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Brasília
Maio/2006
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Departamento de Pós-Graduação em Sociologia
Disciplina Obrigatória: Metodologia da Pesquisa
Brasília
Maio/2006
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SUMÁRIO
Introdução.................................................................................................................................04
1. Abordando o nascimento do conhecimento científico..........................................................06
2. Críticas ao positivismo e a separação entre ciências naturais/exatas e humanas.................10
3. Uma outra direção para pensar o conhecimento científico: a diversidade paradigmática..16
4. A diversidade paradigmática como perspectiva para pensar o conhecimento científico......19
Conclusão..................................................................................................................................22
Referencias Bibliográficas........................................................................................................24
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A produção do conhecimento científico: um debate paradigmático e metodológico
Simone Lisniowski
“Na linguagem, na religião, na arte e na ciência, o
homem não pode fazer mais do que construir seu
próprio universo – um universo simbólico que lhe
permite entender e interpretar, articular e
organizar, sintetizar e universalizar sua experiência
humana” (Cassirer, 2005, p.359)
Introdução
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Criticamos o uso exacerbado de suas verdades, quando são repetidas e validadas
indiscriminadamente, mas também se encontra afirmações de verdade sem argumentação,
sem validação e sem espaço para o questionamento dentro do espaço acadêmico, envolto a
vaidades e lutas de poder.
As ilusões trabalham contra o desenvolvimento da ciência. Os valores culturais
construídos em torno de seu discurso reforça a concepção de que ciência significa verdade.
Aparentemente gostamos de acreditar que alguém pode nos dar uma verdade, uma certeza,
para nossa tranquilidade, para aplacar nossa angústia diante de um destino incerto, precisamos
de certezas, as dúvidas nos angustiam. Talvez por este motivo as ciências que ainda se
afirmam em verdades absolutas gozam de maior reconhecimento social.
A questão neste artigo se concentra na busca de definir ‘conhecimento científico’ e
apresentar um debate acerca da ciência e sua problematização atual, concentrando-se no
problema do conhecimento para as ciências humanas. A fim de ordenar uma reflexão partirei
de uma breve exposição do pensamento positivista em torno da produção do conhecimento
científico baseado no método lógico-matemático, a seguir apresentar a crítica fenomenológica
da relação restrita imposta pelo positivismo do homem com a natureza, incluindo a
mundaneidade e a existência, e aspectos reflexivos do paradigma marxista acerca da
generalização teórica de Marx, e finalmente o paradigma pós-moderno, crítico da
racionalidade, dos estatutos de verdade e do poder. Este último paradigma, parece que oferece
duas tendências opostas: no sentido de negar todos os paradigmas e entender a realidade como
irracional, ou no sentido de aceitar a multiplicidade da realidade e de interpretações, dando
espaço para os diferentes paradigmas. Acredito que é importante refletir sobre estas
proposições, para que se compreenda seus limites e potencialidades.
O artigo busca articular as idéias entre os paradigmas mas não deve ser interpretado
como uma evolução pois a interação entre os paradigmas é muito mais complexa, e suas
escolhas dependem de contextos sociais e históricos, temporais e espaciais.
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1. Abordando o nascimento do conhecimento científico
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certo em relação ao mundo supra-sensível (o mundo da identidade, da permanência e da
verdade). O mundo real é o mundo sensível, mas o mundo ideal é o mundo das essências e é o
verdadeiro real. Para Platão esta é a relação entre o original e a cópia, e é através da dialética
que a filosofia poderia distinguir o real do não-real.
Para Aristóteles este mundo ‘das sombras’ do Platão é o mundo real e as mutações
e multiplicidades seriam a essência deste mundo. A ciência que alcançaria a verdade seria a
física. Mas ele admitia que a física dependia da filosofia primeira, de uma metafísica, “capaz
de distinguir que aquilo que a física pesquisa é algo real e verdadeiro – um fundamento”
(Ghiraldelli, 2001, p.33).
