep rod u zi-lo, d ad o ser ele o ponto d e p artid a p ara o
estabelecim ento d o governo e p or conter igu alm ente a base p ara a explicação d os conflitos nas
relações internacionais. Suponha que cinco homens que adquiriram uma capacidade rudimentar
d e falar e d e com p reend er u ns aos ou tros se reú nam nu m m om ento em qu e tod os estão
famintos. A fom e d e cad a u m será saciad a p or u m qu into d e u m cervo, d e m od o qu e eles
"concord am " em coop erar no p rojeto d e ap anhar u m cervo nu m a armad ilha. Mas, d o mesmo
mod o, a fom e d e cad a u m será satisfeita p or u m coelho, d e mod o qu e, como u m coelho está ao
alcance, u m d os hom ens o ap anha. O traid or obtém o meio d e satisfazer su a fome, mas, ao
ap anhar o coelho, p erm ite que o cervo escap e. Seu interesse im ed iato p revalece sobre a
consideração pelos companheiros19.
A história é sim p les; su as im p licações são tremend as. N a ação d e coop eração, mesmo
qu e tod os concord em com relação à meta e tenham p elo p rojeto igu al interesse, não p od em
confiar nos outros. Esp inosa vincu lou o conflito cau salm ente à razão imp erfeita d o hom em .
Montesqu ieu e Rou sseau se contrap õem à análise d e Esp inosa com a p rop osição segu nd o a qu al
as fontes d o conflito não estão tanto na m ente d os hom ens qu anto na natu reza d a ativid ad e
social. A d ificu ld ad e é até certo p onto verbal. Rou sseau conced e qu e, se soubéssem os com o
receber a verd ad eira ju stiça qu e vem d e Deu s, "não p recisaríam os d e governo nem d e leis"20.
Isso corresp ond e à p rop osição d e Espinosa segu nd o a qu al "os hom ens, na med id a em qu e
vivem na obed iência à razão, vivem necessariamente em harm onia entre si"21. A id éia é u m
tru ísmo. Se os hom ens fossem p erfeitos, a p erfeição se refletiria em tod os os. seu s cálcu los e

15 Montesquieu, The Spirit of the Laws, trad. Nugent, livro I, cap. iiL o grifo é de Waltz.
16 Ver especialmente Inequality, pp. 234 ss.
17 Ver, por exemplo, The Social Contract, pp. 4, 7, livro I, caps. i, iv.
18 Em Inequality, pp. 190-1, ele se refere ao estad o d e natu reza com o "u m estad o qu e não existe m ais, talvez nem

tenha d e fato existid o e provavelm ente nu nca vai existir; e com respeito ao qual é não obstante necessário ter id éias
corretas". Cf. ibid., p. 198.
19 . lbid., p. 238.
20 Social Contract, p. 34, livro lI, cap. vi; cf. Political Ecónomy, p.296.
21 Espinosa, Ethics, parte IV, prop. xxxv, prova.

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ações. Tod os p od eriam confiar no comp ortam ento d os outros, e tod as as d ecisões seriam
tom ad as d e acord o com princíp ios que p reservariam u ma verd ad eira harmonia d e interesses.
Esp inosa enfatiza não as d ificu ld ad es inerentes à m ed iação d e interesses conflitantes, mas o
caráter d eficiente d a razão d o hom em , qu e os im p ed e d e tomar coerentem ente d ecisões que
atend am ao interesse d e cad a u m e favoreça o bem d e tod os. Rousseau enfrenta o mesm o
problema. Ele imagina como os hom ens se comp ortavam qu and o com eçaram a d ep end er u ns
d os ou tros para prover su as necessid ad es d iárias. Enqu anto cad a u m atend ia a seu s' p róp rios
d esejos, não p od ia haver conflito; sem p re qu e a combinação entre obstácu los natu rais e
crescim ento p op u lacional tornava a coop eração necessária, su rgiam os conflitos. Portanto, no
exem p lo d a caça ao cervo, a tensão entre o interesse im ed iato d e u m d eterm inad o homem e o
interesse geral d o gru p o é resolvid a p ela ação u nilateral d esse homem. N a m ed id a em qu e foi
motivad o p or u m a sensação d e fom e, seu ato é d e p aixão. A razão p od eria ter lhe d ito qu e seu
interesse d e longo p razo d ep end e d e ele estabelecer, p or meio d a exp eriência, a convicção d e
qu e a ação coop erativa beneficiará tod os os p articip antes. Mas a razão também lhe d iz qu e, se
d eixar o coelho escap ar, o homem qu e está ao lad o d ele p od erá d eixar seu lu gar p ara caçá-lo,
deixand o o p rimeiro com nad a m ais d o que o alim ento constitu íd o p elo p ensamento d a tolice
que é ser leal.
O p roblem a é agora elaborad o em termos mais su gestivos. Para a harm onia existir em
meio à anarqu ia, não só tenho d e ser p erfeitam ente racional, com o d e ser cap az d e su p or que
tod as as ou tras p essoas o são igu alm ente. Do contrário, não há base para o cálcu lo racional.
Ad m itir em m eu cálcu lo os atos irracionais alheios p od e não levar a nenhu m a solu ção d efinid a;
porém tentar agir a p artir d e u m cálcu lo racional sem ad mitir isso p od e levar à minha ru ína.
Este ú ltim o argum ento reflete-se nos com entários d e Rou sseau sobre a p rop osição segu nd o a
qu al "u m p ovo com p osto p or verd ad eiros cristãos form aria a mais p erfeita socied ad e
im aginável". Em p rim eiro lu gar, ele assinala qu e tal socied ad e "não seria u m a socied ad e d e
hom ens". Ad em ais, afirm a ele, "p ara qu e o Estad o seja p acífico e a harm onia seja mantid a, todos
os cid ad ãos, sem exceção, teriam d e ser [igu almente] bons cristãos; se p or u m infeliz acaso
hou vesse u m ú nico egoísta e hip ócrita..., este por certo levaria a m elhor sobre seus p ios
compatriotas"22
Se d efinirm os a ação coop erativa com o racional e tod o d esvio d ela com o irracional,
tem os d e concord ar com Esp inosa qu e o conflito resulta d a irracionalid ad e d os hom ens. Mas, se
examinam os as exigências d a ação racional, d escobrimos qu e m esmo nu m exemp lo tão sim p les
qu anto a caça ao cervo temos d e su p or qu e a razão d e cad a u m leve a u ma id êntica d efinição d e
interesse, qu e tod os chegu em à m esma conclu são qu anto aos métod os aprop riad os p ara
enfrentar a situ ação original, qu e tod os concord em instantaneam ente com resp eito à ação
exigid a p or qu aisqu er incid entes qu e tragam à baila a qu estão d e alterar o p lano original e que
cad a u m p ossa confiar com p letamente na firmeza d e p rop ósitos d e tod os os ou tros. A ação
perfeitam ente racional exige não só a p ercep ção d e qu e nosso bem-estar está vincu lad o ao bem -
estar d os ou tros, com o tam bém u ma avaliação perfeita d os d etalhes d e m od o qu e p ossamos
resp ond er à p ergu nta: de que modo exatam ente ele está ligad o ao d e tod os? Rou sseau concord a
com Espinosa ao recu sar-se a rotu lar o ato d o qu e ap anhou o coelho com o bom ou ru im ; ao
contrário d e Esp inosa, ele se recu sa aind a a rotu lá-lo como racional ou irracional. Ele p ercebeu
qu e a d ificu ld ad e não resid e ap enas nos atores, m as também nas situ ações qu e têm d iante d e si.
Embora de modo algum ignore o papel que a avareza e a ambição desempenham no surgimento
e na am p liação d o conflito 23, a análise d e Rousseau d eixa claro o grau em qu e o conflito ap arece