Aristóteles foi buscar suas conclusões no mundo sensível, a metafísica deveria
buscar “a essência do mundo natural e de nós mesmos no próprio mundo natural e de nós
mesmos, e não em outro mundo, o mundo das coisas puras de Platão” (Ghiraldelli, 2001,
p.33). A essência estaria nas próprias coisas, na experiência, e não em outro mundo, no mundo
das idéias.
Aristóteles admitiu diferentes essências para diferentes seres, o divino seria o
ideal, imutável, o homem e o mundo são mutáveis e estão separados do divino. Cada ciência
teria seu objeto e elas estariam unificadas pela filosofia. Este desenvolvimento do que é
essência ele chamou de ‘estudo do Ser enquanto Ser’, denominado posteriormente de
ontologia ou metafísica.
Mas, ao contrário do que defendia Aristóteles, o século XVII foi marcado pela
crença de que a filosofia dependia do avanço da física e da matemática para acessar o real, e
não que a matemática e a física dependiam de uma filosofia primeira.
A física é pensada como independente da filosofia, independente de uma moral,
como se não comportasse uma concepção de homem e de mundo, mas fosse a concepção que
comportasse a realidade, a verdade absoluta.
A física moderna descobre relações entre objetos totalmente quantificáveis. A
natureza é estruturada matematicamente, e esta descoberta apaixonou filósofos e físicos nos
séculos XVII e XVIII. E para conhecer e usar o mesmo método era preciso saber como
executar esse processo, e a preocupação não é mais com o objeto, mas com o método, é real
aquilo que um método lógico-matemático é capaz de captar.
Os antigos tentavam separar e distinguir a verdade do mito para responder à
pergunta: “o que é real?”. Já os modernos tinham em mente outra pergunta: “como é possível
o conhecimento (do real) ?” E assim iniciaram o processo de ‘subjetivação do mundo’ na
busca de um método adequado à ciência.
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Antes o existente era algo que estava apresentado e a verdade deveria ser
desvelada, na modernidade entende-se o existente como o que é representado e é garantido
pela certeza, pelo ‘sentimento de evidência’. A pergunta moderna faz surgir algo entre o real e
o conhecimento: a subjetividade.
A ciência passa a se ocupar com os objetos considerando sua aparência como
provisória e portanto, o dever da ciência, sua ética, era encontrar a essência imutável da
realidade. Assim, Ghiraldelli (2001, p.39) nos apresenta uma síntese do processo de produção
do conhecimento na modernidade:
o existente como representação é atividade (como descoberta ou como criação) do
sujeito, a verdade como certeza é um aval dado pelo sujeito a certos enunciados ou
pensamentos. Mundo e verdade passaram, então, a ser subjetivados – passaram a ser
objetos (do conhecimento) enquanto postos pelo sujeito.
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2. Críticas ao positivismo e a separação entre ciências naturais/exatas e humanas
Até que a própria ciência trouxe uma evidência que fez a primeira lacuna no
pensamento moderno: o homem antes de racional era animal. Darwin fez o que Freud chamou
de segunda ferida narcísica: a constatação que a origem do homem é animal e não semente do
absoluto. A primeira ferida tinha sido a descoberta de Copérnico de que a Terra não era o
centro do Universo.
Por isso a morte de Deus declarada por Nietzsche é a declaração do fim de um
paradigma. Assim, se Deus morre, morre muita coisa com ele, morre a ciência positivista, e
com ela, morre também a possibilidade de uma verdade absoluta. Deus é o fundamento da
razão e do conhecimento científico, se ele morre a concepção de verdade tem que mudar,
assim como a concepção de mundo e de sujeito.
Descartes apenas expressa o pensamento da sua época, sua decodificação atende a
uma exigência que veio das ciências naturais. De forma alguma um pensador naquela época
faria uma filosofia que não se harmonizasse com a física. A ciência exata constrói um outro
universo não captável pelos sentidos, a água é H2O, são moléculas, na verdade isso nós não
conhecemos pela experiência. O conhecimento científico revela a essência da coisa.
Mas quando o fenomenólogo começa a decodificar o sujeito como este estando em
relação direta com o mundo, o sujeito deixa de ser um contingente de um saber que vem de
Deus. Há na ciência cartesiana uma tomada da consciência tal como são as coisas, o mesmo
paradigma para se conhecer os objetos é utilizada para se conhecer o sujeito, a consciência. O
método científico cartesiano trabalha com o homem natural, mas as ciências humanas
questionam essa concepção de mundo, de homem e de método.
A observação, a experiência e o ser em si para Descartes estão impossibilitados de
se relacionar. Este projeto científico de eficácia e utilidade acarretou a concepção de sujeito-
objeto que serviu de base para a racionalidade moderna onde o conhecimento “é menos um
saber (no sentido de que quem conhece é sábio) e mais a posse da tecnologia e da técnica”
(Heidegger, 1984 In Ghiraldelli, 2001, p.40). A partir daí surgiram diferentes correntes que se
contrapõem ao modelo cartesiano e que exigem um trabalho de redefinição do processo de
produção do conhecimento.
Para Stein (2001, p.22) “a condição humana sempre aponta para além de si mesma,
porque ela mantém a exigência contínua de abertura. Omite-se o fato de que, precisamente, a
busca do ilimitado é afirmação do limite, de que a necessidade do horizonte infinito é uma
imposição da radical finitude” A filosofia cartesiana compreendia a finitude como aspecto
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negativo na produção do conhecimento, mas para Heidegger é a própria condição de finitude
que possibilita ao homem pensar, interrogar, compreender.
Para ilustrar como as posições em busca do conhecimento podem ser contrárias,
para Rousseau o sentimento de certeza era garantido pela ‘sinceridade do coração’, que é
expresso da seguinte forma:
Tendo em mim o amor à verdade como filosofia, e como método único uma
regra fácil e simples que me dispensa da vã sutileza dos argumentos, volto
com esta regra ao exame dos conhecimentos que me interessam, resolvido a
admitir como evidentes todos aos que na sinceridade do coração, não puder
recusar meu assentimento, como verdadeiros todos os que me parecem ter
uma ligação necessária com os primeiros, e deixar todos os outros na
incerteza, sem os rejeitar nem admitir, e sem me atormentar com os esclarecer
desde que não me levem a nada de útil na prática (Rousseau, 1979, p.303-304
In Ghiraldelli, 2001, p.44).
Ou seja, a verdade é avaliada por uma pessoa, uma subjetividade que é a consciência
moral, organizada à base dos sentimentos e que é um mundo interior. Este argumento de
Rousseau levanta a questão da ética na ciência, pois o bem está ligado à verdade.
Posteriormene, Kant afirmou que a razão (ciência) está a serviço do conhecimento científico
a fim de distinguir o verdadeiro do falso, a razão prática (ética) serve ao julgamento, isto é, à
distinção entre o certo e o errado. Ambas funcionam de modo lógico e o limite lógico da razão
prática se resume da seguinte forma: “age sempre de uma maneira tal que você possa erigir a
máxima da tua ação em lei universal”. Kant inclui a questão ética na construção da verdade
pela ciência. Porém, constrói uma concepção de verdade apoiada em um princípio moral
universal, impossível na experiência humana, ambígua e multifacetada. Seria possível
universalizar os diferentes paradigmas? Mesmo quando teoriacamente pressupomos a
aceitação de todos, quando se pressupõem que pesar de todas as diferençashá uma
concordância no relativismo da ciência, este pressuposto exclui, por si só, a ciência
positivista, que busca uma verdade absoluta. Para a ciência positivista as leis que regem a
natureza e o sujeito são as leis matemáticas, vindas de Deus e buscar esta verdade é a ética do
sujeito cartesiano.