22 Social Contract, pp . 135-6, livro IV, cap. viii. O grifo é d e Waltz. A palavra "igu alm ente" é necessária para um a
tradução precisa do texto francês, mas não aparece na tradução citada.
23 A Lasting Peace, trad . Vau gham , p. 72. N a p. 91, Rou sseau refere-se aos hom ens com o "inju stos, avaros e tend end o

a colocar seus próprios interesses acim a d e tod as as coisas". Isso levanta a questão d a relação d a terceira com a
primeira imagem, que vai ser discutida no capo oito, adiante.
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inevitavelmente nos assuntos sociais dos homens.


Em su m a, a p rop osição d e qu e a irracionalid ad e é a causa d e tod os os p roblem as d o
mu nd o, no sentid o d e qu e u m m u nd o d e hom ens p erfeitam ente racionais não conheceria
d esacord os nem conflitos, é, com o Rou sseau d eixa imp lícito, tão verd ad eira qu anto irrelevante.
Como o m u nd o não p od e ser d efinid o em term os d e p erfeição, o p roblem a m u ito real d e como
nos ap roximam os d a harm onia na ativid ad e coop erativa e comp etitiva sem p re nos acomp anha
e, não send o a perfeição possível, configu ra-se com o u m p roblema qu e não p od e ser resolvid o
sim p lesm ente m u d and o-se os homens. Rou sseau a essa altu ra já tornou p ossível d escartar d ois
d os pressu p ostos d e Esp inosa e Kant. Se o conflito é o su bp rod u to d a com p etição e d as
tentativas d e coop eração em socied ad e, é d esnecessário su p or ser a au topreservação a ú nica
motivação d o hom em ; p orqu e o conflito resu lta d a bu sca d e qu alqu er meta - m esm o qu e ao
buscá-la tentemos agir de acordo com o imperativo categórico de Kant.

Da natureza ao Estado

N o estad o d e natu reza, tanto p ara Rou sseau com o' p ara Esp inosa e Kant, os hom ens são
governad os p elo "instinto", p elos "imp u lsos físicos" e p elo "d ireito d e apetite"; e a "liberdade... só
é limitad a p ela força d o ind ivíd u o". Os acord os não p od em ser mantid os, p ois "na falta d e
sanções naturais, as leis d a ju stiça não têm vigência entre os hom ens"24. Sem a p roteção d a lei
civil, m esm o a agricu ltu ra é im possível, pois quem, p ergu nta Rousseau , "iria cometer o d esatino
d e se d ar ao trabalho d e cultivar u m camp o d o qu al o p rim eiro qu e p assar p od e fu rtar os
fru tos?". É imp ossível ser p revid ente, p orqu e, sem regu lam entação social, não p od e haver
obrigação d e resp eitar os interesses, os d ireitos e a p rop ried ad e alheios. Mas ser p revid ente é
d esejável, p ois torna a vid a mais fácil; ou até necessário, p ois a p op ulação começa a exercer
pressão sobre a qu antid ad e d isp onível d e alim entos sob u m d eterm inad o m od o d e p rod u ção.
Algu ns hom ens u nem -se, estabelecem regras que controlam as situ ações d e coop eração e
competição e organizam os m eios d e fazer essas regras serem cu m p rid as. Os ou tros são
obrigad os a segu ir o novo pad rão, p ois os qu e se acham fora d a socied ad e organizad a, os qu e
são incap azes d e coop erar d e mod o eficaz, não p od em se op or à eficiência d e u m gru p o u nid o e
que goza dos benefícios de uma divisão social do trabalho 25.
É evid ente qu e, ao p assar d o estad o d e natu reza ao Estad o civil, o homem se beneficia
materialm ente. Porém há m ais d o qu e ganhos m ateriais envolvid os. Rou sseau d eixa isso claro
nu m breve cap ítu lo d e O contrato social, qu e Kant m ais tard e segu iu d e perto. "A p assagem d o
estad o d e natu reza ao Estad o civil", d iz Rou sseau , "p rod u z no hom em u m a m u d ança m u ito
notável' ao su bstitu ir em su a cond u ta o instinto pela justiça e ao conferir às su as ações a
moralid ad e d e qu e antes careciam ." Antes d o estabelecimento d o Estad o civil, o hom em p ossu i
um a liberd ad e natural; tem d ireito a tu d o aqu ilo qu e p u d er consegu ir. Ele aband ona essa
liberd ad e natu ral ao ingressar no Estad o civil. Em troca, recebe "a liberd ad e civil e o d ireito d e
prop ried ad e d e tu d o o qu e p ossu i". A liberd ad e natu ral se torna liberd ad e civil; a p osse se torna
prop ried ad e. E, além d isso, "o homem ad qu ire, no Estad o civil, a liberd ad e m oral, a ú nica qu e o
torna o verd ad eiro senhor d e si mesmo; p orqu e o mero imp u lso d o ap etite é escravid ão, ao
passo que a obediência a uma lei que prescrevemos a nós mesmos é liberdade"26.