Para a fenomenologia, a ciência positivista é uma falsificação de nossa percepção
do mundo, a aparência sensível é a apreensão da própria coisa. Esta teoria é uma crítica da
tradição científica positivista, e também tenta construir uma nova teoria da experiência, onde
a produção do conhecimento se dá na relação do sujeito com o mundo, e portanto, uma outra
concepção de verdade. Para a fenomenologia é preciso captar o homem na sua expressão
banal, é preciso escrever o mundo na sua mundaneidade.
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A consciência de Descartes é coisa, ele usa o paradigma do objeto para pensar o
sujeito, um contingente que tem conteúdos (conhecimento científico), e estes conteúdos vêm
de Deus. Para a fenomenologia, a consciência é a relação direta com o mundo, é preciso
considerar que o homem não é sujeito e depois veio ao mundo, ele não é um contingente, ele é
“ser no mundo”, e ao “estar no mundo” ele é capaz de produzir conhecimento. Ele está
inteiramente tomado pelo mundo, ele não é mais interior, não é uma substância oposta a uma
outra substância.
Para a fenomenologia não é possível ter representação do mundo sem ter acesso ao
mundo. A idéia de intencionalidade está vinculada a um papel ativo da consciência, do sujeito,
do mundo e da experiência. Para a fenomenologia o ser humano está permanentemente para
fora de si, está no mundo. A experiência tem que ser primeiro sensível para depois ser
científica, a linguagem científica vai estar estruturada na experiência. O que é esta
intencionalidade? Nasce da necessidade de romper com o dualismo corpo e essência. Os
sentidos dão acesso ao mundo, e com eles se constrói o mundo, onde perceber é um
movimento permanente que dá sentido ao mundo. E apreendemos o mundo sempre de um
lugar, porque nós participamos da construção do mundo. É o ser humano que compõe o
mundo e o organiza diante de si, interpreta e produz conhecimento científico. O esquema
positivista é apenas um dos lugares subjetivos possíveis de apreensão da realidade, mas que
não pode ser universalizado. A teoria fenomenológica vai abrir o leque e diferenciar ciências
naturais de ciências humanas. A questão mudou do conhecimento da natureza para a
compreensão do mundo, e nesta relação a interssubjetividade é incluída, o que não acontecia
com o sujeito cognoscente, que sozinho refletia sobre um mundo abstrato.
Para a fenomenologia, o campo não pode ser confunfido com a soma das partes, como
é a proposta metodológica lógico-matemática. A parte é sempre parte total, é sempre um
aspecto dentro de um horizonte. Toda apreensão é relacionante, não é só sensibilidade,
envolve também entendimento. Para Hussel trata-se de explicar e descrever o vivido. Trata-se
de vivenciar, explicar, descobrir, descrever a vivência tal como ela é vivida, pois o ser humano
se constitui o tempo todo. O vivido é inserido no tempo. Não se separa o sujeito do objeto, a
idéia dos fenomenólogos é romper com a interioridade, a maneira como uma pessoa organiza
o mundo é ela própria, é a maneira como ela é. A linguagem da ciência é uma entre muitas
linguagens. Para Heidegger não há verdades eternas, mas “essa ‘limitação’ não significa,
tampouco, uma diminuição do ser-verdadeiro dessas ‘verdades’” (Apud Stein 2001, p.30).
A ciência é invenção, ela constitui objetos, cria objetos, é um processo de experiência
e pensamento. Em Descartes o objeto é idêntico a si mesmo. Merleau-Ponty diz que não
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existe só ciência, que há outro lado, o lado da subjetividade. Heidegger nos faz perceber que a
produção do conhecimento é um processo dinâmico, de alguém que se percebe na existência e
a objetificação só é possível quando a existência é negada.