O Estado entre Estados

Para Rousseau , assim com o p ara Kant, o Estad o civil contribu i p ara a possibilid ad e d e

24 Social Contract, pp. 18-9, livro I, capo viii; p. 34, livro 11, capo vi.
25 Inequality, pp . 212, 249-52. O d esenvolvim ento d ialético, no qu al cad a passo ru m o ao estad o social prod u z
dificuldades e quase desastres, é especialmente interessante.
26 Social Contract, pp. 18-9, livro I, capo viii.

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um a vid a moral, em bora Rou sseau conceba a contribuição com o mais p ositiva, u m tanto à
maneira d e Platão e Aristóteles. Mas o qu e d izer d a situ ação entre os próp rios Estad os civis?
N esse p onto, Esp inosa voltou à análise qu e ap licara aos ind ivíd u os no estad o d e natu reza, em
qu e, p ensava, o conflito resu ltara d a razão d eficiente d o' hom em . Tam bém Kant tornou à su a
análise d o conflito original entre os hom ens, mas no caso d ele a exp licação incluiu tanto a
natu reza d as u nid ad es em choqu e com o o ambiente d estas. As explicações d e Rou sseau e d e
Kant assemelham-se, mas a de Rousseau é mais coerente e completa.
O teórico d o contrato social, seja ele Esp inosa, H obbes, Locke, Rou sseau ou Kant,
com p ara o com p ortamento d os Estad os no mu nd o ao d os homens em estad o d e natu reza. Ao
definir o estad o d e natu reza com o a situação na qual as u nid ad es atu antes, hom ens ou Estad os,
coexistem sem u m a autorid ad e acima d e si, p od e-se ap licar a exp ressão a Estad os d o mu nd o
mod erno tanto qu anto a hom ens qu e vivam fora d e u m Estad o civil. Está claro que os Estad os
não reconhecem u m su p erior comu m ; mas será p ossível d escrevê-los com o u nid ad es atu antes?
Temos d e examinar essa qu estão antes d e consid erar a d escrição esqu emática qu e Rou sseau
apresenta do comportamento do Estado entre Estados.
Rou sseau, tal como Esp inosa, p or vezes u sa analogias com a confiança corp orativa e
com o organism o. A p rimeira acha-se im p lícita em su a afirm ação d e que o soberano não p od e
fazer coisa algu ma cap az d e p reju d icar a continu id ad e d a existência d o Estad o. O objetivo d o
Estad o é "a p reservação e a p rosp erid ad e d e seu s membros"27. A analogia com o organismo
reflete-se na alegação d e qu e "o corp o p olítico, consid erad o isolad amente, p od e ser consid erad o
com o u m corp o vivo organizad o, qu e lem bra o d o hom em ". N a qu alid ad e d e ser vivo, "o mais
im p ortante d e seus cu id ad os é o cu id ad o com su a próp ria p reservação"28. Mas Rou sseau
acautela-nos d e qu e usa a analogia sem rigor. A id entid ad e d o ind ivíd u o e a m otivação d o
Estad o é u ma p ossível coincid ência, não, com o em Esp inosa, u m pressup osto necessário. E
Rou sseau d efine d e m od o consid eravelm ente cu id ad oso o qu e qu er d izer ao d escrever o Estad o
como uma unidade completa de vontade e propósito.
A esse respeito, p od e-se consid erar qu e Rou sseau d istingu e d ois casos: os Estad os com o
os tem os e os Estad os constitu íd os como d evem ser. Com relação ao p rim eiro, ele d eixa claro
qu e não se p od e p resu m ir qu e o interesse d o Estad o e o d o soberano coincid am . N a verd ad e, na
maioria d os Estad os seria estranho qu e coincid issem, visto qu e o soberano, longe d e cu id ar d os
interesses d e seu Estad o, raram ente d eixa d e ser m ovid o p ela vaid ad e p essoal e p ela ambição.
Mesmo a esses Estad os as analogias com o organism o e a corporação têm ap licação lim itad a,
levando-se em conta qu e, nu m certo sentid o, o Estad o continu a a ser u ma u nid ad e. O soberano,
d esd e qu e d etenha p od er su ficiente, realiza seu d esejo com o se fosse o d esejo d o Estad o. Isso
está em p aralelo com Esp inosa, qu e sim p lesmente su p õe qu e, nas relações internacionais, o
Estad o tem d e ser' consid erad o com o agind o em favor d e tod os os seu s m embros. Rousseau
acrescenta a isso u m a análise qu e, com p lementad a e corroborad a p ela história su bseqü ente d o
nacionalism o, revela qu e o Estad o p od e tornar-se u m a u nid ad e nu m sentid o m ais p rofu nd o d o
qu e p od e alcançar a filosofia d e Esp inosa. Rou sseau alega qu e, em certas circu nstâncias, u m
Estad o concretiza a vontad e geral em su as d ecisões, send o a vontad e geral d efinid a com o a
d ecisão d o Estad o d e fazer o qu e é "o m elhor" p ara os seu s membros consid erad os
coletivamente. A' u nid ad e d o Estad o é realizad a qu and o existem as cond ições necessárias à
efetivação da vontade geral.
Dificilmente se p od e d ed u zir d essa formu lação abstrata u ma resp osta à qu estão qu e
interessa a Rou sseau : sob qu e cond ições o Estad o realiza a u nid ad e qu e d eseja para si?
Felizmente, é bem fácil tornar concreta a form ulação d o filósofo. O esp írito p ú blico ou o

27Ibid., pp. 16-7, livro I, capo vii; p. 83, livro III, capo ix.
28Polítical Economy, p. 289; Social Contract, p . 28, livro 11, capo iv: "A vid a d o governo equ ipara-se à d o hom em .
Este tem o d ireito d e m atar em caso d e d efesa natural; aqu ele tem o d ireito d e m over gu erras em favor d e sua
própria preservação."
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patriotism o, d iz, é a base necessária d e u m bom Estad o. N a tribo prim itiva, a interd ep end ência
econômica e a p ressão vind a d e fora p rod u zem a solid aried ad e d o gru p o. Em m eio às m aiores
com p lexid ad es d o sécu lo XVIII; Rou sseau teme qu e se tenha p erd id o o esp írito d e solid aried ad e
presente nos gru p os sociais ou p olíticos d e u m a ép oca m ais simp les. "Já não há hoje", escreve,
"franceses, alemães, esp anhóis, ingleses...; há somente eu ropeu s." Tod os têm os mesmos gostos,
paixões e moral, p orqu e nenhu m tem o caráter m old ad o d e m aneira d istintiva p or su as
institu ições nacionais 29. Rousseau ju lga qu e o p atriotismo corre o risco d e p erd er-se nu m
amálgam a d e p aixões op ostas ad vind as d e interesses su bnacionais ou transnacionais. Como o
patriotism o, entre tantos ou tros interesses, p od e p rogred ir? Esta é a p ergu nta a qu e Rou sseau
responde. Sua resposta é:

Se as crianças forem ed u cad as em com u m no seio d a igu ald ad e; se forem


imbuíd as d as leis d o Estad o e d os p receitos d a vontad e geral; se forem
instru íd as a respeitá-las acim a d e tod as as coisas; se forem cercad as p or
exemp los e objetos qu e as record em sem cessar a terna mãe qu e as nu tre, o
am or qu e tem p or elas, os inestim áveis benefícios qu e d ela recebem e a
retribu ição qu e lhe d evem , não há d ú vid a d e qu e ap rend erão a tratar-se
afetuosam ente com o irm ãos, a não fazer nenhu m a coisa contrária à vontad e
d a socied ad e, a su bstitu ir a vã tagarelice d os sofistas p or ações d e hom ens e
cid ad ãos e a tornar-se, a seu tem p o, d efensores e p ais d o p aís d e que terão
sido por tanto tempo filhos.30

N u m Estad o com essas características, elim ina-se o conflito e alcança-se a u nid ad e


porqu e, d e u m p onto d e vista negativo, a igu ald ad e evita o d esenvolvim ento d os interesses
parciais tão fatíd icos p ara a u nid ad e d o Estad o; d e u m p onto d e vista p ositivo, a incu lcação d o
sentimento p ú blico transm ite ao cid ad ão u m esp írito d e d evoção ao bem-estar d o tod o 31. A
vontade do Estado é a vontade geral; não há problemas de desunião nem de conflito.
N o estu d o d a p olítica internacional, convém p ensar sobre os Estad os com o u nid ad es
atu antes. Ao m esm o tem p o, constitu iu violência ao senso com u m falar d o Estad o, qu e é, afinal,
um a abstração e, p ortanto, inanimad o, com o atu ante. Trata-se d e u m aspecto im p ortante p ara
qu alqu er teoria d as relações internacionais e, d e mod o esp ecial, p ara a terceira im agem . O
quanto são geralmente aplicáveis as reflexões de Rousseau a esse problema?
O filólogo Eric Partridge comentou a tendência geral dos povos primitivos de se referir a
si mesmos com o "os hom ens" ou "o p ovo", d esignações qu e im p licam serem eles m elhores d o
que grupos semelhantes, bem corno distintos deles32
Heród oto d escobriu qu e os p ersas se consid eravam u m p ovo tão grand iosamente
sup erior qu e avaliavam o mérito d e ou tros p ovos d e acord o com sua p roxim id ad e geográfica d a
Pérsia33. Os gregos aplicarem a mesma idéia a si mesmos é lugar-comum na literatura helênica, e
os ju d eu s tinham certeza d e ser o p ovo eleito d e Deu s. O sentim ento aqui exp resso é o

29 Considérations sur le Gouvernement de Polonie. In: Vaughan, org., 7be Polítical W ritings ojJean-jacques Rousseau, n, p .
432. O trecho segu inte, usad o abaixo, tam bém é citad o d e seu trabalho Projet de Constitution pour Ia Corse e d e
excertos de Émile.
30 Polítical Economy, p. 309.
31 Sobre a im portância d a igu ald ad e, ver Considérations sur lê Gouvernement de Pologne, especialm ente n, pp. 436,

456; Projet de Constitution pour Ia Corse, n, pp . 337-8; e Polítical Economy, p. 306. Sobre a im portância d a criação d o
patriotismo, ver Considérations sur le Gouvernement de Pologne, especialmente n, p. 437.
32 Partrid ge, "We A re Tbe People". In: Here, Tbere, and Everywhere, pp . 16-20. Cf. "War". In: Sumner, W ar and Other

Essays, org. KelJer, p. 12: "Talvez nove d écim os d e tod os os nom es atribu íd os por tribos selvagens a si m esm as
significam 'H om ens', 'Os Únicos H om ens' ou 'H om ens d e H om ens', ou seja, nós som os hom ens, e o resto é algum a
outra coisa."
33 Tbe History of Herodotus, trad. Rawlinson, I, p. 71.

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s e n tim e n t o d e g r u p o o u d e patriotism o local. Antes d o sécu lo XVIII, o sentimento confinava-se


qu er a u rna p equ ena parcela d a p op u lação esp alhad a nu m a área relativam ente am p la, quer a
urna p orcentagem maior d e p essoas qu e viviam nu m a área relativamente p equ ena. Um
exemplo da primeira situ ação é a resistência d a França à interferência d o Pap a Bonifácio VIII em
qu estões em torno d as qu ais o rei, a nobreza e o clero se u niam p ara consid erar d om ésticas. Um
exemplo da segunda é o sentimento cívico das cidades gregas e de algumas cidades medievais.
A existência d o p atriotism o d e gru p o não tem sentid o esp ecial p ara a nossa análise até
qu e, como d iz C. J. H . H ayes, se fu nd e à id éia d e nacionalid ad e. Tem os então o fato d e imensa
importância qu e é o nacionalismo m od erno. H ans Kohn assinala qu e o nacionalism o é
im p ossível sem a id éia d e soberania p op u lar; que a em ergência d o nacionalismo é sinônimo d a
integração d as m assas nu ma forma p olítica comu m 34. Urna tal integração é o id eal d os escritos
políticos d e Rou sseau , m as ele, tal corno Platão, só a ju lgava p ossível no âm bito d e u rna área
estreitam ente circu nscrita - a cid ad e-Estados35. Com o d esenvolvim ento d a tecnologia m od erna,
esp ecialm ente corno ap licad a aos meios d e transp orte e d e com u nicação, tornou -se possível
pensar os interesses d os ind ivíd u os corno firmemente com p lem entares, m esm o sem o u so d os
recu rsos qu e Rou sseau ju lgava necessários, em áreas bem mais am p las d o qu e ele p od eria
visualizar. A escala de atividade mudou, mas não a idéia.
A id éia d e nacionalismo não im p lica que a ú nica ad esão seja à nação. Tem -se contu d o
mostrad o cad a vez m ais verd ad eiro em sécu los recentes qu e a m aioria d as p essoas sente com
relação ao Estad o urna leald ad e qu e sobrep u ja su a leald ad e a qu ase tod os os ou tros gru p os. Os
hom ens já sentiram p ela Igreja u rna leald ad e que os d isp ôs a sacrificar p or ela a vid a na gu erra.
A m assa d e hom ens vem sentind o nos tem p os mod ernos urna leald ad e semelhante p elo Estad o
nacional. O nacionalismo moderno admite exceções, mas' estas raram ente resu ltaram em grand e
número de negações da primazia da nação nas lealdades de seus cidadãos.
A força centríp eta d o nacionalism o pod e ela m esma exp licar p or qu e se tem cond ições
d e p ensar os Estad os corno u nid ad es. Mas é d esnecessário basear tod a a análise nesse p onto.
Rou sseau d eixou claro qu e " su a análise se ap lica a d ois casos: 1. se o Estad o é urna u nid ad e qu e
pod e com algu m a p rop ried ad e receber o ad jetivo "orgânico". Aind a qu e Rou sseau não tenha
previsto, isso veio a ser o caso d e mu itos Estad os qu e na m aioria d os outros asp ectos se acham
bem d istantes d e seu id eal; 2. se o Estad o só é u ma u nid ad e no sentid o d e qu e algu m p od er no
Estado se estabeleceu a tal ponto que suas decisões são aceitas como decisões do Estado.
Em tod o e qu alqu er Estad o real, a situ ação pod e ser d escrita d a seguinte m aneira. Em
nom e d o Estad o, form u la-se u m a p olítica qu e é ap resentad a a ou tros p aíses com o se fosse, p ara
usar a term inologia d e Rou sseau , a vontad e geral d o Estad o. Os d issid entes d entro d o Estad o
são movidos por duas considerações: sua incapacidade de usar a força para alterar a decisão; sua
convicção, basead a no interesse percebid o e na leald ad e consuetu d inária, d e qu e, a longo p razo,
é vantajoso p ara eles segu ir a d ecisão nacional e trabalhar p or su a mu d ança d e acord o com as
formas p rescritas e aceitas. Qu anto pior o Estad o, nos pad rões d e Rou sseau, tanto mais
im p ortante a p rimeira consid eração e, em ú ltim o caso, a u nid ad e d o Estad o é ap enas o p u ro
pod er d o soberano de facto. Por ou tro lad o, qu anto m elhor o Estad o, ou , p od emos acrescentar
hoje, qu anto m ais nacionalista, tanto mais a segu nd a consid eração é suficiente; e, em último
caso, a concord ância d os cid ad ãos com a form u lação d a p olítica externa d o governo é total. Em
ambos os casos, o Estad o é visto p elos ou tros Estad os com o u m a u nid ad e. Tod o "Estad o" não
com p atível com os termos d a d escrição p reced ente já não p od eria ser consid erad o u m a u nid ad e
para p rop ósitos d e análise d e p olítica internacional, mas, como tam bém cessaria d e ser Estad o,

34Hayes, Essays on Nationalism, p. 29; Kohn, Tbe Idea ofNationalism, pp. 3-4.
35Cf. o conselho que ele dá em Consídératíons sur le Gouvernement de pologne, n, p. 442: "Commencez par resserrer vos
lim ites, si vou s voulez réform er votre Gouverm ent." [Se d esejais reform ar vosso governo, com eçai p or restringir
vossos limites.]
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is s o n ã o co m p lica n o s s o p r o b le m a . A lg u m a s q u e s tõ e s v ê m a s e r q u e s tõ e s d e p o lítica e x te r n a ;
algumas questões de política externa pedem escolhas únicas; algumas dessas escolhas têm de ser
ap oiad as p elo Estad o com o u m tod o sob p ena d e este d esap arecer - e, com ele, o p roblem a d a
sua u nid ad e. Se tem os u m Estad o, tem os u ma' p olítica externa e, na p olítica externa, o Estad o
tem de se pronunciar na hora certa em uma só voz.
H á u m a consid eração ad icional qu e faz a nação agir d e m od o m ais coerente com o
unidade do que sugere a análise precedente. Em momentos de crise e, de modo especial, na crise
d a gu erra, as tentativas d e conseguir u m a ap rovação qu ase u nânim e d a p olítica externa têm
grand es p robabilid ad es d e ser bem -su ced id as. A frente u nid a é criad a p elos sentim entos d os
indivíd u os, p or su a convicção d e qu e su a p róp ria segu rança d ep end e d a segu rança d e seu
Estad o. Esta é im p osta p elas ações d o Estad o, qu e p u ne os traid ores e recomp ensa os qu e são
mais eficaz ou esp etacu larm ente p atriotas. É imp osta p elas p ressões d e d entro d a socied ad e: o
ultraje d o coro em Os acarnianos d e Aristófanes em reação à d efesa d os inimigos d e Atenas p or
Diceópolis reflete-se na experiência de tempos de guerra de todas as sociedades.
Em su ma, a u nid ad e d e u ma nação é alimentad a não somente p or fatores internos com o
também p elos antagonism os tão freqü entes nas relações internacionais. Esses antagonismos
tornam-se imp ortantes não qu and o resu ltam em sentimentos d e ód io entre ind ivíd u os d e
d iferentes países, m as qu and o o Estad o mobiliza recu rsos, interesses e sentimentos p or trás d e
um a p olítica d e gu erra. Sentimentos d e inim izad e p reced entem ente incu lcad os p od em tornar
um a p olítica d e gu erra m ais provável, assim com o au mentar su as chances d e sucesso. Mas a
gu erra p rossegu e aind a qu e o sold ad o d e infantaria d a linha d e frente p refira fazer tud o m enos
d ar tiros no inim igo. Os ind ivíd u os p articip am d a gu erra p orqu e são mem bros d e Estad os. Essa
é a p osição d e Rou sseau , qu e afirma qu e, "se a gu erra só é p ossível entre tais 'seres m orais'
[Estad os], segu e-se qu e os beligerantes não têm nad a d e p essoal contra inim igos ind ivid uais".
Um Estado gu erreia com ou tro Estado. O objetivo d a gu erra é d estru ir ou alterar o Estad o
inim igo. E se o Estad o inim igo "p u d esse ser d issolvid o d e u m só golp e, nesse m esm o instante a
guerra chegaria ao fim"36.
N ão é p reciso ir longe p ara confirm ar a hip ótese. Lutam os contra a Alemanha na
Segu nd a Guerra Mu nd ial p orqu e a m aioria d os alem ães segu iu as ord ens d e H itler, não p orque
tantas p essoas nos Estad os Unid os. sentissem inimizad e p essoal p elo p ovo alemão. O fato d e
nos op orm os não a ind ivíd u os, mas a Estad os, p ossibilitou u m ráp id o realinham ento d e Estad os
d ep ois d a gu erra, o qu e é hoje espetacu larmente d emonstrad o pela coop eração d os Estad os
Unid os com os líd eres e o p ovo d e Estad os qu e até há bem p ou co tem p o eram nossos inim igos
mortais.
Pod emos voltar agora à teoria d e Rou sseau d as relações internacionais, d and o esp ecial
atenção aos p ontos pelos qu ais ele se interessa p rincipalm ente, ou seja, o ambiente p olítico e as
qualidades dos Estados. Sobre o papel do ambiente internacional, Rousseau diz:

É bem verd ad e qu e seria bem melhor p ara tod os os homens p erm anecer
sem p re em p az. Mas, com o não existe coisa algu m a qu e a assegu re, tod os,
como não têm garantia d e p od er evitar a gu erra, ficam ávid os p or iniciá-la no
m om ento ad equ ad o aos seu s p róp rios interesses e, assim, p egar u m vizinho
d e su rpresa, qu e p or sua vez não d eixará d e atacar igu alm ente d e su rp resa a
qu alqu er momento qu e lhe seja favorável, d e m od o qu e m u itas gu erras,
inclu sive as ofensivas, têm antes o caráter d e p recau ções inju stas p ara a
p roteção d as p osses d o atacante d o qu e são u m d isp ositivo p ara ap od erar-se
d as p osses alheias. Por m ais salu tar qu e p ossa ser na teoria segu ir os d itames

36. A Lasting Peace, trad. Vaugham, p. 123. Cf. Social Contract, pp. 9-10, livro I, capo iv, e Montesquieu, The Spirit ofthe
Laws, trad. Nugent, livro X, capo iii.
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d o e s p ír ito p ú b lico , é ce r t o q u e , e m t e r m o s p o lítico s e m e s m o m o r a is , esses


d itames são p assíveis d e m ostrar-se fatais p ara o homem qu e p ersiste em
observá-las com relação a tod o o m u nd o qu and o ningu ém p ensa em observá-
Ias com respeito a ele.37

A estru tu ra d entro d a qual as nações agem torna fú til a p ru d ência, p ois ser p ru d ente é
inú til "quand o tu d o é d eixad o ao acaso"38. O caráter d aqu eles qu e agem torna a situ ação aind a
mais d esanimad ora. "Tod a a vid a d os reis", d iz Rou sseau , "é d ed icad a tão-som ente a d ois
objetivos: estend er seu governo para além d e su as fronteiras e torná-lo m ais absolu to d entro
d elas. Qu alqu er ou tro p rop ósito qu e eventu almente tenham ou existe em fu nção d essas metas
ou não p assa d e p retexto p ara alcançá-las."39 Seu s m inistros, "p ara os qu ais transferem seu
d ever" sem p re qu e p od em , "vivem em p erp étu a necessid ad e d e guerras, com o u m recu rso p ara
se tornarem ind ispensáveis ao seu senhor, p ara lançá-lo em d ificu ld ad es d e qu e não p od e
escapar sem a ajuda deles, para arruinarem o Estado se as coisas derem totalmente errado, como
o p reço d a m anu tenção d e seu s p róp rios cargos"40. Se nu m m u nd o assim a p ru d ência é fú til, a
sanid ad e é absolu tam ente p erigosa, p orqu e "ser são nu m m u nd o d e lou cos constitu i p or si só
uma espécie de loucura"41.
Sobre as relações entre Estad os tal como existem , Rou sseau não d isse coisa algu m a qu e
também não seja encontrad a em Esp inosa e em Kant, aind a qu e na maioria d os casos su a
formu lação seja melhor. Mas a existência d e algu ns bons Estad os quer d efinid os d e acord o com
os p ad rões ju ríd icos d e Kant, qu er com os critérios m ais abrangentes d e Rou sseau , contribu iria
para u m mu nd o em p az? Kant resp ond eu afirm ativam ente a essa p ergu nta, e Rou sseau ,
negativamente. A vontade do Estado, que em sua perfeição é geral para cada um dos cidadãos, é
som ente u ma vontad e p articu lar qu and o consid erad a com relação ao resto d o m u nd o. Assim
com o a vontad e d e u m a associação d entro d o Estad o, em bora geral p or si m esm a, p od e ser
errada quando considerada do ponto de vista do bem-estar do Estado, também a vontade de um
Estad o, em bora ju sta qu and o consid erad a em si m esma, p od e estar errad a em relação ao
mu nd o. "Logo, não é im p ossível", afirm a Rou sseau , "qu e u ma Rep ú blica, aind a qu e seja bem
governad a, venha a entrar nu m a gu erra inju sta."42 Para chegar a u ma vontad e geral p ara o
mu nd o, ter-se-ia d e sublim ar a p articu larid ad e d os Estad os ind ivid uais, d o m esm o mod o como
Rou sseau insiste qu e a p articu larid ad e d as associações p rivad as d eve p erd er-se no Estad o. A
nação p od e proclamar com convicção que su as asp irações são legítim as d o p onto d e vista d e
tod os os Estad os; m as, a d espeito d e su as p retensões, a form u lação qu e cad a p aís faz d e su as
metas terá valid ad e antes p articu lar d o qu e geral43. Send o assim , a au sência d e u m a au torid ad e
acim a d os Estad os para p revenir e conciliar os conflitos que su rgem necessariam ente d e
vontad es p articu lares significa qu e a guerra é inevitável. A conclu são d e Rou sseau , qu e também
constitu i o âm ago d e su a teoria d as relações internacionais, é resu mid a d e m aneira p recisa,