No método cartesiano o sujeito é deixado de fora do conhecimento do mundo, não
há um sujeito que diz, o que existe é a enunciação que vem de Deus, e com ela um
conhecimento pretenso universal. Segundo Dussel (2001, p.523), este método “pode ter um
critério de inteligibilidade, mas nunca poderá ter um critério de verdade” que se refere à
realidade concreta de um sujeito concreto e mortal. Ou seja, o pesquisador ao produzir
conhecimento científico se relaciona com a natureza, com o mundo, com a sociedade, os
grupos, o outro, e a produção do conhecimento deve ser contextualizada, no espaço e no
tempo.
No século XIX há a constituição das ciências humanas a partir do século XIX, e com a
diversidade surge a querela dos métodos, de um lado a insuficiência do método das ciências
naturais para explicar o fenômeno humano, por outro, é este método que dá estatuto de
cientificidade a um conhecimento. A perspectiva objetivista não vai além do fato para se
manter científica. O mito positivista é insuficiente para explicar certos fenômenos do século
XIX, ocorrendo uma espécie de ruptura entre as ciências naturais e as ciências humanas. A
ciência positivista objetificou o sujeito, não o percebe como diferente de outros objetos das
ciências naturais.
Marx tratou disso quando fez sua crítica social em relação ao trabalhador como objeto,
a exploração da mais-valia como ação validada pela técnica ‘científica’. O cientificismo fez
do homem um objeto a serviço da técnica.
Para Marx o mercado tem uma capacidade de transformar tudo em coisificação, o
grande sujeito do capitalismo é o Senhor Capital. O conceito de trabalho em Marx é o
conceito de liberdade, de realização, mas sob o capital o trabalho se transforma em
mercadoria, o trabalho é alienado quando está submetido à divisão do trabalho. E para
analisar como acontece este processo, Marx introduziu a idéia de ideologia, de ‘falsa
consciência’, o “homem age como falso sujeito, pois não é de fato senhor de seus
pensamentos nem responsável único pelos seus atos.” (Ghiraldelli, 2001, p.52) Portanto, para
conhecer sua realidade o homem precisa conhecer o modo de organização de seu trabalho e da
sociedade e precisa estar consciente dos determinantes sociais.
Para ele, “o capitalismo em geral e o mercado em particular produzem os
fenômenos de reificação da consciência e do feitichismo da mercadoria, o que torna o homem
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alienado e incapaz de autodeterminação” (Ghiraldelli, 2001, p.52-53), e esta capacidade de se
auto-esclarecer também é ideológica.
Esta forma de organização social, por sua vez, possibilitou a contribuição
inventiva daqueles que se voltaram às especialidades, gerando uma alta capacidade de
inserção de outras inovações que tem modificado continuamente as relações de trabalho,
alienando ainda mais o trabalhador. A busca por especializações criou abismos entre as
ciências, e ironicamente, dificultou a inovação, tão importante para o crescimento ecônomico.
A necessidade de inovação para garantir o crescimento econômico (mais produtividade, maior
consumo) envolveu a ciência em uma corrida para o desenvolvimento de inovações sem
criticidade. Ela abstrai os sujeitos e usa o modelo das ciências naturais para analisar o ser
humano, que é social e subjetivo. Mas este conhecimento é apenas técnico e serve à
dominação, o conhecimento da realidade social depende da autonomia do sujeito em relação
aos determinantes sociais, só é possível produzir conhecimento superando a ideologia
dominante.
Na sociedade capitalista, a ciência positivista e tecnicista é valorizada porque
apresenta os indivíduos como ‘objetos’ no processo de produção, e as práticas atuais tem
como objetivo discipliná-los e aliená-los para produzir as riquezas e garantir o crescimento
econômico, que ideologicamente levaria o desenvolvimento e a riqueza para todos. Para Marx
o sujeito está submetido à ideologia e somente ao estar consciente dela é que poderá se
revoltar e assumir seu lugar de sujeito diante da história.
O conhecimento científico voltou-se para o aprimoramento técnico no capitalismo,
e as técnicas foram orientadas pelo avanço filosófico e cientifico, mas também pela luta de
classes, que conduziram
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idéias pertencem à prática histórica (como as técnicas) e devenvolvem o conhecimento
científico, da realidade social. Mas é um idealismo quando Marx tenta transformar esta
análise em uma abstração, reduzindo o conjunto da realidade histórica a um único fator. Se as
idéias são técnicas e fazem a historia avançar, então, ou elas são o próprio motor da historia
ou são apenas um dos elementos retirados de um todo social mais complexo. E Castoriadis
compreende que as idéias são elementos de um todo muito mais complexo, incluindo a idéia
da determinação econômica da sociedade. Ou seja, “os fatos técnicos não são só idéias ´em
atraso` (significações que foram encarnadas), eles são também idéias ´em avanço` (significam
ativamente tudo o que ´resulta´ deles, e conferem um sentido determinado a tudo que os
cerca)” (Castoriadis, 2000, p.34,35).
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3. Uma outra direção para pensar o conhecimento científico: a diversidade paradigmática
Foucault não pretende mais encontrar uma metafísica do sujeito, sua proposta é
desconstruí-la pois elas o mantém submetido ao seu próprio poder. Foucault propõe um
sujeito que tem como tarefa “inventar e construir o que ele deve ser” (Foucault, “Deux essais
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sur le sujet el lê pouvoir” In Michel Foucault: Un parcours philosophique, entrevista com
Dreyfus e Rabinow, Gallimard, Paris, 1984, p.308. IN Souza, 2000, p.135-136). A proposta de
produção do conhecimento não busca mais estatuto científico, mais um estatuto de criticidade,
de desconstrução das verdades instituídas. Críticas como estas têm provocado abalos nos
fundamentos da ciência e na sua estrutura conceitual, bem como têm fragilizado o sistema de
legitimações da ciência.
Ao analisar o poder do discurso, Foucault (1999, p.7) fala que o importante é "ver
historicamente como se produzem efeitos de verdade no interior de discursos que não são em
si nem verdadeiros nem falsos". Para Foucault "a verdade não existe fora do poder ou sem o
poder (...) A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele
produz efeitos regulamentados de poder.”
Para Foucault cada época tem suas próprias práticas disciplinares afim de constituir as
verdades (científicas ou não) necessárias à reprodução das relações de poder. Ele está
preocupado com a forma como nos constituímos enquanto sujeitos de nosso saber, que
exercem e sofrem relações de poder julgando moralmente as ações. Em cada espaço de poder
institucionalizado existem mecanismos de intensificação das relações de poder. E assim que a
ciência se institucionalizou ela também se utilizou de mecanismos de poder para se afirmar
como valor social, afirmação que buscou validade no conhecimento científico, que quanto
mais absoluto e pretensamente possuidor de uma verdade, mais tenta exercer sua dominação.
Para Foucault, as práticas que definem o homem são as mesmas que podem ser
modificadas por ele e portanto não tem a menor validade enquanto definidoras de seu ser
homem. Mas a sua capacidade criadora não é reconhecida em sua potência pois ele acredita
que a ciência sabe dizer quem ele é, ele crê no saber dos especialistas, filósofos e cientistas,
ele crê na técnica e na verdade promulgada pela ciência. Aquilo mesmo que o define é o que o
condiciona, o homem trabalha mas o fruto de seu trabalho não lhe pertence; ele fala e torna
viva as palavras, mas elas obedecem a regras socioculturais rígidas; ele está vivo, encarnado
em seu corpo, mas está cercado pela morte, num passado e futuro.
Foucault questiona como esses elementos podem ser a essência do homem se
dependem de aspectos históricos e sociais. Foucault faz a crítica da sujeição e da subjetivação,
a sociedade cria indivíduos que se acreditam sujeitos autônomos, mas que se sujeitam ao
poder e ao saber. Para este autor o conhecimento científico pretende manter este estatuto para
garantir um lugar de poder. É uma verdade que funda novamente outras formas de sujeição.