37 A Lasting Peace, trad. Vaugham, pp. 78-9; cf. Montesquieu, The Spirit ofthe Laws, trad. Nugent, livro X, capo ii.
38 A Lasting Peace, trad. Vaugham, p. 88.
39 ibid., p. 95.
40 Ibid., p. 100.
41 Ibid., p. 91.
42 Polítical Economy, pp. 290-1.
43 Sobre a qu estão d as variações locais d e p ad rões d e cond u ta, d e qu e as reflexões acim a são um a extensão,

considere-se Ia N ouvelle Héloise, parte lI, carta xiv. In: Oeuvres c011lpliHes de I-I Rousseau, IV, p . 160: "Chaque coterie
ases régles, ses ju gem ents, ses principes, qu i ne sont point ad m is ailleu rs. L'honnête hom m e d 'u ne m aison est u m
fripon d ans Ia m aison voisine. Le bon, le m auvais, le beau , le laid , Ia vérité, Ia vertu , n'ont qu'u ne existence locale et
circonscrite." [Cad a gru po tem suas regras, seu s ju ízos e seu s princípios qu e d e m od o algu m são ad m itid os em
ou tro lu gar. O hom em honesto em u m a casa é um crápula na casa ao lad o. O bom , o m au , o belo, o feio, a verd ad e,
a virtude têm apenas existência local e circunscrita.]
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a in d a q u e u m ta n to a b s tr a ta , n a s e g u in t e a fir m a çã o : n ã o é a cid e n ta l, m a s n e ce s s á r io , q u e
o co r r a m a cid e n te s e n t r e p a r ticu la r id a d e s 44. E isso é p or su a vez ap enas u ma ou tra maneira d e
dizer que na anarquia não há harmonia automática.
Se a anarqu ia é o p roblem a, só há então d u as solu ções possíveis: 1. imp or u m controle
eficaz aos Estad os im p erfeitos e sep arad os; 2. tirar os Estad os d a esfera d o acid ental, ou seja,
d efinir o bom Estad o com o tão p erfeito qu e d eixa d e ser p articu lar. Kant tentou u m a solução
conciliad ora tornand o os Estad os bons o bastante p ara obed ecer a u m conju nto d e leis a qu e
deram volu ntariamente assentim ento. Rou sseau , a qu em nesse asp ecto Kant não segu iu ,
enfatiza a natu reza p articu lar m esm o d o bom Estad o, e, ao fazê-lo, evid encia a fu tilid ad e d a
solução que Kant sugere45. Ele também torna possível uma teoria das relações internacionais que
explica em termos gerais o comportamento de todos os Estados, bons ou ruins46.
N o exemp lo d a caça ao cervo, a vontad e d o qu e ap anhou o coelho era racional e
previsível d e seu p róp rio p onto d e vista. Da p ersp ectiva d o restante d o gru p o, foi arbitrária e
cap richosa. Assim, com relação a qu alqu er Estad o ind ivid u al, u m a vontad e p erfeitam ente boa
em si p od e p rovocar a violenta resistência d e ou tros Estad os 47. A ap licação d a teoria d e
Rou sseau à p olítica internacional é feita com eloqü ência e clareza em seu s com entários sobre
Saint-Pierre e nu m a obra curta cham ad a O estado de guerra. Su a ap licação corrobora a análise
preced ente. Os Estad os d a Eu rop a, escreve ele, "tocam u ns nos ou tros em tantos p ontos qu e
nenhu m d eles p od e se m over sem colid ir com tod os os ou tros; su as d isp arid ad es são tanto mais
mortais qu anto mais estreitos são seu s vínculos". Eles "têm inevitavelm ente d e cair em qu erelas
e dissensões às primeiras mudanças que ocorrem". E, se perguntarmos por que têm de entrar em
choque "inevitavelmente", Rousseau responde: porque sua união é "formada e mantida por nada
melhor d o qu e o acaso". As nações d a Eu rop a são u nid ad es obstinad as em estreita ju stap osição
com regras qu e nem são claras nem p assíveis d e serem im p ostas p ara orientá-las. O d ireito
pú blico d a Eu rop a não p assa d e "u m a massa d e regras contrad itórias qu e nad a, a não ser o
d ireito d o m ais forte, p od e red u zir à ord em : d e mod o qu e, na au sência d e algu ma regra segu ra
qu e a oriente, a razão está fad ad a, em tod os os casos d e d úvid a, a obed ecer aos ímp etos d o
interesse ind ivid u al - qu e p or si só tornaria a guerra inevitável, mesm o qu e tod as as p artes
d esejassem ser justas". N essa cond ição, é tolice esp erar qu e haja u ma harm onia au tomática d e
interesses e u m acord o e u ma aqu iescência autom áticos qu anto a d ireitos e d everes. N u m
sentid o real, há u m a "u nião d as nações d a Eu rop a", mas "as im p erfeições d essa associação
tornam a cond ição d os qu e a ela p ertencem p ior d o qu e seria caso não formassem com u nid ad e
alguma"48.
O argu mento é claro. Para os ind ivíd u os, o p eríod o m ais sangrento d a história foi o qu e
preced eu im ed iatamente o estabelecimento d a socied ad e. N esta fase, eles p erd eram as virtu d es
d o selvagem sem terem ad qu irid o as d o cid ad ão. O ú ltimo estágio d o estad o d e natu reza é
necessariamente um estado de guerra. As nações da Europa estão precisamente nesse estágio49.

44 . O que é paralelo à form ulação d e H egel: "Os acid entes acontecem em fu nção d a natu reza d o qu e é acid ental, e o
destino que os faz acontecer é portanto uma necessidade." Philosophy of Right, trad. Knox, seção 324.
45 Kant está m ais d isposto a ad m itir a força d essa crítica d o qu e d e m od o geral se percebe. Sobre isso, ver acim a, pp.

204-5.
46 Isso natu ralm ente não equ ivale a d izer que nenhum a d iferença entre o com portam ento d os Estad os d ecorre d as

d iferentes constitu ições e situações d os Estad os. Este ponto levanta a qu estão d a relação d a terceira im agem com a
segunda, que será discutida no capo oito adiante.
47 Polítical Economy, pp. 290-1.
48 A Lastíng Peace, trad. Vaughan, pp. 46-8, 58-9. Cf. Inequality, pp. 252-3, e Émile, 11, pp. 157-8.
49 A Lastíng Peace, trad. Vaughan, pp. 38, 46-7. N a p. 121, Rou sseau d istingu e entre o "estad o d e gu erra", qu e sem pre

existe entre Estad os, e a gu erra propriam ente d ita, qu e se m anifesta na intenção estabelecid a d e d estru ir o Estad o
inimigo.
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Q u a l é e n t ã o a ca u s a : o s a to s ca p r ich o s o s d o s E s ta d o s in d iv id u a is o u o s is te m a d e n tr o
do qual existem? Rousseau enfatiza este último aspecto:

Tod os pod em ver qu e aquilo qu e une qu alqu er forma d e socied ad e é a


com u nid ad e d e interesses, e qu e o qu e [a] d esintegra é o conflito entre eles;
qu e u ma e ou tra tend ência p od e ser alterad a ou m od ificad a p or milhares d e
acid entes; e portanto qu e, tão logo u ma socied ad e é fu nd ad a, tem -se d e
p rop orcionar algu m p od er coercitivo para coord enar as ações d e seu s
membros e conferir a seus interesses comuns e obrigações mútuas a firmeza e
a coerência que eles nunca podem adquirir por si mesmos.50

Enfatizar, p orém, a imp ortância d a estru tu ra política não equ ivale a d izer qu e os atos
qu e p rod u zem o conflito e levam ao u so d a força não têm im p ortância. São os atos esp ecíficos as
cau sas imed iatas d a guerra 51 a estru tu ra geral qu e lhes p erm ite existir e esp alhar seu s d esastres.
Eliminar tod os os vestígios d e egoísm o, d e p erversid ad e e d e estu pid ez nas nações serviria p ara
estabelecer a paz p erp étu a, mas é u tóp ico tentar elim inar d iretam ente tod as as cau sas im ed iatas
da guerra sem alterar a estrutura da "união da Europa".
Que alteração d e estru tu ra é exigid a? Rou sseau rejeita enfaticamente a id éia d e qu e u m a
fed eração volu ntária, tal com o a qu e Kant m ais tard e p rop ôs, p u d esse m anter a p az entre
Estad os. Em vez d isso, afirm a ele, o rem éd io p ara a guerra entre Estad os "está ap enas nu m a
forma d e governo fed eral qu e u na as nações p or meio d e víncu los semelhantes aos qu e já u nem
os membros individuais delas, e que ponha uma, não menos do que a outra, sob a autoridade da
Lei"52. Kant fez afirmações semelhantes ap enas p ara, corrigind o-as, aniquilá-las, qu and o p assou
a consid erar a realid ad e d e u m a tal fed eração. Rou sseau não m od ifica seu p rincíp io, com o d eixa
claro a citação a segu ir, que em tod os os p ontos contrad iz o p rograma d e Kant p ara a fed eração
pacífica:

A fed eração [qu e su bstituiria a "livre e volu ntária associação qu e agora u ne


os Estad os d a Eu rop a"] tem d e inclu ir entre seu s m em bros tod as as p otências
importantes; é imperativo que tenha um corpo legislativo; dotado de poderes
d e p rom u lgar leis e regu lamentos a cu ja obed iência tod os os seu s membros
estejam obrigad os; qu e seja d otad a d e u ma força coercitiva cap az d e obrigar
tod os os Estad os a obed ecerem a su as d ecisões com u ns sejam elas ord ens ou
p roibições; p or fim , tem d e ser forte e firm e o su ficiente p ara tornar
imp ossível qu e algum mem bro d ela se retire ao seu bel p razer no mom ento
em qu e consid erar seu interesse privad o em choqu e com o d o organism o
como um todo.53

É fácil id entificar falhas na solu ção oferecid a p or Rou sseau . O p onto m ais vu lnerável é
revelad o p elas seguintes interrogações: com o a fed eração p od eria imp or sua lei aos Estad os qu e
com p reend e sem m over guerra contra eles e qu al a probabilid ad e d e qu e a força efetiva esteja
semp re d o lad o d a fed eração? A fim d e resp ond er a essas interrogações, Rou sseau alega que os

50 ibid., p. 49.
51 Em ibid., p. 69, Rou sseau apresenta sua lista exau stiva d essas cau sas. Cf. Social Contract, p. 46, livro lI, capo ix:
"Conheceram-se Estad os constitu íd os d e tal m od o qu e a necessid ad e d e fazer conquistas entrou em suas próp rias
constitu ições, Estad os qu e, para se m anterem , viram -se forçad os a expand ir-se incessantem ente." Cf. tam bém
Polítical Economy, p. 318; Montesquieu, The Spirit o/the Laws, trad. Nugent, livro IX, capo ii.
52 A Lasting Peace, trad. Vaughan, pp. 38-9.
53 A Lasting Peace, trad. Vaughan, pp. 38-9.

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Estados d a Eu ropa estão nu ma cond ição d e equ ilíbrio su ficientem ente boa p ara evitar que
algu m Estad o ou com binação d e Estad os p revaleça sobre os ou tros. Por esse motivo, a m argem
d e força necessária semp re estará d o lad o d a fed eração. A m elhor consid eração crítica d a
fraqu eza inerente a u ma fed eração d e Estad os em qu e a lei d a fed eração tem d e ser im p osta aos
Estad os qu e são seu s m em bros está nos Federalist Papers. Os argu m entos são convincentes, m as
não p recisam ser revistos aqu i. A fraqu eza p rática d a solu ção qu e Rou sseau recom end a não
empana o mérito de sua análise teórica da guerra como conseqüência da anarquia internacional.

Conclusão

Este cap ítu lo ap resenta u m a exp licação básica d a terceira imagem d as relações
internacionais. Dois asp ectos d eixam claro qu e há aind a u m im p ortante terreno a ser coberto.
Em primeiro lugar, não há uma relação lógica óbvia entre a proposição de que "na anarquia, não
há harm onia au tom ática" e a p rop osição segu nd o a qu al "entre Estad os au tônomos, a guerra é
inevitável", qu e foram ambas d iscu tid as neste cap ítulo. O p róxim o cap ítu lo tentará d eixar clara
a relação entre elas e delas com a terceira imagem. Em segundo, apesar de a esta altura ter ficado
claro haver u m a consid erável interd ep end ência entre as três imagens, não consid eramos
sistematicamente o problema de inter-relacioná-las, o que será feito no capítulo oito.

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