Todas as sociedade produzem mecanismos de poder que são sustentados pela produção de
verdades, e o mesmo acontece com o conhecimento científico. Foucault introduz o conceito
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de poder como questão central, com a idéia do discurso como uma formação regulativa e
regulada, “determinada pelas (e constitutiva das) relações de poder que permeiam o domínio
social” (McNay, 1994, p.87 IN Hall, 2000, p.21). E o conhecimento produzido por Foucault,
embora critique o poder investido à ciência e à verdade, busca um reconhecimento de seu
estatuto de verdade, fundado nos conceitos de poder e discurso.
Foucault aborda uma crítica ao sujeito predominante na ciência, daquele que passou
por um processo de subjetivação disciplinada pois a ciência coloca no centro um sujeito
uniforme, e todos devem se submeter aos lugares impostos pela lógica das convenções, pelos
lugares já enunciados. Ao criticar a ciência, Foucault critica a dominação dos sujeitos e a
reprodução desta dominação pelos lugares de saber e de poder estabelecidos pela ciência e
seus representantes e aposta na liberdade individual do cientista de combinar uma diversidade
de análises e desconstruir os estatutos de verdade da ciência.
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4. A diversidade paradigmática como perspectiva para pensar o conhecimento científico
A partir de autores como Foucault, Nietzsche, Derrida etre outros, e suas críticas à
racionalidade e aos discursos de poder historicamente construído, é possível construir novas
relações, novas identidades, segundo uma ética, em meio a tantas que se constróem e se
cristalizam, se desconstroem e re-significam, numa tentativa de satisfazer objetivos
individuais e/ou coletivos.
No espaço acadêmico apresentam-se possibilidades de pesquisa diferenciadas, como a
prática cada vez maior da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, de uma fluidez de
fronteiras, entre os paradigmas e entre as áreas de estudo, que desorganiza os domínios
hierarquizados estabelecidos anteriormente pela Filosofia da Ciência. Uma expressão mais
ousada desta mistura são as aproximações realizadas por Capra (1983) entre a física quântica
moderna ao misticismo oriental.
A heterogeneidade paradigmática na contemporaneidade abriga uma diversidade de
saberes e práticas que estão dispersos em todas as áreas, desde os avanços da física quantica
até as tradições orientais e antigas e a combinação com novos paradigmas das ciências
humanas. Portanto, as questões paradigmáticas e de produção do conhecimento, que antes se
limitavam à ciência e ao conhecimento científico, se manifestam em várias áreas do
conhecimento, como a economia, a política, a educação, a psicologia, a estética, a religião e
os cuidados com o corpo e a mente. Estas mudanças refletem uma crise na ciência, que passou
a ser criticada por ter estabelecido e mantido posições de poder a capitalistas, políticos,
militares e se distanciou cada vez mais dos valores que a originaram, a busca pela verdade e
pelo desenvolvimento do homem e da sociedade. E esta proposta contamporânea exige cada
vez mais um debate ético em torno da produção científica.
O conhecimento científico deixa de ser compreendido como a busca do bem e da
verdade, baseado na razão em direção ao progresso, para ser analisado como uma prática
social e portanto sujeita a determinantes culturais, sociais, economicos e da história individual
do pesquisador. E assim começa uma busca por identificar as relações entre a tessitura social e
a produção de conhecimentos (Mulkay, 1979). A Sociologia do Conhecimento começa a
investigar as atitudes e comportamentos efetivos dos cientistas, revelando a existência de uma
rede complexa de relações sociais que envolve tanto a comunidade científica como a
sociedade. A sociologia passa a investigar como são construídos os interesses, como são
realizadas as negociações sociais, as mediações culturais, as interpretações e as ideologias no
meio científico (Mulkay, 1979).
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A análise sociológica da produção do conhecimento científico apresenta uma
variedade de relações sociais que não são descritas nas metodologias e nas teorias,
evidenciando como o conhecimento científico é socialmente construído, e a idéia do cientista
como um sujeito onisciente e neutro se modificou para um sujeito motivado por
determinantes históricos e sociais.
Ao mesmo tempo que fragiliza a ciência, este movimento de crise busca a criação de
novos paradigmas para explicar a realidade. Estes novos paradigmas buscam a inclusão de
uma análise histórica e a inclusão de outras racionalidades. Na época medieval a ciência fez
uma quebra paradigmática com a religião. Na época medieval havia um contexto diferente,
segundo Prigogine e Stengers (1984, p. 41) havia
ressonâncias entre discursos científicos e teológicos. Hoje podemos
falar de uma outra ressonância, entre as ciências e a dominação 'laica'
do mundo industrializado, reforçada pela afinidade que se conhece
entre o exercício dessa dominação e a prática compartilhada e muda
da ciência.
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mais resta qe tentar corrigir as falhas, de modo a retornar às normas
dominantes. Inversamente, pode-se considerar que esses
comportamentos dependem de uma lógica diferente, que deve ser
estruturada como tal. Em vez de abandoná-los à sua irracionalidade
aparente, vamos então tratá-los como uma espécie de matéria-prima,
como espécie de mineral de que se pode extrair elementos essenciais à
vida da humanidade, especialmente à sua vida de desejo e às suas
potencialidades criativas.
Para Cassirer (2005;359) ciência parte do pressuposto que a realidade/a natureza são
compreensíveis. A ciência depende de uma ação construtiva para produzir conhecimento
científico e estas “espontaneidade e criatividade são o próprio centro de todas as atividades
humanas”.
Foucault afirma que os discursos, e aqui podemos incluir o conhecimento científico,
constróem posições-de-sujeito no interior do discurso. Mas esta crítica não revela as razões
que fazem os indivíduos ocuparem certas posições-de-sujeito e não outras. Ou seja, a posição-
de-sujeito é uma categoria a priori, e determina o sujeito. Embora a ideologia seja falsa, ou
seja, o reconhecimento não é ‘verdadeiro’, este falso reconhecimento tem “funcionado como
o significante da condensação das subjetividades no indivíduo” (Hall, 2000, p.121), e,
portanto não pode ser simplesmente descartada, seu adjetivo de ‘falsa’ não anula seu efeito.
Se o sujeito escolhe determinado lugar para ocupar, deve existir uma motivação para
tal escolha. O argumento de Foucault é de que o sujeito é assujeitado pelos determinantes
sociais e históricos, enfim, ele não escolhe ocupar este ou aquele lugar. Mas esta questão nos
faz pensar se a produção do conhecimento científico está apenas na submissão a certos
pressupostos. Há alguma característica humana que o impulsiona a buscar responder suas
questões, afirmar-se em posições de poder não explica-se por si só, porque o sujeito busca se
afirmar? Há um desejo que o impulsiona a produzir conhecimento ou ele está fadado a
reproduzir relações de poder e articlações discursivas determinadas socialmente e
culturalmente?
Na análise do discurso, Foucault coloca o perigo da interdição institucional que, dando
um lugar especial ao discurso, ritualizando-o, se coloca na função de atribuir poder ao
discurso, ao invés de reconhecer o valor de todo discurso como a fala de um sujeito, já que
'tudo' não é dito ou interpretado.
Porém, acredito que este sujeito expressa, além de uma combinação de determinantes
sociais e históricos, o seu desejo. No sentido de buscar um lugar social para realizar uma
construção imaginária, na busca de uma realização individual.
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Conclusão
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discursos pode-se, além de reproduzir relações de poder, questionar, desconstruir, reconstruir,
desobstruir e interpretar os diferentes discursos como instrumento de construção de novas
relações, novas identidades, e novos conhecimentos.
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Referencias Bibliográficas
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